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Marc Ferrez PDF

59 Pages·2000·9.316 MB·Portuguese
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Capa J [Entrada da baía de Guanabara, vista da fortaleza de Santa Cruz Todas as reproduções são de Sergio Burgi Álbum 1885 Rio de Janeiro e. [ ver página 5 O J Frontispício Tijuca - Pie do Papagaio [A uto-retraro de Marc Ferrez] Rio de Janeiro e. 1880 Albúmen 21x16cm Mapoteca do Palácio Itamaraty Rio de Janeiro Quarta capa Santos - Le port e. 1882 [ver página 86] Espaços da arte brasileira/Marc Ferrez © Cosac & Naify Edições 2000 © Maria Inez Turazzi Projeto e coordenação editorial Rodrigo Naves Edição de arte e projeto gráfico Fábio Miguez Coordenação executiva Célia Euvaldo Desenvolvimento do projeto gráfico Fernanda Mendes Produção Fabiana Werneck Edição de texto Cristina Fino Revisão Flávia Moino e Luiz Eduardo Vicentin Tratamento de imagens e fotolitos Ponto & Meio Impressão Donnelley-Cochrane/Hamburg Todos os direitos reservados. Esta publicação não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da editora, exceto quando para fins de crítica, artigo ou resenha. Cosac & Naify Edições Ltda Fone 0_11 255-8808 Fax 0_11 255-3364 http://www.cosacnaif com.br y. [email protected]. br MARC FERREZ: FOTOGRAFIAS DE UM "ARTISTA ILUSTRADO" Maria Inez Turazzi 1 Jornal do Cornmercio, Folheando o jornal do Com1nercio, os leitores da Corte e das províncias do 1O dez. 1888. A série de Império não precisavam percorrer os três pavimentos do Liceu de Artes e artigos publicada pelo Ofícios do Rio de Janeiro para ter, diante de si, uma exposição minuciosa dos jornal ao longo do mês de dezembro não é itens que iriam representar o nosso "adiantamento" e "civilização" na Expo assinada. sição Universal de Paris de 1889. Descritos em detalhes, eles podiam ser exami nados pelo próprio leitor: Deixando-se o mundo industrial do prin1eiro pavimento, sobe-se por uma elegante escada à indústria artística do segundo pavimento. [ ... ] No primeiro andar, à esquerda, está uma galeria completamente ocupada por excelentes trabalhos de fotografia. O salão central tem o nome do Sr. Pedro II, o grande cidadão a quem a indústria deve quarenta anos de paz e animação.[ ... ] O acer tado gosto da comissão colocou no salão imperial essas magníficas obras de Marc Ferrez marcenaria, de talha, de charão, de tapeçaria que são, desde a origem nacio J [liceu de Arte e Oficios nal, a honra de nossas artes. É um deslumbramento! No princípio estão as Rio de Janeiro e. 1888 confecções de modas, as flores artificiais, e na parede uma magnífica coleção de paisagens em fotografia do senhor Marcos Ferrez, onde se vê a medieval Ouro Preto, o Itacolomi e uma avenida de floresta, que é um primor. 1 Esquadrinhando a mostra preparatória da participação brasileira ern Paris, o articulista do jornal do Co1n111ercio, entre adjetivações e espantos, acaba con duzindo o leitor para dentro da "galeria fotográfica". Ali, descreve-lhe a "boa 7 • coleção" de vistas de uma estrada de ferro e outros tantos panoramas e retratos, antes de frrmar o julgamento de que "os trabalhos fotográficos da exposição dão a melhor idéia dos processos usados e do cuidado com que é feita a tira gen1 das provas". Finalmente, diante das imagens exibidas por um dos fotógra fos mais premiados do país, concede-lhe os maiores elogios: Nos quadros fotográficos do senhor Marcos Ferrez e nos espécimens de repro dução dos trabalhos cartográficos por meio de processos especiais, nota-se, também, o esmero de um artista ilustrado, que tenta passar para nossos usos industriais as mais recentes descobertas. A escolha de paisagens foi acertada e o efeito de luz em algumas está bem aproveitado. 2 2 Ide.m. O "juízo crítico" do Jornal do Com a fama de ser o periódico mais importante e respeitado do Commercio foi transcrito no ano Império, o "juízo crítico" do Jornal do Commercio sobre a mostra fotográfica 4 seguinte em tinha o peso de um reconhecimento consagrador. Fundado em 18 2 7 pelo tipó O Auxiliador, periódico grafo francês Pierre Plancher e dirigido, desde a década seguinte, pelo cmnpa da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. triota Jules Villeneuve, o Jornal do Commercio não demorou a se tornar o periódico com o maior número de leitores e anunciantes do Rio de Janeiro. Atento aos fatos da vida política e cultural do país, não deixava de acolher as novidades que corriam o mundo, transcrevendo matérias publicadas por jor nais estrangeiros. Assim ocorreu, por exemplo, em 1839, com o anúncio ofi cial da invenção do daguerreótipo na França e assim ocorreria, nas décadas seguintes, com as notícias sobre os inúmeros aperfeiçoamentos que a fotogra fia experimentou, daí por diante, em diversos países. Na década de 1860, já tinha um correspondente em Nova York e, em 1877, tornou-se o primeiro periódico brasileiro a contar com os serviços de uma agência telegráfica inter nacional. Longe, portanto, de ser uma folha dedicada apenas às notícias econô micas, o Jornal do Commercio sempre deu destaque às letras e às artes. Embora fosse a maior expressão do jornalismo conservador da época, tantas vezes adje tivado como "circunspecto", "sisudo" e "servidor de todos os governos", era também o espaço dos "a pedidos", que não raro traziam matéria paga e pouco generosa com as autoridades constituídas, e dos famosos folhetins, que repro duziam em fragmentos diários as obras de Victor Hugo ou Joaquim Manuel de Macedo. "Agindo e reagindo sobre a sociedade", como ressaltou Nelson 8 Werneck Sodré em seu amplo estudo sobre a imprensa brasileira, a história do Jornal do Commercio confunde-se, por isso mesmo, com a história do Brasil 3 Sodré, Nelson no século XIX.3 Wemeck. A história da No presente ensaio, o leitor contemporâneo verá que o "juízo crítico" do imprensa no Brasil. Rio Jornal do Commercio oferece-nos uma espécie de roteiro tropológico para o de Janeiro, Civilização estudo das relações entre a formação, a técnica, as influências estéticas, as ambi Brasileira, 1966, p. 217 e ss. Ver tb. Bilac, Olavo. ções arósticas e as formas de experimentação do mundo do fotógrafo Marc "Jornal do Commercio". Ferrez. O itinerário que segui está demarcado por expressões retiradas daquele ln: Vossa insolência; texto, embora o caminho percorrido tenha-se orientado, naturalmente, por crônicas. São Paulo: Companhia das Letras, indagações e interesses estabelecidos por um outro quadro de referências. Nesse 1996, pp. 180-183. jogo de articulações e agrupamentos simbólicos, a crítica fotográfica da época, além de configurar-se como parte integrante dos processos de veiculação, cir culação e recepção do trabalho de Marc Ferrez, acabou pontuando o espaço, aqui delimitado, para a análise de sua trajetória e de sua produção fotográfica em mais de meio século de atividade, espaço em que transitaram parceiros e interlocutores, clientela e público, críticos e admiradores. O pesquisador norte-americano Weston Naef, ao lançar em Nova York, em 1976, um livro realizado em parceria com o historiador Gil berto Ferrez sobre os pioneiros da fotografia no Brasil, não deixou de assinalar que a vida e a obra de Marc Ferrez já eram então mais conhe cidas do que a de qualquer outro fotógrafo em atividade no país no século XIX. Esse conhecimento havia sido construído pelo trabalho de preservação do acervo e divulgação do nome de Marc Ferrez realizado Capa do álbum Rio de desde os anos 1930 por seu neto, quando começava a colecionar e estudar a ico Janeiro, l 890~ que nografia brasileira. Posteriormente, os livros O Rio antigo do fotógrafo Marc pertenceu ao diplomata argentino Ferrez: paisagens e tipos humanos do Rio de Janeiro/ 1865-1918 (RJ, 1984) e Estanislao Zeballos A fotografia no Brasil/ 1840-1900 (RJ, 19 85), em meio a tantas outras obras do Encadernação de G. Leuzinger & Filhos historiador, ampliaram ainda mais o conhecimento e a apreciação do legado de Marc Ferrez, divulgando novos aspectos de sua vida familiar e boa parte das imagens que produziu, além de inaugurarem uma qualidade gráfica e editorial que ainda não havíamos experimentado na publicação de livros sobre a fotogra fia brasileira do século XIX. Recorrendo a essa literatura (ver bibliografia) e à documentação ainda inédita encontrada nas instituições de pesquisa, acrescidas 9 por novas explorações no acervo da família Ferrez, foi possível ordenar de forma bastante detalhada (ver cronologia) a vida e as atividades de Marc Ferrez, o que nem sempre se consegue com a biografia de outros fotógrafos da época. Para este livro, foram reproduzidas imagens pertencentes a diferentes colecionadores e instituições. Na coleção reunida por Gilberto Ferrez, hoje no Instituto Moreira Salles, encontram-se os negativos de vidro posteriores ao incêndio de 18 7 3 na oficina de Marc Ferrez, tiragens produzidas pelo próprio fotógrafo e cópias que Gilberto Ferrez posteriormente mandou executar a par tir dos negativos originais.4 No acervo existente em museus, arquivos, bibliote As tiragens originais 4 do fotógrafo têm uma cas e coleções particulares, do Brasil e do exterior, encontram-se, além das textura, um contraste tiragens originais (muitas já danificadas pelo tempo), legendas, marcas e co e uma gradação tonal mentários de época ausentes em cópias posteriores, passe-partouts e álbuns que mais expressivos do emolduravam e editavam essas imagens, bem como preciosas informações sobre que as cópias de suas chapas realizadas a clientela e as transações ligadas à encomenda e ao consumo dessas fotografias. posteriormente. Todos esses elementos, combinados, me parecem fundamentais para a contex tualização histórica e o estabelecimento de recortes e leituras no conjunto da produção fotográfica de Marc Ferrez. O ''juízo crítico" Os jornais, desde o anúncio oficial da invenção do daguerreótipo, em 183 9, tive ram papel fundamental na fonnulação de juízos de valor em torno da fotografia, seja porque traziam um inventário das possibilidades oferecidas pelo novo meio, seja porque amplificavam a discussão e o reconhecimento do estatuto artístico da imagem fotográfica. Na França, associações como a Société Héliographique ( 18 51) e a Société Française de Photographie ( 1854) estimulara1n a criação de ~:mblicações especializadas que vieram impulsionar as inovações e os debates no cm1po da fotografia, promovendo o nascimento de u111a crítica fotográfica pro :?=-:2..-:iente dita, direcionada não tanto para a compreensão da natureza ontológi cz cia :rnagem fotomecânica, mas para a apreciação dos recursos intrínsecos e das ~:.:_;: ·=cades estéticas dessa nova modalidade de expressão humana. Lançado a 9 de fevereiro de 1851, o jornal La Lumiere autoproclamava se um semanário "não-político", de "belas-artes, heliografia e ciências", uma "revista de fotografia", no qual escreviam autores como Francis Wey, em busca de uma definição estética do novo meio, e Ernest Lacan, voltado para a conci liação dos valores artísticos da imagem fotográfica com suas potencialidades comerciais. A inexistência de salões dedicados à fotografia e a ausência desse gênero de imagem nas páginas do jornal impunham a esses autores uma abor dagem descritiva que, se por um lado, condicionava o tipo de crítica que pro duziam, por outro, reforçava ainda mais a autoridade que exerciam. Os primeiros tempos do jornal La Lumiere exprimem, por isso mesmo, uma "con tradição inédita na história da crítica: dar conta das imagens, exaltando o pra zer do detalhe e da precisão, o que supõe uma observação minuciosa e atenta, s Hermange, Emmanuel. sem que as obras sejam expostas ou publicadas" .5 Essa contradição marcaria o "La Lumiere et tom acentuadamente descritivo da crítica fotográfica veiculada nos jornais, rela l'invention de la critique tórios de exposições e manuais técnicos ao longo do século XIX. Por outro lado, photographiqu e". Écudes Photographiques, ao estabelecer critérios de hierarquia e introduzir un1a perspectiva formal na n. 1, novembro, 1996, avaliação das imagens ( ou "provas"), a crítica especializada acabou por condu p. 9 8. (Revue zir um público mais an1plo e diversificado à formulação de juízos de valor esté sémestrielle de la Société • tico sobre a fotografia, ainda que o estatuto artístico dessas imagens fosse objeto Française de Photographie). de muitas discussões. No Brasil, comentários sobre essa veiculação pública das imagens fotome cânicas foram publicados na imprensa diária e nos relatórios oficiais desde mea dos do século XIX, como resultado da aparição de daguerreótipos, ambrótipos e foto grafias albuminadas nos primeiros salões da Acadenúa Imperial de Belas Artes, bem como da participação de estabelecimentos fotográficos da Corte e das províncias nas exposições provinciais e nacionais do Império, organizadas segundo o modelo europeu de distribuição e julgamento das riquezas naturais, agrícolas, industriais e artísticas. Um dos exemplos mais interessantes desse tipo de crítica deixou-nos o pintor Victor Meirelles no longo texto em que analisou, como membro do juri oficial, a participação da fotografia na Exposição Nacional de 1866. A descrição das obras expostas é bastante minuciosa e o autor não poupa elogios a este ou àquele exemplar em que sobressaem a "fineza e per feição dos objetos representados", as "posições escolhidas com gosto e natura- 11 ' lidade", as "cores agradáveis e o vigor dos tons bem cal culados", a "nitidez e suavidade das meias tintas", a "fir meza e transparência das sombras", o "relevo perfeito e a beleza das formas". 6 Sustentados nas c_onvenções e no vo cabulário estético da pintura, embora fossem endereçados à fotografia, os comentários de Victor Meirelles sugerem um repertório estético norteador das ambições artísticas de boa parte dos fotógrafos da segunda metade do século XIX, ao mesmo tempo que revelam uma transposição de valores indicativa da distância que a crítica de arte tradicio nal ainda teria de percorrer para uma apreciação das qua lidades intrínsecas da fotografia. 7 Em seu relatório, retratos e paisagens reunidos na classe destinada à fotografia foram analisados separada- mente - na Exposição Nacional de 187 5 os dois gêneros já seriam distribuídos George Leuzinger ]ardin Botanique. Le Jac em classes distintas - e todos os expositores rivalizavam "pouco mais ou menos et le cocotier em perfeição", com exceção do suíço George Leuzinger, fotógrafo que se desta Rio de Janeiro e. 1867 cava por apresentar vistas e panoramas do Rio de Janeiro e arredores, represen tando "fielmente, com todas as minudências, os diversos lugares pitorescos do nosso característico país", podendo "servir perfeitamente de estudo aos artistas que se dedicam à arte bela da pintura de paisagem". A crítica de Victor Meirelles 8 ao trabalho de Leuzinger, além de fomentar o diálogo entre a fotografia de pai sagem e a tradição pictórica, vislumbrando estratégias e potencialidades para esse gênero fotográfico no contexto brasileiro, também antecipava a apreciação elo 6 Meirelles, Victor. "Photographia". ln: giosa que aquelas imagens teriam em Paris no ano seguinte. Brasil, Exposição As exposições universais, desde o sucesso da fotografia na grande expo Nacional. Relatório da sição de Londres de 1 8 5 1, amplificavam o caráter ilustrativo da fotografia de segunda Exposição Nacional de 1866, paisagem e seu efeito demonstrativo. Os juris oficiais desses eventos, menos publicado [. .. ]pelo Dr. preocupados com a busca da beleza ou a conformidade com os cânones artísti Antonio José de Souza cos, concentravam-se nas inovações dos processos fotográficos e em suas apli Rego, 1. 0 Secretário da Commissão Directora. cações industriais e comerciais. Os parâmetros desse julgamento eram o Rio de Janeiro, Typ. progresso técnico, a rentabilidade econômica e as novas aplicações da imagem. Nacional, 1869, 2.ª Para premiar a categoria, eram convocadas autoridades do meio fotográfico, parte, pp. 158-170. 12 7 O enquadramento, por como Ernest Lacan, redator-chefe do La Lumiere, de 1853 a 1860 e, pouco exemplo, não é depois, um dos fundadores do le Moniteur de la Pllotograpliie, "revista inter considerado de maneira nacional" voltada para "o progresso da nova arte" e uma das publicações mais explícita, sendo mencionado apenas importantes do gênero na segunda metade do século XIX. Lacan exerceu por indiretamente na crítica diversas vezes o papel de jurado, tendo o primeiro contato com a fotografia de Victor Meirelles aos brasileira na Exposição Universal de Paris de 1867. Em meio ao "bom gosto, retratos em fotopintura. sensibilidade artística e excelência dos trabalhos" de diversos fotógrafos ali re.,. s Meirelles, Victor. Op. presentados, não deixou de mencionar "as obras bastante notáveis" do senhor cit., pp. 163 e 166. "G. Leuzniger" [sic], profissional desconhecido no meio europeu a quem o juri 9 France. L 'Exposition concedeu uma menção honrosa. 9 As paisagens de George Leuzinger não eram Universelle de 1867 as primeiras imagens fotográficas do Brasil a participar de um evento interna Wustrée. Publication cional ( o fotógrafo Joaquim Insley Pacheco já recebera "medalha de primeira internationale autorisée classe" na Exposição Internacional do Porto de 1865), mas aquela era a primei par la Comission Impériale. Paris, E. ra vez que a fotografia de paisagem produzida no Brasil recebia uma premiação Dentu, 1867, p. 31 O. nas exposições universais, fato que não passou desapercebido no meio fotográ A premiação foi obtida fico da Corte. com vistas e panoramas do Rio de Janeiro, além ':\ A fotografia de paisagem, identificada no século XIX como um recurso de fotografias da descritivo (mais do que inforn1ativo ou quantitativo, como o desenho) e uma própria oficina de atividade promissora (graças às novas exigências colocadas pela visualidade George Leuzinger. moderna), não podia desconsiderar os códigos de representação da pintura e da 1o Os valores estéticos "arte bela da paisagem", mesmo quando motivada por encomendas de nature da fotografia za científica, comercial ou de qualquer outra ordem.10 Apoiada na exatidão da documental são discutidos por Snyder, forma e na fidelidade do registro, ela ambiciona valorações artísticas e se orien Joel, "Aesthetics and ta por essas convenções, ainda que para transpor os cânones estabelecidos. Mas docwnentation", in: também institui um novo olhar sobre a natureza, olhar que reposiciona o papel Walch, P. & Barrow, do observador, da contemplação passiva à intervenção estudada. Por isso T. F. (ed.), Perspectives on photography, mesmo, ao atribuir sentidos e valores a uma natureza que se transforma pela Albuquerque, University ação do homem - como por exemplo, na documentação das espécies botânicas, of New Mexico Press, \ 'i ou das obras públicas e melhoramentos urbanos - ela envolve uma mudança de 1986, pp. 125-150 e Soulages, François, perspectiva em relação à história. No Brasil, o esquadrinhamento do território Esthétique de la pela fotografia, assim como pela geografia, geologia ou botânica, além de ser photograpl1ie, Paris, matéria de interesse científico, é também uma necessidade política de consoli Nathan, 1998, esp. pp. 13 7 -16 2. dação do Estado imperial: vistas e panoramas fotográficos são reconhecidos 13 como enquadramentos do país que tipificam cenários, costumes e gentes da terra, elegendo-os como atributos singulares de uma identidade nacional em construção, consubstanciada na variedade e exuberância dessas imagens. A "ilustração" do artista O articulista do Jornal do Commercio, ao definir Marc Ferrez como um "artis ta ilustrado", convida-nos a indagar que valores, em pleno final do século XIX, e que atributos, específicos do fotógrafo, estariam sendo destacados com essas expressões tão características. O termo "ilustrado", como sabemos, era um repositório de referên,cias ao ideário iluminista do século XVIII, amplamente cultivado pela sociedade letrada do século XIX. O sentido primitivo da palavra, denotando a aparição ou irradiação da luz, já fora substituído por outras acep ções: no século XV, ilustração passou a significar a capacidade de adquirir conhecimentos ou a própria sabedoria com a qual se distinguem os espíritos instruídos; no século XVI, a ação de esclarecer, por meio de explicações e exem plos, os conteúdos obscuros; no século XIX, a estampa ( desenho, gravura, foto grafia) que ornamenta e elucida um texto pela figuração de significados que lhe-são extraídos ou acrescidos por meio da imagem.11 No transcurso dos sen 11 Robert, Paul. Dicriom1aire tidos, duas idéias que sobressaem: o saber e a imagem. Um saber impregnado alphabérique et pelo culto à razão, pela convicção no caráter civilizador da ciência e da arte. A analogique de la lmgue ilustração é atributo daqueles que compartilham e interagem com as fontes française. Paris. Société desse conhecimento e dessa sensibilidade, mas é também o instrumento indis du Nouveau Littré, 1976, pp. 867-868. pensável para o triunfo da razão. A "filosofia das Luzes" é inspiradora das enci clopédias, biografias e álbun? ilustrados que respondem pela vulgarização da ciência e da civilização, pela educação dos sentidos e, particularmente, por uma nova pedagogia do olhar: "educado pela ciência, o olho acede ao mundo inteligível, e liberta-se da visibilidade empírica" A imagem, dilatando as .12 12 Rouanet, Sergio t fronteiras da visão e da memória, faz-se portadora dessa visibilidade privile Paulo. "O olhar iluminista". In: Novaes, giada e libertadora. Adauto ( org.). O olhar. Inserida naquele contexto, a caracterização do fotógrafo como um "artis São Paulo, Companhia ta ilustrado" tinha colorações específicas: atestava o reconhecimento de atributos das Letras, 199 5, p. 133, 14

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