Para Nicholas, Gladys e Eugene Sumário Mapa Nota da autora 1. De mãos dadas no escuro 2. Sangue manchado 3. A fanática 4. Escuridão 5. Romance vitoriano 6. Crepúsculo do deus 7. Duas garrafas de cerveja por um soro 8. O acordeão e o quadro-negro 9. Os bons morrem primeiro 10. Mães da invenção 11. Andorinhas errantes 12. Doce desordem 13. Rãs no poço 14. O rio 15. Epifania 16. A noiva comprada 17. Abra os olhos, feche a boca 18. A terra prometida 19. Estrangeiros em sua terra 20. Reencontros Epílogo — À espera Agradecimentos Notas Créditos das fotos Nota da autora Em 2001 mudei-me para Seul como correspondente do Los Angeles Times, cobrindo as duas Coreias. Na época era extremamente difícil para um jornalista americano visitar a Coreia do Norte. Mesmo depois de conseguir entrar no país, descobri que fazer reportagens ali era quase impossível. Jornalistas ocidentais eram acompanhados por “guarda-costas” cujo trabalho era garantir que nenhuma conversa não autorizada ocorresse e que os visitantes se restringissem a um itinerário de documentos cuidadosamente selecionados. Não era permitido nenhum contato com cidadãos comuns. Em fotos e na televisão, os norte- coreanos pareciam autômatos, marchando a passo de ganso em desfiles militares ou fazendo ginástica coletiva em homenagem à liderança. Contemplando as fotografias, eu tentava discernir o que havia por trás daqueles rostos sem expressão. Na Coreia do Sul, passei a conversar com norte-coreanos que tinham desertado, fugindo para a Coreia do Sul ou para a China, e um retrato da vida real na República Democrática Popular da Coreia começou a emergir. Escrevi para o Los Angeles Times uma série de artigos concentrados em ex-moradores de Chongjin, uma cidade localizada no extremo norte do país. Julgava poder verificar os fatos com mais facilidade se conversasse com numerosas pessoas a respeito de um só lugar. Queria que esse lugar fosse distante dos bem maquiados cenários que o governo norte-coreano mostra a visitantes estrangeiros — mesmo que isso significasse que eu estaria escrevendo sobre um local que estava fora do meu alcance. Chongjin é a terceira maior cidade da Coreia do Norte e um dos lugares atingidos mais duramente pela crise de escassez de alimentos de meados dos anos 1990. É quase inteiramente fechada a estrangeiros. Tive a sorte de conhecer muitas pessoas maravilhosas de Chongjin, que eram articuladas e também generosas com seu tempo. Nada a invejar nasceu dessa série original de artigos. Este livro se baseia em sete anos de conversas com norte-coreanos. Alterei alguns nomes para proteger aqueles que ainda vivem na Coreia do Norte. Todos os diálogos foram extraídos dos relatos de uma ou mais pessoas presentes. Procurei por todos os meios confirmar as histórias que me contaram e cotejá-las com eventos noticiados publicamente. As descrições de locais que não visitei pessoalmente provêm de dissidentes, de fotografias e de vídeos. Tanta coisa a respeito da Coreia do Norte permanece impenetrável que seria tolice achar que acertei em tudo. Minha esperança é de que um dia a Coreia do Norte se abra e estejamos aptos a julgar por nós mesmos o que realmente aconteceu lá. 1. De mãos dadas no escuro Foto de satélite das Coreias do Norte e do Sul à noite. Se você examinar fotos de satélite do Extremo Oriente à noite, verá um grande borrão em que não há luz. Essa área de escuridão é a República Democrática Popular da Coreia. Nas proximidades desse misterioso buraco negro, a Coreia do Sul, o Japão e agora também a China resplandecem nitidamente de prosperidade. Mesmo a centenas de quilômetros de altitude, os anúncios luminosos, os faróis dos carros, as luzes das ruas, os néons das cadeias de fast-food, aparecem como minúsculos pontos brancos significando indivíduos envolvidos em suas ocupações. Consumidores de energia do século xxi. Então, no meio disso tudo, uma extensão de negrume quase do tamanho da Inglaterra. É desconcertante que uma nação de 23 milhões de pessoas possa parecer tão desabitada quanto o oceano. A Coreia do Norte é simplesmente um vazio. A Coreia do Norte escureceu no início dos anos 1990. Com o colapso da União Soviética, que sustentava seus velhos aliados comunistas com petróleo barato, a emperrada e ineficiente economia da Coreia do Norte entrou em colapso. As centrais de energia enferrujaram. As luzes se apagaram. Gente faminta passou a escalar postes de transmissão para surrupiar pedaços de fio de cobre e trocar por dinheiro. Quando o sol se põe, a paisagem se dissolve no cinza e as casinhas baixas são engolidas pela noite. Vilarejos inteiros desaparecem na penumbra. Mesmo em partes da capital-vitrine Pyongyang, é possível caminhar pelo meio de uma avenida à noite sem conseguir ver os prédios de nenhum dos dois lados. Quando forasteiros contemplam o vazio que é a atual Coreia do Norte, pensam em aldeias remotas da África ou do Sudeste Asiático em que a mão civilizadora da eletricidade ainda não chegou. Mas a Coreia do Norte não é um país subdesenvolvido; é um país que despencou para fora do mundo desenvolvido. Evidências do que houve um dia e se perdeu podem ser vistas balançando ao longo de qualquer estrada norte-coreana de certo porte — os esqueletos de fios da enferrujada rede elétrica que um dia cobriu o país inteiro. Os norte-coreanos que estão na meia-idade ou já passaram por ela se lembram muito bem de quando dispunham de mais eletricidade (e de mais comida também) que seus primos pró-americanos da Coreia do Sul, e isso intensifica a humilhação de passar as noites sentados no escuro. Nos anos 1990, os Estados Unidos se ofereceram para ajudar a Coreia do Norte a suprir suas carências de energia se o país desistisse de seu programa de armas nucleares. Mas o acordo desmoronou depois que o governo Bush acusou os norte-coreanos de trair suas promessas. Os norte-coreanos se queixam amargamente da escuridão, pela qual eles ainda responsabilizam as sanções dos Estados Unidos. Eles não podem ler à noite. Não podem ver televisão. “Não podemos ter cultura alguma sem eletricidade”, disse-me uma vez um corpulento guarda de segurança, em tom de acusação. Mas o escuro também tem suas vantagens. Especialmente se você é um adolescente namorando alguém com quem não pode ser visto.
Description: