MANEL LOUREIRO DOVAL APOCALIPSE Z O Princípio do Fim Tradução Sandra Martha Dolinsky Planeta 2010 À Lucia, minha luz, meu amor, minha vida. "Quando o inferno estiver cheio, os mortos andarão sobre a Terra." DAWN OF THE DEAD, 1978 O BLOG 5 de janeiro 13h54 Alguma coisa está errada Esta manhã, vieram instalar os painéis solares que comprei ontem. Dão uma potência nominal de 220 W em condições ideais de luminosidade. Com as duas linhas de vinte e quatro acumuladores que tenho no porão, poderei ter uma autonomia de umas oito horas de corrente elétrica por dia, mais que suficiente para suportar qualquer corte no fornecimento. Liguei para minha irmã para conversar um pouco. Ela está em Barcelona e neste fim de semana vai para a casa de uma amiga, em Girona. Diz que está tudo bem, e depois de um tempo de papo furado desligamos. Continuam passando na televisão imagens do Daguestão. Segundo as últimas notícias (as poucas que há, dado o bloqueio de informação), as autoridades russas começaram a evacuar a população. Ao que parece, no assalto às instalações russas os rebeldes chechenos teriam liberado acidentalmente algum tipo de agente químico armazenado ali. Na La Primera, Milá fala de gás Sarin, como aquele dos atentados de Tóquio, enquanto a Telecinco comenta que possivelmente foi peróxido de hidrogênio, que é o combustível utilizado pelos foguetes intercontinentais soviéticos. Na verdade, acho que ninguém sabe direito o que está acontecendo. 9 de janeiro 20h40 Mais notícias A Reuters informa que três médicos colaboradores da OMS evacuados para Ramstein faleceram. Pelo visto, trata-se de uma febre hemorrágica muito virulenta, que provoca desorientação e desvarios nos afetados, com crises de agressividade, segundo o informe médico divulgado. Parece que a teoria do Ebola está ganhando peso. 10 de janeiro 11h01 Ponto de equilíbrio Escrevo isto em uma pausa entre duas reuniões. Estou sentado em um banco do parque que fica bem embaixo do escritório onde trabalho. Dado que com a nova lei não se pode fumar nos locais de trabalho (nem mesmo em meu próprio escritório), cada vez que quero dar uma fumada, preciso me exilar aqui, no frio. Felizmente, daqui dá para pegar umas redes wi-fi, de modo que posso descer com o notebook e navegar na internet. As notícias que saem nos diversos sites não podiam ser mais confusas, e quase todas elas são preocupantes. A situação na Rússia parece estar completamente fora de controle apenas duas semanas depois do assalto checheno. A lei marcial parece não ter servido de nada e o caos está se espalhando por todo o país. Como era previsível, o apagão da internet ordenado por Putin foi inútil, pois muitos servidores russos estão situados em outros países, de modo que a informação sobre o que está acontecendo lá continua chegando pela rede (de fato, a ÚNICA informação além dos informes oficiais). Muitos blogueiros russos falam de patrulhas militares nas ruas, toques de recolher e até tiros indiscriminados. Alguns até mencionam casos de antropofagia. Imagino que isso se deva ao fato de, por conta do caos desatado, muitas regiões terem ficado totalmente desabastecidas. Evidentemente, nada disso está confirmado e o governo russo desmente absolutamente tudo, comunicado após comunicado. Segundo o ministro da Defesa russo, as revoltas são obra de extremistas muçulmanos que querem desestabilizar o governo. A verdade é que a credibilidade do governo russo desabou e toda a imprensa internacional o cita com muitas reservas. A única coisa certa é que as medidas de segurança em volta das centrais nucleares e das bases de mísseis russas foram reforçadas, segundo o secretário da Defesa norte-americano, que cita fontes da Inteligência (CIA) e imagens de seus satélites. Por sua vez, o governo norte-americano ordenou a repatriação de todos os seus cidadãos residentes na Rússia. Ao que parece, há vários mortos e feridos entre eles, já que muitos eram cooperantes de ONGs destacadas no Daguestão. Estão chegando aos Estados Unidos desde hoje cedo, e a CNN+ mostrou a imagem de alguns deles descendo dos aviões em macas, e com uma aparência péssima. Tropas norte-americanas estão sendo retiradas do Iraque para serem levadas aos Estados Unidos, onde corre o rumor de que poderiam elevar o nível de alerta terrorista para vermelho. Quase todas essas tropas irão por via aérea, com escala na base de Ramstein, na Alemanha. Notícia do Última Hora: há casos da febre do Nilo russa, que é como a chamam agora, no norte do Irã, e parece que também no Kurdis-tão iraquiano. Os fóruns na internet estão pegando fogo e os pregadores do Fim do Mundo estão se deliciando nos blogs. Sinceramente, acredito que não é para tanto; aposto que, no fim, tudo isso vai ser como a gripe aviária. 13 de janeiro 11h10 15º registro Esta manhã, ao sair do banho, dei dois espirros fenomenais. Normalmente, eu não daria a menor importância a isso, mas, com a psicose que está se espalhando por toda a Espanha, não posso evitar que meu lado hipocondríaco trema de terror. Sera que a epidemia chegou à Galicia? Será que eu me contagiei e esse é o primeiro sintoma, ou é só um resfriado comum? Enquanto tomava o café da manhã, fiquei vendo os noticiários. Há dias que vivo permanentemente grudado na tevê, no rádio ou na internet (como três quartos dos habitantes da Europa, suponho). Imagino que vivemos todos com a esperança de que as notícias digam que a epidemia está em remissão, que tudo não passou de um gigantesco susto; mas a realidade é macabramente cabeça- dura. Nada do Daguestão há quarenta e oito horas, já. Por mais impossível que pareça, há dias não se ouve nem uma única notícia dali, oficial ou extraoficial. E como se os vários milhões de habitantes dessa república houvessem evaporado... ou estivessem mortos. A zona sul do Cáucaso (Geórgia, Chechênia, Ossétia, Azerbaijão, Armênia etc.) está silenciosa como uma tumba. Como se não restasse ninguém nessa região. Suas emissoras de tevê e rádio não transmitem há horas, e as (poucas) páginas da internet não são atualizadas há dois dias. Os refugiados que abandonam esses países a caminho da Rússia, Irã e Turquia estão sendo internados em grandes "Zonas Seguras", conforme as define a imprensa internacional, custodiados pelo exército, onde são mais prisioneiros que refugiados. A censura nesses países é férrea. Na Europa, as coisas estão se complicando. Na Itália, a cidade de Cremona foi isolada pelo exército italiano e grupos especiais dos Carabinieri. Ninguém pode entrar ou sair, exceto médicos escoltados. Declararam quarentena em toda a cidade e qualquer um que consiga chegar até lá é obrigado a dar meia-volta. Na França, decretaram estado de exceção. Foram instalados controles de estrada nos principais nós de comunicação e é preciso ter licenças especiais para circular de uma província a outra. Na Inglaterra, a situação é mais dramática. O Parlamento decretou o Isolation Act, que determina o fechamento das fronteiras até segunda ordem. Ninguém pode entrar ou sair da Grã-Bretanha, pelo menos legalmente. Tenho amigos que moram em Londres, e ali deve haver um monte de jovens espanhóis, estudantes etc. O que vai ser deles? A epidemia parece estar fora de controle no País de Gales e zonas do sul de Essex, segundo o portal do Herald Tribune, que fala de distúrbios e saques. Na Alemanha, a situação em alguns Lander é confusa. Na zona norte e na fronteira com a Polônia militarizaram a saúde, os transportes, as comunicações e o controle e gestão das centrais nucleares. No Japão, houve vários suicídios coletivos e as denúncias de assassinatos e desaparecimentos estão atingindo cifras recordes no país. É como se a sociedade deles estivesse desmoronando. Nos Estados Unidos, a situação é diferente, segundo se ouçam as intervenções de seu secretário de Estado, a CNN ou a Fox News via satélite. E um país enorme, onde há regiões que parecem levar uma vida normal e outras onde a loucura parece desatada. O governo garante que tem tudo sob controle, mas ver a Quinta Avenida de Nova York cortada por caminhões militares não me parece "estar tudo sob controle". A CNN também informa de distúrbios, assassinatos, e de uma onda de sequestros e desaparecimentos por todo o país... É como se uma revolução estivesse sendo incubada, ou algo assim. Justamente por isso, esta manhã as tropas norte-americanas do Iraque começaram a recuar. Não apenas algumas centenas de soldados ou umas tantas unidades. Não. Todas. Absolutamente todas. Até o último soldado. Aquilo que há algumas semanas teria gerado rios de tinta na imprensa agora não merece mais que uma breve matéria nas páginas internas dos jornais. As coisas mudaram muito nas duas últimas semanas. Aqui, na Espanha, fora de Zaragoza, agora em quarentena, as mudanças são pequenas, sutis, mas claramente perceptíveis. As igrejas estão lotadas. Nos supermercados, já começam a faltar certos produtos, principalmente os de importação e os perecíveis. As montadoras de veículos paralisaram suas linhas de produção por causa do desabastecimento das peças que vêm do exterior. Hoje pela manhã, quando saí, vi meus vizinhos da frente, os aposentados do Pathfinder, carregando o carro. Comentaram que vão passar uns dias em um pequeno povoado do interior de Orense, "até que as coisas se acalmem um pouco". Deixei Lúculo preso dentro de casa para que não deixe prenhe metade da população de gatas da área e depois fui de carro para o escritório. As ruas estão