Arte e mercado Xavier Greffe oS LIVroS do oBSerVAtÓrIo O Observatório Itaú Cultural dedica-se ao estudo e divulgação dos temas de política cultural, Arte e mercAdo hoje um domínio central das políticas públicas. Consumo cultural, práticas culturais, economia cultural, gestão da cultura, cultura e educação, cultura e cidade, leis de incentivo, direitos culturais, turismo e cultura: tópicos como esses impõem-se cada vez mais à atenção de pesquisadores e gestores do setor público e privado. OS LIVROS DO OBSERVATÓRIO formam uma coleção voltada para a divulgação dos dados obtidos pelo Observatório sobre o cenário cultural e das conclusões de debates e ciclos de palestras e conferências que tratam de investigar essa complexa trama do imaginário. As publicações resultantes não se limitarão a abordar, porém, o universo restrito dos dados, números, gráficos, leis, normas, agendas. Para discutir, rever, formular, aplicar a política Tradução cultural é necessário entender o que é a cultura hoje, como se apresenta a dinâmica cultural em Ana Goldberger seus variados modos e significados. Assim, aquela primeira vertente de publicações que se podem dizer mais técnicas será acompanhada por uma outra, assinada por especialistas de diferentes áreas, que se volta para a discussão mais ampla daquilo que agora constitui a cultura em seus diferentes aspectos antropológicos, sociológicos ou poéticos e estéticos. Sem essa dimensão, a gestão cultural é um exercício quase sempre de ficção. O contexto prático e teórico do campo cultural alterou-se profundamente nas últimas décadas e aquilo que foi um dia considerado clássico e inquestionável corre agora o risco de revelar-se pesada âncora. Esta coleção busca mapear a nova sensibilidade em cultura. teixeira coelho Coleção os Livros do observatório SUmárIo dirigida por teixeira coelho Copyright © 2013 Itaú cultural Copyright © desta edição editora Iluminuras Ltda. Capa eder cardoso / Iluminuras ApresentAção Preparação de texto AuTOnOmIA, SuSTEnTABILIDADE E fuTuRO DA ARTE, 11 Jane Pessoa teixeira coelho Revisão Bruno Silva D'Abruzzo Arte e mercAdo INtrodUção, 19 1. A INVeNção dA Arte, 25 cIP-BrASIL. cAtALoGAção NA PUBLIcAção SINdIcAto NAcIoNAL doS edItoreS de LIVroS, rJ Antes dA sepArAção entre ArtesAnAto e belAs-Artes, 25 A arte rupestre, 26 G831a A Antiguidade, 35 Greffe, Xavier Arte e mercado / Xavier Greffe ; [organização teixeira coelho] ; tradução Ana A Idade média, 37 Goldberger. - 1. ed. - São Paulo : Iluminuras : Itaú cultural, 2013. 366 p. : il. ; 23 cm. As bAses dA AutonomiA dos ArtistAs: A renAscençA, 41 A lenta transformação do ateliê e o começo da diferenciação, 42 tradução de: Artistes et marchés Inclui índice uma aceleração na transformação do status: os artistas contra a ISBN 978-85-7321-414-7 (Iluminuras) contradição de artesãos na Espanha do Século de Ouro, 46 ISBN 978-85-7979-041-6 (Itaú cultural) uma nova figura: o pintor da corte, 51 1. crítica de arte. 2. Arte e sociedade. I. coelho, teixeira, 1944-. II. Instituto Itaú cultural. III. título. A grAnde divisão, 52 13-02629 cdd: 709.05 Do ateliê à academia, 53 cdU: 7.036 Para uma oposição maior entre artista e artesão, 58 02/07/2013 03/07/2013 O surgimento da crítica de arte, 62 O nascimento da estética, 64 A Apoteose dA Arte, 68 2013 uma mudança de ordem econômica: artista, obra e mercado, 69 edItorA ILUmINUrAS LtdA. O artesão em segundo plano, 69 rua Inácio Pereira da rocha, 389 - 05432-011 - São Paulo - SP - Brasil tel./Fax: 55 11 3031-6161 A independência da arte, 73 [email protected] O triunfo do esteticismo, 74 www.iluminuras.com.br pArA umA redefinição dA Arte?, 84 o reencAntAmento dos locAis de consumo, 235 A revolução Duchamp, 84 o uso dA Arte pArA reforçAr A imAgem dAs empresAs, 237 Para um eclipse da arte?, 90 A desobrigação financeira dos Estados, 238 O que é uma obra de arte?, 93 A mudança de atitude dos conselhos de administração, 240 Do conservadorismo ao neoconservadorismo, 242 2. A má Sorte doS ArtIStAS em UmA ecoNomIA de mercAdo, 97 As políticas culturais das empresas, 243 AlgumAs observAções históricAs, 98 Pintores, escritores, profissionais do teatro e músicos, 98 4. A LeGItImAção dA Arte PeLo SocIAL, 259 Remuneração das obras ou dos artistas?, 109 umA discussão de vertentes muitAs vezes contrAditóriAs: O artista em uma economia de mercado, 111 JeAn-JAcques rousseAu, 262 o pAinel econômico de instrumentos dos ArtistAs, 113 As teses dA Arte “boA pArA todos”, 266 uma tendência geral: a sub-remuneração, 114 A arte faz bem, 267 Algumas variáveis que fazem diferença, 123 As artes contra a mídia, 271 Da renda à carreira, 137 As artes como elixir, 273 o mercAdo de Arte é um mercAdo?, 140 A AbordAgem pelos vAlores extrínsecos, 276 A importância do público e dos locais de encontro, 144 Os valores educacionais, 277 Quem faz a oferta está realmente oferecendo alguma coisa?, 148 Os valores sociais, 279 Os preços serão preços reais?, 153 os vAlores sociAis dA Arte são umA oportunidAde pArA os ArtistAs?, 292 Os mercados primário e secundário serão mercados reais?, 162 A tese do elo faltante, 293 A vale um mercado?, 167 O valor instrumental da arte inclui a participação dos artistas? O o mundo da arte contemporânea: mercado ou sistema?, 170 exemplo da musicoterapia, 297 O aparecimento da “crise do mercado de arte contemporânea”, 171 A difícil colocação dos valores sociais: o caso do meio prisional, 303 O sistema de arte: uma grade para análise mais pertinente que o do sociAl Ao político, 306 mercado?, 175 A mistura explosiva: conceito e instalação, 179 5. A LeGItImAção dA Arte PeLo terrItÓrIo, 311 As políticAs culturAis A serviço dA cidAde, 312 3. A LeGItImAção dA Arte PeLA ecoNomIA, 189 Os casamentos alternativos entre estratégia urbana e cultura, 314 o uso dA Arte pArA humAnizAr A economiA, 190 Os distritos culturais, 316 Arts & Crafts, 190 As cidades das artes, 320 A Art nouveau e a Escola de nancy, 200 As vAriAdAs repercussões do turismo culturAl, 321 O movimento da “Arte em Tudo”, 209 Os monumentos, 321 O movimento estético americano, 212 Os museus, 323 A Bauhaus, 214 Os festivais, 324 A utilizAção dA Arte pArA melhorAr A quAlidAde de produtos e serviços, 219 Os mercados de arte, 327 A decoração: do processo à reabilitação, 219 A AtrAtividAde culturAl: um conceito pArA mAneJAr com cAutelA, 328 O design, 222 A perspectiva tradicional: atrair os deslocamentos, 328 Os produtos culturais, 225 uma perspectiva renovada: atrair uma classe de criadores?, 329 A superação da dicotomia entre belas-artes e artes decorativas: uma quAl o lugAr dos ArtistAs no desenvolvimento locAl?, 333 lição japonesa, 229 A motivação dos consumidores, 334 O ciclo de vida de um bem cultural, 335 A presentAção A imersão na cultura de massa, 336 AuTOnOmIA, SuSTEnTABILIDADE E fuTuRO DA ARTE coNcLUSão, 337 teixeira coelho ANeXoS Há uma década a palavra e a ideia de mercado vêm sendo demonizadas Bibliografia, 343 no Brasil quando relacionadas à arte e à cultura, e quase somente a essas duas. Alguns dados numéricos, 347 nada mais oportuno, portanto, do que um volume que discuta as relações créditos das imagens, 349 entre arte e mercado assinado por um pesquisador sem laços com o próprio Índice onomástico, 351 mercado ou com aquilo que hoje se lhe opõe, o Estado (nem sempre por seu Índice de assuntos, 357 próprio ânimo, quase sempre por intermédio dos partidos políticos que com ele querem confundir-se). Este é um livro ao mesmo tempo de história da arte e de história da economia da arte, tendo por traço distintivo e foco central uma preocupação com o presente, com este momento que vivemos. Assim é que ele se interroga sobre a redefinição possível da arte diante das novas condições de produção, sobre a oposição entre artista e artesão ou sobre o aparecimento da crítica de arte. mas o faz na medida em que as respostas possíveis contribuem para esclarecer o contexto econômico da criação artística e não apenas os aspectos filosóficos ou estéticos da arte. nessa perspectiva, interessa ao autor entender por que são os artistas remunerados em patamar inferior à média dos ganhos profissionais, em particular aqueles que se dedicam às artes visuais, apesar da existência das grandes estrelas de vendas milionárias. E, ainda, saber se isso será alterado. no roteiro traçado pelo livro, é fundamental entender o processo de conquista da autonomia da arte e dos artistas frente ao poder absolutista da Igreja e do Estado, dois grandes mantenedores da arte ocidental, e o que acontece com essa autonomia quando os clientes autoritários ou absolutistas de ontem são substituídos por essa entidade difusa quase sempre mal designada (e mal entendida) pela palavra público. Questões cruciais surgem ao longo desse caminho: aquilo que se chama mercado é realmente um mercado assim como essa palavra é entendida em economia? Os preços da arte são de fato preços? Para dizê-lo de outro modo, e de modo ainda mais relevante, os valores da arte são adequadamente bem expressos pelo dinheiro? Claro que uma pergunta como essa encontra também 11 um análogo quando os mantenedores da arte eram outros, a Igreja e o Estado, obras de arte em pintura têm seu preço calculado com base nos centímetros embora nesses momentos tal pergunta nunca aflorasse à superfície do debate quadrados que oferece. nada poderia ser mais neutro, a situação não poderia porque a resposta parecia óbvia: o valor de uma obra de arte pode ser aferido ser mais objetiva. Aparentemente. pelo modo como ela representa um interesse religioso ou político? A resposta Por certo, as coisas logo se complicaram. Digamos que um mesmo artista a essa pergunta enquanto a Igreja foi a comanditária máxima da arte no pintou duas telas de mesmo tamanho com o mesmo tema no mesmo ano e ocidente, ao longo de vários séculos, era então previsível: claro que sim, a arte mês. As duas são autênticas e igualmente bem apreciadas. uma foi a seguir que representa bem um ponto doutrinário religioso é uma boa arte, seu valor é vendida para compradores desconhecidos e a outra o foi para um grande e grande. Quando o Estado substituiu a Igreja nesse papel — e substituiu é bem conhecido colecionador. num determinado leilão — decisiva invenção do a palavra: não só as funções da Igreja passaram a ser do Estado como também mercado da arte —1 as duas são oferecidas: é sabido que aquela que pertenceu o poder de decidir o que é arte viu-se nas mãos do Estado de modo igualmente a um colecionador famoso obterá certamente um preço mais alto. Esse preço absoluto — a resposta continuou a ser a mesma: a arte que representa bem se compõe de fatores amplamente imensuráveis, estranhos às “regras do os pontos doutrinários do partido político à frente do Estado é uma boa arte, mercado” puro e de um modo que não se repete, por exemplo, no mercado de como o demonstraram os estados fascistas, nazistas e comunistas da primeira automóveis ou dos barris de petróleo. São aspectos como esse que levam Xavier metade do século XX e depois. Greffe a perguntar-se sobre a propriedade da expressão “mercado da arte”. Em A irrupção e a gradativa consolidação do mercado cada vez mais livre da outras palavras, está correto retirar uma palavra e/ou um conceito dali onde Igreja e do Estado, embora por este regulado nos tempos modernos, pareceu têm seu significado próprio e aplicá-los a um outro campo e, não apenas isso, a utopia possível para o artista, que se viu livre para pintar ou escrever o que aplicá-los a esse outro campo junto com toda a carga de análises políticas, bem quisesse sem pedir a autorização prévia de ninguém e sem se preocupar sociais e outras tantas cabíveis no campo original? Ou o uso metafórico, na com a aceitação posterior do que resultasse de sua ação. Pintar ou escrever o arte, da palavra e do conceito de mercado só pode levar a sérios equívocos que que bem entender e depois descobrir se alguém quer pagar por isso para poder não beneficiam nem a arte, nem a sociedade, nem o artista? continuar pintando ou escrevendo: essa revelou-se a nova prática da arte. O fato é que aquilo que parecia o melhor dos mundos possíveis não o foi. Por certo, nos tempos do mecenato dos papas e cardeais e dos soberanos, a O mercado não garante a sustentabilidade do artista, nem a da arte. Deveria moeda já era um instrumento de troca. O valor atribuído a uma obra por quem fazê-lo? Deve alguém ou alguma instituição pagar pela arte ou “arte” que passava a encomenda correspondente era aferido pela quantidade de moedas alguém decide fazer? um processo de valorização da arte pelo lado econômico dispensadas ao autor, e esse valor era por sua vez medido pelo conteúdo da foi empreendido, de modo quase natural: a arte foi utilizada para melhorar, obra. Com o mercado, em princípio o valor da obra e a realidade da obra ou embelezar mesmo, produtos industriais. foi o que aconteceu com o movimento proposta pela obra tornaram-se categorias independentes uma da outra. O Arts & Crafts, com a Bauhaus, com a Escola de ulm. mas, a valorização e a valor econômico de uma obra de arte tornava-se o modo objetivo de traduzir legitimação da arte e do artista pela vertente da economia e não do conteúdo valores subjetivos. Esse valor objetivo é, por assim dizer, neutro, e um sistema intrínseco à obra, sendo algum passo adiante, é um passo conveniente? no de cotações tornava ainda mais igualitário o modo de avaliar obras diversas lugar de vender-se aquilo que era justo e bom (a representação de uma pessoa de um mesmo artista ou de artistas diferentes. O valor de uma obra dependia dita sagrada, de uma paisagem bela), vende-se agora aquilo que é bonito agora não de seu conteúdo imaterial (virtual, se essa palavra então existisse e confortável, em detrimento do que for feio e incômodo. O conteúdo e o com esse sentido) mas de coisas bem duras em sua materialidade como a cor valor intrínsecos da obra de arte podem sair prejudicados dessa empreitada. usada numa tela (um certo azul é mais caro do que um verde e o preço final E empresas que entendem positiva a associação de suas marcas com a arte da obra depende de quanto azul pode ser pago pelo comprador) ou de algum acabam raciocinando em termos ainda arcaicos: não patrocinarão, por material especificamente requisitado (ouro para o fundo da pintura, por exemplo) e, mais prosaicamente, da quantidade de horas despendidas pelo 1 No sentido moderno de venda de uma obra pelo melhor preço, os leilões se firmaram no século XVIII, na França pós-revolucionária, e na Inglaterra com a abertura da Sotheby’s e da christie’s. cabe artista na execução da obra. Hoje as coisas estão mais simplificadas e muitas anotar que auction, leilão em inglês, tem uma etimologia possível no latim em augeo, que significa “eu subo”, “eu aumento” o preço... 12 Arte e mercAdo ApresentAção 13 exemplo, arte feia e incômoda — como a pintura de Lucian freud na qual se elaborado e publicado, originariamente em 2007, a prática do crowdfunding vê pessoas obesas ou feias e desnudas ou, simplesmente, pessoas como elas — financiamento pela multidão anônima — era simplesmente ignorada ou são e não como o metro harmônico grego dizia que deviam ser. nesse caso, o não passava de outra utopia. Hoje, cineastas conseguem levantar fundos para mercado não funciona como um mercado: funciona como um censor do gosto seus filmes através da convocação pela Internet: contribuam para a realização que considera justo e bom, assumindo uma perspectiva platônica sem o saber de meu filme, cujo roteiro podem ver no arquivo anexo ou que podem avaliar (“o que é bom é belo e verdadeiro; o que é verdadeiro é belo e bom; o que é belo por minha produção anterior ou por minhas intenções; prometo-lhes em troca é bom e verdadeiro”). tantos ingressos grátis ou, talvez, nada lhes prometo: colaborem se gostarem Hoje, surgem outros processos de legitimação e valorização da arte, da ideia e pela ideia em si mesma. A noção de mercado, baseado no conceito portanto do artista. O século XXI viu a ascensão do processo de vinculação de troca mediada pela moeda, explode em fragmentos corrosivos. Resta saber da arte (e da cultura) ao mérito social que possa ter. O fórum universal da se resolverá a velha equação que busca colocar num mesmo patamar o valor Cultura de Barcelona em 2004 fez dessa vinculação um caso exemplar que se da obra, a realidade da obra e a remuneração do artista. quis depois repetir: a arte e a cultura como fatores da paz entre as nações, os um livro como este é ainda raro e oferece elementos preciosos não povos, as etnias, os credos, as classes sociais. Em suma, a arte e a cultura como apenas para o entendimento da dinâmica da cultura no campo da arte como a grande panaceia universal. As iniciativas “do bem” se multiplicaram, com para a formulação de políticas para a arte (quase escrevo “políticas culturais toda as violações nesse processo implicadas (se a cultura é mais facilmente “do para a arte”, uma contradição nos termos sem que a maioria se dê conta do bem”, a grande arte quase nunca é ou pode ser “do bem”: não direi que ela é fato). Ao mesmo tempo, deixa implícitas perguntas espinhosas e largamente “do mal” porque isso seria adotar a mesma linguagem carcomida visível na perturbadoras (as únicas que merecem ser formuladas): nos tempos do expressão “do bem”; mas está claro que a grande arte é com frequência aquela crowdfunding e das mobilizações espontâneas e instantâneas que os próprios que incomoda, que faz pensar, que destrói não apenas a base da arte como interessados se fazem (os flash mobs), e que no entanto alguns governos já as bases da sociedade instituída; não sem razão o nazismo de Hitler chamou querem controlar e absurdamente estimular, ainda cabe formular políticas essa arte de “degenerada”). O artista passa a saber, então, que terá de torcer para a arte fora dos mercados, tanto quanto políticas para os mercados? suficientemente sua arte para que ela possa ser vista como “do bem” e como tal remunerada não só pelas empresas, com dinheiro público dos incentivos ou maio de 2013 com dinheiro próprio, como pelo Estado (com dinheiro de todos). E outros processos de legitimação e valorização da arte aparecem todos os dias. Se a grande tônica da economia, em processo de contenção do comércio e da indústria, é hoje dada pelo domínio dos serviços (restaurantes, hotéis, lazer diversificado), a arte é chamada para vender atrações locais. O artista passa a ser fator de desenvolvimento nacional, regional ou municipal. O artista morto e que virou glória local ou o artista vivo que produz para esse mercado. O que ganha exatamente o artista com todos esses novos mercados que se abrem? E como se garante a sustentabilidade da arte tal como o ocidente se acostumou a vê-la (pelo menos da boca para fora, isto é, cinicamente), ainda que de modo distorcido em virtude da passagem de tempo? Talvez um novo conceito de arte esteja surgindo — enquanto governos e empresas continuam presos a antigos entendimentos do mesmo fenômeno. novas equações estão surgindo, e novas alternativas ao mercado, assim como o mercado foi uma alternativa à Igreja e ao Estado. Quando este livro foi 14 Arte e mercAdo ApresentAção 15 Arte e mercAdo INtrodUção os meios artísticos não gostam nem um pouco da economia. A ideia de que lógicas econômicas possam lançar luz sobre a realização de atividades artísticas ou, pior, sobre as escolhas estéticas, lhes parece perigosa e enganosa. disciplina com conhecidas conotações imperialistas, a economia não pode deixar de impor à arte sua própria lógica. disciplina há tempos organizada em torno da análise dos mercados, ela pode relativizar ou até mesmo destruir as várias normatizações que se desenvolvem no campo das atividades artísticas. As atividades artísticas têm, entretanto, uma dimensão econômica. como toda atividade humana, a atividade artística precisa de recursos, e a maneira como estes são obtidos influencia tanto o modo de expressão dos artistas quanto suas carreiras. essa é uma constante na história da arte, mesmo que, em geral, ela se destaque apenas quando há crises cujas motivações de ordem estética colidem de frente com as restrições econômicas. mas também há períodos em que o lugar destinado às atividades artísticas se baseia em fundamentos econômicos sólidos que garantem sua sustentabilidade. essas constatações logo podem ser descartadas para dar lugar a uma observação mais geral: os regimes econômicos da arte refletem a maneira específica como ela é reconhecida na sociedade e, por sua vez, delimitam as oportunidades e as restrições aos artistas. esse lugar que a arte ocupa é, portanto, mutável. Larry Shiner1 demonstrou muito bem que a arte, enquanto instância livre de considerações religiosas ou políticas, é uma invenção “recente”. com efeito, em muitas sociedades, a arte não se manifestou como uma atividade específica, que encontra nela mesma sua razão de ser, mas, antes, como auxiliar de outras funções, beneficiando-se, então, de suas bases econômicas. os conhecimentos que atualmente estão disponíveis sobre a arte rupestre destacam o papel dos xamãs como vetores daquilo que hoje chamamos 1 L. Shiner, The Invention of Art (chicago: the University of chicago Press, 2001). 19
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