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Uma Viagem com Debret PDF

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Valéria Lima Uma Viagem com Debret Sumário Introdução: redescobrindo Debret Jean-Baptiste Debret: quem era? A herança do primo David: o rigor neoclássico Repensando a Missão Artística Francesa Artista da Corte, da Academia, das ruas… A Viagem pitoresca e histórica ao Brasil O diálogo entre Debret e a literatura de viagem Uma viagem “pitoresca” Entre a natureza e a cultura: o lugar do homem brasileiro Uma viagem “histórica” Seguindo a Viagem: “Tudo assenta pois, neste país, no escravo negro” Eis que surgem os brancos! A violência catalogada Para finalizar a Viagem… Cronologia Referências e fontes Leitura sugerida Crédito das ilustrações Sobre a autora Ilustrações Introdução: redescobrindo Debret Passados mais de 170 anos da estada do artista francês Jean-Baptiste Debret no Brasil (1816-31), podemos estar certos de que suas imagens são nossas velhas conhecidas. Por outro lado, nem sempre sabemos que seu autor é um importante nome de nossa história cultural e artística ou, se já o sabemos, nem sempre estamos informados a respeito de sua permanência e atuação entre nós. Os motivos de sua vinda para o Brasil e do interesse manifestado pela história do país e pelo seu reconhecimento entre as nações européias daquele distante século XIX permanecem quase sempre encobertos pelo deleite proporcionado por suas cenas pitorescas, o impacto causado pelas imagens que “retratam” a escravidão no Brasil e a admiração diante das cenas em que celebra os grandes feitos e momentos de nossa monarquia. Quase sempre impressionados pelo volume e variedade de imagens que Debret foi capaz de produzir e publicar, tendemos a privilegiar excessivamente a Viagem pitoresca e histórica ao Brasil como um documento de nossa história, fonte para todos os que se interessem pela realidade do Brasil Imperial. Retomar a figura deste artista, formado na França pré-revolucionária e autor de uma série de trabalhos que celebravam a glória napoleônica, é um exercício que certamente vai nos permitir identificar, no viajante Debret, traços não muito conhecidos a seu respeito e da obra que dedica ao Brasil. Mais que um simples inventário da realidade brasileira no século XIX, seus livros são uma viagem através de sua personalidade, de suas intenções e das opções possíveis em um determinado momento da história política e cultural de nosso país. Este livro pretende tornar mais transparente a experiência de Debret no Brasil, preenchendo algumas lacunas de informação e abordando questões capazes de estreitar nossos laços com um dos viajantes mais celebrados entre nós. Seu objetivo será atingido se, ao final da leitura, o leitor compreender por que não podemos considerar os volumes da Viagem de Debret como retratos fiéis do Brasil oitocentista, mas como um grande exemplar de pintura histórica, que traz em si os indícios de um apurado e cuidadoso processo de composição. Jean-Baptiste Debret: quem era? Jean-Baptiste Debret, nascido em Paris no ano de 1768, foi um artista bastante inserido em seu tempo: freqüentou um ateliê de pintura, realizou a imprescindível experiência de estudos na Itália, ingressou na Academia de Belas-Artes francesa, esteve presente nos Salões organizados por essa instituição e recebeu alguns prêmios por suas cenas históricas. Na infância, desfrutou de um ambiente em que o pai, funcionário público, demonstrava grande interesse pela história natural. Este fato sugere uma certa familiaridade de Debret com os debates em torno dessa disciplina, fundamentais para sua experiência futura como “artista- viajante”. Adolescente, Debret passa a freqüentar o ateliê de Jacques-Louis David (1748-1825), seu primo, que viria a ter uma das trajetórias mais importantes e conhecidas da arte francesa. Ali, convive em um ambiente de profundas discussões artísticas e políticas, em consonância com a personalidade intelectual e ativista do primo. Entre 1784-85, aos 16 anos, Debret vai com o primo para Roma. Nessa temporada na Cidade Eterna, David pintaria O juramento dos Horácios, quadro exposto no Salão de 1785. A tela, ao evidenciar o patriotismo e o sacrifício do indivíduo diante das necessidades do Estado, logo tornou-se o símbolo maior do amor à pátria, sentimento cobrado da pintura histórica enquanto instrumento para a elevação moral da alma (v. fig. 1). Em 1785, Debret entra para a Academia Real de Pintura e Escultura da França. Entre 1789 e 1797, em meio ao tumulto revolucionário, segue seu aprendizado artístico, adaptando-se às condições políticas da época. Em 1791, aos 23 anos, admitido pelo segundo ano consecutivo no concurso para bolsistas em Roma, recebe o segundo prêmio de pintura com a tela A partida de Régulus para Cartago. A tela, um óleo de 1,08m x 1,43m, é um significativo exemplar de sua produção neoclássica, retomando o tema da virtude e da moral elevada (v. fig. 3). Debret participaria seguidamente dos concursos da Academia, até que esta fosse fechada pela Convenção, em 1793. A conjuntura política fez então com que abandonasse provisoriamente as belas-artes e fosse ocupar o cargo de professor de desenho em escolas técnicas, destinadas a formar engenheiros civis. Entre 1798 e 1805, Debret, entre outras atividades, colabora com os arquitetos Percier e Fontaine em trabalhos decorativos para edifícios públicos e residências particulares — experiência que também lhe seria útil no Brasil, quando foi convocado para participar dos arranjos cenográficos das celebrações monárquicas. Em 1799, Debret recebeu o Prêmio de Segunda Classe no Salão da Academia pelo quadro Aristomenes, general dos messênios, um óleo sobre tela de 2,93m x 3,25m. Nesse trabalho, como que a demonstrar certa independência com relação aos ditames do neoclassicismo davidiano, Debret emprega efeitos luminosos que lembram os procedimentos de Caravaggio, pintor italiano que viveu entre 1571 e 1610 e explorou o papel da luz em suas composições. Em paralelo, continuava freqüentando o ateliê de David. O ano de 1806 marca a entrada de Debret no âmbito das representações pictóricas dedicadas à glória de Napoleão. Desde 1798 os Salões vinham, progressivamente, transformado-se em palcos de manifestações iconográficas cujo objetivo era informar a população a respeito das campanhas napoleônicas e exaltar a figura daquele que foi o grande general do exército francês, primeiro-cônsul e, por fim, imperador. As encomendas eram feitas por Vivant-Denon, diretor dos Museus durante os períodos do Consulado e do Império, o qual, sob a autoridade maior do próprio Bonaparte, definia os temas, escolhia os artistas e fixava os preços a serem pagos por cada composição. Assistia-se, então, a um verdadeiro processo de fabricação de imagens, no qual os artistas gozavam de pouca ou nenhuma liberdade. O Salão de 1806 recebe um grande número de obras inspiradas em acontecimentos contemporâneos. Até então, a pintura histórica buscara seus temas na história antiga, trazendo para o presente a urgência de uma moral mais elevada e da valorização das mais nobres virtudes. Napoleão vai alterar essa tradição ao encomendar aos artistas quadros que tivessem como inspiração os fatos da história contemporânea, da qual era o protagonista. Debret expõe, nessa ocasião, Napoleão homenageia a coragem infeliz, inspirando-se em um acontecimento narrado no Journal de Paris (v. fig. 5). A tela, de grandes proporções (3,90m x 6,21m), é um típico exemplar de pintura histórica desse período. Por esse trabalho, Debret recebeu o Prix Décennal, instituído por Napoleão para recompensar artistas de mérito. A importância da obra, se não tanto pelas qualidades estéticas, deve-se sobretudo à sua função histórica na construção de uma imagem que se queria, naquele momento, propagar e perpetuar: o lado humanitário do imperador. Esse foi um momento especial na carreira de Debret, que se tornou, a partir de então, um dos artistas mais estimados entre seus contemporâneos. Debret participa do Salão de 1808 ao lado de artistas como Gros, Gérard, Girodet, Guérin e também Nicolas Taunay, seu futuro colega na expedição brasileira. Expõe, nessa ocasião, Napoleão condecora o granadeiro Lazareff em Tilsitt, 8 de julho de 1807, que lhe rendeu apreciações bastante favoráveis, a despeito de algumas críticas (v. fig. 6). A tela, medindo 3,51m x 4,92m, registra o momento em que Napoleão entrega sua própria Cruz da Legião de Honra ao soldado russo, para demonstrar a aliança entre os dois países. A superioridade do imperador expressa-se não apenas no ato, mas na postura diante do granadeiro russo: como era de praxe nas representações desse tipo, a figura de Napoleão destaca-se dos outros elementos do quadro, instalada no centro iluminado da composição. O corpo do granadeiro compõe uma mesma horizontal com o de Napoleão, mas a diferença no comportamento dos cavalos movimenta a composição e expõe a diferença entre os dois personagens: a superioridade do imperador, demonstrada no controle sobre o animal, e a posição inferior do granadeiro, traduzida na inquietação de seu cavalo. No mesmo Salão em que Debret expõe essa tela ao lado de outros exemplos de pintura de batalhas, o público teve nova oportunidade de admirar a cena da Sagração de Napoleão (v. fig. 7), executada por David anos antes e que instaurara uma tradição de pintura celebrativa, tradição que estará presente na experiência brasileira de Debret junto à Corte portuguesa. É importante frisar, portanto, que a experiência artística de Debret na França formou a bagagem visual e intelectual que o pintor-viajante traria consigo em 1816, quando aportou no Rio de Janeiro. A campanha napoleónica na Áustria, em 1809, movimentou novamente os ateliês dos artistas envolvidos no programa iconográfico de Vivant- Denon. Uma série de cinco grandes telas e sete de dimensões médias foi encomendada a artistas que já haviam se destacado nos Salões anteriores. Debret, que fazia parte desse grupo seleto, expôs no Salão de 1810 Napoleão discursa para as tropas bávaras e wurtemburguesas em Abensberg, 20 de abril de 1809 (v. fig. 4), pintura histórica de grandes dimensões. O imperador, altivo sobre seu cavalo, destaca-se acima das tropas. O tema do juramento, tão caro à tradição neoclássica, está presente na disposição dos grupos que se encontram em primeiro plano, à esquerda e diante de Napoleão. Em paralelo à sua atividade como pintor da glória napoleônica, Debret organiza um pequeno álbum de gravuras, onde encontramos personagens típicos italianos que retratam, em cores, os hábitos e costumes da população, como o visto abaixo. Mais tarde, ao observar a população brasileira, Debret vai retomar essa experiência, “vestindo” seus tipos com trajes de escravos, índios e brancos livres. Para o Salão de 1812, Debret prepara duas telas: Entrevista de Napoleão com o príncipe Dalberg, em Aschaffenburg, 2 de outubro de 1805 e Primeira distribuição das cruzes da Legião de Honra, feita por S.M. na Igreja dos Inválidos em 14 de julho de 1804. No primeiro, ele pintou as personagens, enquanto a paisagem ficou a cargo de Constant Bourgeois (1767-1841). Assim como o tema de Aschaffenburg, a entrega das Cruzes da Legião de Honra não era um tema contemporâneo, o que distingue esses dois trabalhos de Debret das encomendas anteriores. A elaboração dos dois quadros deve, portanto, ter sido menos sujeita às exigências do comandatário, o que sugere uma maior autonomia do artista com relação às suas composições.

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