161 c , oUntrato De swaPDe taxas De Juro Jogo e aPosta e alteração Das circunstâncias que FunDaraM a Decisão De contratar S i , nteResOtRateswapagReements gamblingandwageRingagReementsand Changingi ntheCiRCumstanCesundeRwhiChtheContRaCtwasfoRmed E Paulo Mota Pinto Professor Auxiliar de Direito Civil na Universidade de Coimbra. X [email protected] C Recebido em: 11.09.2015 Aprovado em: 29.10.2015 L área Do Direito: Empresarial U resuMo: O regime jurídico dos contratos de swap de aBstract: The legal framework of interest rate swap taxas de juro tem sido discutido, tanto em Portu- agreements has been debated in Portugal as well as gal, como noutras ordens jurídicas. Justifica-se, porS in other legal systems. Thus, it has become necessary isso, a análise do tema, começando pelo contrato de Ito analyze this subject: first, by investigating swap de taxas de juro em geral (1), analisando de- interest rate swap agreements in general (I), pois a sua relação com o regime do contrato de jogo thVen, by verifying its relation with gambling and e aposta (2), e tratando, finalmente, dos termos em wagering agreements (II), and finally, by examining que poderá ser aplicado a swaps de taxas de juro o the conditions that allow the application of the instituto da alteração das circunstâncias em que as rules gOoverning change in the circumstances under partes fundaram a decisão de contratar, designada- which the c ontract was formed, especially due mente em resultado da crise financeira iniciada em to the financial crisis that initiated in Portugal in Portugual em 2007/2008. 2007/2008. T Palavras-chave: Contratos de swap de taxas de juro keyworDs: Interest rate swap agreements – J – Contratos de aposta – Contratos de jogo – Altera- Wagering agreements – Gambling agreements – ção de circunstâncias. Change in circumstances. D Sumário: 1. O contrato de swap de taxa de juro: 1.1 O contrato de swap de taxaF de juros. Noção e modalidades; 1.2 Características do contrato de swap de taxas de juro – em particular, a sua aleatoriedade; 1.3 Qualificação do contrato de swap e de taxas de juro; 1.4 As finaliTdades pros- seguidas com o contrato de swap de taxa de juros: cobertura e gestão do risco de variação das taxas de juros, redução dos custos de financiamento, especulação e arbitragem; 1.5 Licitude e eficácia do contrato de swap de taxa de juro no direito português; 1.6 A celebração de contratos de swaps de taxas de juro como instrumentos financeiros derivados e sua disciplina – 2. O con- trato de swap de taxas de juro e o regime do jogo e aposta (art. 1.245.° do CC): 2.1 Os contratos de jogo e aposta e o seu regime civilístico; 2.2 A distinção entre o contrato de swap de taxas de juro e os contratos de jogo e aposta; 2.3 Desnecessidade de correspondência do valor “nocional” Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015. 162 Revista de diReito Civil ContempoRâneo 2015 • RDCC 5 do contrato de swap de taxas de juro a um ativo ou passivo subjacente, para sua distinção dos contratos de jogo e aposta; 2.4 Inaplicabilidade do regime do jogo e aposta ao contrato de swap de taxas de juro e eficácia das obrigações resultantes deste contrato – 3. O instituto da resolução ou Umodificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar (“base do negócio”) e o contrato de swap de taxas de juro: 3.1 O instituto da alte- ração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar (“base do negócio”); 3.2 S Referência à alteração anormal das circunstâncias no direito comparado e as suas explicações dogmáticas; 3.3 Alteração anormal da “base do negócio” e “riscos próprios do contrato” nos contratos aleaOtórios, em particular nos contratos com finalidades também especulativas; 3.4 A jurisprudência portuguesa sobre a alteração anormal das circunstâncias: uma justificada aplica- ção cautelosa; 3.5 As condições de relevância da alteração anormal de circunstâncias no contrato de swap de taxa de juro; 3.6 Inexistência de uma “alteração anormal” das circunstâncias em que as partes fundaram aE decisão de contratar o swap de taxas de juro como efeito da descida da taxa Euribor em resultado da crise financeira de 2008. X 1. o C Contrato de swap de taxas de Juro L 1.1 O contrato de swap de taxas de juros. Noção e modalidades a) Os contratos de swap constitueUm o grupo mais importante dos instrumentos derivados negociados fora de bolsa, no chamado “mercado de balcão” (ou OTC – over the counter). Desde os anos 1980 doS século passado, os contratos de swap im- puseram-se de forma imparável no mercadoI, de tal modo que o valor bruto do mercado de swaps de taxas de juro era avaliado pelos Bancos de Pagamentos Inter- V nacionais, em junho de 2013, em cerca de US$ 13,6 biliões, correspondendo a va- lores “nocionais” superiores a US$ 425 biliões.1 O O termo swap resulta do inglês to swap (trocar, permutar) e denota a troca de pagamentos, fluxos pecuniários ou outros ativos, mas não constitui uma designa- ção unitária de um tipo contratual. Antes se alberga sob essa designação uma mul- T tiplicidade de contratos que se desenvolveram sob o impulso da prática contratual na economia, e não do legislador ou da jurisprudência. As foJrmas mais antigas de swap tiveram origem no swap cambial (entrega de divisas imediatamente, combina- da com um negócio inverso a prazo) e nos empréstimos paralelDos e nos emprésti- mos cruzados entre empresas de diferentes países.2 F T 1. Veja o documento sobre estatísticas do mercado de derivados, disponível na internet em [www.bis.org/statistics/dt1920a.pdf]. 2. Maria Clara Calheiros, O contrato de swap, Coimbra: Coimbra Ed., 2000, p. 21 e ss., Studia Iuridica vol. 51, Domingos Ferreira, Swaps e outros derivados, Lisboa: Rei dos Livros, 2011, p. 98 e ss. Distinguindo diversas “gerações” de contratos de swap, v. Paul Goris, The legal aspect of swaps: an analysis based as economic substance, London: Graham & Trotman, 1994, p. 47 e ss. Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015. Doutrina internacional 163 No plano financeiro, as formas mais comuns desta inovação financeira das últi- mas quatro décadas são o swap de taxas de juro (interest-rate swap) e o swap de di- visas (currency swap), bem como a combinação de ambas as formas no swap de taxas U de juro e de divisas (cross currency interest-rate swap). A par destes, existem igual- mente swaps de valores mobiliários, de mercadorias ou de índices relativos a qual- S quer deles. E o termo swap é igualmente utilizado para designar contratos que criam instrumentos financeiros derivados de crédito, pois servem para a assunção condicio- O nada e a prazo de riscos de crédito a troco de uma remuneração (é o caso dos swaps de risco de incumprimento, ou credit default swaps, dos swaps “para retorno total” ou total return swaps, e dos swaps de garantia de spread ou credit spread swaps). E Deixando estes derivados de crédito de lado,3 verificamos, ainda assim, que não existe uma só noção deX contrato de swap, e, desde logo, que não existe uma noção ou tipo legal de swap, o qual teria aliás de ser suficientemente abrangente para in- cluir todas as suas formas.4C A noção de swap resultou, antes, da evolução da prática contratual,5 como exemplo claro de contrato social e economicamente típico que L foi uma criação da autonomia privada. U 3. Pelo seu objeto e função, os derivados de crédito justificam tratamento próprio – v., por S ex., Ulrike Klingner-Schmidt, Ausserbörsliche Finanztermingeschäfte (OTC-Derivative), I Handbuch zum deutschen und europäischen Bankrecht, Berlin: Springer, 2004, p. 1646 e ss., n. 30 e ss., e, entre nós, José A. Engrácia Antunes, Os derivados, Cadernos do Mercado de V Valores Mobiliários, n. 30, p. 91-136 (122 e ss.), ago. 2008. 4. V., por ex., nos Estados Unidos, os documentos da Commodity Futures Trading Commission (CFTC) e da Securities and Exchange Commission O(SEC), intitulados Further definition of “Swap”, “Security-Based Swap” and “Security-Based Swap A greement”; Mixed Swaps; Security- -Based Swap Agreement, RIN 3235–AL14 e RIN 3235-AK65, este com mais de 600 páginas. 5. A noção de “specified transaction” que se encontra no ISDTA Master Agreement, que consti- tui um modelo para a conclusão de contratos de swap, além de não constituir propriamen- J te uma definição de swap, é extremamente ampla: “(a) any transaction (including an agre- ement with respect thereto) now existing or hereafter entered into between one party to this Agreement (or any Credit Support Provider of such party or Dany applicable Specified Entity of such party) and the other party to this Agreement (or any Credit Support Provi- der of such other party or any applicable Specified Entity of such otheFr party) which is a rate swap transaction, basis swap, forward rate transaction, commodity swap, commodity option, equity or equity index swap, equity or equity index option, bond oTption, interest rate option, foreign exchange transaction, cap transaction, floor transaction, collar tran- saction currency swap transaction, cross-currency rate swap transaction, currency option or any ‘ other similar transaction (including any option with respect to any of these tran- sactions), (b) any combination of these transactions and (c) any other transaction identi- fied as a Specified Transaction in this Agreement or the relevant confirmation”. Falando a propósito do amplo campo de aplicação desse Agreement da “canonização máxima da au- tonomia da vontade, na vertente da liberdade contratual”. João Calvão da Silva, T.R.L., Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015. 164 Revista de diReito Civil ContempoRâneo 2015 • RDCC 5 Na doutrina6 encontramos várias definições que dão conta da variedade dos contratos em causa e das suas configurações. U Acórdão de 21 de março de 2013 (Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e S inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta), em Revista de Legislação e de Jurisprudên- cia, ano 142, n. 3979, p. 238-269 (255), mar.-abr. 2013. O 6. Sobre o contrato de swap, v., na doutrina portuguesa: Maria Clara Calheiros, O contrato de swap, cit., _____ _. O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global, Ca- dernos de direito privado, 42, p. 3-13, 2013; António de Macedo Vitorino, Estudo sobre a permuta de divisaEs e de taxas de juro (swaps), Revista da Banca, n. 40, p. 113-133, Lisboa, out.-dez. 1996; António Pereira de Almeida, Instrumentos financeiros: os swaps, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Coimbra: Almedina, 2011, vol. X 2, p. 37-70; Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II – conteúdo. Contratos de troca, 3. ed., Lisboa: Almedina, 2012, p. 116 e ss.; ______. Contratos de troca para a transmissão de C direitos, In: António Menezes Cordeiro; Luís Menezes Leitão; Januário da Costa Gomes (org.), Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles: 90 anos: homenagem da Faculdade de Direito de L Lisboa, Coimbra: Almedina, 2007, p. 199-233; Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, 2. ed., Coimbra: Almedina, 2011, p. 192 e ss.; José A. Engrácia Antunes, op. cit., p. 118 e ss., João Calvão da SilvUa, Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta cit.; Pedro Boullosa Gonzalez, Interest rate swaps: perspectiva jurídica, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários (CdMVM), 44, abr. S 2013, p. 10-28; José Lebre de Freitas, ContratoI de swap meramente especulativo – Regimes de validade e de alteração de circunstâncias, Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, vol. 4, p. 944-970, out.-dez. 2012; Helder M. Mourato, O contrato de swap de taxa de juro: e um V caso de desequilíbrio contratual, Dissertação de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 2012, ______. Swap de taxa de juro: a primeira jurisprudência, CdMVM, 44, p. 29-44, abr. 2013; José Maria Pires, Elucidário de direito bancárioO: as instituições bancárias a actividade bancária, Coimbra: Coimbra Ed., 2002, p. 876 e ss.; e já José Manuel Quelhas, Sobre a evolução recente do sistema financeiro: novos produtos financeiros, Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, vol. 39, 1996, vol. 40, 1997, p. 121-21T0, p. 215 e ss. Para uma aná- lise económica, v. Domingos Ferreira, op. cit., p. 89 e ss. João Cantiga Esteves, Contratos J de swap revisitados, CdMVM, 44, abr. 2013, p. 71-84 (em especial sobre a avaliação dos swaps); e Carlos Pinho e Mara Madaleno, Interest rate swaps and macroeconomic uncer- tainty: volatility analysis in Europe, CdMVM, 44, p. 45-70, abr. 2013 D(analisando os efeitos da volatilidade das taxas de juro e da economia, e do nível das taxas de juro, sobre o recur- so a swaps de taxas de juro). F Na Alemanha, v., por ex., Stefan Rudolf, in: Siegfried Kümpel/Arne Wittig, Bank- und Ka- pitalmarktrecht, 4. ed., Köln: Otto Schmidt, 2011, n. 19.123 e ss., p. 2149 e ss.; U. Kling- T ner-Schmidt, op. cit., Uwe Jahn, in: Herbert Schimansky, Hermann-Josef Bunte, Hans- -Juergen Lwowski (org.), Bankrechts-Handbuch, Muenchen: C.H. Beck, 1997, vol. 3, § 114; Christoph Kumpan, in: Eberhard Schwark/Daniel Zimmer, Kapitalmarktrechtskommentar, 4. ed., München: C. H. Beck, 2010, § 2 WpHG, ns. 38 e 42, Lutz Krämer, Finanzswaps und Swapderivate in der Bankpraxis: eine zivil –, AGB- und aufsichtsrechtliche Untersuchung un- ter besonderer Berücksichtigung der Kautelarpraxis, Berlin:, Walter de Gruyter, 1999; Pana- giotis Chalioulias, Der swap im System aleatorischer Verträge, Baden-Baden: Nomos-Verl.- Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015. Doutrina internacional 165 Diz-se, assim, por exemplo, que “os swap são uma família de contratos, pelos quais se estabelece entre as partes uma obrigação recíproca de pagar, de acordo com modalidades preestabelecidas, na mesma divisa ou em diferentes divisas, certas U quantias de dinheiro calculadas por referência aos fluxos financeiros ligados a ati- vos e passivos monetários, reais ou fictícios, ditos subjacentes”.7 Ou que o swap é S “o contrato pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias O datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente uma determinada taxa de câmbio ou de juro”.8 E nota-se que o facto de os swap formarem uma verdadeira “constelação de contra- E tos” dificulta uma definição comum, tentando-se no entanto definir o contrato de swap como o “contrato pelo qual as partes se obrigam reciprocamente a pagar, em X data futura ou em sucessivas datas, o montante das obrigações da outra parte ou o produto da cobrança dos seus próprios créditos, tomando como referência passivos C ou ativos, reais ou nocionais, assim como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a pagar à outra a diferençLa em seu desfavor apurada pelo cálculo dos valores daquelas obrigações ou daqueles créditos”.9 Quanto especificamente ao swaUp de taxas de juro, que representa a forma mais difundida dos swaps financeiros, ele é hoje também um contrato social e economi- S I -Ges., 2007. Em Itália, v., por ex., Bruno Inzitari, Swap (contratto di), Contratto e impresa: V dialoghi, ano 4. n. 2, p. 597-625, Padova, 1988; Riccardo Agostinelli, Le operazioni di swap e la struttura contrattuale sottostante, Banca borsa e titoli di credito, Nuova Serie ano O 60, vol. 50, n. 1, Parte Prima, p. 112-134, Milano, jan.-fev. 1997; Riccardo Agostinelli, Swap contract: struttura e profili civilistici di una nuova tecnica finanziaria, Quadrimestre. Rivista di Diritto Privato, n. 1, p. 10-28, Milano, 1991; Carmelo Massimo e Iuliis, Lo swap d’interessi o di divise nell’ordinamento italiano, Banca BTorsa e Titoli Di Credito, Nuova serie, vol. 57, n. 3, Parte prima, p. 391-410, Milano, maio-jun. 2004; Margherita Mori, J Swap: una tecnica finanziaria per l’impresa, Padova: Cedam, 1990; Giulia Orefice, Orien- tamenti giurisprudenziali in tema di swap, La nuova giurisprudenza civile commentata, ano 27, n. 12, parte seconda, p. 629-637, Padova, dez. 2011. No diDreito anglo-saxónico, v. Paul Goris, The legal aspect of swaps, cit. Exposições técnicas e financeiras podem ver-se por ex. em Howard Corb, Interest rate swaps and other derivatives, NeFw York: Columbia Business School Publ., 2012; e Richard Flavell, Swaps and other derivatives, 2. ed., Chi- chester: Wiley, 2010. T 7. Maria Clara Calheiros, O contrato de swap, cit., p. 126; ______. O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global, cit., p. 28, seguindo a definição de Pierre-Antoine Boulat, Pierre-yves cHaBert, Les Swaps: technique contractuelle et régime juridique, Paris: Masson, 1992, p. 28. 8. José A. Engrácia Antunes, Os derivados cit., p. 118. 9. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II… cit., p. 117. Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015. 166 Revista de diReito Civil ContempoRâneo 2015 • RDCC 5 camente típico, que tem como conteúdo a constituição de obrigações de pagamento recíproco pelas partes e a prazo, num certo momento ou segundo um calendário acor- dado, de quantias pecuniárias expressas na mesma divisa, correspondentes à aplicação U de taxas de juro (ou de uma fórmula que inclui taxas de juro) a um montante subjacen- te (o “nocional”), real ou fictício, podendo tais obrigações recíprocas extinguir-se total S ou parcialmente mediante compensação. Pode tratar-se, por exemplo, de uma “permuta” de fluxos monetários calculados O pela aplicação a um montante de uma taxa fixa, por fluxos calculados a taxa variá- vel, sendo ambas as quantias em causa expressas na mesma moeda (dito coupon swap); ou de uma “permuta” de fluxos calculados a taxa variável por outros calcu- E lados também a taxa variável, mas diferente ou indexada a um diferente mecanismo de variação (basis swap). X Os swaps de taxa de juro costumam ser apresentados como uma forma de explo- ração das vantagens comparativas das partes no seu acesso diferenciado aos merca- C dos financeiros: se uma das partes, por dispor de uma melhor notação de risco, consegue taxas melhores do queL a outra (tanto a taxa fixa como a taxa variável), pode, porém, ainda assim partilhar essa vantagem com essa outra obrigando-se a pagar-lhe a prazo, sobre uma certa quUantia, juros calculados a uma das taxas (aque- la em que tem vantagem comparativa essas taxas) e recebendo juros a outra taxa, repartindo entre ambos o benefício alcançado.10 S Os swaps permitem tanto a gestão do riscoI de taxas de juro incidente sobre pas- sivos, isto é, sobre dívidas (liability swap), como a gestão do risco incidente sobre ativos, isto é, sobre um fluxo de rendimento proVveniente de um investimento (asset swap),11 como, ainda, a gestão conjunta de ativos e passivos constantes do balanço, sujeitos ao risco de variação das taxas de juro (bOalance sheet swap). Enquanto o primeiro é um instrumento de gestão de dívida, o segu ndo é um instrumento de gestão de ativos, e o terceiro é um instrumento de gestão financeira do balanço, incluindo ativos e passivos. T Tendo sido uma criação da prática, o contrato de swap esJtá hoje estudado pela doutrina privatística, e, apesar da notável ausência, durante muito tempo, de con- flitos judiciais em torno desses contratos, tem já sido objeto entDre nós, mais recen- temente, de algumas decisões judiciais de tribunais superiores.12 F T 10. V. José Manual Quelhas, Sobre a evolução recente do sistema financeiro... cit., p. 216, e o exemplo numérico em Maria Clara Calheiros, O contrato de swap cit., p. 54-56, e em João Cantiga Esteves, Contratos de swap revisitados cit., p. 73 e ss. 11. V. esta distinção, por ex., em Brian Coyle, Interest-rate swaps, Kent: Financial World Pu- blish, 2001, p. 3. 12. Assim, e sem pretensões de exaustividade: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.02.2011 (Luís Correia de Mendonça) e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015. Doutrina internacional 167 b) O contrato de swap de taxas de juro (mesmo excluindo desde já o swap de taxas de juro e divisas, que inclui a previsão de pagamento em divisas diversas) pode revestir diversas modalidades, consoante as necessidades (e a “criatividade”) U financeiras das partes.13 As variantes de swap dependem, assim, fundamentalmente da autonomia privada, não podendo qualquer descrição ou classificação ser mais do S que exemplificativa. O swap pode prever obrigações de pagamento de taxa de juro fixa em contrapar- O tida de uma taxa variável (o referido coupon swap, em que o cliente da instituição financeira paga um taxa fixa – payer swap – ou recebe uma taxa fixa – receiver swap), ou de taxa de juro variável por outra taxa variável (o referido basis swap). O E coupon swap é a variante mais simples, também designada por isso plain vanilla swap: em regra uma das partes está, no empréstimo ou passivo subjacente de que X em regra é titular, a financiar-se a taxa variável, e a outra a taxa fixa (ou tem acesso a financiamento a taxa fixa), e, tendo expectativas diferentes quanto à evolução das C taxas de juro, a parte que tem uma taxa variável pretende fixar a taxa que paga, e a que tem uma fixa pretende passLar a pagar uma taxa variável. A taxa pode ser prevista de modo inalterável ou com alternativa de escolha em cada pagamento para uma das partUes (como no dito roller-coaster swap), e pode ou S I de 25.09.2012 (Luís Espírito Santo), ambos excluindo a responsabilidade da instituição financeira por violação de deveres de informação (o primeiro analisado criticamente por V Hélder Mourato, O contrato de swap de taxa de juros… cit., p. 28 e ss.); Acórdão do Tribu- nal da Relação de Lisboa de 21.03.2013 (Ana Azeredo Coelho), que declarou nulo um contrato de swap por o considerar uma aposta ilícitOa, publicado e anotado criticamente por João Calvão da Silva na RLJ n. 3.979 cit. (crítica que aco mpanhamos); Acórdão do Tribu- nal da Relação de Lisboa de 12.05.2014 (Ilídio Martins), que considerou o contrato de swap de taxas de juro em causa válido, afastando a aplicaTção do regime do jogo e aposta, mas declarou o contrato resolvido por alteração das circunstâncias; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08.03.2012 (Maria Luísa RamoJs), sobre o âmbito de uma convenção de arbitragem inserida num contrato de swap; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.01.2013 (Conceição Bucho), e Acórdão do SuDpremo Tribunal de Jus- tiça de 10.10.2013 (Granja da Fonseca), os quais declararam resolvido um contrato de swap de taxas de juro por alteração de circunstâncias (v. a crítica de Maria Clara Calheiros, F O contrato de swap no contexto da actual crise financeira… cit., p. 11-13, bem como infra, o n. 3). Todas estas decisões estão acessíveis em [www.dgsi.pt]. T 13. V., entre nós, por ex. Maria Clara Calheiros, O contrato de swap cit., p. 32 e ss., 44 e ss.; José A. Engrácia Antunes, Os derivados… cit., p. 120-121; Helder Mourato, O contrato de swap de taxa de juros, p. 36 e ss. Lá fora, v., por ex., Stefan Rudolf, Bank- und Kapitalmarktrecht, cit., n. 19.129 e ss.; Ulrike Klingner-Schmidt, op. cit., p. 1641; PauL gorIs, The legal aspect of swaps… cit., passim, e o documento citado da CFTC e da SEC Further definition of Swap, Security-Based Swap and Security-Based Swap Agreement; Mixed Swaps; Security-Based Swap Agreement, RIN 3235–AL14. Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015. 168 Revista de diReito Civil ContempoRâneo 2015 • RDCC 5 não variar para uma das partes (variação que acontece, por exemplo, no chamado constant maturity swap, ou CMS, em que a obrigação de uma das partes é calculada por referência a uma taxa do mercado de capitais que vai sendo regularmente adap- U tada, como a taxa de juro CMS a cinco ou dez anos). O contrato de swap de taxas de juro pode ser simples, prevendo apenas o paga- S mento recíproco de taxas de juro, designadamente das que já eram suportadas pela outra parte (o referido vanilla swap), pode ser prolongável (callable) ou resolúvel O antecipadamente (puttable), por uma ou ambas as partes, fazendo as partes uso ou não destas faculdades consoante a evolução verificada nas taxas de juro. O swap pode ter um início diferido para o futuro (deferred ou forward swap), e pode ser logo E firmemente contratado ou ser objeto de uma opção, isto é, de um direito potestativo de contratar um swap coXm a outra parte, com certo prazo e taxa, e sobre um certo montante “nocional” (a swap option ou swaption, que é uma opção sobre um swap). Quanto aos limites do riscCo assumido pela parte que paga uma taxa variável, o swap pode prever um limite superior ou “tecto” (cap) para essa taxa, ou um seu L limite inferior (um floor), e pode prever também um limite inferior e um limite superior (um collar). U Deve, porém, notar-se que o cap, o floor e o collar tanto podem ser contratos autónomos, que são contratos de limitação de taxa de juro, como ser apostos como S elementos acidentais (limites ou barreiras) a Ium contrato de swap. Como contrato autónomo, no cap (ou limite superior) uma das partes assume a obrigação, contra o pagamento de um prémio, Vde pagar à outra parte uma compen- sação, no montante da diferença, caso a taxa em questão ultrapasse o limite supe- rior durante o período em causa. No floor (“solo”O, ou limite inferior) acorda-se o mesmo, mas em relação a um limite inferior. E no collar combinam-se os dois limi- tes (o comprador do cap é simultaneamente vendedor do floor, e vice-versa). T Estes limites ou barreiras podem também ser inseridos num contrato de swap, e não ser contratados autonomamente, como limites ou barreirJas superiores (cap) ou inferiores (floor), ou ambos (collar), da taxa de juro, fora dos quais as obrigações das partes se alteraram ou anularão, não produzindo neste caso Do contrato de swap economicamente efeitos (por não se prever o pagamento de quaisquer prestações F nessas circunstâncias, ou por os seus efeitos económicos serem anulados ao prever- -se idêntica obrigação de sinal contrário da outra parte). A introdução destes limi- T tes num contrato de swap pode significar, pois, que este contrato apenas é “ativado” acima de certo limite (knock in swap) ou até certo limite (knock out swap), podendo também esta “ativação” ou “desativação” dizer apenas respeito ao trimestre em que a taxa em causa se encontre fora das barreiras inferior ou superior relevantes (knock in ou knock out periódico), ou a todo o período do contrato (knock in ou knock out permanente). Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015. Doutrina internacional 169 Quanto ao montante “nocional”, a que se aplicam as taxas de juro para calcular as obrigações das partes, o swap pode prever um montante fixo ou o seu aumento (accreting swap ou step-up swap) ou diminuição (amortizing swap) ao longo do U prazo do contrato, ou mesmo a oscilação desse montante subjacente (saw tooth swap, também dito seasonal swap), consoante a evolução das necessidades financei- S ras (por exemplo, do endividamento subjacente, que constitui um risco anterior ao contrato para uma das partes). O O swap de taxas de juro pode ainda prever formas mais complexas de cálculo da obrigação de uma ou de ambas das partes, correspondendo essa previsão a diversas modalidades de assunção do risco de variação das taxas de juro em causa, consoan- E te as necessidades e a vontade das partes de exposição ao risco (ou de gestão do seu anterior risco) de flutuação das taxas de juro, no longo, no médio ou mesmo no X curto prazo.14 Apenas a título de exemplo (pois são tantas as variantes que apenas tem aqui C cabimento referir alguns exemplos), a obrigação da contraparte (a chamada coupon leg) pode depender do número deL dias em que uma taxa de juro se mantenha num certo intervalo, com um limite mínimo e máximo (range accrual swap), ou pode depender da relação entre taxas de diferentes pUrazos (assim, no chamado CMS steepener), isto é, da maior ou menor “inclinação” da curva de taxas de juro. E a obrigação pode de- pender no seu montante da trajetória pSrévia da taxa de juro, dentro ou fora de um certo intervalo, e ser mais ou menos alavanIcada (com múltiplos ou com mitigantes de risco), consoante a fórmula adequada à assunção de riscos pretendida.15 V 14. Assim no chamado swap EONIA (abreviatura de EOuro Overnight Index Average, fixada dia- riamente pelo Banco Central Europeu como taxa de juro de referência), o qual é uma for- ma especial de swap de taxa de juro em que se permuta uma taxa fixa contra a taxa EONIA, sendo esta estabelecida no final do período, o qual é normTalmente de curto prazo (de dois dias até um ano), e permitindo assim a ligação de um investimento ou de um crédito de curto prazo às taxas monetárias de referência diárias. J 15. Um exemplo é o chamado “swap com escada de spread” (spread-ladder swap), em que o spread depende da relação entre taxas de juro a diferentes prazos D(da inclinação da curva das taxas de juro) e se vai somando ao do período anterior quando for positivo (“efeito de memória”). Quanto menor for a taxa de juro de longo prazo em relaçFão com a de curto prazo, maior será o spread, e consequentemente maior será o juro a pagar. Foi a celebração deste tipo de contrato de swap por uma média empresaT alemã que foi objeto da decisão do Supremo Tribunal Federal alemão de 22.03.2011, que anulou um tal contrato por violação de deveres de informação por parte do Deutsche Bank. Além de existirem também decisões em sentido contrário na jurisprudência alemã, esta decisão é, porém, objeto de intensa discussão na doutrina, sendo a posição dominante de crítica ao acórdão. V. Hans Christoph Grigoleit, Grenzen des Informationsmodells. Das Spread- -Ladder-Swap-Urteil des BGH im System der zivilrechtlichen Informationshaftung, Bankrechtliche Vereinigung, Berlin: de Gruyter, 2013, p. 179 e ss.; e frank a. scHäfer, Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015. 170 Revista de diReito Civil ContempoRâneo 2015 • RDCC 5 1.2 Características do contrato de swap de taxas de juro – em particular, a sua aleatoriedade a) UO contrato de taxas de juro é um contrato consensual, podendo ser concluído por qualquer meio admissível, como o telefone, correio eletrónico etc., sem prejuízo de a existêSncia de uma confirmação escrita se ter tornado habitual nos contratos de swap internacionais, concluídos nos termos do ISDA Master Agreement. O É também um contrato comercial (como ato objetivamente comercial), obriga- cional, e duradouro de execução diferida, que prevê obrigações de pagamento no futuro, num certo prazo ou em datas fixadas. E As obrigações de pagamento a cargo das partes no contrato de swap são obriga- ções periódicas, reiteradasX ou com trato sucessivo, tendo por objeto prestações pecu- niárias que se repetem periodicamente, sendo o respetivo conteúdo determinado em função da evolução da vCariável de que dependem no período de tempo em causa.16 O contrato de swap não se extingue, pois, com um único ato do devedor, L U Spread Ladder Swap- und Lehman Zertifikate-Urteile des BGH: Negativer Marktwert vs. Gewinnmarge, tb. em Anlegerschutz im Wertpapiergeschäft. Verantwortlichkeit der Organ- S mitglieder von Kreditinstituten, BankrechtstagI 2012, Berlin: De Gruyter, 2013, p. 65-79; Carsten Herresthal, Die Weiterentwicklung des informationsbasierten Anlegerschutzes in der Swap-Entscheidung des BGH als unzulässige Rechtsfortbildung, ZIP – Zeitschrift V für Wirtschaftsrecht, 22, p. 1049-1105, 2013, (crítica metodológica); Bernd HanoWskI, Zins-Swap-Urteil des BGH: Auslöser einer neuen Finanzkrise?, Neue Zeitschrift für Ge- sellschaftsrecht, 15, p. 573-575, 2011; Gerd Nobbe, ZOur ‘Kick-Back’-Rechtsprechung und insbesondere zur Ausweisung von Rückvergütungen im Prospekt, BKR – Zeitschrift für Bank- und Kapitalmarktrecht, 2011, p. 299 e ss., 303 e ss.; Matthias Haas, anot. à decisão do BGH de 22.03.2011, LMK – Lindenmaier-Möhring – KTommentierte BGH-Rechtspre- chung, 2011, p. 318031. E também Ingo Fritsche e Stefan Fritsche, Haftung der Bank wegen fehlerhafter Beratung beim Abschluss eines Swap-VertraJgs – Anmerkungen zum Urteil des BGH vom 22. 3. 2011, LKV – Landes- und Kommunalverwaltung, 2011, p. 499, Johannes Köndgen, Grenzen des informationsbasierten Anlegerschutzes – zugleich An- D merkung zu BGH, Urt. v. 22.03.2011 – XI ZR 33/10, BKR, 2011, p. 283 e ss.; Gerald Spindler, Aufklärungspflichten im Bankrecht nach dem “Zins-Swap-Urteil des BGH”, F Neue Juristische Wochenschrift, 2011, p. 1920 e ss.; Jens Koch, Grenzen des informations- basierten Anlegerschutzes – Die Gratwanderung zwischen angemessener Aufklärung und T information overload, BKR, 2012, p. 485 e s. 16. Cf., sobre a noção de obrigação de prestação periódica (relações duradouras), Carlos Al- berto da Mota Pinto, Cessão da posição contratual, Coimbra, 1970 (reimpressão 1982), p. 435, n. 1; ______. Teoria geral do direito civil, 4. ed. Atualizada por António Pinto Montei- ro e Paulo Mota Pinto, Coimbra: Coimbra Ed., 2005, n. 220. A qualificação das obrigações das partes no contrato de swap de taxas de juro como obrigações duradouras de prestação periódica tem relevância para efeitos dos arts. 434.º, n. 2, e 781.º do CC. Pinto, Paulo Mota. Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 161-257. São Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2015.
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