Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura Com o título: Aprendendo com Sou Fujimoto. redigida por João Paulo Ramos Martins Sob a orientação do docente Álvaro António Gomes Domingues Obrigado, família, Filipe Vales, amigos, Álvaro Domingues, Sou Fujimoto. 2 Índice Resumo [ 4 - 5 ] Abstract Introdução [ 6 - 9 ] Tema. Objectivo. Objecto. Metodologia. Estrutura. Contexto [ 10 - 11 ] O Japão. Taut e Gropius Sou Fujimoto [ 12 ] Capítulo 1. Ambiguidade Espacial [ 14 - 36 ] | Ninho e caverna | Caverna | Caverna artificial | Método [ 34 - 36 ] | Ideia | Experiência espacial | A novidade por meio da casualidade | Capítulo 2. Arquitectura do Intermédio [ 37 - 93 ] | Espaços intersticiais | Nova ordem | Internet | “…/ entre interior y exterior / entre ciudad y la casa /…” [ 44 - 55 ] | Tóquio | Tradição arquitectónica japonesa | interior/exterior | “Entre naturaleza y arquitectura /…” [ 57 - 75 ] | Privilégio do não material | Ideias poéticas alocadas à natureza | “…/ entre mobiliário e arquitectura /…” [ 77 - 93 ] | Flexibilidade | Filosofia de vivência do espaço | Escala | Desconstruir o convencional | Capítulo 3. Simplicidade Avançada [ 94 - 103 ] | Ideia simples | A elementaridade | Gestos simples | Ambiguidade | Silêncio da arquitectura | Conclusão [ 104 - 123 ] | Proposta 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | Bibliografia [ 124 - 125 ] 3 Resumo Sou Fujimoto questiona algumas significações basilares da arquitectura porque acredita que este é o ponto partida certo para formular algo novo. Pretende com isto centrar o seu pensamento para o que é realmente fundamental e que ele crê que esteve na origem da arquitectura, relegando todo o passado arquitectónico, desde então, ao esquecimento momentâneo. Tal não é mais do que um desejo de simplificação do campo da arquitectura, convicto que esse é o pressuposto necessário para se chegar à complexidade das coisas. Na ambiguidade, o arquitecto encontra parte da resposta para os anseios da sua retórica. Esta é a qualidade capaz de criar situações pouco convencionais para a disciplina porque pouco claras quanto à sua localização/definição no campo da arquitectura. No entanto, a ambiguidade surge apenas a partir da interacção com a arquitectura, porque no seu trabalho ele persegue a clareza da forma, do processo e da ideia, para que seja de fácil de compreensão, para si e para os outros. Na arquitectura dele, o corpo na sua totalidade é cativado pelo edifício que desafia a pessoa a explorar instintivamente as capacidades múltiplas e latentes da arquitectura na busca do local mais confortável. Mas o êxito desta lógica, inerente aos seus projectos, está dependente da capacidade do ser humano em assimilar, improvisar e adaptar-se a ela, pois só deste modo terá uma experiência corporal satisfatória. A habitação, para ele, é o lugar (dispositivo) que contém a totalidade de formas com que a humanidade interage no seu dia-a-dia. Por este motivo, interessa-lhe captar as situações de usufruto que surgem da actividade e da interacção dos seres humanos com o objectivo de as traduzir para a sua arquitectura. A partir deste apanhado constrói um dispositivo preparado para receber a maior parte das acções do quotidiano onde se inclui a ideia de função. As relações na arquitectura é um dos princípios básicos que interessa ao arquitecto investigar. Ele acredita que por meio delas se potencia o programa e se gera intervalos (espaços intersticiais) entre as suas partes que podem ser habitados. O espaço intersticial é um campo de relações, é um elemento agregador e articulador do programa e mais importante, um espaço apto para imprevistos e para o improviso. A fusão entre o artificial e o natural e o modo como ambos tiram partido desta relação e se enriquecem é tema essencial na sua obra. A natureza funciona como paradigma daquilo que ele ambiciona para arquitectura, e por isso ele constantemente retorna a ela para se inspirar, em busca de ideias e de sensações que ele deseja ver traduzidas nos seus projectos. 4 Abstract Sou Fujimoto questions essential meanings in Architecture because he believes that this is the correct starting point to formulate something new. Doing that he focuses his thought to what is really important and what he believes is at the origin of architecture, relegating all the architectural past since then to the momentary forgetfulness. That is nothing but his own desire to simplify the field of architecture, convinced that this is a necessary precondition to reach the complexity of things. In ambiguity, the architect finds part of the answer to the aspirations of his rhetoric. This is a quality that allows him to create unconventional situations between the definitions of Architecture. However, the ambiguity arises only from the interaction with the architecture, because in his work the architect pursues the clarity of form, process and idea, to be easier to understand, to him and to the others. In his architecture, the building captivates the entire human body and challenges the person to explore instinctively the multiple and latent capacities of architecture in seek of a comfortable place. But the success of this logic depends on the ability of human beings to assimilate, improvise and adapt to it, because this is the only way to have a pleasant corporal experience. The house, for him, is the place (device) that contains all the ways in which humanity interacts on its daily life. For that reason, he is interested in capturing the situations of enjoyment that emerge from human activities and from the interaction between people with the aim to get them into his architecture. Then he constructs a device prepared to receive the everyday activities, which includes the idea of function. Relations in Architecture are one of the basic elements that interests to the architect. He believes that through them it is possible to boost the program and generate intervals (interstitial spaces) between its parts that can be inhabited. The interstitial space is a field of relations, is an aggregator and articulator element and more importantly, a space prepared for contingencies and improvisation. The combination between the artificial and the natural, and the way both benefit and enrich this relationship is an essential theme in his work. The nature is like a paradigm of what he wants to his architecture, and that is why he constantly returns to it seeking for inspiration, for ideas and feelings that he wants to bring into his projects. 5 Introdução; Esta dissertação revela-se um momento de pesquisa, análise, escrita e experimentação no meu percurso académico construído até aqui, sobretudo na prática da disciplina de PROJECTO. Assim foi porque se optou por um caminho diferente daquele que a disciplina propõe ao longo dos anos de curso, convicto de que a aprendizagem seria maior, uma vez que diversa das anteriores. Desde o início que se encarou este trabalho como uma oportunidade única de aprofundar temas e de fazer uma pausa mais demorada por textos e arquitecturas que me interessam particularmente. Neste sentido, tornou-se pessoal, pois construída a partir do interesse natural de quem a redige pelo conteúdo nela abordado. Tema; A primeira das razões que esteve implicada na escolha do tema desta dissertação, deve-se ao modo como eu encarei este trabalho, e vi nele uma oportunidade de aumentar o meu conhecimento prévio à abordagem real da arquitectura. Como tal, a escolha do tema, foi um acto muito pessoal porque se quis que na memória ficassem vestígios do tempo a que se esteve exposto a textos e a reflexões quer em pensamentos ou por maqueta, para que um dia mais tarde, por meio de certos mecanismos segundo variadas lógicas, “num processo indutivo e acima de tudo intuitivo”1, eu seja influenciado. “... o arquitecto trabalha manipulando a memória, disso não há dúvida, conscientemente, mas a maioria das vezes é subconscientemente. O conhecimento, a informação, o estudo dos arquitectos da história da arquitectura tendem a ser assimilados, até se perderem no inconsciente ou no subconsciente de cada um.”2 O arquitecto, tal como nos diz Siza, trabalha o conhecimento que vai adquirindo em várias ocasiões. O facto de acreditar nestas palavras fez com que fosse intencionalmente em busca de influências que a qualquer momento podem ser transformadas em algo concreto, pela sua adopção ou rejeição, entendida ou não. A este respeito, Zumthor também refere assumidamente que a arquitectura que projecta recebe influências do repertório de imagens que adquiriu enquanto profissional e na experiência pessoal. 1 VIERA, Joaquim Pinto, “Como está a vontade de desenhar?” in PSIAX nº1, Março 2001, p.12 2 SIZA, Álvaro, Imaginar a Evidência, Edições 70, Lisboa, 1998, p. 35-37 6 Objectivo; O objectivo desta dissertação consiste em revelar as potencialidades e perplexidades do entendimento que Sou Fujimoto tem vindo a desenvolver para o campo da arquitectura. Para tal, o trabalho centrou-se na tentativa de descodificar a lógica por detrás de toda a retórica que ele foi construindo em paralelo com os seus edifícios, com sentido de firmar nestas páginas algumas das maiores qualidades do seu pensamento. Estes são o que realmente de essencial e inovador este arquitecto trouxe para o campo da arquitectura e que ele os traduz na prática profissional de modo muito particular. Ao tomar conhecimento do seu pensamento, geraram-se dúvidas e por vezes, até alguma estranheza, nada que diminuísse o privilégio de aceder a um modo singular de abordar a arquitectura na contemporaneidade. O seu pensamento e os seus edifícios, apesar de distantes e em certa medida ambíguos à cultura arquitectónica ocidental, trata de questões universais e essenciais da arquitectura. Ao aborda-los é-se invariavelmente levado a pensar nas mesmas questões que o autor pensou e mais tarde a questionar as próprias questões, num processo de investigação, em que os resultados são colocados sob o escrutínio de padrões culturais e de formação académica. Deste debate alarga-se o domínio de referências na disciplina e aquilo que são preconceitos e convicções tomadas como certas saem reforçadas ou fragilizadas, mas não ficam impunes. O intuito final de investigar a fundo o pensamento deste arquitecto não é formular conclusões mas questões que gerem campos de hipóteses onde a arquitectura possa ser (re)equacionada. Nesse sentido, para além do estudo do pensamento deste arquitecto, pretendeu-se reflectir sobre as suas ideias por meio de exercícios práticos em contexto experimental. A substância que se obtém é abstracta, mas a potencialidade que cria, é concreta de ser transformada futuramente em arquitectura. Objecto; O objecto deste trabalho é o entendimento que Sou Fujimoto construiu sobre a arquitectura; é torno dele que se desenvolve esta dissertação. A teoria que ele foi capaz de montar em poucos anos, liberta e conduz aquele que estiver disposto a isso, por questões tão simples da arquitectura e com um tão grande potencial que até se torna desconcertante. A arquitectura dele é a manifestação inequívoca de ideias/conceitos criadas a partir da sua base teórica e que ele constantemente actualiza com reflexões que sempre acompanham cada projecto. 7 Isto quer dizer que existe uma relação recíproca de influência mútua entre a teoria e a prática. Ambas influem no seu método, e ambas são necessárias para confirmar uma ideia de arquitectura fazendo delas elementos indissociáveis. Por essa razão, abordar o pensamento deste arquitecto implica obrigatoriamente falar dos experimentos práticos, pois para se perceber um exige que se faça uso do outro. Só com o estudo da obra nas suas várias dimensões é possível entender o fascínio que se gerou à volta deste arquitecto. Como afirma, Ryue Nishizawa “...su arquitectura es fascinante porque en ella coexisten tanto la dimensión física y corporal como la dimensión lógica.” No entanto e apesar dos projectos desempenharem um papel importante na formulação da sua teoria, como ferramentas de análise, laboratório de testes e meios de investigação, o que realmente importa são os pensamentos, porque o projecto não é mais do que a materialização física de uma das miríades de possibilidades que os seus pensamentos são capazes de gerar. Assim sendo as formas arquitectónicas surgidas da interpretação do arquitecto são sempre limitadas e questionáveis, enquanto por sua vez, os conceitos teóricos suscitados são um vasto campo proteico de hipóteses por explorar. Metodologia; Da leitura de um vasto número de textos, artigos, entrevistas e arquitecturas de Sou Fujimoto definiu-se alguns temas, que organizam o trabalho. Em torno de cada tema reuniu-se o maior número de informações para que de forma clara e rigorosa, se explicite o universo retórico criado por este arquitecto. Para melhor realizar esta tarefa, agrupou-se um conjunto de obras que pudessem complementar o texto. As obras seleccionadas são sobretudo arquitecturas domésticas na sua maioria de pequenas dimensões que foram consideradas pertinentes a uma abordagem mais demorada. Para além disso são obras na sua maioria experimentais e que expressam claramente a vontade do arquitecto em testar novas ideias e conceitos. Por este motivo tentou-se primeiro perceber o entendimento que o arquitecto faz da sua própria obra, para depois, com base nisso, deixar ao cuidado da imaginação descobrir que aprendizagens valiosas se pode retirar dela. Os projectos expõem-se através de uma selecção cuidada de fotografias, que conduz a palavra que expõe ao leitor as qualidades do edifício. A experiência de sentir o espaço real com o próprio corpo não existe, nem se considerou pertinente. A realidade da obra construída e habitada, não é chamada para aqui, porque a mais-valia está na capacidade da obra enquanto ideia de ser capaz 8 de transmitir à imaginação situações diversificadas e apaixonantes de vivência do espaço mesmo que depois não se confirmem na realidade. Esse é um dom da obra de Sou Fujimoto, que não se quis alterada pelos factos reais, sejam eles quais forem, positivos ou negativos. Por isso bastou uma fotografia ou maqueta, ou uma descrição do arquitecto para libertar a imaginação no espaço do projecto com sentido de o vivenciar e se maravilhar pela experiência que seria poder usufruir de uma edifício com aquelas características. Estrutura; A dissertação divide-se em duas partes, uma primeira em que expõe por escrito os resultados da investigação e uma segunda parte que expõe por fotografia a reflexão que se fez com base em alguns dos conceitos teóricos analisados. Na primeira parte a partir da investigação dos escritos e de um vasto número de arquitecturas domésticas, optou-se por organizar e agrupar o trabalho em três temas principais: ambiguidade espacial, arquitectura do intermédio e simplicidade avançada. Em torno de cada um faz-se uma reflexão fundamentada no seu pensamento e instruída pelos seus projectos. As obras organizam-se conforme o tema que se considerou que elas mais pertinentemente elucidam, uma vez que todos os temas são transversais a quase todos os projectos do arquitecto. Recorreu-se também a projectos de outros arquitectos japoneses para aumentar variedade de interpretações relacionadas com cada tema. Numa segunda parte, recorre-se a uma exposição de fotografias de maquetas para mostrar a reflexão prática realizada criativamente como exercícios abstractos de projecto. Com base nas aprendizagens adquiridas, aplicou-se em maqueta algumas ideias, interpretando-se aquilo que se aprendeu e analisou por meio da experimentação plena de intenção na prática do acto de projectar, onde as questões são colocadas livremente, sem condicionalismos programáticos ou de contexto, visando apenas testar algumas ideias. Não significa que se chegue a uma solução, mas esse não é o objectivo, interessa sobretudo investigar, questionar e experimentar. 9 Contexto - O Japão “Numa hospedaria japonesa, o cliente (o ryokan) vê os objectos virem na sua direcção enquanto o “décor” se transforma. Encontra-se sentado no centro da sala, no “tatami”, enquanto os painéis de correr se vão dobrando ou desdobrando. De acordo com a hora do dia, a sala pode aumentar até ao ponto de incluir o ambiente exterior, ou ser progressivamente reduzida às dimensões de um “boudoir” Uma vedação desaparece e chega uma refeição. Terminada esta, e chegada a hora do sono, é desenrolada uma esteira no lugar onde se acabou de comer, e foi antes preparada a comida, onde se meditou e foram recebidos os amigos. De manhã, quando a sala se encontra de novo inteiramente aberta para o exterior, os raios de sol ou o cheiro subtil dos pinheiros, arrastado pela bruma das montanhas, invadem e purificam o espaço íntimo. Para o ocidental, a conotação da palavra “amontoamento” é nitidamente desagradável. Mas os japoneses, parecem preferir a multidão. Gostam de dormir no chão perto uns dos outros, de acordo com o estilo “japonês”, que contrasta com o “estilo americano”. Não é, portanto, de surpreender que a palavra “intimidade” não exista em japonês. Contudo, seria um erro pensar que a noção de intimidade ou de isolamento não existe para os japoneses: se o japonês pode não desejar estar só e se não se sente incomodado pela presença constante de outrem, tem horror, apesar disso, à ideia de partilhar uma parede da sua casa ou apartamento. A sua casa e a zona que directamente a rodeia constituem, para ele, uma totalidade indissociável. A seus olhos, aquela superfície livre, esse fragmento de espaço à volta da casa faz parte integrante da habitação, tal como o telhado. Tradicionalmente, contém um jardim, por vezes minúsculo, que garante ao morador um contacto directo com a natureza. É a experiência global do espaço, nas suas estruturas fundamentais, que é diferente nos japoneses. Quando os ocidentais falam ou pensam nos espaços, trata-se para eles de distancias de objectos. Ensinaram-nos a percepcionarmos e a reagirmos à organização dos objectos e a imaginarmos um espaço “vazio”. O sentido desse comportamento só se torna claro por oposição, por exemplo ao dos japoneses, os quais, pelo contrário, aprenderam a dar uma significação aos diferentes espaços ‒ a percepcionarem a forma e a organização dos espaços: é aqui que intervêm o “ma”. O “ma” ou intervalo é um elemento construtivo fundamental da experiencia japonesa do espaço. Não se aplica somente ao arranjo das flores, como constitui ainda o factor secreto da organização de todos os outros tipos de espaços. A virtuosidade dos japoneses, na manipulação e organização do “ma” é extraordinária. Provoca a admiração e, por vezes, até o receio dos europeus. Para conhecermos realmente os japoneses, é preciso termos passado serões frios de Inverno, encostados a eles à volta do “hibachi”. Uma manta comum, junto ao “hibachi”, envolve todos os participantes, sentados ao lado uns dos outros. É assim que se conserva o calor. É através desta experiencia, através do contacto com as mãos e o calor corporal dos outros, no sentimento de comunidade que de tudo isso se desprende, que começamos a conhecer os japoneses. Tal é o Japão verdadeiro.” 3 3 HALL, Edward T. A dimensão oculta. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 10
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