UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA Utopias em Rotação: análise do discurso da esquerda armada brasileira Oriana de Nadai Fulaneti Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Linguística do Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor em Semiótica e Linguística Geral Área de Concentração: Semiótica e Linguística Geral Orientadora: profa. Dra. Diana Luz Pessoa de Barros São Paulo 2010 Folha de Aprovação FULANETI, Oriana de Nadai –– ([email protected]) Utopias em Rotação: análise do discurso da esquerda armada brasileira Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Linguística do Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor em Semiótica e Linguística Geral Aprovada em: Banca Examinadora: Prof(a). Dr(a). ________________________ Instituição: ________________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________ Prof(a). Dr(a). ________________________ Instituição: ________________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________ Prof(a). Dr(a). ________________________ Instituição: ________________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________ Prof(a). Dr(a). ________________________ Instituição: ________________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________ Prof(a). Dr(a). ________________________ Instituição: ________________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________ a todos os guerrilheiros urbanos que morreram lutando por um outro Brasil Agradecimentos À minha orientadora, Diana Luz Pessoa de Barros, que me mostrou ao longo desses anos que é possível ser consistente com leveza; Ao professor José Luiz Fiorin, meu modelo de sujeito acadêmico; Ao professor Sírio Possenti, por sua leitura rigorosa do texto de qualificação, pela riqueza das aulas e das interlocuções; À professora Norma Discini, com quem tenho um diálogo sincero, amigo e construtivo; À professora Esmeralda Negrão, pela sensibilidade; À professora Evani Viotti, exemplo de seriedade e justiça; Ao professor Marcos Lopes, por todas as dicas e ajudas; Ao professor Denis Bertrand, orientador durante o estágio de doutorado sanduíche; Aos amigos Alexandre Bueno, Carolina Lemos, Dilson Ferreira e Mariana Luz, pelas sessões de café com semiótica; Aos amigos Dayane Pal, Francisco Xavier, Gustavo Barros e Luiz André, pelas sessões de café com doutorado; À Silvana, minha grande interlocutora em Paris; À Sueli Ramos e ao Rafael Minussi, pelo primoroso trabalho de revisão; Ao Adriano Sousa, consultor para assuntos virtuais À Érica, ao Bem-Hur e ao Robson, por tornarem mais amena a peleja burocrática; Aos funcionários dos arquivos consultados: AEL, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Bibliothèque de Documentation Internationale Contemporaine; Aos meus pais, por tudo que sempre fazem para mim Aos meus irmãos, que completam a riqueza de nossa família À Capes, pela concessão das bolsas de estudo, sem as quais certamente grande parte desta pesquisa não teria sido viável. A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate, nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão. [...] Aurora, entretanto eu te diviso, ainda tímida, inexperiente das luzes que vais acender e dos bens que repartirás com todos os homens Carlos Drummond de Andrade Nossa geração teve pouco tempo começou pelo fim mas foi bela nossa procura ah! moça, como foi bela nossa procura mesmo com tanta ilusão perdida quebrada, mesmo com tanto caco de sonho onde até hoje a gente se corta! Alex Polari Resumo: Este trabalho visa contribuir com os estudos semióticos, analisando a estrutura e o funcionamento do discurso das duas organizações mais importantes da esquerda armada brasileira nas décadas de 1960 e 1970, a Ação Libertadora Nacional (ALN) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), à luz dos conceitos retóricos de éthos e páthos. No contexto da ditadura brasileira e sob a influência de acontecimentos como a Guerra do Vietnam e a Revolução Cubana, entre outros, uma parcela da esquerda decidiu-se pela revolução, formando grupos militantes para lutar contra o governo. Esses grupos, que atuaram no Brasil entre 1968 e 1973, foram massacrados pelo regime militar, grande parte dos combatentes sendo assassinada e os sobreviventes passando por tortura, prisão, clandestinidade e exílio. No intuito de compreender a opção pela luta armada, bem como os valores e os impulsos de mobilização desses indivíduos, realizamos uma análise comparativa dos elementos éticos e passionais em documentos deixados pela ALN e pela VPR, com base nos princípios teórico-metodológicos da semiótica discursiva de linha francesa. A abordagem da noção de ator da enunciação e, em particular, da idéia de éthos e de páthos, a partir da perspectiva semiótica, revelou semelhanças e diferenças entre os discursos da ALN e da VPR, fundadas essencialmente nos aspectos passionais. Palavras chave: discurso da luta armada; éthos, páthos, ator da enunciação. Abstract This doctoral thesis is intended to contribute to the field of semiotic studies by examining the discoursive structure of texts of the two most important Brazilian armed left-wing organizations in the 1960s and 1970s, namely the Ação Libertadora Nacional [National Liberty Action] (ALN) and the Vanguarda Popular Revolucionária [Popular Revolutionary Avant-Garde] (VPR), in the light of the rhetorical concepts of éthos and páthos. In the context of the dictatorial period in Brazil, and influenced by the ideals of the Vietnam War and the Cuban Revolution, amongst other events, left-wing militants decided in favour of the revolution, by forming armed groups to fight against the government. These groups, in activity in Brazil in the period between 1968 and 1973, were eventually massacred by military regime, the majority of the combatants being murdered and those who survived suffering torture, living clandestinely, or sent to prison or into exile. Aiming at an understanding of the option for the armed fight as well as of the values and mobilizing impulse of these individuals, we comparatively analysed ethical and passion elements in documents in the ALN’s and the VPR’s respective archives, according to the theoretical-methodological principles of French discoursive semiotics. The approach of the notion of enunciation actor and particularly of the concepts of éthos and páthos, from a semiotic perspective, revealed similarities and differences in the discourses of the ALN and the VPR, based essentially on passion aspects. Key words: armed-fight discourse; éthos, páthos, enunciation actor Sumário Introdução 1. Das condições de produção 11 1.1 Luta armada nas raízes e no horizonte 13 1.2 Formação das organizações armadas 17 1.3 As organizações armadas em ação (1969-1974) 29 2. Elementos de Semiótica e Retórica 38 2.1. Estruturas sêmio-narrativas 40 2.2 Estruturas discursivas 47 2.3. O éthos do enunciador 59 2.4. O páthos do enunciatário 66 3. O discurso da ALN 71 3.1 Primeira fase 71 3.1.1 Documentos internos 71 3.1.2 Documentos externos: agitação e propaganda 100 3.1.3 Síntese 117 3.2 O discurso da segunda fase 122 3.2.1 Documentos internos 122 3.2.2 Documentos externos 171 3.2.3. Síntese 201 3.3 Primeira fase x segunda fase 206 4. O discurso da VPR 209 4.1 Documentos da primeira fase 209 4.1.1 Documentos internos 210 4.1.2 Documentos externos 252 4.1.3 Síntese 265 4.2 O discurso da segunda fase 270 4.3 Primeira fase x segunda fase 300 5. ALN X VPR 302 5.1 O discurso da primeira fase 302 5.1.1 Das diferenças 302 5.1.2. Das semelhanças 306 5.2 O discurso da segunda fase 309 5.2.1 Das semelhanças 309 5.2.2 Das diferenças 310 Considerações finais 315 Bibliografia 328 Introdução O tema e sua justificativa No início da década de 60, ocorre no Brasil uma expansão de movimentos sociais. Além do Partido Comunista Brasileiro (PCB), símbolo da oposição desde os anos 50, novos grupos passam a atuar politicamente, como a Ação Popular (AP), que se constitui essencialmente de militantes da esquerda católica; a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (ORM-Polop), com base em setores estudantis e intelectuais; os “nacionalistas” liderados por Leonel Brizola, entre outros. Esse crescimento da participação política é estancado por um golpe de Estado, no qual setores das Forças Armadas, com apoio de uma parcela da sociedade civil destituem o presidente e tomam o poder, instaurando uma ditadura militar. Inicia-se, a partir daí, um regime de vinte e um anos de exceção, baseado na repressão e na censura, que provoca forte desmobilização1 nos movimentos sociais e deixa a esquerda bastante atada. Nesse contexto, e sob a influência de experiências internacionais, como a Revolução Cubana de 1959, a Guerra Revolucionária Chinesa, a luta de libertação nacional do Vietnã, entre outras, alguns militantes do período que antecede o golpe e muitos jovens ainda em formação política optam por resistir ao governo militar pela via armada. Eles lutavam contra o capitalismo, o imperialismo, o autoritarismo e a ditadura. Essa forma de resistência, conhecida como luta armada, ocorre no Brasil entre 1968 e 1973, tendo ganhado fôlego devido às manifestações libertárias espalhadas pelo mundo, como o famoso maio francês de 1968, e sobretudo ao aumento de medidas repressivas, como o decreto do Ato Institucional nº 5, AI 5, que impedia toda e qualquer forma de manifestação política. Vários grupos foram constituídos, oriundos principalmente de divisões internas das organizações políticas existentes antes do golpe, ou seja, o PCB, a AP e a Polop. Ridenti (1993, p. 30-53), ao investigar as divergências programáticas dos grupos armados, aponta três temas como principais: o caráter da revolução (socialista, com a revolução efetuada de uma única vez; ou de libertação nacional, revolução em duas etapas, sendo a primeira de aliança com a burguesia nacional); as formas de organização dos grupos (em torno de um partido político ou sob o formato de grupos militarizados autônomos) e as formas de luta (guerrilha rural, urbana, etc). 1 Trataremos mais longamente desse assunto no primeiro capítulo. 1
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