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Uns e outros PDF

150 Pages·2018·0.526 MB·Portuguese
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Para Anna Beatriz e Juliana © NAU Editora Rua Nova Jerusalém, 320 CEP. 21042-235 Rio de Janeiro RJ FONE [55 21] 3546 2838 [email protected] www.naueditora.com.br Coordenação Editorial: Simone Rodrigues Revisão: Miro Figueiredo e Ana Cristina Oliveira Projeto gráfico e editoração: Estúdio Arteônica Capa: Design de Dionísio Reis livremente inspirado em pintura Construção n o . 92 (em verde), de Aleksander Rodtchenko (1919). Conselho editorial: Alessandro Bandeira Duarte, Claudia Saldanha, Cristina Monteiro de Castro Pereira, Francisco Portugal, Maria Cristina Louro Berbara, Pedro Hussak e Vladimir Menezes Vieira. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A353u Alencar, José Almino de Uns e Outros [recurso eletrônico] / José Almino de Alencar. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Nau, 2014. recurso digital Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-85-8128-029-5 (recurso eletrônico) 1. História social. 2. Mudança social. 3. Livros eletrônicos. I. Título. 14-13902 CDD: 303.4 CDU: 316.733 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) sem permissão escrita da Editora. Rio de Janeiro, 2014 - 1ª edição SUMÁRIO Apresentação por Maria Alice Rezende de Carvalho Joaquim Nabuco Joaquim Nabuco: intelectual político, político intelectual Rui Barbosa Sobre Rui Barbosa e a política: 1870-1910 O Brasil é fatalmente uma democracia: Sílvio Romero D. João VI no Brasil de Oliveira Lima Deus está nos detalhes: a propósito do centenário de Américo Jacobina Lacombe Celso Furtado: um senhor brasileiro Duas brevíssimas considerações sobre Agostinho da Silva APRESENTAÇÃO UNS , a que alude o título deste livro, são Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. O primeiro, caracterizado como “melancólico, impaciente, eventualmente frustrado, quase sempre em uma atitude posada, misto de arrogância e de distância desencantada”, foi responsável pela formulação de uma das mais bem sucedidas narrativas brasileiras sobre o Brasil. O segundo, Rui Barbosa, apontado como “liberal renitente” e, por isso, quixotesco em ambiente ideológico de ralo liberalismo, foi político militante, interessado em firmar instituições em solo que diziam movediço. São, ambos, figuras mitológicas do pensamento e da ação – a Nabuco se deve a narrativa de um Brasil urdido pelo tempo, pela decantação da experiência, avesso a saltos, à mudança revolucionária; a Rui se deve a Constituição republicana de 1891, marco, fundação, arquitetura em que sobressai o liberalismo doutrinário. Experiência e doutrina, tradição e fundação são modos de nomear as tensões presentes na reflexão sobre o Brasil e na própria trajetória brasileira. Por isso, neste admirável livro de José Almino de Alencar, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa são homens de seu tempo e ainda do nosso. OUTROS são Sílvio Romero, Oliveira Lima, Américo Jacobina Lacombe, Celso Furtado e Agostinho da Silva, que, valorizados por José Almino em suas singularidades, são também medidos pelo encaixe de suas obras no quadro de referência proposto. Extraordinário, nesse sentido, o ensaio sobre Sílvio Romero, cujo título O Brasil é fatalmente uma democracia foi extraído da Introdução à segunda edição do livro Doutrina contra doutrina – o evolucionismo e o positivismo no Brasil , editado em 1895. José Almino aproxima Gilberto Freyre e Sílvio Romero – pondo em linha, na verdade, Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre e Sílvio Romero –, com base na percepção que tinham do lento e gradativo processo de democratização social do país. Declínio da aristocracia rural, transferência progressiva do poder aos setores médios urbanos e miscigenação permanente compõem o diagnóstico de Sílvio Romero quanto à inexorabilidade, entre nós, do estado social da igualdade. A este estágio não se chegaria imediatamente, no tempo ágil da política, mas, ao contrário, no vagaroso compasso das estruturas, no tempo sociológico brasileiro. Difícil não perceber nisso os ecos de Nabuco, com sua confiança nas transformações moleculares, seu liberalismo evolucionário, seu reformismo entendido como simples aperfeiçoamento. Porém, como adverte José Almino, Sílvio Romero era “uma personalidade pública tomada de paixão”, enquanto Nabuco transpirava complacência – o que talvez explique o fato de o primeiro não descartar a intervenção de um demiurgo que, falhando o andamento sociológico, pudesse conduzir a nação a seu destino. A dimensão macroestrutural se impõe, igualmente, na produção de Celso Furtado, o economista-sociólogo, que entendia a história, a trajetória brasileira, como ferramenta política para a ação governativa. Admirador de Karl Mannheim, que extraiu a ideia de planejamento do campo semântico autoritário, Celso Furtado, desde a década de 1950, tornou-se um “planejador democrático” do desenvolvimento, assumindo cargos e responsabilidades para esse fim. E é esse perfil, de um membro da intelligentsia empenhada na afirmação do país, que serve à caracterização dos demais autores que compõem este livro: Oliveira Lima, representante da diplomacia brasileira, Américo Lacombe, construtor institucional, Agostinho da Silva, o filólogo português que apontou o valor do épico, em sociedade tão fortemente irônica, e mesmo o autor, José Almino de Alencar, intelectual refinadíssimo, mas também testado nas batalhas campais pela cultura no Brasil. Livros ensinam aos leitores coisas que não necessariamente foram previstas pelo autor, tornando, portanto, irrelevante sua motivação última. O livro que você, leitor, tem em mãos ensina sobre o liberalismo brasileiro em suas muitas expressões, e sobre o papel dos intelectuais em sociedades que não se estruturaram de forma autônoma, cabendo à intelligentsia a invenção da nação. O exclusivo agrário, que inibiu o aparecimento do pequeno produtor independente, não permitiu que o liberalismo se tornasse um valor do homem comum. Por isso, no Brasil, a defesa da liberdade tem sido feita – quando o é – pelo manejo intelectual da doutrina, de que Rui Barbosa foi o principal arauto. Assim, se é verdade que hoje o Brasil vem cumprindo seu destino sociológico e trilhando, decididamente, o caminho da equalização social, é necessário que o tema da autonomia se inscreva com força nos corações dos brasileiros. Este formidável livro de José Almino de Alencar, que tenho a honra de apresentar, é um balanço do que temos sido e um repto à nossa imaginação pública. Maria Alice Rezende de Carvalho Cientista Social da PUC-Rio JOAQUIM N ABUCO: INTELECTUAL POLÍTICO, POLÍTICO INTELECTUAL Vida política e abolicionismo Nabuco é quase um clichê da nossa história ou da história dos intelectuais no Brasil: membro da elite que se interessa pela causa dos oprimidos, literato diletante que se ocupa de assuntos políticos, estudioso e polemista que se dedica a pensar sobre os destinos do p1aís. Melancólico, impaciente, eventualmente frustrado, quase sempre em uma atitude posada, misto de arrogância e de distância desencantada; e, forçando um pouco a mão, narcisista e autocomplacente. Manifestando-se frequentemente na vida pública, ora com destemido vigor – assim foi na campanha abolicionista – ora com um desencanto altivo – como no ambiente desfavorável dos primeiros tempos da República, vemo-lo hesitar, no curso da sua carreira, entre o ativismo político entusiasmado, a renúncia à vida pública, a aversão e a tentação do recolhimento estudioso do escritor. O itinerário político e intelectual de Nabuco é muitas vezes traçado de maneira sumária, entre dois polos: um início, obstinado, destemido, no qual a militância abolicionista é praticamente a única motivação de sua atividade política: “Sou homem de uma ideia só, mas não me envergonho dessa estreiteza mental porque essa ideia é o centro e a circunferência do progresso brasileiro” ¹ . Proclamada a república, marginalizado como monarquista, teriam agido “os atavismos de classe, e ele passou ao liberalismo atenuador de Um Estadista do Império , elaborado longe do povo, em diálogo tácito com as sombras de um passado que interferiu nas suas ideias.” ² Nesse período, os seus comentários amargos sobre as classes dirigentes brasileiras parecem ecoar o diagnóstico, desabusado, irônico, que Eça de Queirós formulara para o seu país: “Em Portugal, falta pessoal.” Faltam políticos, faltam estadistas, falta gente de qualidade: ainda hoje é o estereótipo repetido nos editoriais convencionais e nas conversas desencantadas sobre a política no Brasil. Ao ver de perto esse percurso, algo nos lembra da narrativa de um bildungsroman , de uma narrativa traçada em torno das experiências que uma personagem atravessa durante os anos de formação rumo à maturidade, em que o aprendizado na primeira informa e qualifica as mudanças de posição do fim da vida. E, ambas, naturalmente, não poderiam se desenvolver, sem encontrar inserção apropriada nos embates políticos de cada momento. É assim que o conjunto da obra de Nabuco aparece aos nossos olhos como uma autoavaliação biográfica, uma reflexão do autor sobre o seu próprio papel neste processo. Trata-se de um vasto panorama crítico sobre a evolução da sociedade brasileira e suas instituições. Ao estudá-la, vemos delineada a importância da sua geração, uma geração que se torna adulta na década de 70 do século XIX e que põe a sua marca na consolidação das fronteiras físicas do país, na construção das suas bases institucionais e na elaboração dos primeiros marcos analíticos sobre a nossa história. Durante o período da sua militância abolicionista, Nabuco foi não apenas o tribuno combativo, mas aparece também como “o primeiro a articular numa visão da sociedade a intuição segundo a qual o regime servil é a variante sociológica que a explica de maneira mais abrangente [...], aquela que ilumina mais poderosamente o nosso passado”: “Com referência à escravidão é que se definiu entre nós a economia, a organização social e a posição das classes e das ordens, a estrutura do estado e do poder político, o próprio sistema de ideias.” ³ A maior parte das terras era monopolizada pelos proprietários de escravos, em grandes glebas, destinadas, sobretudo, a uns poucos produtos de exportação. A exploração extensiva exauria o solo, a concentração de riqueza inibia a criação de indústria, do pequeno comércio e o aparecimento de camadas médias. O universo urbano era pouco diferenciado, constituído na sua maioria de centros administrativos. Atados a um produto único de exportação, sujeito a variações de preço, frequentemente endividados pela compra de escravos ou por seus hábitos de consumo luxuoso, os proprietários colocavam-se frequentemente na dependência do capital financeiro – dos bancos ou dos comerciantes exportadores, tornando precária até mesmo a condição de senhor de terra. O desenvolvimento incipiente, a estagnação parcial de regiões importantes como Pernambuco e cercanias contrastavam com o dinamismo de colonizações mais recentes – por exemplo, a Austrália e a Nova Zelândia, baseadas no trabalho livre. O sistema envolvia a sociedade inteira e constituía um fator inibidor à exploração de regiões e riquezas que permaneciam intocadas: Como se sabe o regime da terra sob a escravidão consiste na divisão de todo o solo explorado em certo número de grandes propriedades [...] feudos isolados de qualquer comunicação com o mundo exterior; mesmo os agentes do pequeno comércio, que neles penetram, são suspeitos do senhor [...]. A divisão de uma vasta província em verdadeiras colônias penais, refratárias ao progresso [...], entregue, às vezes, a administradores saídos da própria classe de escravos [...], não pode trazer benefício algum permanente à região parcelada, nem à população livre que nela mora, por favor, dos donos da terra, em estado de contínua dependência. Por isso também, os progressos do interior são nulos [...]. As cidades, a que a presença dos governos provinciais não dá uma animação artificial, são por assim dizer mortas ⁴ . [...] A fazenda ou engenho serve para cavar o dinheiro que se vai gastar na cidade [...] A terra não é fertilizada pelas economias do pobre, nem pela generosidade dos ricos; a pequena propriedade não existe senão por tolerância, não há as classes médias que fazem a força das nações [...] a nação é formada de proletários, por que os descendentes de senhores logo chegam a sê-lo ⁵ . [...] A fortuna passou das mãos dos que a fundaram às dos credores; poucos são os netos de agricultores que se conservam à frente das propriedades que seus pais herdaram ⁶ . [...] Compare-se [Pernambuco], essa província heroica de mais de trezentos anos com países, por assim dizer, de ontem como as colônias da Austrália e a Nova Zelândia ⁷ ; com os últimos estados que entraram para a União Americana. [...] A verdade é que as vastas regiões exploradas pela escravidão colonial têm um único aspecto de tristeza e abandono: não há nela o consórcio do homem com a terra, as feições da habitação permanente, os sinais do crescimento natural ⁸ . [...] A escravidão explorou parte do território estragando-o, e não foi além, não o abarcou todo, porque não tem iniciativa para migrar, e só avidez para estender-se. Por isso o Brasil, é ainda o maior pedaço de terra incógnita no mapa do globo ⁹ . A sociedade brasileira não era só baseada, “como era a civilização antiga, sobre a escravidão, e permeada em todas as classes por ela, mas constituída, na sua maior parte, de secreções daquele vasto aparelho” ¹⁰ . Nada, entre nós, escapava de ser incluído na “síntese nacional da escravidão” ¹¹ : Escravidão e indústria são termos que se excluíram para sempre. O espírito da primeira, espalhando-se por um país, mata cada uma das faculdades humanas, de que provém a indústria: a iniciativa, a invenção, a energia individual; e cada um dos elementos de que ela precisa: a associação de capitais, a abundância de trabalho, a educação técnica do trabalho, a confiança no futuro [...] O comércio é o manancial da escravidão e o seu banqueiro [...], ou antes, o mecanismo pelo qual a carne humana é convertida em ouro e circula, dentro e fora do país, sob a forma de letra de câmbio ¹² . No regime servil, o Estado, sendo a única associação ativa, aspira e absorve pelo imposto e pelo empréstimo todo o capital disponível e o distribui, entre os seus clientes, pelo emprego público, sugando a economia do pobre pelo curso forçado, e tornando precária a fortuna do rico; como consequência, o funcionalismo é a profissão nobre e a vocação de todos ¹³ . A classe de funcionários vira o abrigo dos descendentes das antigas famílias escravistas que tiveram suas fortunas diminuídas pelo processo de divisão hereditária, comprometidas por dívidas ou por estarem enfiadas em alguma região economicamente decadente. O funcionalismo era também “o viveiro político, porque abriga todos os pobres inteligentes [...], os que têm ambição e capacidade, mas não têm meio, e que são a grande maioria dos nossos homens de merecimento”: Faça-se uma lista de nossos estadistas pobres [...] que resolveram o seu problema individual pelo casamento rico, isto é, na maior parte dos casos, tornando-se humildes clientes da escravidão; e outra dos que o resolveram pela acumulação de cargos públicos, e terse-ão, nessas duas listas, os nomes de quase todos eles ¹⁴ . A escravidão “apropriara aos seus interesses ‘forças sociais’, como a Igreja e até mesmo o patriotismo”: Nem os bispos, nem os vigários, nem os confessores, estranham o mercado de entes humanos. [...] Dois dos nossos prelados foram sentenciados a prisão com trabalho, pela guerra que moveram à Maçonaria; nenhum deles, porém, aceitou ainda a responsabilidade de descontentar a escravidão. [...] O trabalho todo dos escravagistas consistiu sempre em identificar o Brasil com a escravidão. [...] Atacar a monarquia, sendo o país monárquico, a religião, sendo o país católico é lícito a todos; atacar, porém, a escravidão, é traição nacional e felonia ¹⁵ . Na ausência de forças sociais expressivas a “política é a triste e degradante luta por ordenados que presenciamos; nenhum homem vale nada, porque nenhum é sustentado pelo país ¹⁶ ”. Autônomos, só haviam o poder do estado e do seu soberano:

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