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Oito ensaios sobre cultura latino-americana e libertação PDF

225 Pages·2003·2.568 MB·Portuguese
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PALAVRAS PRELIMINARES Estes oito ensaios sobre cultura latino-americana e liber- tação (1965-1991) são fruto de trabalhos fragmentados sobre Filosofia da Cultura, elaborados ao longo de quase 30 anos. Acreditamos que esta publicação permitirá tomar consciência da transformação do problema durante todo esse período. Des- de 1991, não escrevemos sobre o assunto, pois o que pensamos naquele momento ainda guarda atualidade. Cremos que em todos os ensaios é possível ver um mes- mo elã, um querer dar conta da cultura latino-americana, em primeira instância, que guarda uma certa exterioridade, como um estar "fora" da história das culturas. Em segundo lugar, lentamente, foi-se esboçando o tema da dominação cultural, isto é, a cultura latino-americana como totalidade foi descober- ta como dominada e excluída. Num terceiro momento, dentro do âmbito latino-americano, foi-se descobrindo o bloco social dos oprimidos, o povo e sua cultura popular, também domina- da e excluída internamente sob o poder da cultura dos "criou- los brancos". Partindo de horizontes como a civilização universal (ou cultura imperial) e da cultura latino-americana em seu conjun- to, avançamos para a cultura nacional, para diferenciá-la a se- guir, internamente, nas culturas das elites ou ilustradas, nas culturas imitativas e na cultura dos oprimidos. Por último, a própria cultura popular foi interpretada como ponto de partida de uma resistência, criatividade ou libertação cultural possível, futura, como cultura revolucionária, visto que tínhamos, naquele momento, o exemplo da revolução cultural nicaragüense da década de 80. Enrique Dussel México, 1996 PREFÁCIO Nestes tempos de globalização, muito se tem falado em integração dos países latino-americanos e, no Brasil, o interes- se voltou-se, em especial, para o Mercosul. No entanto, o con- ceito de integração supera quaisquer limitações e interesses comerciais e políticos. É exatamente esta a importância dos artigos do dr. Enri- que Dussel, professor da Universidade Autônoma do México. Escritos no período que vai de 1965 a 1991, estes artigos e conferências constituem-se num levantamento e discussão de pressupostos históricos, filosóficos e sociológicos que confor- mam o panorama da cultura latino-americana, abordando as ci- vilizações pré-colombianas, a colonização luso-hispânica, o de- senvolvimento e configuração das nações independentes, o pro- cesso de exploração do trabalho, a religiosidade européia e seus contornos "crioulos" e populares, e a questão da libertação. Considerado por Leopoldo Zea como um dos principais nomes de toda uma geração de pensadores latino-americanos, Enrique Dussel, partindo de um substancioso e abrangente em- basamento teórico, transmite aspectos fundamentais para a com- preensão do que é cultura, sua filosofia e suas características, remetendo-se a Marx, Hegel e Heidegger, a autores como Ortega y Gasset, Leopoldo Zea, Merleau-Ponty, A. Gramsci, Paul Ricoeur, A. Mattelart, Max Scheler e Paulo Freire, entre outros que tratam desse tema. Um dos questionamentos mais importantes concretiza- dos por Dussel é a discussão do ponto de vista da análise da cultura latino-americana, que muitas vezes privilegia a visão do colonizador, do elemento europeu, e exatamente a partir dessa diferenciação é que o autóctone, o nacional e o popular correm o risco, em todos os âmbitos, de parecerem uma "cultu- ra de segunda", sem o brilho iluminista dos "países do centro". Por outro lado, aqueles que defendem de forma radical a cultu- ra popular arriscam-se a ser considerados "populistas", sofren- do críticas e caindo no desprestígio da elite de valores euro- peus. Para um debate mais aprofundado, Dussel busca em Facundo, o Civilización y barbarie, de Domingo F. Sarmiento, elementos que justifiquem a rejeição burguesa ao homem au- tóctone ou essencialmente crioulo, ou seja, aquele que nasceu na América colonizada e que incorporou traços das culturas que vivencia em seu cotidiano. A religiosidade é abordada de forma clara e objetiva, traçando os vínculos históricos que sustentaram a catequese e a afirmação do Cristianismo no continente americano, bem como revelando as relações estabelecidas com as crenças indígenas que vigoravam naquele momento. Necessário e atual, este livro abre caminho para novas perspectivas de estudo, avaliação e atuação junto a comunida- des e grupos populares, estabelecendo um diálogo real de inte- gração histórica e social entre os países latino-americanos. Professora Sandra Trabucco Valenzuela Mestre e doutoranda em Literatura Hispano-Americana Universidade de São Paulo PARTE I CULTURA, IDENTIDADE E AUTOCONSCIÊNCIA 10 Capítulo 1 AMÉRICA IBÉRICA NA HISTÓRIA UNIVERSAL * Podemos dizer que conhecemos algo quando compreen- demos seu conteúdo intencional. "Compreender" significa jus- tamente abranger tudo o que é conhecido; no entanto, para essa "abrangência", é preciso situar previamente o que pretendemos conhecer dentro de certos limites. Por isso, o horizonte dentro do qual um ser se define já é um elemento constitutivo de sua entidade noética. Esta delimitação do conteúdo intencional é dupla: por um lado, objetiva, já que esse "algo" situa-se dentro de certas condições que o fixam concretamente, impedindo-lhe uma ab- soluta universalidade, ou seja, é um ente determinado. Mas, sobretudo, o conteúdo de um ser está subjetiva e intencional- mente limitado dentro do mundo daquele que o conhece. O mundo do sujeito cognoscente varia segundo as possibilidades que cada um tenha tido de abranger mais e maiores horizontes, isto é, segundo a posição concreta que tenha permitido a este homem abrir seu mundo, desorganizá-lo, tirá-lo de sua limita- ção cotidiana, normal, habitual. Na medida em que o mundo de alguém permanece em contínua disposição de crescimento, de ultrapassar os limites, a finitude ambiente, as fronteiras já cons- tituídas, nessa medida, esse sujeito realiza uma tarefa de mais profunda e real compreensão daquilo que se encontra tendo um ______________ *. Publicado na Revista de Occidente, n. 25, Madri, 1965, pp. 85-95. 11 sentido em seu mundo; de outro modo, tudo cobra um sentido original, universal, entitativo. O que dissemos pode ser aplicado ao ser em geral, mas de uma forma ainda mais adequada ao ser histórico. A temporalida- de do cósmico adquire no homem a específica conotação de historicidade. Onticamente, tal historicidade não pode deixar de ter relação com a consciência que se tenha dessa historicidade, pois o mero transcorrer no tempo é história, somente e ante uma consciência que julga essa temporalidade, no nível da autocons- ciência ou "conscientização-de-si -mesmo" (Selbstbewusstsein), que constitui a temporalidade na historicidade. E enquanto a "compreensão" é definição ou delimitação, o conhecimento his- tórico –seja científico ou vulgar– possui uma estrutura que lhe é própria, que o constitui, que o articula. Tal estrutura é a periodificação. O acontecer objetivo histórico é contínuo, mas em sua própria "continuidade" é ininteligível. O entendimento necessita discernir diversos momentos e descobrir neles conteú- dos intencionais. Quer dizer, realiza-se uma certa "des-continui- dade" por meio da divisão do movimento histórico em diversas eras, épocas, etapas (Gestalt). Cada um desses momentos tem limites que são sempre, na ciência histórica, um tanto artificiais. Mais ainda, o mero fato da escolha desta ou daquela fronteira ou limite define já, de certo modo, o momento que se delimita, ou seja, seu próprio conteúdo. Nos Estados modernos, a história transformou-se no meio privilegiado de formar e conformar a consciência nacional. Os governos e as elites dirigentes têm especial empenho em edu- car o povo segundo seu modo de ver a história, que se transfor- ma no instrumento político que chega até a própria consciência cultural da massa –e ainda da "Inteligência". Os que possu- em o poder, então, têm um cuidado especial para que a periodi- ficação do acontecer histórico nacional seja realizada de tal forma que justifique o exercício do poder pelo grupo presente, como um certo clímax ou plenitude de um período que eles realizam, conservam ou pretendem modificar. A história é "consciencializada" –feita presente de ma- neira efetiva numa consciência– dentro do curso da periodifi- 12

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