© Celso R. Braida, 2012. ISBN 978-85-915251-2-6 c. r. braida Exercícios de Desilusão 2ª versão Florianópolis Rocca Brayde 2013 para Emmanuelli e Valentina. Sumário Prólogo 06 I. A sedução da análise e a fascinação da técnica 10 II. Pequenos Exercícios 36 III. O implante e suas fissuras 194 submissão dos corpos regime de fascinação fissuras do regime formas resistência exercícios de desilusão Origem dos textos 212 Exercícios de Desilusão 4 Exercícios de Desilusão 5 Prólogo “Ce qu’il ignore, c’est qu’il y ait quelque chose à savoir.” O pensamento subjacente aos textos aqui reunidos está orientado pela ideia da inseparabilidade das atividades e entidades que perfazem a nossa realidade. Quem já uma vez sobrevoou as nuvens ao por do sol, no outono, tendo visto aquele tipo grandioso de paisagem – objetos e formações monumentais e diversificadas, planícies, vales, montanhas, abismos de nuvens e miríade de cores – e pensou nas paisagens da superfície terrestre, ou da superfície submarina, pode, talvez, compreender a origem comum de todas coisas, percebendo que as diferenças se devem apenas ao grau de complexidade, duração e superposição de fatores, eventos e elementos. Se pensou com mente aberta essas coisas, então, está preparado para pensar que as diferentes entidades e formações são efetivamente apenas concentrações, adensamentos e entrelaçamentos, Exercícios de Desilusão 6 em diferentes níveis de ligações, de diferentes plexos da mesma plasmável e reconfigurável energia-massa, afetável e afetante, efetiva e afetiva. Vistas de fora e de longe, as coisas aparecem como isoladas e consistentes em e por si mesmas, tal como essa nuvem dourada com forma de cogumelo, que paira estática, sólida e isolada, sobre a imensa planície branca de uma única nuvem que termina lá no horizonte em formações semelhantes a uma cadeia de montanha. Todavia, um ser vivo e também uma pedra, têm também essa aparência e essa consistência, quando vistas à uma certa distância. A nuvem, o urubu e a pedra, assim como essa aeronave metálica em que me desloco, apenas se mantém, na sua consistência em função de um fundo, muitas vezes invisível, apenas por ser de outra consistência, que tanto serve de base quanto de suporte, mas que na verdade é apenas uma formação mais ou menos complexa da mesma substância multiforme. Caso fossem separados, no sentido de o entorno circundante ser aniquilado, eles também o seriam; caso não se destruíssem, se transformariam inteiramente em outra coisa. E isso vale também para o metal, e para a técnica que o transformou em avião. Também a "paisagem interior" dos meus pensamentos, imagens e conceitos podem ser vistas como formações rarefeitas e nada mais. As entidades como complexos de ritmos de atividades de uma mesma energia: esse pensamento é tão sublime e Exercícios de Desilusão 7 admirável que quase não nos é cabível. Todavia, tal modo de pensar é o único a não cair na tentação de explicar as coisas e os acontecimentos, incluindo a si mesmo, por meio de algo diferente e não aparente. E o mais importante é que do ponto de vista do observador, aquilo que aparece como o mais inconsistente e dependente, no caso, as nuvens passageiras, quando confrontadas com os rios, as cidades e as florestas lá embaixo, na sua imponência e fixidez, é na verdade e de fato aquilo que possibilita, funda e condiciona. Pois, bastaria que as nuvens deixassem de existir por somente um ano e nós veríamos aquelas realidades tão bem estabelecidas iniciarem um processo de transformação e de perda de consistência. No plano de imanência das nuvens, embora haja muitas formações e complexidades diferentes, essa diversidade de formas e estruturas é de um grau muito menor e mais simples quando comparado ao plano de imanência da biosfera. Agora, essa separação mesma é ilusória. O próprio plano de imanência dessas linhas e pensamentos já foi tomado como mais simples e também como mais complicado do que o das nuvens. E, contudo, sem as nuvens, os planos de imanência da cultura e da consciência, assim como o da biosfera, não existiriam, ao menos não seriam tais como agora são. Pois, também os diferentes planos de imanência (matéria, vida, cultura; ar, água, terra) são tampouco Exercícios de Desilusão 8 isolados e independentes quanto a nuvem que passa em relação ao rochedo e o mar lá embaixo na terra. Por conseguinte, desse exercício de pensamento pode-se passar para a ideia de que os diferentes planos são apenas aspectos de uma única dimensão de atividade indivisa. Como se pode ver, um demorar-se consciente no sobrevoo em meio as nuvens pode desfazer muitas ilu- sões e convicções – ora, não foi por acaso que o pensa- tório de Sócrates fora justamente localizado no nephel das nuvens! Exercícios de Desilusão 9