humana. Procura provar, por- ...Mas é que basta silenciar para Mona Lisa Bezerra Teixeira tanto, que seu intimismo é resis- só enxergar, abaixo de todas as tente e desmascarador das ati- realidades, a única irredutível, a tudes forjadas pela coerção da existência. social a que somos submetidos. Este trabalho não tem intenções de analisar a O Graças a um convívio intenso Perto do coração selvagem O com a obra, Mona Lisa trabalha obra de Clarice Lispector na esfera das filosofias r exaustivamente pela busca v da existência, ou de relacioná-la a um plano a desses aspectos em momentos lh variados da surpreendente lite- metafísico-religioso, hipóteses que já foram o Á O Orvalho Áspero ratura de Clarice Lispector. intensamente aprofundadas por Benedito s p e r Nunes em seus estudos sobre a autora. o d Também não procura nenhuma relação da sua e de Clarice Lispector C escrita com a psicanálise, com as teorias da l a r i linguagem e suas formas de expressão. c e L O objetivo deste estudo é demonstrar que a i s p Pela afirmação paradoxal do literatura de Clarice Lispector percorre o e ct oxímoro – orvalho áspero – o movimento histórico de seu tempo através dos r posto como título de sua dis- - meandros estéticos das formações e das M sertação de mestrado, Mona o Lisa Bezerra Teixeira pretende n soluções artísticas que a autora nos ofereceu, a sublinhar dois aspectos da obra L tão pertinentes e atuais quanto as discussões isa de Clarice Lispector : o intimista B e o social – buscando, principal- que ainda hoje enfrentamos, seja a respeito do eze mente, chamar a atenção da r gênero, seja quanto ao papel da literatura na ra T crítica para o segundo, e tradicionalmente negligenciado. tarefa de emancipação da humanidade. De ixe Sua leitura procura revelar o ir a inconsciente político em Clarice Mona Lisa Bezerra Teixeira maneira áspera e ao mesmo tempo sensível, Lispector, enfatizando que, ao nasceu em Natal – RN, em 1974, sua escrita nos apresenta o mundo em seus contrário da recepção que por onde graduou-se em Letras pela muito tempo considerou-a in- recantos mais obscuros. UFRN. Após ter concluído, por timista e descomprometida com esta universidade, mestrado em aspectos histórico-sociais, sua literatura comparada, defendeu obra é estruturada por movi- pela USP, em 2010, a tese de mentos de consciência que, na doutorado Imagens da Infância verdade, não indiciam ab- solutamente o propalado afasta- na obra de Clarice Lispector. mento alienado da problemática O orvalho áspero de Clarice Lispector | 1 O orvalho áspero de Clarice Lispector 2 | Mona Lisa Bezerra Teixeira O orvalho áspero de Clarice Lispector | 3 O orvalho áspero de Clarice Lispector Mona Lisa Bezerra Teixeira Ideia João Pessoa 2011 4 | Mona Lisa Bezerra Teixeira Todos os direitos e responsabilidades reservados à autora. Capa/Editoração Eletrônica Magno Nicolau Revisão Mona Lisa Bezerra Teixeira T79o Teixeira, Mona Lisa Bezerra. O orvalho áspero de Clarice Lispector / Mona Lisa Bezerra Teixeira. - João Pessoa: Ideia, 2011. 153p. ISBN 1. Literatura brasileira 2. Lispector, Clarice CDU 869.0 EDITORA (083) 3222-5986 [email protected] O orvalho áspero de Clarice Lispector | 5 Para Marcos ofereço esse orvalho e o de todas as manhãs. 6 | Mona Lisa Bezerra Teixeira O orvalho áspero de Clarice Lispector | 7 Agradecimentos Este livro é o resultado da dissertação de mes- trado apresentada ao Programa de Pós-Gradua- ção em Estudos de Linguagem, PPgEL, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em fevereiro de 2003, sob a orientação calorosa e dedicada da professora Maria de Lourdes Patrini Charlon. Agradeço as observações da banca, por ocasião da defesa, feitas pelos professores Nádia Battella Gotlib e João Gomes da Silva Neto, que muito contribuíram para melhor percepção da leitura a que me propus, assim como aos professores Afonso Henrique Fávero e Francisco Ivan da Silva, que participaram do exame de qualificação no período em que o trabalho estava sendo elaborado, sugerindo desdobramentos esclarece- dores de meu caminho. À minha família e aos queridos amigos, Caetana Araújo Cardoso, Edlena da Silva Pinheiro, Ro- sanne Bezerra de Aráujo, Macio Alves de Me- deiros expresso meus agradecimentos pelo incentivo permanente. 8 | Mona Lisa Bezerra Teixeira O orvalho áspero de Clarice Lispector | 9 Literatura e Justiça Hoje, de repente, como num verdadeiro achado, minha tolerância para com os outros sobrou um pouco para mim também (por quanto tempo?). Aproveitei a crista da onda, para me pôr em dia com o perdão. Por exemplo, minha tolerância em relação a mim, como pessoa que escreve, é perdoar eu não saber como me aproximar de um modo “literário”(isto é, transformado na veemência da arte) da “coisa social”. Desde que me conheço o fato social teve em mim importância maior do que qualquer outro: em Recife os mocambos foram a primeira verdade para mim. Muito antes de sentir “arte”, senti a beleza profunda da luta. Mas é que tenho um modo simplório de me aproximar do fato social: eu queria era “fazer” alguma coisa, como se escrever não fosse fazer. O que não consigo é ousar escrever para isso, por mais que a incapacidade me doa e me humilhe. O problema da justiça é em mim um sentimento tão óbvio e tão básico que não consigo me surpreender com ele - e, sem me surpreender, não consigo escrever. E também porque para mim escrever é procurar. O sentimento de justiça nunca foi procura em mim, nunca chegou a ser descoberto, o que me espanta é que ele não seja igualmente óbvio em todos. Tenho consciência de estar simplificando primariamente o problema. Mas, por tolerância hoje para comigo, não estou me envergonhando totalmente de não contribuir para nada humano e social por meio do escrever. É que não se trata de querer, é questão de não poder. Do que me envergonho, sim, é de não “fazer”, de não contribuir com ações. ( Se bem que a luta pela justiça leva à política, e eu ignorantemente me perderia nos meandros dela.) Disso me envergonharei sempre. E nem sequer pretendo me penitenciar. Não quero, por meios indiretos e escusos, conseguir de mim a minha absolvição. Disso quero continuar envergonhada, mas de escrever o que escrevo, não me envergonho: sinto que, se eu me envergonhasse, estaria pecando por orgulho. Clarice Lispector, Para não esquecer.