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Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano: Como os Testes Padronizados e o Modelo de Mercado Ameacam a Educacao PDF

161 Pages·2011·44.117 MB·Portuguese Brazilian
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DIANE RAVITCH VIDA E MORTE DO GRANDE SISTEMA ESCOLAR AMERICANO Como os Testes Padronizados e o Modelo de Mercado Ameaçam a Educação 9 EditoraSulina ODianeRavitch,2011 OEditoraMeridional, 2011 OPublishedbyBasicBooks,2010 Tradução:MarceloDuarte Capa:EduardoMiotto Projetográfico:DanielFerreiradaSilva Revisões: Matheus Gazzola Tussi Revisãográfica:MirianGress Editor: Luis Gomes DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(cip) BibliotecáriaResponsável: DeniseMarideAndradeSouzaCRB 10/960 R256v Ravitch,Diane Vidaemortedograndesistemaescolaramericano:como ostestespadronizadoseomodelodemercadoameaçama educação/DianeRavitch;traduçãoMarceloDuarte.--Porto Alegre:Sulina,2011. 318p. Títulooriginal:ThedeathandlifeofthegreatAmerican schoolsystem:howtestingandchoiceareunderminig education. ISBN:978-85-205-0632-5 1.Educação—EstadosUnidos.2.EnsinoFundamental. 3.Educação-Avaliação.I.Título. CDU: 37(73) CDD: 370(73) AgrafiadestaobraestáatualizadasegundooAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesade 1990,que entrouemvigornoBrasilem2009. Este livro é dedicado com amor aos meusnetos Todososdireitosdestaediçãoreservadosà EditoraMeridionalLtda. Nico Zeu Aidan Thor Av. OsvaldoAranha,440cj. 101 Elijah Lev Cep: 90035-190PortoAlegre-RS Tel: (051) 3311-4082 Fax: (051) 3264-4194 www.editorasulina.com.br e-mail: sulinaQeditorasulina.com.br (Novembro/2011) IMPRESSONOBRASIL/PRINTEDINBRAZIL Agradecimentos Eu tive a sorte de ter a ajuda de muitos leitores que ofereceram seus comentários conforme o livro evoluiu. Capítulos individuais, e em alguns casos o livro inteiro, foram lidos por Samuel Abrams, Linda Darling-Ham- mond, Michael J. Feuer, Leonie Haimson, E. D. Hirsch Jr., Rita Kramer, Henry Levin,JeffreyMirel, Aaron Pallas, Linda Perlstein, Robert Pondíscio, Michael Ravitch, Sarah Reckhow, RichardRothstein, RobertShepherd, Lor- raine Skeen, SolStern, eAndrewWolf.JordanSegall eJenniferJennings me ajudaram nainterpretação dos dados demográficos. É claro, nenhum desses indivíduosé responsável de modo algum por minhas conclusões ou erros. Na busca por informações, fui auxiliada por muitas pessoas, in- clusive Anthony Alvarado, Elizabeth Arons, Kenneth J. Bernstein, Alan Bersin, Jennifer Bell-Ellwanger, Andrew Beveridge, Jonathan Burman, Sheila Byrd, David Cantor, Kathleen Cashin, Carl Cohn, John de Beck, Carmen Farifa, David Ferrero, Eric Hanushek, Jeffrey Henig, Frederick Hess, Sam Houston, Dan Katzir, Richard Kessler, Mitz Lee, Robert Linn, Tom Loveless, Karen Hawley Miles, Howard Nelson, Michael Petrilli, Margaret Raymond, Bella Rosenberg, Anthony Shorris, Jacques Stein- berg, Nancy Van Meter, Robin Whitlow, Joe Williams, Frances O'Neill Zimmerman, e Camille Zombro. Barbara Bartholomew foi minha interlocutora em San Diego, me le- vando a compromissos, me ajudandoa digerir o que eu havia aprendido, e de maneira geral me mantendo focada enquanto entrevistava professores, administradores e funcionários distritais. Eu tive a sorte de ter Diana Se- nechal como assistente de pesquisa e editora nos estágios finais de revisão deste manuscrito. Ela se certificou de que cada palavra estivesse certa, cada nota de rodapé fosse precisa, cada URL funcionasse, que a gramática e o vocabulário estivessem corretos, e que alinguagem fluísse conforme deveria. Eu nunca poderei ser-lhe suficientementegrata pelo tempo queela entusias- ticamente investiu no livro, mas a agradeço aqui. Por apoiar minha pesquisa, eu agradeço a Fundação William E. Si- mon e a Fundação Achelis-Bodman. DIANERaviTCH- 7 Sumário Eu sou grata pela amizade de mentores que me inspiraram, no pas- sado e no presente, incluindo Jeanne S. Chall, Lawrence A. Cremin, E. D. HirschJr., Sandra Priest Rose, eAlbert Shanker. Minhagratidão mais profundavai para minha amiga, colega e parcei- ra Mary, que me encorajou enquanto escrevia este livro. 11 APRESENTAÇÃO Eu agradeço minha enérgica agente literária, Lynn Chu, da Writers Representatives, que acreditou neste projeto desde o início. Muito obrigada CaríruLo UM a Meredith Smith e Antoniette Smith, do Basic Books, por suas cuidadosas revisões do manuscrito, e a Lynn Goldberg e Angela Hayes, da Goldberg- O Que euAprendisobre aReformaEscolar 15 McDuffie, que me deram apoio de todo coração. E eu sou grata aTim Sulli- van, meu editor no Basic Books, que rapidamente compreendeu o livro e CapíruLoDois sugeriu o título dos meus sonhos. Nós dois concordamosqueo título é uma Sequestrado! ComooMovimentopelasReferências homenagem adequada a Jane Jacobs, cujo livro The Death and Life of Great Curriculares seTransformounoMovimentodeTestagem 31 American Cities ajudou a criar o renascimento das cidades do país. Já que eu vivo a vida sobre a qual ela escreveu, em um maravilhoso bairro urbano salvo pela preservação histórica, eu adoro a ideia de associar o meu livro CapíruLo Três ao dela, especialmente com a esperança de que a educação americana em ATransformação do Distrito 2 49 geral e a educação urbana em particular também possam experimentar um renascimento. CaríTULO QUATRO Lições de San Diego 65 Diane Ravitch Brooklyn, NovaYork CaríruLo Cinco ALógicade Mercado emNovaYork 87 CaríruLo Seis NCLB: Testar e Punir 113 CarítuLO SETE EscolhaEscolar: AHistóriade umaIdeia 133 CaríruLo Orro O Problema com aResponsabilização 171 8- Vidaemortedograndesistemaescolaramericano Apresentação CaríruLoNovE O Que aSra. Ratliff Faria? 191 CaríruLo Dez ste trabalho traz novos e importantes elementos para alimentar o O Clube dos Bilionários 219 debate sobre políticas educacionais em nosso país. O estudo aqui apresentado nos obriga a uma profunda reflexão sobre o que re- CapíruLo ONZE almente queremos com a educação brasileira, uma vez que hoje LiçõesAprendidas 249 estamos discutindo propostas que já comprovaram a sua ineficácia na edu- cação norte-americana, agravando ainda mais a crise da educação pública naquele país. Notas 21 A autora, Diane Ravitch, historiadora, analisa detalhadamente a evo- lução do seu pensamento educacional ao longo de sua vida acadêmica e de Índice 305 sua atuação como formuladora de políticas públicas no interiordo aparelho de Estado americano. A sua narrativa transpira honestidade intelectual ao mostrar as suas mudanças conceituais, as influências sofridas e as tomadas de posição. E, pois, uma intensa e profunda autocrítica, somente possível a intelectuaisquetenhamprofundo compromisso comsuasverdades, masque não hesitam em rever suas posições quando osfatos comprovam a mudança de uma realidade ou as evidências indicam um erro de posicionamento. A doutora Diane Ravitch é pesquisadora da Universidade de Nova York e, em 1991, assumiu o cargo de secretária adjunta da Secretaria Nacional de Educação do governo George H. W. Bush, na gestão do secretário Lamar Alexander, ex-governador do Estado do Tennesse. À professora Diane, mesmo filiada ao Partido Democrata, resolveu aceitar o convite de Alexander para integrar o governo. Considerou que a edu- cação estava acima das questões partidárias e teria a oportunidade de praticar e aprender sobre políticas públicas. Também foi conselheira dos governos Bill Clinton e George W. Bush. Aoingressar na administração pública, ela, que fora uma defensora conservadora da Educação Pública, foienvolvidapela avalanchedereformas que caracterizou a última década do século passado e oinício deste século. Segundo a autora, “políticos e líderes econômicos entusiasticamente se alis- taram em um movimento lançado por defensores do livre-mercado, com o apoio de grandes fundações”. Institui-se a política, expressa no slogan No Child Left Behind, NCLB (Nenhuma Criança Fica para Trás). A reforma DianERavircH- 11 baseava-se na possibilidade das famílias escolherem a melhor escola, levan- havia se tornado umapreocupaçãocentral nas escolas e não era apenas uma do consigo para a escola escolhida as subvenções públicas oferecidas pelo mensuração, mas um fim em si mesma. Eu comecei a acreditar que a res- Estado. Para possibilitar a escolha escolarfoi estimulada a competição entre ponsabilização, conforme estava escrita na lei federal, não estava elevando as escolas, para que captassem mais alunos e mais recursos. O sistema de os padrões, mas imbecilizando as escolas conforme os Estados e distritos escolhas é baseado nosresultados dostestes padronizados com seus escores, lutavam para atingir metasirrealistas.” estabelecendo o ranque entre as instituições de ensino. “A ascensão ou que- Esse processo vem acompanhado de crescente interferência do setor dados escoresemleitura oumatemáticatornou-sevariávelcríticaparajulgar privado na educação. Grandes fundações vêmpromovendo reformas escola- os estudantes, professores e diretoresde escolas”, frisa a autora. res baseadas em modelos de gestão do setor corporativo, sem considerar sua A modelagem para a reforma partiu das experiências do Distrito 2 pertinência às instituições de ensino. “Você não precisaria saber nada sobre de Nova York e do Distrito de San Diego. O ímpeto reformista levou à ra- crianças e educação. O apelo do mercado é a ideia de quea libertação das dicalização das testagens e do uso de seus resultados para punir professores mãos do governo é a solução porsi só”. e diretores cujos alunos não alcançaram os escores desejados nos testes pa- A pesquisadora reforça o caráter ideológico dessas concepções e seus dronizados. Esse processo atravessa os governos republicanos e democratas vínculos com as ideias privatizantes trazidas pela ascensão neoliberal. “Os novos reformadores corporativos demonstram sua precária compreensão da desde os anos 1990, uma vez que se construiu um consenso entre os dois partidossobreoprojeto educacional.Aescolhaescolar e a responsabilização educação construindofalsas analogias entre a educação e o mundo empresa- passaram a ser a chave da política educacional para garantir a qualidade da rial. Eles pensam que podem consertar a educação aplicando princípios de educação. negócios, organização, administração,lei e marketinge pelo desenvolvimen- A autora, como uma das formuladoras dessa política, revê suas posi- to de um bomsistema de coleta de dados que proporcione as informações ções, desfazendo sua adesão ao programa e denunciando suas distorções, necessárias para incentivar a forçadetrabalho - diretores, professorese estu- suas inconsistências e sua profunda carga ideológica. Ao analisar os efeitos dantes - comrecompensase sançõesapropriadas. Comoesses reformadores, dessas políticas, tornou-se crítica ácida das mesmas. “Como muitos outros eu escrevie falei com convicção nos anos 1990 e no começo dos 2000 sobre naquela era, eu fui atraída pela ideia de que o mercado iria trazer inovação o que era necessário para reformar a educação pública, e muitas das minhas ideias coincidiam com as deles.” e maioreficiência para a educação. Eu estava certamente influenciada pela ideologia conservadora de outros membros do alto escalão da primeira ad- Aorevisar suas posições, a autora retorna ao caminho da defesa da ministração Bush, que eram fortes apoiadores da escolha e da competição escola pública, do foco na educação, das concepções pedagógicas, das ne- escolar.” Segundoela, após duas décadas de aplicação, o ensino não melho- cessidades objetivas e específicas da aprendizagem e do enfrentamento da rou; os resultados da educação orientada pelos princípios do mercado são complexidade de educarconsiderandoasdiferenças dos sujeitos educandos. pífios e contraproducentes, materializados porbaixo desempenho e não por Em manifestação contundente, afirma: “É tempo, eu acho, de aqueles que sua elevação. Os mecanismos de premiação com adicionais de salários aos querem melhorar nossas escolas focarem noselementos essenciais da educa- professores pelo bom desempenho dos alunos em testes levaram os profes- ção. Nós temos que garantir que as nossas escolas tenham um currículo for- sores adesenvolverem formas de burlaros resultados,fragilizando o sistema. te, coerente e explícito, que seja enraizado nas artes e ciências, com muitas Os professores passaram investir no ensino de truques necessários para os oportunidades para as crianças se engajarem em atividades, e projetos que alunos responderem à testagem com êxito, em detrimento de umaformação tornem o aprendizado vívido. Nós precisamos garantir que os estudantes consistente em todas as áreas do conhecimento. O currículo foi reduzido ganhem o conhecimento que precisam para compreender debates políticos, a habilidades básicas em leitura e matemática, associados a recompensas e fenômenos científicos e o mundo em que vivem. Nós precisamos nos cer- punições por meio das avaliações. “A testagem, eu percebi com desgosto, tificar de que eles estão preparados para as responsabilidades da cidadania DianeRavircH- 13 12-Vidaemortedograndesistemaescolaramericano democrática em uma sociedade complexa. Nós precisamos cuidar para que CaríruLo UM nossos professoressejambem educados, não apenasbemtreinados. Nóspre- O Queeu Aprendi sobre a Reforma Escolar cisamos tercertezade queasescolastenhamaautoridadede mantertanto os padrões de aprendizado quanto os padrões de comportamento”. Aautorademonstrará ao longo do texto as evidências que a levaram a mudar deposição eafirmarafalênciadeum projetodecantadoporgestores, fundações empresariais e editoriais da mídia. Evidencia com rigor acadêmi- co comoessas políticas “estão corrompendoosvalores educativos”. O fracasso da educação americana baseada nos parâmetros do merca- o outono de 2007, eu relutantemente decidi ter o meu escritório do é umalição que devemos aprender. É preocupante a força das tentativas pintado. Erainconveniente.Eu trabalho emcasa, noúltimoandar de implantar esse modelo na educação brasileira. Vemos hoje umatentativa deumacasadearenitovermelho doséculoXIXnoBrooklyn. Não de economização da educação. O tema da educação passa a ser pautado somente eu teriaqueparardetrabalharportrêsdias, maseutinha na grande mídia por economistas, consultores corporativos e de grandes ofardoadicionaldeterqueencaixotartudoeremovertodasasminhascoisasdo fundações empresariais. Não são mais os pesquisadores, os acadêmicos da escritório. Eu tinha querealocar 50 caixas de livros e arquivos para outras salas área educacional os preferidos pela mídia para o debate educacional, salvo dacasaatéqueotrabalho depinturaestivesse completo. exceções. Cadavez mais o debate educacionalestá contaminado pela ideolo- Após ficar pronto o trabalho de lixar e pintar, eu comecei a desem- gia de mercado.Tenta-se imporà educação os métodosgerenciais praticados pacotar meus 20 anos de papéis e livros, descartando aqueles que eu não nas empresas, o quesignificaria submeter a formação humana aos ditames queria mais, e colocandoosartigos em fichários. Você podeestar se pergun- do mercado, ao cálculo de custos. Esses propósitos ideológicos não levam tando o que todas essas coisas mundanas têm a ver com a minha vida no em conta que o objeto da produção empresarial é completamente distinto ramo da educação. Eu constatei que o trabalho de reorganizar os artefatos do objeto da escola. O objeto da empresa produz coisas físicas, enquanto o de minhavidaprofissional era prazerosamente ruminativo. Tinha um efeito objeto daeducação é tambémsujeito, umconjunto de pessoa que tem histó- tônico, pois isso me permitia refletir sobre as mudanças na minhavisão das ria, que sente dor, prazer, que chora, que tem alegria, cultura, subjetividade, coisas ao longo dos anos. razão e emoção. No mesmo período que eu estava encaixotando meus livros e per- Este trabalho, além da contribuição acadêmica, constitui-se num ma- tences, eu estava passando por umacrise intelectual. Eu estava ciente de nifesto político, considerando a encruzilhada que vive a educação brasileira que havia passado por umatransformação arrasadora em minhaperspectiva hoje. Trata-se da disputa em favor de uma escola pública revigorada, soli- sobre a reforma escolar. Onde então eu fora esperançosa, até mesmo en- dária, democrática, entendida como direito, ou uma escola empobrecida e tusiástica, quanto aos potenciais benefícios da testagem, responsabilização, reconfiguradapelacompetição, pelaredução àsavaliações quantitativas e pe- escolha escolar e lógica de mercado, eu agora me encontrava experimentan- los métodos meritocráticos, própriosdo reducionismode mercado. Façamos do profundas dúvidas quanto a essas mesmas ideias. Eu estava tentando a leitura deste livro olhando para os dilemas da educação pública brasileira. selecionaras evidências do queestavaou não funcionando. Estavatentando compreender porque eu estavacadavez mais céticaquanto a essas reformas, reformas que eu havia apoiado entusiasticamente. Estava tentandover o ca- Jose Clovis de Azevedo minho através das suposições cegas das ideologias e políticas, incluindo as Outubro-2011 minhas próprias. Continuei me perguntando por que eu estava perdendo a confiança nas reformas. Minha resposta: eu tenho o direito de mudar de ideia. Mui- 14- Vidaemortedograndesistemaescolaramericano Diane RavircH- 15 to justo. Mas por que, continuei indagando, por que eu havia mudado de Como uma historiadora da educação, eu muitas vezes estudei o surgimento ideia? Qualera a evidência convincente que me levou a reavaliar as políticas e o desaparecimento de grandes ideias que foram promovidas comoa cura que eu havia endossado muitas vezes ao longo da década anterior? Por que garantida para quaisquer doenças que estivessem afligindo nossas escolas agora duvidava de ideias que eu antes havia defendido? e alunos. Em 1907, William Chandler Bagley reclamou dos “modismos e A resposta curta é que as minhas concepções mudaram conforme eu reformas que passavam pelo sistema educacional em intervalos periódicos”. vi como essas ideias estavam funcionando narealidade. A resposta longa é Alguns anos depois, William HenryMaxwell, o renomado superintendente o que se seguirá no restante deste livro. Quando alguém repreendia John das escolas da cidade de Nova York, fez escárnio dos teóricos da educação Maynard Keynes porvoltar atrás quanto a uma determinada política econô- que promoviam suas panaceias aos inocentes professores; um, ele disse, in- mica que ele havia anteriormente adotado,ele respondia: “Quandoos fatos sistia que a “caligrafia vertical” era a resposta a todos os problemas; outro mudam, eu mudo de ideia. O que faz você, senhor?”[1] Esse comentário defendia que o recreio era “uma relíquia do barbarismo”.Ainda outros que- pode ou não ser apócrifo, mas eu admiro o pensamento por trás dele. É a riam banir a ortografia e a gramática para tornar a escola mais divertida. marca de um ser humano consciente aprendendo a partir da experiência, [3] Eu tentei demonstrar em meu trabalho a persistência de nossa atração prestando muita atenção a como as teorias funcionam quando colocadas nacional por modismos, movimentos e reformas, que invariavelmente nos em prática. distraíram da firmeza de propósito necessária para melhorar nossas escolas. O que deveríamos pensar de alguém que nunca admite o erro, nunca Nosdias de hoje, políticos e líderes econômicos entusiasticamente se se coloca em dúvida, mas adere confiantemente às mesmas ideias por toda alistaram em um movimento lançado por defensores do livre-mercado, com a suavida, a despeito de novas evidências? Adúvida e o ceticismo são sinais o apoiodegrandes fundações. Muitos educadores têmsuas dúvidas sobre os de racionalidade. Quando nós temos certeza demais de nossas opiniões, nós slogans e cura-tudo de nossos tempos, mas eles são obrigadosa seguir as di- corremos o risco de ignorar quaisquer evidências de conflitos em nossas retrizes da lei federal (como o Nenhuma Criança Fica para Trás), a despeito visões. É a dúvida que demonstra que nós ainda estamos pensando,ainda de suas dúvidas. dispostos areexaminarcrenças sólidas quandoconfrontados pornovosfatos Reformadores escolares algumas vezes lembram os personagens do e novasevidências. livro Solla Sollew, do Dr. Seuss, que estão sempre em busca da terra mítica Atarefa de organizar meus artigos me deu a oportunidade derevisaro “ondeeles nuncaterão problemas, ou pelo menos muito poucos”. Ou como que eu havia escrito em diferentes épocas, começando em meados de 1960. Dumbo, eles estão convencidos de que eles poderiam voar se apenas tives- Enquanto eu ia de artigo em artigo, me perguntava o quãolonge havia ido sem uma pena mágica. Em meus escritos, eu alertei consistentemente que, em relação ao ponto em que havia começado. Será que era meu hábito tro- na educação, não há atalhos, não há utopias, e não há balas de prata. Por car de ideia como alguém troca um casaco que não serve mais? Conforme certo, não há penas mágicas que fazem elefantesvoarem. eu lia e me recordava, comeceiaver dois temas no centro do que eu estivera Enquantofolheava as páginas amareladas de minhas anotações, eu co- escrevendo por mais de quatro décadas. Uma constante havia sido o meu mecei a compreender o recente redirecionamento do meu pensamento, mi- ceticismo quanto a modismos, entusiasmos e movimentos pedagógicos. A nhacrescente dúvida a respeito das populares propostas de escolhaescolar e outra era uma profunda crença novalor de um currículo escolar rico e coe- responsabilização. Umavez mais, percebi, eu estava ficando cética diante de rente, especialmente em história e literatura, ambos frequentemente ignora- panaceias e curas milagrosas. A única diferença era que neste caso eu tam- dos, trivializados ou politizados. [2] bém haviabebidodafontequeprometiaumacurarápidapara problemas in- Ao longo dos anos, eu alertei consistentemente contra a ilusão do trincados. Eu também havia entrado no barco cheio de bandeiras celebran- “caminho ideal ao aprendizado”, a noção de que algum sábio ou organiza- do o poder de responsabilização, incentivos e mercados. Eu também estava ção encontrou uma solução fácil para os problemas da educação americana. cativada por essas ideias. Elas prometiam um fim àburocracia, a garantia de 16-Vidaemortedograndesistemaescolaramericano DyanERavircH- 17 quecrianças pobres não seriam negligenciadas, o empoderamento dospais No fim dos anos 1960, a questão da descentralização versus centra- pobres, a possibilidade de crianças pobres escaparem de escolas ruins, e o lização transformou-se em um debate acalorado. Jornais veiculavam notí- fim da distância de desempenho entre ricos e pobres, negros e brancos. A cias diárias sobre grupos comunitários demandando a descentralização das testagem iria apontar os holofotes para as escolas de baixa performance, e a escolas e culpando professores e administradores pela falta de sucesso do escolha criaria oportunidades para crianças pobres saírem para escolas me- sistema escolar com crianças de minorias sociais. Muitos reformadores es- lhores. Tudo isso parecia fazersentido, mas havia pouca evidência empírica, colares então presumiram que pais afro-americanos e hispânicos e líderes apenaspromessaeesperança. Eu queriacompartilhardapromessaedaespe- comunitários locais, e não educadores profissionais, sabiam melhor o que rança. Eu queria acreditar que a escolha escolar e a responsabilização iriam seus filhos precisavam. produzir grandes resultados. Mas ao longo do tempo,eu fui persuadida por Conforme o clamor pela descentralização das escolas cresceu, eu cada vez mais evidências de que as últimas reformas não iriam conseguir fiquei curiosa sobre a razão pela qual o sistema havia sido centralizado estar à altura de sua promessa. Quanto mais eu via, mais eu perdia a fé. desde o início. Passei vários dias na biblioteca da Sociedade Histórica de Parecia,portanto,queseriainstrutivodarumanovaolhadanasestratégias Nova York estudando a história do sistema escolar da cidade; a última de reforma quesão agora tão proeminentes na educação americanae revisar as vez que essa história havia sido publicada foi em 1905. Eu descobri que evidências desuaeficácia. Estelivroé minhaoportunidadede explicaroqueeu o sistema havia sido centralizado no século XIX. Os reformadores escola- aprendisobre areformaescolare tambémde sugerir, com(eu espero) um certo res dos anos 1890 demandaram a centralização como um antídoto para grau de modéstiaetotalreconhecimentode minhasprópriaslimitaçõeseerros, escolas de baixa performance e defenderam o controle por profissionais o queénecessárioparalevaraeducação americananadireção certa. como a cura para a incompetência e corrupção dos conselhos escolares locais. Conforme eulia, ia sendo tomada pelo irônico contraste entre as demandas de centralização dos reformadores em 1890e as demandasdos O primeiro artigo que escrevi sobre educação foi publicado em uma reformadores nos anos 1960 pela descentralização. O grupo anterior con- pequena(ehojeextinta)revistadeeducaçãochamada UrbanReviewem 1968. sistia principalmente em elites sociais, e o posterior em pais e ativistas O seu título - “Programas, Placebos, Panaceias” - sinalizava o conflito que que queriam controle local das escolas. acabou sendo uma preocupação constante para mim, o conflito entre a pre- Tão intrigada eu estava pelo contraste entre o passado e opresen- missa e a realidade, entre esperanças utópicas e problemas intrincados. Eu te que fiquei determinada a escrever a história das escolas públicas da revisei programas de educação compensatóriade curto prazo - ou seja, inter- cidade de Nova York, o que se tornou The Great School Wars: New York venções de curto prazo para ajudar crianças que estavam atrasadas - e con- City, 1805-1973. [5] Esse foi um desafio e tanto para alguém que se gra- cluí que “apenas uma educação continuamente de qualidade faz diferença”. duou em escolas públicas de Houston e que - naquela época - não tinha Meusegundoartigo, intitulado “Fundações: Brincando de Deus no Gueto” pós-graduação em história ou educação. Enquanto eu ia completando o (1969), discutiu o papeldaFundação Ford naprolongada controvérsiasobre livro, consegui um doutorado na Universidade de Colúmbia em história a descentralização e controle comunitário que levou a meses de turbulência da educação americana, e o livro se tornou minhadissertação. Enquanto nas escolas públicas da cidade de Nova York. [4] Essa questão - a extensão estava escrevendo e buscando meus estudos acadêmicos, eu trabalhei sob em que é apropriado para fundações milionárias assumirem a reforma de a tutela de Lawrence Cremin, a maior historiadora da educação ameri- escolas públicas - será tratada neste livro. O assunto é especialmente impor- cana de sua era. tante hoje, pois algumas das maiores fundações do país estão promovendo Em meados de 1970, Cremin convenceu-me a escrever uma crítica a reformas escolares baseadas em princípios derivados do setor corporativo, umgrupodehistoriadores esquerdistasqueatacavam as fundaçõesda educa- sem considerarse elas são apropriadas para instituições educacionais. çãopública. Eles chamavamasimesmosderevisionistas, pois sepropunham DianeRavircH- 19 18-Vidaemortedograndesistemaescolaramericano ao objetivo de demolir o que viam como um mito disseminado dos propó- são era a de que você não pode rejeitar o tradicional se você não sabe nada sitos benevolentes e realizações democráticas da educação pública. Os auto- sobreele. [8] res, todos eles professores de várias universidades, tratavam com escárnio as Em 1985, o superintendentedo Estado da Califórnia, Bill Honig, convi- escolas públicas como instituições engendradaspelas elites para oprimir os dou-meaescreverumnovocurrículodehistóriaparaoEstado.Aolongodeum pobres. Esse pontode vista era tão contrário ao meu próprio entendimento períododedoisanos, eutrabalheijuntocomprofessoreseacadêmicosparapro- do papellibertário da educação pública - não apenas em minha vida, mas jetarummodelodecurrículoqueintegrassehistóriaeliteratura,geografia, artes, também navida do país - que eu mesentia compelidaa refutálo. ciênciassociaisehumanidades.Comtodoesseesquema,aCalifórniasetornaria O livro resultante foi chamado de The Revisionists Revised:A Critique of o primeiro Estado a requerer que todosos estudantes se dedicassem atrês anos the RadicalAttack on the Schools. [6] Naquele livro, eu defendi os propósitos dehistóriamundialeatrêsanosdehistóriadosEUA,comumainfusãosubstan- democráticos e cívicos da educação pública. Argumentei que as escolas pú- cialdehistóriaebiografianoEnsinoFundamental!.Omodelofoiadotadopelo blicas não haviam sido projetadas por capitalistas conspiradores para impor Conselho de Educação do Estadoem 1987 epermaneceemvigoratéhojecom um “controle da sociedade” em um proletariado resistente ou para reprodu- apenas pequenasrevisõespara atualizá-lo.Aolongodasduasúltimas décadas, o zir a desigualdade social; as escolas nunca foram um instrumento de repres- Estado da Califórnia substituiu seu currículo de alfabetização, seu currículo de são cultural, como os críticos radicais alegavam. Ao invés disso, elas são o matemáticaeseucurrículodeciências,masocurrículodehistória- tocandoem mecanismo primário através do qual umasociedadedemocráticadáaosseus alguns dos mais sensíveis e controversos temas e eventosda históriados EUAe cidadãos a oportunidade de obter alfabetização e mobilidade social. Aopor do mundo - permaneceu. [9] tunidade deixa muita coisa aos indivíduos; não é uma garantia de sucesso. Eu não haviaaté então em minhavidadado muita atenção a questões As escolas não podem resolver todos os problemas sociais, e tampouco são de escolha escolar, mercados e responsabilização. perfeitas. Mas em umasociedade democrática, elas são necessárias evaliosas Então umacoisa inesperada aconteceu: eu recebi um telefonema na para os indivíduos e para o bem comum. primavera de 1991 do recém-apontadosecretário de educação do Presidente Meupróximo livro foi uma história da política nacional de educação George H. W. Bush, LamarAlexander. Alexander, um republicano modera- de 1945 a 1980, umaera notável por grandes decisões judiciais e legislações do,havia sido governador do Tenessee. O secretário me convidou parair a federais. EmThe TroubledCrusade:AmericanEducation, 1945-1980, eu analisei Washington conversar com ele e seu deputado David Kearns, quem recen- as muitas controvérsias fascinantes associadas ao macartismo, à educação temente havia sido chefe executivo da Xerox. Nós nos encontramos para o progressiva, ao movimento pró-direitos civis, à educação bilíngue, ao movi- almoço no elegante Hotel Hay-Adams, perto da Casa Branca. Conversamos mento feminista e a outros levantes sociais e políticos. [7] sobre currículos e referências de ensino (o secretário Alexander mais tarde Enquanto eu escrevia The Troubled Crusade, fiquei cada vez mais in- brincou que eu falei e ele ouviu), e ao final do almoço ele me pediu para teressada em questões relacionadas à qualidade do currículo. Eu comecei a juntar-me ao departamento comosecretária-assistente encarregada do Gabi- estudar a história da pedagogia, do currículo,e das referências de ensino, es- nete de Pesquisa e Melhoria Educacional e como sua conselheira. pecialmente o ensino deliteratura e história e a representação de nossa cul- Voltei para casa no Brooklyn para pensar melhor sobre isso. Eu era turanas escolas. Em 1987, fui coautorade um livro com meu amigo Chester uma democratafiliada, sempre haviasido, e nunca havia sonhado em traba- E. (Checker) FinnJr. chamado What Do Our 17-YearOlds Know?, queversava !Tendoemvistaasdiferençasdenomenclaturadossistemasbrasileiroeamericanodeeduca- sobre o primeiro teste federalde históriaeliteratura. Nós lamentamoso que ção, ebaseando-se nas equivalênciasaproximadas de idade, neste livro optou-seportraduzir parecia ser uma perda de memória cultural, uma posição que mexeu com o Elementary Schoolcomo “anos iniciais do Ensino Fundamental” e Middle Schoolcomo “anos público, mas foidesprezada no mundo acadêmico,que estava então tomado finaisdoEnsinoFundamental”, terminologiaempregada peloConselhoNacionaldeEduca- ção.Quandoaexpressãoutilizadaforsomente“EnsinoFundamental”,elaestarásereferindo pelo pós-modernismo e por uma revolta contra “o tradicional”. A nossa vi- conjuntamente a Elementary e Middle School. Pelo mesmo motivo, “Ensino Médio” será a traduçãode HighSchool. (NotadoEditor) 20- Vidaemortedograndesistemaescolaramericano DianERavrrcH-21

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