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Massa e poder PDF

267 Pages·1986·25.556 MB·Portuguese
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Eis uma obra fundamental e totalmente original de investigação dos fenõmenos sociais. Situando- se entre o ensaio e a narrativa para construir seus modelos cognitivos lúcidos, Canetti organiza seu trabalho de pesquisa por meio da fenomenologia e da dialética dos símbolos. Esta metodologia permite ao autor-vincular dados histõricos e sociológicos com os resultados mais recentes da investigação em psicopatologia. Nasce assim uma nova disciplina, uma espécie de Antropologia Patológica, que, ao estudar a interação entre a massa e o poder, revela as anomalias patológicas do ser humano em sua totalidade biopsíquica. Entretanto, o autor não se detém no simples diagnóstico. A Antropologia Patológica, o estudo da patologia social e cultural, o conduz, contrapondo as constantes do comportamento coletivo com as expressões do poder, a estabelecer as própriaS bases de uma terapêutica. Como na psicanálise, a revelação da natureza da enfermidade com a indicação precisa dos centros infecciosos, a tomada de consciência das próprias raízes do mal, são fatos que na realidade predispõem à cura. ~-27.(cid:9) .01 (cid:9) Cód. 7-02-04-060 / Editara Universidade de Brasília MELHORAMENTOS MASSA E PODER Ao receber o Prêmio Nobel de MASSA E PODER Literatura, Canetti não era consi- derado um azarão, pois, ao lon- go de muitos anos, ele construiu uma sólida reputação literária, baseada em dois livros muito só- lidos e incomuns; o próprio Auto de Fé, um embasamento para chegar a sua obra maior Massa e Poder, na qual tenta uma aná- lise imaginária mais sistemática das multidões como um fenôme- no e dos efeitos de massa nas sensações do cotidiano. Não há dúvida de que Canetti com esta obra enriqueceu so- bremaneira nosso conhecimen- to dos processos de massa e po- der. Ele olha para os fenômenos como se estes ainda não estives- sem enevoados por qualquer teoria, não organizados para fá- cil acolhimento. A obra de Ca- netti, escrita numa linguagem ,alara, objetiva e forte deve mui- to às disciplinas científicas e a um conhecimento envolvente de culturas estranhas, especial- mente das "primitivas", que en- contraram acolhida com ele. Canetti está lá, onde a antropo- logia, a sociologia e a psicolo- gia nascem e se fecundam reci- procamente. Elias Canetti 1 MASSA E PODER FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CONSELHO DIRETOR Abílio Machado Filho Tradução de Amadeu Cury Rodolfo Krestan Aristides Azevedo Pacheco Leão Isaac Kerstenetzky José Carlos de Almeida Azevedo José Carlos Vieira de Figueiredo José Ephim Mindlín José Vieira de Vasconcellos Reitor: José Carlos de Almeida Azevedo Vice-Reitor: Luiz Octávio Moraes de Sousa Carmo EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CONSELHO EDITORIAL Afonso Arinos de Melo Franco Antônio Paim Arnaldo Machado Camargo Filho Cândido Mendes de Almeida Carlos Castello Branco Geraldo Severo de Souza Ávila Heitor Aquino Ferreira Hélio Jaguaribe Josaphat Marinho José Francisco Paes Landim José Honório Rodrigues Miguel Reale Octaciano Nogueira Tércio Sampaio Ferraz Júnior Vamireh Chacon de Albuquerque Nascimento Vicente de Paulo Barretto / Presidente: Carlos Henrique Cardim EditoraUniversidade de Brasília MELHOMMERTOS CIP-Brasil. Catalogação-na-Publicação SUMÁRIO Câmara Brasileira do Livro, SP Canetti, Elias, 1905- C225m(cid:9) Massa e poder / Elias Canetti ; tradução de Rodolfo Krestan. — São Paulo Melhoramentos ; [Brasília] : Ed. Universidade de Brasília, 1983. (Hoje e amanhã) A MASSA 1. Comportamento de massa 2. Poder (Ciências so- Inversão do temor de ser tocado (cid:9) 11 ciais) 3. Psicologia social 4. Sociedade de massa I. Título. Massa aberta e fechada (cid:9) 12 A descarga (cid:9) 14 Impulso de destruição (cid:9) 16 CDD-301.155 O estouro (cid:9) 18 (cid:9) 83-0424 -301.181 O sentimento de perseguição (cid:9) 21 Domesticação das massas nas religiões universais 22 Pânico (cid:9) 25 índices para catálogo sistemático: A massa como anel (cid:9) 27 1. Comportamento de massa : Psicologia social 301.181 As propriedades da massa (cid:9) 28 2. Massa : Comportamento : Psicologia social 301.181 Ritmo (cid:9) 30 3. Massas : Sociologia 301.181 Estancamento (cid:9) 35 4. Poder : Psicologia social 301.155 Lentidão ou a distância da meta (cid:9) 40 As massas invisíveis (cid:9) 43 Classificação segundo o efeito dominante (cid:9) 49 Massas de perseguição (cid:9) 50 Massas de fuga (cid:9) 55 Massas de proibição (cid:9) 58 Título do original em língua alemã: MASSE UND MACHT Massas de inversão (cid:9) 61 1960 claassen Verlag GmbH, Düsseldorf Massas festivas (cid:9) 65 A massa dupla: homens e mulheres. Todos os direitos reservados Vivos e mortos (cid:9) 66 Comp. Melhoramentos de São Paulo, Indústrias de Papel A massa dupla: a guerra (cid:9) 72 Caixa Postal 8120, São Paulo Cristais de massa (cid:9) • 78 Composto pela Artestilo Compositora Gráfica Ltda. Símbolos de massa 80 Impressão e acabamento em oficinas próprias Edição: 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 A MALTA Ano: 1986 85 84 83 Malta e maltas (cid:9) 101 Nos pedidos telegráficos basta citar o cód. 7-02-04-060 A malta de caça (cid:9) 106 A malta de guerra (cid:9) 108 A malta de lamentação (cid:9) 113 A malta de multiplicação (cid:9) 171 1, A comunhão (cid:9) 123 A malta interna e a malta silenciosa (cid:9) 125 DO PINHEIRO AO LIVRO, UMA REALIZAÇA0 MELHORAMENTOS 5 (cid:9) A determinação das maltas . Aversão dos chefes pelos sobreviventes Sua constância histórica (cid:9) 127 Soberanos e sucessores (cid:9) 269 Maltas nas lendas históricas dos arandas 129 As formas de sobrevivência (cid:9) 273 Formações de homens entre os arandas(cid:9) „ ... 133 O sobrevivente nas crenças dos povos primitivos 278 Os mortos como sobreviventes (cid:9) 291 Epidemias (cid:9) 303 MALTA E RELIGIÃO A respeito da sensação de cemitério (cid:9) 306 A respeito da imortalidade (cid:9) 308 A inversão das maltas (cid:9) 139 Selva e caça entre os leles de Kasai (cid:9) 140 Os despojos de guerra entre os jívaros (cid:9) 145 ELEMENTOS DE PODER As danças da chuva dos índios pueblos (cid:9) 149 Força e poder (cid:9) 313 Dinâmica de guerra. O primeiro morto. O triunfo 151 Força e rapidez (cid:9) 315 O islamismo como religião de guerra (cid:9) 155 Pergunta e resposta (cid:9) 317 Religiões de lamentação (cid:9) 157 O segredo (cid:9) 323 A festa do muharram entre os xiitas (cid:9) 160 Sentenciar e julgar (cid:9) 330 Catolicismo e massa (cid:9) 170 O poder do perdão. A graça (cid:9) 332 O fogo sagrado de Jerusalém(cid:9) ..... 174 A ORDEM MASSA E HISTÓRIA A ordem: fuga e aguilhão (cid:9) 337 Símbolos de massa das nações (cid:9) 185 A domesticação da ordem (cid:9) 341 A Alemanha de Versalhes (cid:9) 197 Contragolpe e medo de mandar (cid:9) 342 Inflação e massa (cid:9) 201 A ordem a muitos (cid:9) 344 A essência do sistema parlamentar (cid:9) 207 Espera de ordens (cid:9) 346 Divisão e multiplicação. Socialismo e produção 209 Espera de ordens dos peregrinos em Arafat (cid:9) 349 A autodestruição dos xosas (cid:9) 212 Aguilhão-ordem e disciplina (cid:9) 350 Ordem. Cavalo. Flecha (cid:9) 352 Castrações religiosas: os skoptsys (cid:9) 355 Negativismo e esquizofrenia (cid:9) 358 AS ENTRANHAS DO PODER A inversão (cid:9) 361 A dissolução do aguilhão (cid:9) 364 Tomar e incorporar (cid:9) 223 Ordem e execução. O verdugo satisfeito (cid:9) 367 A mão (cid:9) 233 Ordem e responsabilidade (cid:9) 369 Sobre a psicologia do ato de comer (cid:9) 242 A METAMORFOSE O SOBREVIVENTE Pressentimento e metamorfose entre os bosquímanos 375 O sobrevivente (cid:9) 251 Metamorfose de fuga. Histeria, mania e melancolia 381 Sobrevivência e invulnerabilidade (cid:9) 252 Automultiplicação e auto-ingestão. A figura dupla Sobreviver como paixão (cid:9) (cid:9) 254 do totem (cid:9) 387 O poderoso como sobrevivente 256 Massa e metamorfose no delirium tremens (cid:9) 399 A salvação de Flávio Josefo (cid:9) 260 Imitação e simulação (cid:9) 412 6 7 O personagem e a máscara . . .(cid:9) 416 A desconversão (cid:9) 421 Proibições de metamorfose (cid:9) 422 Escravidão ...........(cid:9) ,(cid:9) . .(cid:9) 427 ASPECTOS DO PODER -As posições do homem: o que elas contêm de poder 431 A MASSA O maestro (cid:9) 439 Glória (cid:9) 442 A ordenação do tempo (cid:9) 443 A corte (cid:9) 445 O trono crescente do imperador de Bizâncio (cid:9) 446 Idéias de grandeza dos paralíticos (cid:9) 447 PODERIO E PARANÓIA Reis africanos (cid:9) 457 O sultão de Delhi: Muhammad Tughlak (cid:9) 471 O caso Schreber. Primeira parte (cid:9) 483 O caso Schreber. Segunda parte (cid:9) 499 Epílogo (cid:9) 515 Notas (cid:9) 523 8 Inversão do temor de ser tocado Não existe nada que o homem mais tema do que ser tocado pelo desconhecido. Ele quer saber quem o está agarrando; ele o quer reconhecer ou, pelo menos, classificar. O homem sempre evita o contato com o estranho. De noite ou em locais escuros o terror diante de um contato inesperado pode converter-se em pânico. Nem mesmo a roupa oferece segurança suficiente; é fácil rasgá-la, é fácil chegar até a carne nua, lisa e indefesa do agredido . Todas as distâncias que o homem criou em torno de si surgiram a partir deste temor de ser tocado. As pessoas se fecham em suas casas nas quais ninguém pode entrar, e so- mente dentro delas é que elas se sentem relativamente seguras. O medo do ladrão não diz respeito apenas às suas intenções de assalto, mas também a um temor de ser tocado por um ataque repentino e inesperado vindo das trevas. A mão, transformada em garra, sempre volta a ser utilizada como símbolo deste medo. Uma boa parte deste contexto foi incluída no duplo sentido da palavra "agarrar". Tanto o contato mais inofensivo como o ataque mais perigoso estão incluídos neste termo, e sempre existe uma certa influência do segundo sentido sobre o primeiro. O substantivo "agressão" passou a designar uni- camente o sentido pejorativo do termo, Esta aversão em relação ao contato não nos abandona quando nos misturamos com outras pessoas, A maneira como nos movimentamos na rua, entre muitas pessoas, em restau- rantes, trens e ônibus, é determinada por este medo. Mesmo quando nos encontramos muito próximos de outras pessoas, quando podemos contemplá-las e estudá-las detalhadamente, evitamos, na medida do possível, entrar em contato com elas. Quando agimos de outra maneira, isto ocorre apenas porque a outra pessoa nos agrada e então a aproximação parte de nós mesmos. A rapidez com que nos desculpamos quando, involunta- riamente, entramos em contato com alguém, a ansiedade com a qual se esperam estas desculpas, a reação violenta e às vezes agressiva quando o pedido de desculpas não é feito, a anti- 11 palia e o ódio que sentimos em relação ao "malfeitor", mesmo pergunta; no entanto, mesmo assim, têm pressa de chegar quando não existe maneira de se ter certeza de que ele real- lá onde se encontra a maioria. Existe uma espécie de decisão mente o é -- toda esta confusão de reações psíquicas relativas nos seus movimentos que se diferencia consideravelmente da ao ser tocado pelo estranho, em sua extrema instabilidade e manifestação de uma curiosidade comum. Pensa-se que o mo- irritabilidade, demonstra que se trata de algo muito profundo vimento de uns contagia os outros, mas não é apenas isto: que nos mantém em posição de alerta e nos deixa suscetíveis eles têm todos uma meta. E antes de encontrarem palavras a um processo que jamais abandona o homem depois que ele apropriadas para descrever isto, a meta passa a ser a zona de estabeleceu os limites de sua pessoa. Até mesmo o sono, que maior densidade, o lugar onde se reúne o maior número de nos torna muito mais indefesos, é extremamente fácil de ser pessoas. É preciso dizer mais algumas coisas a respeito desta forma perturbado por este tipo de temor. Somente quando imerso na massa é que o homem pode extrema da espontaneidade da massa. Lá onde ela se origina, escapar deste temor em relação ao contato. Esta é a única no seu próprio núcleo, ela não é tão espontânea quanto parece. situação na qual o temor se transforma no seu oposto. Para Mas no restante, se deixarmos de lado as cinco, dez ou doze isto é necessária uma massa densa, na qual um corpo se estreita pessoas a partir das quais ela se originou, a espontaneidade contra outro corpo, densa também na sua constituição anímica, realmente existe. E a partir do momento em que ela se torna ou seja, quando já não se presta mais atenção a quem "se consistente, existe o desejo de aumentar esta consistência. A aperta" contra a gente. Assim que uma pessoa se abandona à ânsia do crescimento é a primeira e principal característica da massa, ela deixa de temer o seu contato. Neste caso ideal, massa. Ela quer incluir todos os que estão, de alguma forma, todos são iguais entre si. Nenhuma diferença conta, nem mesmo ao seu alcance. Todo e qualquer ser com forma humana pode a dos sexos. Qualquer pessoa que se aperte contra nós, torna-se tomar parte dela. A massa natural é a massa aberta: seu cresci- idêntica a nós mesmos. Nós a sentimos, da mesma forma como mento não tem limites prefixados. Ela não reconhece casas, sentimos a nós mesmos. De repente, tudo acontece como que portas ou fechaduras; todos os que relutam em se incluir nela dentro de um só corpo. Talvez este seja um dos motivos pelos tornam-se suspeitos. O termo "aberta" deve ser compreen- quais a massa procura se apertar tão densamente: ela quer se dido aqui num sentido amplo: a massa é aberta em todas as livrar da maneira mais completa possível do temor do contato partes e em todas as direções. A massa aberta existe enquanto de cada um dos seus indivíduos componentes. Quanto maior cresce, Sua desintegração tem início no instante em que deixa for a veemência com a qual os homens se apertam, tanto maior de crescer, é a certeza de que eles não se temem entre si. Esta inversão do Pois com a mesma rapidez com a qual se formou, a massa temor de ser tocado faz parte da massa. O alívio que se pro- também se desintegra. Nesta forma espontânea, ela é uma con- paga dentro dela — e que será examinado dentro de outro figuração frágil, Sua abertura, que lhe possibilita o cresci- contexto — alcança uma proporção impressionantemente ele- mento, é simultaneamente seu perigo. Dentro dela sempre vada na sua densidade máxima. permanece vivo o pressentimento da desintegração que a amea- ça, e da qual ela procura escapar através de um crescimento acelerado, Enquanto pode, ela incorpora tudo; no entanto, por Massa aberta e fechada incorporar tudo, ela é forçada a se desintegrar. Em oposição à massa aberta, que pode crescer até o infi- Uma aparição tão enigmática quanto universal é a da massa nito, que se encontra em todos os lugares e que justamente que surge repentinamente onde antes não havia coisa algu- por este motivo reclama um interesse universal, existe a massa fechada, ma. É possível que algumas pessoas tenham estado juntas, umas cinco, dez ou doze, no máximo. Nada foi anunciado, nada Esta renuncia ao crescimento e estabelece como sua era esperado. Repentinamente, tudo está cheio de gente. De meta principal a permanência. A característica que mais chama todos os lados pessoas começam a afluir como se todas as a atenção nela é o limite. A massa fechada se estabelece; ela ruas tivessem uma única direção. Muitos não sabem o que cria o seu lugar limitando-se; o espaço que ela irá preencher aconteceu, sendo incapazes de responder a qualquer tipo de lhe é assinalado. Ela é comparável a um recipiente no qual 12 13 se verte um liquido; sabe-se sempre quanto líquido pode ser qual ele encerra sua propriedade e sua própria pessoa, o posto colocado dentro dele. Os acessos ao espaço são limitados; não que ele ocupa, o status que almeja, tudo isto serve para criar, se pode ingressar nele de qualquer maneira, O limite é res- para fortalecer e para aumentar distâncias. A liberdade é tolhi- peitado. Este limite pode ser feito de pedra, de paredes sóli- da no momento em que existe um movimento de maior pro- das. É possível que haja a necessidade de um determinado fundidade em direção a outra pessoa. Impulsos e reações de- ato de recepção; talvez seja preciso pagar uma determinada saparecem como água num deserto. Ninguém é capaz de chegar quantia pelo ingresso. E quando o espaço está repleto com a às proximidades, às alturas de outra pessoa. Hierarquias fir- densidade desejada, ninguém mais é admitido. Mesmo quando memente estabelecidas em todos os âmbitos da vida impedem transborda, a parte principal continua sendo a massa densa a intenção de chegar até os superiores, de inclinar-se até os dentro do espaço fechado; e os que permaneceram do lado de inferiores, a não ser em termos de aparências superficiais. Nas fora não podem realmente fazer parte dela. diversas sociedades existentes, estas distâncias estão recipro- O limite serve para impedir um aumento desordenado, camente equilibradas de maneira diferente. Em algumas delas, mas também para dificultar e para retardar a desintegração. a ênfase é dada às diferenças de origem; em outras, às dife- A massa ganha em estabilidade o que sacrifica em termos de renças de ocupação ou de propriedade. possibilidade de crescimento. Ela se protege de influências Não é importante detalhar aqui todas as características externas que poderiam ser-lhe hostis e perigosas. No entanto destas hierarquias. O importante é que elas existem por todos ela conta de maneira toda especial com a repetição. Através os lados, que estão instaladas na consciência dos homens, e da perspectiva de voltar a se reunir, a massa supera todas as que determinam de maneira decisiva o comportamento deles vezes a sua própria dissolução. O edifício, o arcabouço espera em relação aos demais. A satisfação de se estar acima de outras por ela, ele existe por causa dela, e enquanto ele existir a pessoas dentro de uma hierarquia não compensa a perda de massa continuará se reunindo exatamente da mesma maneira, liberdade de movimentos. Nas suas distâncias, o homem se O espaço continua existindo mesmo nos momentos de maré torna mais rígido e mais sombrio. Ele é obrigado a suportar baixa e, pelo seu vazio, ele lembra o tempo da maré cheia. estas cargas e não avança, não progride. Ele se esquece de que estas cargas foram criadas por ele mesmo e deseja liber- tar-se delas. Mas como poderá libertar-se delas sozinho? Por A descarga mais que faça para conseguir isto, por maior que seja sua determinação neste sentido, ele continua situado entre os de- O acontecimento mais importante que se desenrola no interior mais, que fazem seus esforços malograrem. Enquanto os da massa é a descarga. Antes disto, a massa em si não chega demais se ativerem às suas distâncias, ele será incapaz de se a existir realmente; é através da descarga que ela se integra aproximar deles. de verdade, A descarga é o momento no qual todos os que Somente todos juntos são capazes de se libertar de suas pertencem a ela se despojam de suas diferenças e sentem-se distâncias. E é exatamente isto o que acontece dentro de uma iguais massa. Na descarga todas as separações são colocadas de lado Entre estas diferenças devem ser consideradas principal- e todos se sentem iguais. Dentro desta densidade, como pra- mente as de imposição externa: diferenças de status, de posi- ticamente não existe espaço entre as pessoas, os corpos se ção e de propriedade. Os homens, como indivíduos, sempre pressionam uns contra os outros, e cada um fica tão próximo têm consciência destas diferenças, que têm peso enorme, for- do outro como de si mesmo. O alívio que isto provoca é çando-os a posições claramente separadas. O homem se situa impressionante. É em função deste momento feliz, no qual com segurança num lugar determinado, mantendo-se distante ninguém é mais, ninguém é melhor do que os outros, que os de tudo o que se aproxima dele com gestos judiciais eficazes. homens se transformam em massa. Como um moinho de vento numa planície extensa, assim o No entanto o momento da descarga, tão desejado e tão homem permanece em pé, expressivo e em movimento; até repleto de felicidade, comporta em si mesmo um perigo par- o próximo moinho de vento não existe coisa alguma. Toda a ticular. Ele padece de uma ilusão básica: os homens que re- vida, como ele a conhece, é definida por distâncias: a casa na pentinamente estão se sentindo iguais, não foram realmente 14 15 tinuação. No entanto seria errôneo acreditar que a facilidade igualados para sempre. Eles retornam às suas casas separadas de quebrar os objetos constitui o fato decisivo. Já foram ata- e dormem nas suas próprias camas. Eles conservam suas pro- cadas esculturas feitas das pedras mais duras, que foram mu- priedades; não renunciam aos seus nomes. Eles não repudiam tiladas e tornaram-se irreconhecíveis. Os cristãos destruíram os seus familiares, nem tampouco escapam deles. Somente em as cabeças e os braços dos deuses gregos. Reformadores e casos de transformações especiais e muito sérias é que os revolucionários fizeram com que fossem baixadas dos seus homens se libertam de velhos laços, contraindo novas ligações. pedestais imagens de santos, às vezes até de alturas conside- E estas ligações que pela sua própria natureza são capazes de radas como um perigo mortal; e mais de uma vez a pedra que admitir apenas um número limitado de membros e que devem se quis triturar era tão dura que foi impossível destroçá-la assegurar sua própria existência mediante regras especiais e completamente. rígidas, eu as denomino cristais de massa. Posteriormente tra- A destruição de imagens que representam alguma coisa tarei demoradamente de suas funções. é a destruição de uma hierarquia que deixou de ser aceita. A massa propriamente dita, porém, se desintegra. Ela Desta forma são atacadas as distâncias habituais, que estão à sente que acabará por se desintegrar. E teme esta decomposi- vista de todos e que são válidas em todos os lugares. Sua ção. Ela somente poderá subsistir se o processo da descarga dureza era a expressão de sua permanência; elas existiam, tiver continuidade devido à chegada de novos elementos hu- eretas e imóveis, há muito tempo, desde sempre, e era impos- manos. Somente o incremento da massa impedirá que seus sível aproximar-se delas com intenções de hostilidade. Mas componentes tenham de submeter-se novamente às suas cargas agora elas estão caídas e destroçadas. A descarga se consumou privadas. através deste ato. No entanto, não é sempre que se chega a este ponto. A destruição do tipo mais comum, à qual nos referimos inicial- Impulso de destruição mente, consiste somente num ataque a todos os limites. Portas e janelas pertencem às casas, sendo ao mesmo tempo a parte Fala-se freqüentemente a respeito do impulso de destruição mais delicada de sua limitação com o exterior. Uma vez des- da massa; esta é a primeira de suas características, que salta troçadas as portas e as janelas, a casa perdeu sua individuali- aos olhos e é impossível negar que se encontra em toda parte, dade. Agora, qualquer pessoa pode entrar nesta casa segundo em todos os países e dentro das mais variadas culturas. Apesar sua própria vontade; nada e ninguém se encontra protegido de se tratar de uma realidade comprovável e que é geralmente dentro dela. De maneira geral, acredita-se que nestas casas desaprovada, ela jamais chega a ser satisfatoriamente explicada. estejam abrigados os homens que pretendem se excluir da De preferência, a massa destrói casas e coisas. Como massa, os seus inimigos. Agora, tudo o que os separava da massa muitas vezes se trata de objetos frágeis, como cristais, espelhos, foi destruído. Entre eles e a massa já não existe coisa alguma. vasilhames, quadros e louças, existe uma tendência a se acre- Estes homens podem sair e juntar-se a ela. Podem ser pro- ditar que seria justamente esta fragilidade das coisas que incita curados e apanhados. a massa à destruição. É bem verdade que o ruído produzido No entanto, existe mais do que isto. O próprio indivíduo pela destruição, o barulho das vidraças se partindo fornece tem a sensação de que dentro da massa ele consegue ultrapas- uma contribuição importante ao encanto da coisa toda: são sar os limites de sua própria pessoa. Ele se sente aliviado, já os vigorosos vagidos de uma nova criatura, os gritos de um que todas as distâncias que o voltavam para si mesmo e que recém-nascido. O fato de eles serem tão facilmente provocados o encerravam em si mesmo foram abolidas. Ao eliminar estas aumenta sua popularidade; tudo grita em uníssono e esse ba- cargas da distância, ele se sente livre e sua liberdade o impele rulho equivale ao aplauso das coisas. Uma necessidade parti- à ultrapassagem destas fronteiras. E o que acontece com ele cular desse tipo de barulho parece existir no início dos acon- deve acontecer também com os outros, e ele espera a mesma tecimentos, quando a massa ainda está sendo formada por um coisa por parte dessas outras pessoas. Ele se irrita com o fato número bastante reduzido de elementos, e quando ainda não de que um recipiente de barro seja formado apenas por limites. aconteceu quase nada. O barulho promete o reforço desejado Numa casa desagradam-lhe as portas fechadas. Ritos e cerimô- e funciona como um presságio feliz de que haverá uma con- 17 16

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