UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ MÁRCIO SOARES BERCLAZ A NATUREZA POLÍTICO-JURÍDICA DOS CONSELHOS SOCIAIS NO BRASIL: UMA LEITURA A PARTIR DA POLÍTICA DA LIBERTAÇÃO E DO PLURALISMO JURÍDICO CURITIBA 2013 MÁRCIO SOARES BERCLAZ A NATUREZA POLÍTICO-JURÍDICA DOS CONSELHOS SOCIAIS NO BRASIL: UMA LEITURA A PARTIR DA POLÍTICA DA LIBERTAÇÃO E DO PLURALISMO JURÍDICO Dissertação apresentada ao curso de Pós- Graduação em Direito, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, Área de Concentração: Direito do Estado, Linha de Pesquisa: Direito, Poder e Controle, Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Abili Lázaro Castro de Lima CURITIBA 2013 TERMO DE APROVAÇÃO MÁRCIO SOARES BERCLAZ A NATUREZA POLÍTICO-JURÍDICA DOS CONSELHOS SOCIAIS NO BRASIL: UMA LEITURA A PARTIR DA POLÍTICA DA LIBERTAÇÃO E DO PLURALISMO JURÍDICO Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora: Orientador: Prof. Dr. Abili Lázaro Castro de Lima Universidade Federal do Paraná - UFPR Prof. Dr. Celso Luiz Ludwig Universidade Federal do Paraná - UFPR Prof. Dr. Antonio Carlos Wolkmer Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC Curitiba, 08 de março de 2013 Dedico este trabalho a todas as pessoas que, no seu agir cotidiano ou profissional, conheceram, apostaram, interessaram-se, divulgaram e acreditaram no papel a ser desempenhados pelos conselhos sociais no âmbito da realidade democrática brasileira. Dedico este trabalho a todos os profissionais da educação, em especial àqueles que ainda fazem da universidade pública brasileira um local de excelência acadêmica, como ocorre com a centenária instituição da Universidade Federal do Paraná – UFPR, em especial no prestigiado Programa de Pós-Graduação em Direito. Dedico este trabalho a um dos mais dedicados, combativos e vocacionados Promotores de Justiça que conheci e tive o prazer de conviver, saudoso colega e amigo Denis Pestana (1959-2012), com quem descobri as cores dos conselhos sociais brasileiros. Por fim, em caráter especial, dedico este trabalho à memória do saudoso Professor Luis Alberto Warat (1941-2010), falecido prematuramente na véspera de meu ingresso neste Mestrado, fonte permanente de inspiração, que, com sua humildade e vivacidade, sempre soube reconhecer o valor da arte, dos cronópios, dos Teodoros, enfim, do saber jurídico plural, sensível, aberto, carnavalizado e transformador, para além das barreiras epistemológicas do senso comum teórico "pinguinizado" que aprisiona. AGRADECIMENTOS À minha família, pai Adalberto (amigo de fé, irmão camarada, aquele que sempre há de estar ao meu lado em qualquer caminhada), mãe Vera Lúcia (Professora de Música da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, com quem aprendi as notas, toques e ritmos não só de amor pelo trabalho e à vida, mas da percepção de que Universidade é lugar de muito trabalho), irmã Ana Paula (que deu o exemplo em percorrer a trajetória acadêmica: Especialização em Artes Plásticas, Mestrado em Comunicação e Doutorado em História) e à minha amada Michele (pela paciência, incentivo, companheirismo e tolerância que a dedicação intelectual exige e sempre suprime dos prazerosos, inteligentes e felizes momentos de convívio). À Enrique Dussel, Antonio Carlos Wolkmer, Antonio Gramsci, Boaventura de Sousa Santos e todos os demais que, com seus estudos, corajosamente abriram caminho que serviu de base e subsídio para a reflexão. Ao Professor-orientador Abili Lázaro Castro de Lima, que desde o primeiro contato mostrou-se receptivo e atencioso ao presente projeto de pesquisa, que apontou caminhos relevantes de Gramsci, do Pluralismo e da Sociologia do Direito, que sempre mostrou disponibilidade de orientação e que teve papel decisivo na descoberta do recorte metodológico preciso e necessário para que o tema pudesse ser abordado e enfrentado com a sistematicidade e cientificidade necessária. Ao Professor Celso Luiz Ludwig, não só pela excelência de suas aulas, que apresentaram o pensamento complexo de Enrique Dussel de modo instigante e didático, mas pela dimensão pessoal capaz de conciliar extremo saber com postura de humildade, atitude pedagógica que somente cerca os verdadeiramente grandes, aqueles Professores que marcam para sempre a nossa trajetória acadêmica, em nome de quem agradeço antecipadamente a todos os colegas do Núcleo de Estudos da Filosofia da Libertação (NEFIL) pelos aportes e contribuições críticas que espero sejam lançadas de modo a permitir o aprimoramento do presente trabalho. Ao Professor José Antonio Peres Gediel, que sempre foi entusiasta engajado e sensível a importância do estudo desta temática, incentivando este pesquisador em diversas e numerosas oportunidades quando dos encontros pelos corredores da Universidade Federal do Paraná; Aos Professores Ricardo Marcelo Fonseca e Vera Karam de Chueiri que trouxeram ensinamentos fundamentais sobre Teoria do Estado e Teoria Geral do Direito Constitucional, lições de proveito decisivo para elaboração do presente trabalho; À centenária Universidade Federal do Paraná (UFPR), instituição de excelência que, por intermédio do qualificado Programa de Pós-Graduação em Direito tive a honra de integrar o quadro discente no período de comemoração do seu centenário de relevantes serviços educacionais prestados à sociedade paranaense e brasileira; A todos os colegas e amigos do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na certeza de que, mais do que um conceito valorizado, um bom curso depende muito das qualidades pessoais e intelectuais do corpo discente; Ao Professores e amigos Alexandre Morais da Rosa e Aury Lopes Junior, pelo constante incentivo para ingresso no universo acadêmico do conhecimento e da pesquisa, sempre no caminho da crítica transformadora; Aos amigos Dalton Sausen e Eduardo de Moura Menuzzi, Professores que tive a sorte de ter desde o tempo de estágio e que se mostram leais amigos para o resto da vida. Aos Professores Leopoldo Fydika (Argentina), David Sanchez Rubio (Espanha), Marcus Fabiano Gonçalves, Edmundo Lima de Arruda Junior, Ana Christina Brito Lopes, Sérgio Aquino, Fábio Medina Osório, Wanderlino Nogueira Neto, Maria Helena Zamora, Fernanda Bragato e Leonardo Wandelli, os quais também estiveram dispostos e mostraram-se interessados no resultado da presente pesquisa; Aos colegas do Ministério Público do Paraná e amigos que acompanharam de perto esta trajetória, em especial Alexey Choi Carunho, Leandro Garcia Algarte Assunção, Luciano Machado, José Roberto Moreira, Jacson Zílio e Rodrigo Leite Ferreira Cabral, a maior parte dos quais acessou e leu o presente trabalho ao longo de sua elaboração, apresentando aportes críticos relevantes e indispensáveis para o seu aprimoramento; Aos colegas de Ministério Público do Paraná preocupados com os caminhos dos conselhos sociais no Brasil, particularmente na área da saúde e infância e juventude, ou mesmo nas relações com a sociologia, ciência política e direitos humanos, notadamente Marco Antonio Teixeira (saúde), Ângelo Mazzuchi Ferreira (saúde), Maria Tereza Uille Gomes (sociologia/ciência política/direitos humanos), Marcelo Maggio (saúde), Murillo Digiácomo (infância e juventude), Millen Castro (infância e juventude), Oto de Quadros (infância e juventude), Olympio de Sá Sotto Maior Neto (infância e juventude), Alexandre Gaio (meio ambiente), Robertson Fonseca de Azevedo (meio ambiente) e Alexandre Saltz (meio ambiente); Aos colegas do Ministério Público brasileiro, que se interessaram e colaboraram de algum modo para esta investigação, em especial Carlos Vinícius Alves Ribeiro (MP-GO), Antonio Suxberger (MPDFT), Affonso Ghizzo Neto (MP-SC), Marcelo Pedroso Goulart (MP-SP), Gustavo Leite (MP-MG) e Oto de Quadros (MPDFT); A todos os amigos e professores que sempre me incentivaram a seguir na trajetória acadêmica, em especial aos colegas e companheiros do Grupo Nacional de Membros do Ministério Público (GNMP), espaço virtual associativo existente desde 2006 que congrega mais de mil membros do Ministério Público brasileiro de todos os ramos, local de permanentes debates e interlocuções, muitas das quais envolvendo a prática da democracia deliberativa e o papel do Ministério Público no funcionamento dos conselhos sociais brasileiros; Ao Ministério Público do Estado do Paraná, em especial aos membros do Conselho Superior do Ministério Público que, ao autorizarem pedido de afastamento parcial, apenas para que eu pudesse me deslocar semanalmente de Palmas-PR para Curitiba-PR para cursar as disciplinas deste Programa de Mestrado, permitiram-me conciliar a realização desta pesquisa com a responsabilidade pela titularidade e integralidade do trabalho desenvolvido à época junto à Segunda Promotoria de Justiça de Palmas/PR. Escrever é estar no extremo de si mesmo, e quem está assim se exercendo nessa nudez, a mais nua que há, tem pudor que outros vejam o que deve haver de esgar, de tiques, de gestos falhos, de pouco espetacular na torta visão de uma alma no pleno estertor de criar. (MELO NETO, 2009, p.139) [...] não se deve conceber a discussão científica como um processo judiciário, no qual há um réu e um promotor, que deve demonstrar, por obrigação de ofício, que o réu é culpado e digno de ser tirado de circulação. Na discussão científica, já que se supõe que o interesse seja a pesquisa da verdade e o progresso da ciência, demonstra ser mais 'avançado' quem se coloca do ponto de vista de que o adversário pode expressar uma exigência que deva ser incorporada, ainda que como momento subordinado, na sua própria construção. Compreender e valorizar com realismo a posição e as razões do adversário (e o adversário é, em alguns casos, todo o pensamento passado) significa justamente estar liberto da prisão das ideologias (no sentido pejorativo, de cego fanatismo ideológico), isto é, significa colocar-se em um ponto de vista 'crítico', o único fecundo na pesquisa científica. (GRAMSCI, 2001, p.333) O que gostaria de dizer-lhes [...] são coisas possivelmente inexatas, falsas, errôneas, que apresentarei a título de hipótese de trabalho; hipótese de trabalho para um trabalho futuro. Pediria, para tanto, sua indulgência e, mais do que isso, sua maldade. Isto é, gostaria muito que, ao fim [...], me fizessem perguntas, críticas e objeções, para que, na medida do possível e na medida em que meu espírito não é ainda rígido demais, possa pouco a pouco adaptar-me a elas; e que possamos assim, ao final [...] ter feito em conjunto, um trabalho ou eventualmente algum progresso. (FOUCAULT, 1996, p.7) RESUMO Esta dissertação examina a natureza política e jurídica dos conselhos sociais no Brasil. Depois de apresentar conceitos básicos de Direito Público, tais como poder, democracia e controle, parte-se da visão ampliada de Estado concebida por Gramsci para justificar a necessidade de superação da clássica dicotomia entre Estado e Sociedade Civil em direção a um novo relacionamento entre esses elementos, sustentando que os conselhos sociais constituem espaços de poder cidadão e arranjos institucionais de democracia participativa e deliberativa compostos paritariamente por governo e sociedade, capazes de estabelecer controle e monitoramento sobre políticas públicas a partir do paradigma filosófico da razão comunicativa, sempre com atenção para as demandas e necessidades dos cidadãos beneficiários, os quais constituem vítimas da inadequada ou insatisfatória atuação governamental, especialmente no contexto latino-americano. Este trabalho também apresenta elementos concretos categoriais que esboçam uma teoria geral dos conselhos sociais, discutindo sua terminologia, conceito, funções, tipos e critérios de composição. Para analisar a identidade político-jurídica dos conselhos sociais, este escrito usa os marcos teóricos da Política da Libertação e do Pluralismo Jurídico elaborados, respectivamente, por Enrique Dussel e Antonio Carlos Wolkmer. No tocante à Política da Libertação, defende-se a localização dos conselhos sociais dentro de uma visão ampliada do Estado gramsciana, salientando a capacidade de esses espaços representarem instâncias de um poder libertador que, a partir da realização de uma reserva regenerativa transformadora da ordem política vigente (hiperpotentia) pelo povo e pelos movimentos sociais mostra-se capaz não só de revigorar a democracia, como também construir uma nova hegemonia, cumprindo ainda com importante papel no controle e combate da corrupção política. Sob a perspectiva do Pluralismo Jurídico, sustenta-se que os conselhos sociais constituem fontes produtoras de juridicidade derivada da ação de novos sujeitos coletivos, capazes de sinalizar as necessidades humanas fundamentais para o reordenamento do espaço político, a partir de perspectiva descentralizada pautada na alteridade. Ao lado disso, argumenta-se que os conselhos são fontes de juridicidade e poder aptas a produzir novos direitos e limitar a discricionariedade do Poder Executivo. Neste aspecto, é imprescindível a atuação do Ministério Público como instituição do sistema de justiça constitucionalmente encarregada de garantir a existência, o adequado funcionamento e, em determinados casos, a efetividade das decisões tomadas pelos conselhos, seja atuando extrajudicialmente, seja buscando a tutela devida junto ao Poder Judiciário para proteger o interesse público. Palavras-chave: Conselhos sociais. Conselhos. Estado. Sociedade civil. Poder. Democracia. Controle. Políticas Públicas. Política da Libertação. Pluralismo Jurídico.
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