Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais Departamento de Antropologia Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Criança que faz criança: (des)construindo infância e sexualidade com meninos e meninas de rua. Priscila Pinto Calaf Brasília, Agosto de 2007. Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais Departamento de Antropologia Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Criança que faz criança: (des)construindo infância e sexualidade com meninos e meninas de rua. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Antropologia Social. Priscila Pinto Calaf Orientadora: Professora Doutora Lia Zanotta Machado. Brasília, Agosto de 2007. Priscila Pinto Calaf Criança que faz criança: (des)construindo infância e sexualidade com meninos e meninas de rua. Banca Examinadora: Professora Doutora Lia Zanotta Machado (Presidente) – DAN/UnB. Professora Doutora Adriana de Resende B. Vianna – Museu Nacional/ UFRJ. Professora Doutora Cristina Patriota de Moura – DAN/UnB. Dissertação aprovada em 28 de agosto de 2007. . A Luis Evangelista de Souza, o Barriga(1993-2005), minhas lágrimas escritas no papel. Honrado enquanto viveu, honrado na hora de morrer. Tua luta, muleque, fica pra sempre. Agradecimentos Galera, sempre do Gramado, isso é de vocês. O sol da bravura, a querida presença, mãos fortes, cabeças mais. Outros mundos possíveis, sempre. Que me leiam no papel, que por outros meios já nos lemos há muito. Vida boa, mundo cão. Ao CNPq, pelo sustento durante tortuosos dois anos. Penso nos agradecimentos desde que me entendo por gente. Uma lápide bonita e um cadáver bem conservado. Ainda não é a versão final, mas vou ensaiando. Respeito, diversidade, estruturalismo, pós-modernidade. Prosa e verso, mito e rito. Minha família nuclear e extensa. O elogio da loucura. Quinteto fantástico, grupo de siblings. Nunca é demais, nunca é possível não esbarrar na pieguice. Irmãs, mãe, pai, mãe do pai, irmãs e irmãos da mãe, irmãos do pai, filhas e filhos dos irmãos do pai, filhas e filhos das irmãs da mãe, filhas e filhos dos irmãos da mãe, filhos e filhas das irmãs, filhos da filha da irmã da mãe. Antropologuês procês, que os conceitos cês já conhecem de longe. Do antigo que compõe. Sincronia, sempre. Yukie e Lívia, os primeiros nomes que apareceram pra ficar. Entre o velho e o novo Mundo, espalho-me: Eslováquia, Colômbia, México. E a Florbela, Espanca? Vinhos e prosas entre autores e prazos. Aos Katadores de idéias e perfumes. Saudade eterna de um passado mítico: Vinícius, Alba, Barriga. Às mestras, com carinho: Lia Zanotta Machado, orientadora (e ídola) acadêmica e política; e Anna Lúcia Santos da Cunha, companheira e guia nesses quase cinco anos de novas luzes e sombras sobre nossas antropologias. Sexualidade que aprendi a enxergar antropologicamente no Ritz, e que hoje se faz canção. Idéias brilhantes que não se encontram em qualquer lugar. O olho que tudo vê, e para o qual escrevo. Carmela Zigoni. Adriana Vianna e Cristina Patriota, por aceitarem participar da banca de avaliação e martírio, leitura atenta e excelentes sugestões. A vós, ofereci minha pele e a pena, e obtive, por contra-dádiva, misericórdia. Rosa Cordeiro e Adriana Sacramento, o sarcasmo que desfaz as lágrimas. Essa dissertação, como todas as outras neste departamento velho de guerra, é obra de vocês, poetisas da burocracia criativa. Muito Obrigada. Resumo Palavras-chave: Meninos e Meninas de Rua; Infância; Sexualidade. Pensar sobre infância e sexualidade é o mote propulsor desta dissertação. A partir de etnografia realizada com um grupo de meninos e meninas de rua de Brasília, a Galera do Gramado, questões acerca de valores (produtores e produzidos pelas ruas) como liberdade, esperteza e valentia. Neste sentido, o foco das considerações, minhas e da Galera, girou em torno de representações próprias e alheias acerca de infância e sexualidade como operadoras do acesso a tais valores. Reflexões acerca das representações das ciências sociais sobre crianças e adolescentes em situação de rua e das possibilidades de construção de uma antropologia da (s) infância (s) combinaram-se a considerações sobre diversos conceitos e categorias etárias. Deste modo, busco entender como, para o grupo com quem estudei, a disposição ativa perene para o sexo é fator fundamental na construção das identidades masculinas e femininas, constituindo- se o status de saber mais sobre o sexo condição e prova de ser não mais (apenas) criança, mas muleque. No bojo da sexualidade como meio de acesso ao status de quem sabe mais, de circulação por um mundo adulto, são apresentadas questões outras, engendradas pelo exercício de uma sexualidade ativa e valorizada positivamente. Entre virar pai ou mãe de família e exercer diversos métodos contraceptivos se dá o diálogo da Galera do Gramado com as políticas públicas de saúde voltadas para esta população. . Abstract Key Words: Street Kids; Childhood; Sexuality. The current dissertation aims to discuss childhood and sexuality. Values like freedom, keenness and bravery arouse during my fieldwork with a group of street kids in Brasília. Our considerations (mine and the street kids’) focused representations about childhood and sexuality as those who could operate such values. Reflections over representations, on the Social Sciences scenario, about street kids and the possibilities of constructing an Anthropology of Childhood (s) took part, as well as considerations on various different age categories and concepts. In this sense, I try to understand how, for the group I studied with, the perennial sexual disposition is a fundamental factor in the construction of both male and female identities in a way that the knowing- about- sex status constitutes proof and condition of being no more a child, but a muleque. On the realm of sexuality as a means of acquiring a state of deeper knowledge and circulation through the adult world, other questions are presented, aroused by the exercise of a positively valued active sexuality. Becoming a mother or a father and having access to various contraceptive methods are the most important ways of contact (and dialogue) between the group of street kids I studied with and Public Health Politics. Sumário Introdução......................................................................................................................11 Capítulo 1: Antropologia (s) da(s) infância(s): olhares nativos, olhares peritos.....18 A produção das ciências sociais sobre crianças e adolescentes: um pequeno resgate............................................................................................................21 Por uma antropologia (e sociologia) da infância: movimentos na academia a partir da década de 70....................................................................................25 Contribuições da etnologia indígena brasileira para uma antropologia da infância..........................................................................................................31 Cultura como texto, criança como pessoa em construção.............................33 De muleques e bacuris: as reflexões analíticas, os conceitos e as categorias.......................................................................................................41 Capítulo 2: Os muleques da Galera: meninos e meninas em situação de rua.........48 O Gramado passado e presente......................................................................62 As relações de pertença: as ruas, o Gramado, as casas..................................64 Os espaços da rua e a noção de liberdade......................................................69 “Bodinho tem mais é que se lascar”..............................................................72 A morte de Barriga e a saída da rodoviária...................................................73 Capítulo 3 : “Todo mundo aqui trepa”: Sexualidade na Galera................................85 Que Galera é essa?.........................................................................................91 E que perguntas são essas? A influência da Gravad......................................95 Sexualidade como modo de acesso ao status de Gente Grande...................101 As práticas sexuais.......................................................................................108 Sexo oral, o thinner e a flauta......................................................................111 “Por trás, só às vezes”: o sexo anal..............................................................115 Parceiros e relações afetivo-sexuais............................................................116 Capítulo 4: E se pegar neném? Con(tra)cepção entre os muleques da Galera......121 Pra não prender neném................................................................................121 A saúde fora do lar.......................................................................................127 “Quando nós pega barriga” .......................................................................137 Pai de família/Mãe de família: a responsabilidade e o respeito...................139 Nenéns da Galera.........................................................................................142 “Lugar de mãe é em casa” – o caso de Daiane...........................................143 “Por causa de menino”: Núbia...................................................................147 Considerações Finais...................................................................................................151 Referências Bibliográficas..........................................................................................155 ele é o mais esperto, “(...)Negro drama, ginga e fala gíria, eu sei quem trama, gíria não, dialeto, e quem tá comigo, (...) o trauma que eu carrego, pra não ser mais um preto fudido. renascendo das cinzas (...) firme e forte, guerreiro de fé vagabundo nato!” Eu sou irmão, dos meus truta de batalha, (NEGRO DRAMA, RACIONAIS MC’S). eu era a carne, agora sou a propria navalha, (...) Tim..tim.. um brinde pra mim, sou exemplo, de vitórias, trajetos e glorias. (...) Entre o gatilho e a tempestade, sempre a provar, que sou homem e não covarde. (...) é um elogio, pra quem vive na guerra, a paz nunca existiu, num clima quente, a minha gente sua frio, e um pretinho, seu caderno era um fuzil. (...) Daria um filme, Uma negra, E uma criança nos braços Solitária na floresta de concreto e aço. (…) Família brasileira, Dois contra o mundo, Mãe solteira De um promissor vagabundo. (...) Seu jogo é sujo E eu não me encaixo Eu sou problema de montão De carnaval a carnaval, Eu vim da selva, Sou leão, Sou demais pro seu quintal. problema com escola, eu tenho mil, mil fita, inacreditável, mas seu filho me imita, no meio de vocês,
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