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O SISTEMA DOS QUADRINHOS PDF

93 Pages·2015·40.381 MB·Portuguese
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SISTEM ADRIN As histórias em quadrinhos consistem em um modo de expressão sequencial caracterizado pela justaposição de imagens solidárias. Nelas, a condução da narrativa (a decupagem) e o gerenciamento do espaço (o layout) são duas operações indissociáveis, que estão em determinação mútua e constante. Esta obra propõe uma nova análise dos fundamentos da linguagem das HQs a partir da descrição minuciosa de suas unidades constitutivas, explicando cada um de seus mecanismos de produção de sentido. A partir de exemplos ecléticos - analisados em ritmo progressivo e sempre com um viés pedagógico -, O Sistema dos Quadrinhos cria a base para uma reflexão sobre a própria natureza do meio. É um sistema que se apoia tanto na estética quanto na semiótica e, embora não deixe de lado as SISTEMA funções do verbal, estabelece a primazia do visual no discurso do quadrinho. Transpassando as o particularidades da nona arte, Sistema também VAi RINH ilumina o tema mais geral que é a leitura da imagem, pensada sucessivamente como um enunciável, um descritivel e um interpretável. THIERRY GROENSTEEN IS R 176 65 (cid:9) 29 1-406- 5 MARSUPIAL Q EDITORA Título da Obra O SISTEMA DOS QUADRINHOS P,;-• Autor Thlerry Groensteen Cl 1999 Presses Universitaires de France Titulo original: Système de Ia bande desinée Edição brasileira: 2015 Marsupial Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer meio (escrito ou eletrônico) sem a prévia autorização por escrito da editora. Projeto Gráfico e Diagramação Design Company e Flavio Soares ([email protected]) Design de Capa Studio Mói ([email protected]) Tradução Ético Assis Francisca Ysabelle Manriquez Reyes Revisão Leandra Trindade Revisão técnica: Nobu Chinen Impressão Gráfica Monalisa MARSUPIAL EDITORA LTDA. Caixa Postal 77100 Nova Iguaçu - RJ CEP 26210-970 www.marsupialeditora.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Groensteen, Thierry O sistema dos quadrinhos / Ihierry Groensteen ; tradução Érico Assis. -- 1. ed. -- Nova Iguaçu, RJ : Marsupial Editora, 2015. Título original: Systeme de la banda dessinée. ISBN 978-85-66293-44-9 1. Analise do discurso n•- Narrativa 2. Histórias em quadrinhos - História .e critica I. Titulo. 15-06506 (cid:9) CD0-741.5 Índices para catálogo sistemático: 1. História em quadrinhos : Teoria : Critica e interpretação (cid:9) 741.5 índlic'e Introdução para edição brasileira (cid:9) 7 1.11.1. A tipologia de Benoit Peeters (cid:9) 99 1.11.2. Defesa e ilustração do layout regular (cid:9) 103 1.11.3. Novas proposições (cid:9) 105 9 Introdução (cid:9) Por uma nova semiologia das histórias em quadrinhos (cid:9) 9 Capitulo segundo A disputa improdutiva em torno das unidades significantes (cid:9) 11 Artrologia restrita: a sequência (cid:9) 110 Um espécime narrativo de dominante visual (cid:9) 15 2.1 (cid:9) — Sobre o limiar da narrativa (cid:9) 111 A definição inencontrável (cid:9) 21 2.2 (cid:9) — Uma narração plurivetorial (cid:9) 115 Da solidariedade icônica como princípio fundador (cid:9) 27 2.3 (cid:9) — Os planos de significado (cid:9) 117 Apresentando a artrologia e a espaçotopia (cid:9) 31 2.4 (cid:9) — Em busca do vazio (cid:9) 119 2.5 (cid:9) — A redundância (cid:9) 122 Capitulo primeiro 2.6 (cid:9) — Decupagem e composição de cena (cid:9) 125 O sistema espaçotópico (cid:9) 35 2.7 (cid:9) — Descrição e interpretação (cid:9) 129 1.1 (cid:9) — A pregnância do quadro (cid:9) 35 2.8 (cid:9) — As funções do verbal (cid:9) 135 1.2 (cid:9) — Primeiros parâmetros espaçotópicos (cid:9) 39 2.9 (cid:9) — Um-exercício de tradução (cid:9) 143 1.3 (cid:9) — O hiper-requadro e a página (cid:9) 41 2.10 — Decupagem e layout (cid:9) 149 1.4 (cid:9) — Sobre a importância da margem (cid:9) 42 1.5 (cid:9) —Aposição (cid:9) 45 Capitulo terceiro 1.6 (cid:9) — Compondo a página dupla (cid:9) 46 Artrologia geral: a rede (cid:9) 152 1.7 (cid:9) —As funções do requadro (cid:9) 49 3.1 (cid:9) —A fase da quadriculação (cid:9) 152 1.7.1. A função de fechamento (cid:9) 49 3.2 (cid:9) — Primeira abordagem do entrelaçamento (cid:9) 153 1.7.2. A função de separação (cid:9) 53 3.3 (cid:9) — Da posição ao lugar (cid:9) 154 1.7.3. A função de ritmo (cid:9) 55 3.4 (cid:9) —Algumas séries compactas (cid:9) 157 1.7.4. A função de estrutura (cid:9) 56 3.5 (cid:9) — Diálogos de página a página (cid:9) 159 1.7.5. A função de expressão (cid:9) 60 3.6 (cid:9) —A rede inervada (cid:9) 160 1,7.6. A função de indicador de leitura (cid:9) 62 3.7 (cid:9) — O imperialismo do entrelaçamento (cid:9) 162 1.8 (cid:9) — Um espaço intermediário: a tira (cid:9) 66 1.9 (cid:9) — Um espaço extra: o balão (cid:9) 75 Conclusão (cid:9) 165 1.9.1. O balão dentro do quadro (cid:9) 75 Bibliografia (cid:9) 171 1.9.2. Os balões na prancha (cid:9) 87 índice de nomes (cid:9) 176 1.10 — A incrustação (cid:9) 92 Índice de conceitos (cid:9) 182 1.11 (cid:9) — O layout (cid:9) 98 índice de ilustrações (cid:9) 184 1 7 INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA Nobu Chinen rna for ma inovacora ce se estucar os c uac rinhos Tenho acompanhado o trabalho de Thierry Groensteen há. quase 30 anos, quando adquiri um de seus primeiros livros, La bande dessiné depuis 1975, de 1985. Embora fosse uma obra aparentemente despretensiosa, praticamente um livro de bolso, o título denotava uma ambição colossal: atualizar 10 anos de produção quadrinhística mundial, em um período de grande efervescência nesse meio. E o conteúdo, ainda que sucinto, não decepcionava, cumprindo adequadamente o seu propósito. Trazia informações atualizadas sobre o universo dos quadrinhos de uma forma muito abrangente, em estilo enciclopédi- co, por verbetes em ordem alfabética, além de recomendações de leitura sobre os tópicos abordados. Durante anos, junto com L'Encyclopédie des bandes dessinées, de Marjorie Alessandrini, ele constituiu uma de minhas principais fontes de referência até para me informar sobre o que tinha sido produzido mesmo antes de 1975. li(cid:9) Para mim, o nome do autor era pouco conhecido. Não era um dos pioneiros estrela- dos como Umberto Eco, Pierre Couperie, Maurice Horn ou Claude Moliterni, intelectuais europeus que viviam sendo citados em artigos de jornais e que ajudaram a consolidar os quadrinhos como-linguagem legítima e digna de estudos. Mas, o que só vim a saber muito depois, Groensteen já gozava de um bom prestígio como diretor da publicação especiali- zada Les cahiers da la bande dessinée. Desde então, ao longo dos anos, ele foi ampliando sua reputação e conquistou po- II sição de destaque por sua dedicação e suas pesquisas dos quadrinhos a ponto de se tornar diretor do conceituado Musée de la Bande Dessinée, em Angoulême, localidade histori- camente associada aos quadrinhos por sediar até hoje o mais tradicional evento sobre o assunto no mundo. Groensteen pertence a uma rara estirpe de estudiosos que une o perfil de um pes- I IS quisador da história dos quadrinhos e a competência analítica de um dedicado investigador desse fenômeno como linguagem. Além de sua inegável contribuição para a história do meio, com estudos aprofunda- dos que resgatam a importância do pioneirismo de Rodolphe Tõpffer, Groensteen também tem outras obras que valorizam e exaltam os quadrinhos como arte e como técnica, mas seus trabalhos teóricos mais densos refletem sua preocupação e interesse em analisar os 8 9 quadrinhos como fenômeno semiológico. Nessa linha de estudos destacam-se o já citado INTRODUÇÃO Umberto Eco, mas principalmente o francês Pierre Fresnault-Deruelle que já no começo dos anos 1970, elaborava um complettestudo dos quadrinhos baseado na linguística. Em fins dos anos 1820, ao inventar suas histoires en estampes [histórias em estam- Neste Sistema dos quadrinhos ,1 Groensteen vai além e propõe que os quadrinhos pas], o genebrês Rodolphe Tôpffer (1799-1846) imediatamente passou à teorização desta constituem não só uma linguagem, mas todo um complexo sistema, em que cada uma das nova maneira de contar histórias. Primeira "defesa e ilustração" a tratar das histórias em partes funciona em perfeita sincronia e sintonia com as demais. Ele evita a análise indivi- quadrinhos, seu Essai de physiognornonie (1845) [Ensaio sobre a fisiognomonia] abre, dual dos componentes que usualmente costumamos encontrar nos quadrinhos, mas trata perante o leitor de fins do século XX1, perspectivas estimulantes para refletir sobre uma da relação que eles mantêm entre si, resultando em um brilhante estudo de como funciona arte que, nesse meio tempo, contribuiu de forma decisiva para moldar o imaginário con- todo o conjunto. Tudo muito bem fundamentado e alicerçado em um sólido referencial temporâneo e confirmou a intuição de seu gênio precursor. teórico estabelecido por vários estudiosos que o precederam. Passado o estrondo inaugural, podemos dizer que a prática divorciou-se da teoria. Com essa proposição, ele trata de elevar os quadrinhos a outro patamar como cam- São poucas as obras que auxiliariam de fato na compreensão das histórias em quadrinhos e po de pesquisa e área de conhecimento, estabelecendo novas conceituações, novas deno- a relativa legitimação da "nona arte" na França não conduziu à multiplicação daquelas. A minações e, para usar uma palavra que os estudiosos adoram usar, um novo paradigma no erudição míope, a nostalgia e a idolatria inspiraram a maior parte dos discursos em torno estudo da arte sequencial. das histórias em quadrinhos durante cerca de três décadas. Os levantamentos históricos do Dessa forma, Groensteen oferece uma valiosa contribuição para a melhor com- meio muitas vezes ainda tomam a forma da historiografia igualitária, na qual tende-se a preensão das histórias em quadrinhos e, mais do que isso, um caminho para se estudá-las encontrar equivalência entre obras-primas e páginas de menos glória, ao mesmo tempo em como uma ciência autônoma munida de recursos e instrumental próprios. que os desenhistas "que vendem" são objeto contínuo de exaltação fetichista e a análise Uma ousadia que somente um pesquisador com total domínio sobre o assunto po- crítica tem participação mínima. deria se permitir. Por uma nova semiologia das histórias em quadrinhos Mesmo que não sejam numerosos, os marcos do pensamento sobre as HQs refle- tem uma evolução na abordagem do objeto. Pierre Fresnault-Deruelle — por muitos anos o único interessado no assunto no meio acadêmico francês — distingue quatro estágios sucessivos no discurso crítico, que seriam: - A era arqueológica dos anos 1960, quando os autores nostálgicos desencavam as leituras de infância (Lacassin, 1971); - A era sócio-histórica e filológica dos anos 1970, quando a crítica estabelece os textos conforme suas variantes, reconstitui filiações etc. (Le Gallo, 1967; Kunzle, 1973); - A era estruturalista (Fresnault-Deruelle, 1972 e 1977; Gubern, 1972); - A era semiótica e psicanalítica (Rey, 1978; Apostolidès, 1984; Tisseron, 1985 e 1987)2. 1 A primeira edição de O Sistema dos Quadrinhos foi publicada originalmente em 1999. (N.T.] 2 "Sem iotic approaches to Flgurative Narration", inT. A. Sebeok e J. Umiker-Sebeok (dir.), The Semiotic Web 1989, Berlim: Mouton de Gruyter, 1990. Cito o manuscrito francês fornecido pelo autor. Note-se que Fresnautt-Deruelle não lembrou do discurso crítico sobre a ideologia dos quadrinhos que inspirou diversas obras nos anos 1970 e 1980. 10 I O SISTEMA DOS QUADRINHOS THIERRY GROENSTEEN I 11 Concordo grosso modo com essa periodização, mas ela carece de nuances. Das linguista Louis Hjelmslev). Contrariando esta concepção, meu intento é demonstrar a pri- quatro tendências apresentadas, nenhuma foi abandonada. Pelo contrário: elas coexistem mazia da imagem e, assim, a necessidade de dar uma precedência teórica que designarei, em caminhos divergentes ou paralelo t abertos à pesquisa, sem excluir as outras (em par- por enquanto, pelo nome genérico de "códigos visuais". ticular a crítica temática e o estudo hos gêneros: humor, fantasia, western etc.). O que Iniciarei explicando-me quanto a estes dois pontos. mais me interessa é quando Pierre Fresnault-Deruelle, logo a seguir, faz referência ao A disputa improdutiva em torno das unidades significantes recente surgimento de um "quinto estágio", que seria da "crítica neossemiótica, onde o foco estaria na dimensão poética dos 'comias "a. A meu ver, resume com grande precisão Para certos pesquisadores, todos os desenhos — particularmente o desenho a traço as pretensões deste livro. das HQs tradicionais, propositalmente esquemático — pode ser decomposto em pequenas As histórias em quadrinhos serão tratadas aqui como linguagem, ou seja, não como unidades identificáveis e discretas: pontos, linhas, manchas... equivalentes (conforme um o fenômeno histórico, sociológico e econômico que são, mas como um conjunto original regime impreciso de homologia ou de analogia) ao que representam os lexemas, os mor- de mecanismos produtores de sentido. Esta linguagem não passará pelo filtro de uma gran- femas e os fonemas para as línguas naturais. Guy Gauthier, por exemplo, defendeu esta de teoria já constituída, tal como a análise estruturalista ou a semiótica narrativa. Tendo posição em 1976: "Postulamos que, em todo quadro, é possível isolar as linhas ou grupos em conta o objeto dado, a perspectiva aqui proposta pode ser qualificada como semioló- de linhas, as manchas ou grupos de manchas e de localizar, para cada significante assim gica (ou semiótica), no sentido mais amplo do termo. Contudo, como pouco tratar-se-á delimitado, um significado preciso, este correspondente a uma parte do significado glo- de signo nestas páginas — por motivos que aparecerão daqui a um instante — aos olhos bal."' O mesmo autor especificou: "As unidades discretas identificadas no grafismo de da semiologia, prefiro me situar às margens da ortodoxia disciplinar. Não vou me negar Peanuts são assim comparáveis às unidades de primeira articulação da língua, o quadro a certos desvios pela semântica e pela estética, aproveitando tudo o que puder contribuir pode ser comparado a um ou mais sintagtnas" (ibid, p. 126). para o entendimento do meio. É por esse motivo que o termo "neossemiótica" me parece Segundo outros, as unidades pertinentes são um pouco mais elaboradas e corres- adequado para qualificar o ponto de vista que O Sistema dos Quadrinhos reivindica. pondem aos padrões do desenho ou às figuras humanizadas: objetos, personagens, partes A leitura dos pesquisadores que me precedem, assim como do que difundem os do corpo... No ensaio intitulado Comics lesen, Ulrich Krafft distingue quatro tipos de pa- meios de comunicação e os manuais pedagógicos, convenceram-me de que uma teoria drões, sendo estes: personagem no primeiro plano, objeto no primeiro plano, personagem das histórias em quadrinhos deve abandonar duas ideias correntes que, embora tenham no plano de fundo, objeto no plano de fundo. A seguir ele decompõe a unidade "persona- inspirado a maioria das abordagens semiológicas produzidas até aqui, me parecem criar gem" em signos (Anzeichen) cada vez menores até distinguir, no Pato Donald, a cabeça um obstáculo a qualquer compreensão real deste objeto. A primeira ideia que se difunde dentro do corpo, a orelha dentro da cabeça e a pupila dentro do olho'. é a seguinte: o estudo das histórias em quadrinhos, assim como de qualquer outro sistema Segundo a terminologia proposta pelo Grupo g no Traité du signe visuel (termino- semiótico, deve passar por uma decomposição em unidades constitutivas elementares: em logia à qual me subscrevo no seu essencial), as unidades elementares que Krafft manipula "elementos mínimos intercambiáveis que possuem significado próprio", para falar como corresponderiam às "sub-entidades" do significante icônico, enquanto as que são discuti- Christian Metz4. Acredito que este método tem; chatices de revelar o que é realmente espe- das por Gauthier seriam de um nível inferior, o das "marcas"7. cífico à linguagem das HQs. Como sabemos, a existência de unidades similares dentro da imagem é controversa. Segunda ideia bastante difundida: que as histórias em quadrinhos seriam essencial- Se o Grupo g apoia a teoria a partir de uma descrição geral e sistemática, provavelmente mente um misto de texto e imagem, uma combinação específica de códigos linguísticos a mais convincente até o momento, outros pesquisadores eminentes têm argumentado a e visuais, um ponto de reencontro entre duas "matérias da expressão" (na acepção do favor do reconhecimento de uma semântica especifica da imagem, que formaria a econo- 3 Ibid. O autor em seguida propõe como exemplo desta nova abordagem os Anais do congresso Bando dessinée récit et modernité 5 ''Les Peariuts: un graphisme idiomatique", Communications n. 24, Le Seuil, 1976, g. 108-139. Citação da p. 113. (Paris : Futuropolis, 1988), que aconteceu sob minha direção em Cerisy, em agosto de 1987. 6 Cf. Comics lesen. Untetsuchungen zur Textual:1W von Comics, Stuttgart: Klett-Cotta, 1978, p. 15-35. 4 Langage et cinéma, Paris: Larousse, 1971, p. 155, nov. éd. Albatros, 1977. 7 Cf. Groupe p, Traité du signo tétfel. Pour une rhétorique de l'image, Paris, Le Seuil, ta couleur des idées", 1992, p. 149-152. 12 (cid:9) \O SISTEMA DOS QUADRINHOS THIERFIY GROENSTEEN (cid:9) 13 sendo que nenhum deles é especificamente adequado aos quadrinhos. Da minha parte, es- mia das unidades estáveis análogas às da língua'. Este já era o ponto de vista de Émile tou convencido que não é abordando as HQs ao nível do detalhe que poderemos, ao preço Benveniste: de uma ampliação progressiva, chegar numa descrição coerente e fundamentada da sua linguagem. Proponho o contrário: que os abordemos do alto, ao nível de suas articulações As relações signikicantes da "linguagem" artística são descobertas no maiores. (Não utilizo o termo articulação conforme o sentido particular que tem dentro da interior de uma composição. A arte aqui não é nada senão uma obra de arte linguística, mas no sentido em que designa qualquer operação que "organiza conjuntos de particular, na qual o artista instaura livremente oposições e valores que ele unidades operacionais no mesmo nível".)" manipula soberanamente, não tendo nem "resposta" a dar, nem contradição Nas páginas de conclusão do seu ensaio Les dessous de Ia peinture, Hubert Damisch a eliminar, mas somente uma visão a exprimir... (...) A significância da arte, escreve: "Quando o semiólogo esgota-se, em vão, tentando descobrir as 'unidades mínimas', então, não remete jamais a uma convenção identicamente recebida entre par- o que lhe permitiria tratar a pintura como 'sistema de signos', a pintura mostra na própria ceiros. É necessário descobrir a cada vez os termos, que são ilimitados em textura que a questão precisa ser abordada da forma inversa, ao nível das relações entre número, imprevisíveis por natureza, logo reinventados a cada obra e que, em os termos, não das linhas, mas dos nós."' Uma posição aparentemente muito próxima da suma, não podem ser fixados em uma instituição.' minha, mas que se sujeita a alguma ambiguidade: quando queremos descrever as "relações entre os termos", o importante é saber precisamente quais são os termos interligados. É certo A imagem servirá de exemplo de sistema semiótico desprovido de signos, ou pelo que a economia da abordagem microsseraiótica é menos aplicável à teoria da pintura do que menos sem base num sistema finito de sinais. É neste sentido que Benveniste afirma que à teoria dos quadrinhos. O motivo dessa desigualdade metodológica é simples. Na pintura, "nenhuma das artes plásticas em consideração consegue reproduzir (o) modelo (da lín- a imagem é singular e global; ela não pode, portanto, suscitar apreciação precisa senão ao gua)", e a língua deverá resignar-se a ser "o único modelo de um sistema que seja semi& preço de uma decomposição (embora"Alain Jaubed não deixe de demonstrar isso em Palet- tico simultaneamente na sua estrutura formal e no seu funcionamento". 1° tes, sua notável série televisiva sobre pintura13). Pelo inverso, na HQ, a imagem (o quadro) Apesar de não fazer reserva alguma quanto a esta afirmação de Benveniste, não é fragmentária e encontra-se em sistema de proliferação; ela jamais constituirá o enunciado tentarei demonstrar o que já está bem fundamentado. Aliás, na análise das histórias em como um todo, mas pode e deve ser vista como componente de um dispositivo maior. quadrinhos, não considero central a questão da existência ou não de signos visuais. Gos- Pode-se contestar que, para o quadro constituir unidade de base, não se dispensa uma taria sobretudo de deixar claro que os códigos mais importantes concernem às unidades revisão dos elementos subordinados que o constituem. É fato que essas duas abordagens não maiores, estas já bem elaboradas. Neste caso, os códigos regem a articulação, no tempo são excludentes e que podem complementar-se. O Grupo p fala de "uma oscilação constante e no espaço, das unidades que chamaremos de "quadros" ou "vinhetas"; eles obedecem a da teoria entre a micro e a macrossemiótica, a primeira esgotando-se à procura de unidades critérios tanto visuais quanto narrativos — ou, mais precisamente, discursivos — e esses dois mínimas estáveis, a segunda recusando a existência das mesmas em nome da originalidade níveis de interesse às vezes sobrepõem-se ao ponto de tornarem-se indistintos. a cada vez renovando enunciados complexos"14. Para mim, o ponto decisivo, assim como Chegar ao interior do requadro, dissecar o quadro para contar os elementos icônicos pensa Benveniste, não é recusar a existência dessas unidades. Trata-se apenas de saber se é a ou plásticos dos quais a imagem ,é composta e em seguida estudar os modos de articulação micro ou a macrosseraiótica a visão mais apta para a elaboração de um modelo completo da desses elementos: tudo isso requer grande profirsão de conceitos, mas não resulta em avan- linguagem dos quadrinhos. Repito: para esse objeto em particular que são os quadrinhos, a ço teórico significativo. Por esse viés, apenas tangenciatnos mecanismos bastante gerais, operacionalidade da microssemiótica, na prática, revela-se extremamente frágil. 8 Cf. principalmente Christian Metz, Essais sur la signification au cinéma, t. 1, Paris, Klincksieck, "Esthétiqu&, 1968, p. 67-72 et 87-92. Henri Van Lier chega às mesmas conclusões a partir de outra abordagem da noção de signo, que privilegia os "efeitos de campo". Cf. L'Animal signé, Rhode-Saint-Genèse, Albert De Visscher, 1980, p. 37-75. 11 Roger Odin, Cinema et production de sens, Paris, Armand Colin, 1990, p. 89. 9 "Sémiologie de la langue", Semiolica 1/2, La Haye, Mouton & Co, 1969, p. 129. [Edição brasileira: "Semiologia da Língua". Trad. 12 Fenêtre fauno cadmium, ou Les dessous de la peinture, Paris, Le Seuil, "Fiction & Cie", 1984, p. 302. Marco Antônio Escobar. Problemas de linguística geral 11. Campinas: Pontes, 1989, p. 60.1 13 Cujos textos foram reunidos no volume Palettes, Gallimard, "Lintel", 1998. 10 Id., Sernioticall, p. 12, et I/2, p. 132. [Edição brasileira do segundo trecho: "Semiologia da Lingua". Trad. Marco Antônio Escobar. 14 Traité de signo visuel, op. cit., p, 56. Problemas de linguistica geral Il. Campinas: Pontes, 1989, p. 63.] (cid:9) 14 O SISTEMA DOS QUADRINHOS THIERRY GROENSTEEN (cid:9) 15 Guy Gauthier é obrigado a dar o braço a torcer. Por um lado, quando ele escreve não é favorecer um código; é encontrar uma via de acesso ao interior do sistema que per- que, apesar da sua "aparente complexidade", a imagem "sempre pode ser reduzida, mesmo mita explorá-lo na sua totalidade e mostrar sua coerência. Em outras palavras, o objetivo que, por vezes, evidentemente, isso 4ija um trabalho desproporcional aos resultados que deve ser definir as categorias suficientemente inclusivas para que a maioria, se não a tota- se obtém"; por outro lado, quando explica que seu método permite alcançar, no máximo "a lidade dos processos de linguagem e os tropos observáveis no campo considerado, possam descrição de um código, ou melhor, de um subcódigo, desde que ele caracterize um único ser explicados por esses conceitos. Ao desenvolver as noções de espaçotopia, artrologia desenhista acessível a milhões de leitores"". Apesar da sua pretensão à cientificidade, e entrelaçamento, que se apoiam na macrossemiótica, empreendi esforços para cumprir este método, uma vez que distingue tantos códigos quanto há desenhistas, cai na análise este propósito. estilística e não em uma semiologia dos quadrinhos propriamente dita. Se em certos momentos da análise vamos ao interior do quadro para focar em al- O quadro é a unidade básica da linguagem dos quadrinhos. Temos a confirmação guns dos seus componentes, sempre faz-se referência aos códigos que, em um nível de disso no fato de que os cinco "tipos de determinação" que caracterizam os "signos visuais" integração mais elevado, determinam estes componentes. Em um exemplo simples, vere- segundo o Grupo p, (que seriam as propriedades globais, a super ordenação, a coordenação, mos que o close-up não tem valor por si só, mas contrasta com um esquema geral ou inte- a subordinação e a preordenação)'6 aplicam-se perfeitamente a esta unidade e de forma gra-se a uma progressão observável unicamente se levarmos em consideração o sintagma muito mais clara que às unidades de categoria inferior, tais como a personagem. formado por vários quadros consecutivos. Além disso, esta grande estrutura também pode Não me soa útil fetichizar a priori certos códigos que seriam mais específicos aos "rimar" com outro plano maior, e as duas imagens assim vinculadas podem ocupar lugares quadrinhos do que outros. Este ponto também merece breve esclarecimento. Christian opostos ou simétricos na página. As cores e, de forma geral, qualquer unidade de natureza Metz insistiu em muitos escritos no fato de que a linguagem cinematográfica é resultado icônica ou plástica, estão bem formadas pelas imagens vizinhas e às vezes, por imagens da combinação de códigos específicos e códigos não específicos'''. Em se tratando de qua- mais distantes. Em resumo, nos quadrinhos, os códigos são construídos no interior de uma drinhos, os códigos que são realmente específicos talvez sejam menos comprováveis do imagem de forma específica, que mantem a associação da imagem a uma cadeia narrativa que no cinema (se é que eles ainda existem). Assim, o código espaçotópico, que organiza a onde as ligações se espalham pelo espaço, em co-presença. O quebequense Yves Lacroix co-presença dos quadros no espaço (e a partir do qual definirei outras bases teóricas mais à resumiu de forma- excelente a especificidade do meio ao dizer que "a presença dos qua- frente), rege igualmente a ordem dos quadros nas fotonovelas, sendo que este meio primo drinhos, sua imobilidade fundamental, a simultaneidade e o panopticismo obrigatório das adotou nada menos que o balão como modo de inserção de escrita no interior da imagem. suas unidades, ou seja, seu estado de serialidade". É isto que, em última instância, faz dos quadrinhos um idioma inconfundível: por um lado, Seja ao tratar de sua produção ou de sua leitura, a imagem dos quadrinhos não é a mobilização simultânea do conjunto de códigos (visuais e discursivos) que o constituem a mesma que a da pintura. O verdadeiro sentido desse trabalho será de separar e analisar e, ao mesmo tempo, o fato de que esses códigos, que provavelmente não lhe pertencem, aquilo que, entre a imagem fixa e única (quadro ou ilustração) e a imagem animada, per- se diferenciam daqueles que se aplicam a uma "matéria da expressão" especifica, que é o tence propriamente ao grupo de imagens sequencialmente fixas. desenho. Sua "eficácia" é uma escolha notável. Um espécime narrativo de dominante visual Os quadrinhos, portanto, são uma combinação original de uma (ou duas, junto com a escrita) matéria(s) da expressão e de um conjunto de códigos. É a razão pela qual podem "A tradição milenar logocêntrica levou-nos a conceber a ideia de soberania do ver- ser descritos apenas em termos de sistema. O problema que se põe em análise, portanto, bo em relação à imagem", recorda Michel Thévoz". Essa tradição provocou duas conse- quências importantes que nem sempre podem ser distinguidas de forma suficiente, já que 15 Art. cit., p. 113-114. Grifos da minha autoria. 16 Traité du signe visuel, op.cit., p. 107-109. uma afeta a semiologia geral e a outra, a narratologia: 17 Cf. Langage et cinema, op. cit., principalmente o capitulo VI. 3, 18 Acompanhando Metz (Essais sura signification au cinéma, I, 1, op. cit., p. 40 [Edição brasileira: A significação no cinema. 2a ed. Trad. Jean-Claude Bernardet. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 46]), tomo este termo de empréstimo de Gilbert Cohen-Séat, para 19 "Les lieux de Ia bande dessinée. Ireis planches exemplaires d'Andreas Martens", Protée vol. 19, n. 1: Narratologie : état des lieux, quem eficácia "não se trata da eficácia particular de uma atitude particular ou de um ato preciso, mas sim do poder especifico de Université du Québec, Chicoutirni, inverno de 1991, p. 89. um meio de expressão." 20 Détournement d'écriture, Paris, Minuit, 'Critique", 1989, p. 72. 16 I O SISTEMA DOS QUADRINHOS THIERRY GROENSTEEN (cid:9) 17 a I A língua foi tomada como modelo de toda linguagem; do cinema e de todas as novas imagens nascidas desde então, às quais Régis Debray dá o b I A literatura em livro é considerada quase em todo lugar e em quase todo o mun- nome coletivo de "videosfera". do como modelo de todas as formas iirrativas (esta segunda consequência é, em parte e Tõpffer viu no texto e na imagem dois componentes equivalentes dos quadrinhos, apenas em parte, decorrência lógica dia primeira). que ele define a partir do seu caráter misto. Esse ponto de vista ainda era sustentável na sua época, mas hoje não mais. De fato, aqueles que atribuíram ao verbal um status igualitário Apesar do fundamento histórico, essa última concepção está prestes a tornar-se ao status da imagem na economia dos quadrinhos partem do principio de que a escrita é o teoricamente insustentável. O fato de que a literatura escrita (ela mesma precedida e acom- veiculo privilegiado da narração em geral. No entanto, a multiplicidade de espécies narra- panhada pela literatura oral) superou em vários milênios o advento quase simultâneo do tivas tomou esta suposição obsoleta. cinema e dos quadrinhos modernos não lhe confere direito de monopólio ou privilégio Considerar que os quadrinhos são essencialmente lugar de um confronto entre o apenas por ser prévia. Em outras palavras, não podemos confundir gênero narrativo e verbal e o icônico é, creio eu, uma contraverdade teórica que conduz a um impasse. Será literatura, expostos como estamos a uma variedade de mídias que utilizam estruturas nar- necessário ser mais específico? Se eu suplico que a imagem seja reconhecida em posição rativas em maior ou menor grau. de destaque, não é pelo fato de que, salvo raras exceções, ela ocupar nos quadrinhos um O gênero narrativo, com seu conjunto de categorias (conflito, diegese, situações, espaço mais importante que aquele reservado à escrita. O predomínio da imagem no cerne temas, conflitos dramáticos, personagens, etc.), existe em si e pode ser analisado como do sistema deve-se ao fato de que a maior parte da produção de sentido ocorre através dela. tal enquanto sistema de pensamento, forma de se apropriar o mundo, exercício de idade Alguns certamente acolherão esta afirmação com ceticismo. Desde Lessing e por imemorável do ser humano. Ela é transversal aos diferentes sistemas semióticos e pode longo período, o pensamento ocidental manteve estas duas categorias, "a história" e "a ima- incorporar-se a qualquer um deles (ou ainda: de forma distinta, mas sem negar sua técnica gem", como opostas, a partir da distinção entre espaço e tempo. A imagem cinematográfica, própria, que não é nada mais que a arte de contar histórias). Concordamos portanto com sendo uma imagem-tempo, não suscita o mesmo embaraço teórico que a imagem das histó- Paul Ricoeur2' na ideia de que existe um gênero narrativo e diversas espécies narrativas: rias em quadrinhos. Entre as duas grandes formas do conto em imagens, incontestavelmente romance, filme, peça teatral, e também as histórias em quadrinhos, as fotonovelas e, por são as HQs que suscitam a maioria dos questionamentos, simultaneamente aos literatos e aos que não, o balé e a ópera, sem preconceito com os gêneros que nasceram após o avanço artistas visuais. No entanto, a aparente intratabilidade da imagem e da narrativa é resolvida tecnológico (já que os quadrinhos e o cinema tiveram nascimento tardio — em comparação dialeticamente através do jogo da sucessão de imagens e da sua coexistência, de sua sequên- à literatura — devido à evolução das técnica, sendo, no caso dos quadrinhos, a invenção cia diegética e do seu espalhamento panóptico, no qual reconhecemos o mesmo fundamen- da litografia)22... Naturalmente, cada espécie narrativa propõe ao público outro modo de to no meio. Veremos que é através dessa colaboração entre artrologia e espaçotopia que a exposição de histórias e dispõe de competências próprias. Como escreve Ricoeur: "Nenhu- imagem sequencial é plenamente narrativa, sem necessariamente precisar de suporte verbal. ma arte mimética foi tão longe na representação dos pensamentos, dos sentimentos e do Os anos 1960 e 1970, sobretudo, viram acontecer "uma transferência massiva de discurso quanto o romance."23 O cinema, da sua parte, tem alguns atrativos e as histórias conceitos linguisticos para o campo de análise das artes visuais: por isso que falamos co- em quadrinhos possuem os seus, suficientes para demonstrar o fato de que sua popula- mumente de enunciados pictóricos, sintagmas filmicos etc." Essa aplicação incrementa os ridade está intacta depois de uni século e meio de existência mesmo com a concorrência conceitos linguísticos com base na ideia de que "toda representação (pode ser) codificada e que toda contemplação de uma representação figurativa (é) uma leitura'''. Continuam 21 Prefácio a André Gaudreault, Do littéraire au filmNue. Systeme du récit, Paris, Klincksieck, "Méridiens", 1988, p. IX-XIII. Para Ricoeur, a "virtude principal" do livro em questão "é posicionar o filme em pé de igualdade com o palco, ao mesmo tempo que dá ao palco a mesma equivalência da escrita, eliminando, assim, o crítico de cinema da tutela — embora involuntarid — da crítica literária 24 Além disso, esta abordagem nunca parou de fornecer munição para os detratores das histórias em quadrinhos. Por causa de sua por um suposto direito de primogenitura." característica de "misto" ou "híbrido", logo concluiu-se sua bastardia e sua impureza. Como se a colaboração de imagem e texto 22 Para mais detalhes, cf. Thierry Groensteen e Benott Peeters, Tõpffer l'invention de/a batido dessinée, Paris, Hermann, "Savoir: tivesse como consequência irrefutável uma degradar ou comprometer a outra. sur l'art", 1994, p. 88-93. 25 Cf. Jean-Marie Schaeffer, "Narration visuelle et interprétation'', apresentação no Simpósio Narration et image fixe (Londres, 17-18 23 Temps et récit, t. 2, Paris, Seul', 1984, p. 132. (Edição brasileira: Tempo e narrativa, tomo II. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: de março de 1995), publicação inédita até a presente data. Esse manuscrito de doze folhas foi-me entregue por Mireille Ribière, Papirus, 1995, p. 148J organizadora do simpósio. 18 (cid:9) O SISTEMA DOS QUADRINHOS THIERRY GROENSTEEN (cid:9) 19 a opor-se a essa ideia, entretanto, alguns teóricos que defendem uma abordagem mais restri- Ao invés de concluir que "é adequado restringir a aplicação da noção técnica de tiva (integralista?) da noção de narração, e que se recusam a expandí-la para as artes visuais. 'narrativa' ao domínio verbal"", da minha parte penso que: I/ faz-se urgente rever o con- Jean-Marie Schaeffer é um dos maiofês defensores deste rompimento com a linguística or- ceito técnico, que deixou de ser operacional por estar em contradição flagrante com as ex- todoxa. Tentamos primeiro opor a esta recusa o fato de que é claramente contra-intuitiva, periências do leitor-espectador moderno; 2/ que é igualmente necessário forjar conceitos pois vai contra a experiência usual: para o receptor de um filme ou de uma HQ, não restam específicos para refletir com precisão "ligações lógicas" extralinguísticas, que "percebam dúvidas de que está sendo contada uma história! Lembramos em seguida que o processo de a integração recíproca de proposições elementares" nas narrativas com imagens. elaboração dessas obras costuma começar pela fase de roteiro. Contudo, Schaeffer defende Na argumentação de Schaeffer há, no entanto, um ponto que pode ser mantido e precisamente que "a narração não é feita nas ou pelas imagens (mesmo que no caso de uma que se aplica por excelência aos quadrinhos: a insistência na cooperação ativa e esperada estrutura verbal seja feita nas e pela sequência de frases): ela é ao mesmo tempo montante do leitor. Os quadrinhos são, de fato, um gênero baseado na relutância. Não só suas ima- na obra (como programa narrativo) e jusante (como reconstrução da parte do espectador)" 26. gens imóveis e silenciosas não possuem o mesmo poder de ilusão que as imagens cine- Há uma boa dose de sofisma neste posicionamento que admite a narração montante matográficas, mas também sua sequência, longe de produzir uma continuidade que imita e a jusante, mas se recusa a reconhecê-la ativa na obra em si! E então nos perguntamos o real, oferece ao leitor uma narrativa cheia de intervalos que aparecem como lacunas qual é a alquimia cognitiva miraculosa que faz o leitor ou espectador reconstruir uma nar- de sentido. Mas se essa dupla relutância chama a uma "reconstrução por parte do espec- rativa se ela não está contida na obra a qual ele está exposto, relatada por ela. A resposta de tador", a história "a ser reconstruída" não está menos disposta nas imagens, conduzida Shaeffer é que o espectador extrapola uma narrativa "começando pelo que ela (a imagem) pelo complexo jogo da sequencialidade. Se acreditarmos em François Dagognet, é representa graças ao que ela mostra"". Segundo ele, "contar uma história, no primeiro também o papel da arte em geral fabricar "o surreal com o elíptico"". Todo leitor de sentido da palavra, não implica automaticamente que se tenha uma narrativa no sentido quadrinhos sabe que, a partir do momento em que se projeta na ficção (o universo diegé- técnico do termo, ou seja, um ato enunciativo assumido pelo narrador". Assim, ele define tico), ele esquece, até certo ponto, o caráter fragmentado e descontínuo da enunciação. os dois traços principais que caracterizam a narrativa como ato enunciativo: "A especifi- Permito-me repetir aqui o que escrevi em outra ocasião sobre esse ilusionismo próprio cidade das conexões lógicas que levam a integração recíproca de proposições elementares à arte narrativa dos quadrinhos: através de conexões de consecução (a seguido de b seguido de c...) e de causalidade (... c por causa de b por causa de a)" e o fato de que "as afirmações narrativas devem ser relata- Os quadros remetem apenas a fragmentos de um mundo suposto no das a um locutor; consequentemente, toda narração implica um narrador" 28. qual a história se desenrola, mas, se esse mundo deveria ser supostamente Essa demonstração é mais uma vez sintomática da hegemonia linguística na semió- contínuo e homogêneo, tudo acontece como se o leitor, uma vez dentro desse tica gera129 e, portanto, da aplicação muitas vezes mecânica dos dogmas da narratologia mundo, não saia nunca mais da imagem que lhe abriu o acesso. Atravessar literária a qualquer outra forma de narrativa. A linguística sempre reduz a categoria da os quadros torna-se um processo mecânico e em grande parte inconsciente, "narrativa" à autoridade da "narração" e não reconhece a presença de um narrador senão a mascarado pelo investimento (absorção) no mundo virtual postulado pela alguns marcadores próprios da linguagem verbal. Consequentemente, só pode tirar o cré- narrativa. A diegese, esta imagem virtual fantástica que inclui todos os qua- dito de formas narrativas às histórias baseadas em imagens; chega-se a um veredito antes dros, transcende-os e é este espaço que o leitor pode habitar. Se, de acor- do início do julgamento. do com o termo de Pierre Sterckx, posso transformar um quadro em ninho, 26 Ibid. é porque, em troca, cada imagem passa a representar metonimicamente a 27 Ibid. Para esclarecer esta citação, talvez valha a pena lembrar que, nas palavras de Schaeffer, "a mostração trata de aquilo que uma imagem tem para mostrar, enquanto que a representação é aquilo a que ela se refere e do que ela trata." 28 Ibid. 30 Jean-Marie Schaeffer, op. cit. Esta também foi a opinião defendida à época por Tzvetan Todorov. Cf. principalmente Les Genros 29 Régis Debray entra de contrapé quando escreve: "o logocentrismo esqueceu-se do corpo. Acreditamos espontaneamente que du discours, Paris, Le Seuil, 1978. [Edição brasileira: Os gêneros do discurso. Trad. Elisa Angotti Kossovich. São Paulo: Martins simbolizar é verbalizar. E se for imitar? Não só se juntar a ação à palavra, mas significar através de gestos", cf. "Pourquoi le spectacle Fontes, 1980.] ?" , Les Cahiers de médiologie n. 1: La Quere//e du spectacle, Paris, Gallimard, primeiro semestre de 1996, p. 11. 31 Cf. François Dagognet, Écriture et iconographie, Paris, Vrin, 1973, p. 56.

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