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Tudo que é sólido desmancha no ar PDF

345 Pages·2012·1.61 MB·Portuguese
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À memória de Marc Joseph Berman 1975-1980 SUMÁRIO Agradecimentos O caminho largo e aberto Prefácio Introdução: Modernidade — ontem, hoje e amanhã i. o fausto de goethe: a tragédia do desenvolvimento Primeira metamorfose: o sonhador Segunda metamorfose: o amador Terceira metamorfose: o fomentador Epílogo: Uma era fáustica e pseudofáustica ii. tudo que é sólido desmancha no ar: marx, modernismo e modernização 1. A visão diluidora e sua dialética 2. Autodestruição inovadora 3. Nudez: o homem desacomodado 4. A metamorfose dos valores 5. A perda do halo Conclusão: A cultura e as contradições do capitalismo iii. baudelaire: o modernismo nas ruas 1. Modernismo pastoral e antipastoral 2. O heroísmo da vida moderna 3. A família de olhos 4.O lodaçal de macadame 5. O século xx: o halo e a rodovia iv. petersburgo: o modernismo do subdesenvolvimento 1. A cidade real e irreal “A geometria surgiu”: a cidade nos pântanos “O Cavaleiro de Bronze” de Puchkin: o funcionário e o czar Petersburgo sob Nicolau i: palácio 3 projeto Gogol: a rua real e surreal Palavras e sapatos: o jovem Dostoievski 2. A década de 1860 — o novo homem na rua Chernyshevski: a rua como fronteira O homem do subterrâneo na rua Petersburgo 3 Paris: duas tendências do modernismo nas ruas O projeto político 3.Epílogo: O Palácio de Cristal, fato e símbolo O século xx: ascensão e queda da cidade 1905: mais luz, mais sombras Petersburgo de Bieli: passaporte para a sombra Mandelstam: a palavra abençoada sem sentido Conclusão: o projeto de Petersburgo v. na floresta dos símbolos: algumas notas sobre o modernismo em nova york Robert Moses: o mundo da via expressa A década de 1960: um grito na rua A década de 1970: trazer tudo de volta ao lar Notas Sobre o autor AGRADECIMENTOS Este livro está longe de ser um livro confessional. Apesar disso, como o levei dentro de mim por muitos anos, creio que é, de algum modo, a história da minha vida. Impossível agradecer aqui a todos aqueles que conviveram comigo, através do livro, e colaboraram para que ele fosse o que é: os nomes seriam demasiados, os predicados muito complexos, as emoções muito intensas; a tarefa de preparar a lista jamais começaria ou, antes, jamais chegaria ao fim. O que segue é apenas um ponto de partida. Pela energia, as ideias, o apoio e o amor, meu profundo agradecimento a Betty e Diane Berman, Morris e Lore Dickstein, Sam Girgus, Denise Green, Irving Howe, Leonard Kriegel, Meredith e Corey Tax, Gaye Tuchman, Michael Walzer; a Georges Borchardt e Michel Radomisli; a Erwin Glikes, Barbara Grossman e Susan Dwyer na Simon and Schuster; a Allen Ballard, George Fischer e Richard Wortman, de quem recebi especial ajuda em relação a São Petersburgo; aos meus alunos e colegas do City College e da City University de Nova York, de Stanford e da Universidade do Novo México; aos participantes do Seminário sobre Pensamento Político e Social, na Universidade Colúmbia, e do Seminário sobre Cultura Urbana, na Universidade de Nova York; ao National Endowment for the Humanities; ao Purple Circle Day Care Center; a Lionel Trilling e Henry Pachter, que me encorajaram a iniciar este livro e a persistir no projeto, mas que não viveram para vê-lo impresso; e a muitos outros, não mencionados aqui, porém não esquecidos, que muito me ajudaram. O CAMINHO LARGO E ABERTO* EM TUDO QUE É SÓLIDO DESMANCHA NO AR, defino modernismo como qualquer tentativa feita por mulheres e homens modernos no sentido de se tornarem não apenas objetos mas também sujeitos da modernização, de apreenderem o mundo moderno e de se sentirem em casa nele. Trata-se de uma concepção de modernismo mais ampla e mais inclusiva do que as que costumamos encontrar em obras acadêmicas. Ela implica uma visão aberta e abrangente da cultura; é muito diferente da abordagem museológica que subdivide a atividade humana em fragmentos e os enquadra em casos separados, rotulados em termos de tempo, lugar, idioma, gênero e disciplina acadêmica. O caminho largo e aberto é apenas um entre muitos outros possíveis, mas tem suas vantagens. Ele nos permite ver uma grande variedade de atividades artísticas, intelectuais, religiosas e políticas como partes de um mesmo processo dialético, e desenvolver uma interação criativa entre elas. Ele cria condições para o estabelecimento de um diálogo entre o passado, o presente e o futuro. Ele transpõe as fronteiras do espaço físico e social, revelando solidariedades entre grandes artistas e pessoas comuns, e também entre pessoas que vivem nas regiões a que damos os nomes pouco adequados de Velho Mundo, Novo Mundo e Terceiro Mundo. Ele estabelece uma união que transcende as barreiras de etnia e nacionalidade, sexo, classe e raça. Ele nos proporciona uma visão mais ampla de nossa própria experiência, mostrando-nos que em nossa vida há mais do que imaginamos, e dá ao tempo em que vivemos mais intensidade e profundidade. Sem dúvida, esta não é a única maneira de interpretar a cultura moderna ou a cultura em geral. Mas ela faz sentido se queremos que a cultura seja um estímulo à vida atual, e não um culto aos mortos. Se encaramos o modernismo como um empreendimento cujo objetivo é fazer que nos sintamos em casa num mundo constantemente em mudança, nos damos conta de que nenhuma modalidade de modernismo jamais poderá ser definitiva. Nossas construções e realizações mais criativas estão fadadas a se transformar em prisões e sepulcros caiados; para que a vida possa continuar, nós ou nossos filhos teremos de escapar delas ou então transformá-las. É o que sugere o homem do subterrâneo de Dostoievski em seu infindável diálogo interior: Julgam, porventura, meus senhores, que estou dizendo desatinos? Deem-me licença para que me justifique. Concordo que o homem é um animal, geralmente criador, que tem a obrigação de perseguir um objetivo com plena consciência e fazer trabalho de engenheiro, quer dizer, abrir caminho eternamente e sem cessar, seja em que direção for. [...] Que o homem tem tendência para construir e traçar caminhos é indiscutível. Mas [...] não será possível [...] que sinta um terror instintivo de chegar ao fim da obra e acabar o edifício? Não poderá suceder que goste só de ver o edifício de longe, e não de perto; que apenas lhe agrade construí-lo, mas não habitá- lo? Tive a oportunidade de vivenciar e mesmo participar de um choque muito intenso entre modernismos quando estive no Brasil em agosto de 1987 para participar de um debate sobre o presente livro. Minha primeira escala foi Brasília, a capital criada por decreto, ex nihilo, pelo presidente Juscelino Kubitschek, no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, exatamente no centro geográfico do país. A cidade foi planejada e projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, discípulos esquerdistas de Le Corbusier. Vista do ar, Brasília parecia dinâmica e fascinante: de fato, a cidade foi feita de modo a assemelhar-se a um avião a jato tal como aquele do qual eu (e quase todas as outras pessoas que lá vão) a vemos pela primeira vez. Vista do nível do chão, porém, do lugar onde as pessoas moram e trabalham, é uma das cidades mais inóspitas do mundo. Não caberia aqui uma descrição detalhada do projeto da cidade, mas a sensação geral que se tem — confirmada por todos os brasileiros que conheci — é a de enormes espaços vazios em que o indivíduo se sente perdido, tão sozinho quando um homem na Lua. Há uma ausência deliberada de espaços públicos em que as pessoas possam se reunir e conversar, ou simplesmente olhar uma para a outra e passar o tempo. A grande tradição do urbanismo latino, em que a vida urbana se organiza em torno de uma grande praça, é rejeitada de modo explícito. O projeto de Brasília talvez fizesse sentido para a capital de uma ditadura militar, comandada por generais que quisessem manter a população a certa distância, isolada e controlada. Como capital de uma democracia, porém, é um escândalo. Para que o Brasil possa continuar democrático, declarei em debates públicos e aos meios de comunicação, ele precisa de espaços públicos democráticos aonde pessoas vindas dos quatro cantos do país possam convergir e reunir-se livremente, conversar umas com as outras e dirigir-se a seus governantes — porque numa democracia, afinal de contas, o governo pertence às pessoas — para discutir suas necessidades e desejos, e para manifestar sua vontade. Depois de algum tempo, Niemeyer respondeu. Após uma série de comentários pouco lisonjeiros a meu respeito, ele disse algo mais interessante: Brasília simbolizava as aspirações e esperanças do povo brasileiro, e qualquer ataque ao projeto da cidade era um ataque ao próprio povo. Um de seus seguidores acrescentou que era sinal de meu vazio interior eu pretender ser modernista e ao mesmo tempo atacar uma obra que figura entre as maiores encarnações do modernismo. Tudo isso me fez pensar. Num ponto Niemeyer estava certo: quando foi concebida e planejada, nos anos 1950 e início dos anos 1960, Brasília de fato representava as esperanças do povo brasileiro, em particular seu desejo de modernidade. O grande hiato entre essas esperanças e sua realização parece dar razão ao homem subterrâneo: para homens modernos, pode ser uma aventura criativa construir um palácio, e no entanto ter de morar nele pode virar um pesadelo. Esse problema é particularmente crucial para um modernismo que impede ou hostiliza a mudança — melhor dizendo, um modernismo que busca uma única grande mudança, e depois não aceita mais nenhuma. Niemeyer e Costa, tal como Le Corbusier, acreditavam que o arquiteto moderno deve usar a tecnologia para concretizar certas formas ideais, clássicas, eternas. Se isso pudesse ser feito na escala de uma cidade inteira, ela seria perfeita e completa; suas fronteiras poderiam se estender, mas ela jamais deveria se desenvolver a partir de dentro. Tal como o Palácio de Cristal imaginado por Dostoievski, a Brasília de Costa e Niemeyer não deixava a seus cidadãos — e aos outros brasileiros — “nada mais a fazer”. Em 1964, pouco depois da inauguração da nova capital, a democracia brasileira foi derrubada, sendo instaurada uma ditadura militar. Durante o período de governo militar (ao qual Niemeyer se opôs), a população teve de enfrentar crimes muito mais sérios do que as falhas no projeto da capital. Mas quando os brasileiros reconquistaram a liberdade, no final dos anos 1970 e início dos 1980, era inevitável que muitos deles manifestassem seu descontentamento com a cidade, que parecia ter sido projetada com o fim de mantê-los calados. Niemeyer deveria ter percebido que uma obra modernista que negava algumas das mais básicas prerrogativas modernas dos cidadãos — falar, reunir-se, discutir, manifestar suas necessidades — fatalmente conquistaria muitos inimigos. Em meus pronunciamentos no Rio, São Paulo e Recife, terminei atuando como porta-voz de uma indignação generalizada a respeito de uma cidade que, como muitos brasileiros me disseram, não tinha lugar para eles. Mas até que ponto a culpa foi de Niemeyer? Se algum outro arquiteto tivesse vencido a concorrência para o projeto da cidade, é provável que o resultado final fosse um cenário mais ou menos tão desolador quanto o atual. Pois não é verdade que tudo que há de mais empobrecedor em Brasília era coerente com o consenso mundial dos planejadores e designers mais progressistas da época? Foi só nos anos 1960 e 1970, depois que a geração responsável pela construção de proto-Brasílias em todo o mundo — inclusive nas cidades e subúrbios do meu país — teve oportunidade de morar em tais lugares, que ficaram claras as deficiências do mundo criado por esses modernistas. Então, tal como o homem do subterrâneo no Palácio de Cristal, essas pessoas (e seus filhos) começaram a fazer caretas e gestos ofensivos, e a criar um modernismo alternativo que afirmasse a presença e a dignidade de todas as pessoas que haviam sido excluídas. Minha visão das deficiências de Brasília me fez voltar a um dos temas centrais de meu livro, um tema que me parecia tão óbvio que não o expus com a clareza necessária: a importância da comunicação e do diálogo. Pode parecer que não há nada de particularmente moderno nessas atividades, as quais remontam — e mesmo definem em parte — os primórdios da civilização, e já eram afirmadas como valores humanos básicos pelos profetas bíblicos e por Sócrates há mais de 2 mil anos. Porém acredito que a comunicação e o diálogo ganharam um peso e uma urgência especiais nos tempos modernos, porque a subjetividade e a interioridade estão mais ricas e mais intensamente desenvolvidas, e ao mesmo tempo mais solitárias e ameaçadas, do que em qualquer outro período da história. Nesse contexto, a comunicação e o diálogo se tornam necessidades críticas e também fontes fundamentais de deleite. Num mundo em que os significados se dissolvem no ar, essas experiências estão entre as poucas fontes de sentido com que podemos contar. Uma das coisas que podem tornar a vida moderna digna de ser vivida é o fato de que ela nos proporciona mais oportunidades — por vezes até nos impondo a obrigação — de conversar, de fazer um esforço no sentido de compreender o outro. Precisamos aproveitar ao máximo essas possibilidades; elas deveriam determinar o modo como organizamos nossas cidades e nossa vida.a Muitos leitores me perguntaram por que motivo não escrevi sobre uma série de pessoas, lugares, ideias e movimentos que no mínimo serviriam tão bem ao meu projeto geral quanto os temas que escolhi. Por que deixei de fora Proust e Freud, Berlim e Xangai, Mishima e Sembene, os expressionistas abstratos de Nova York ou o conjunto de rock tchecoslovaco Plastic People of the Universe? A resposta mais simples é que eu queria que Tudo que é sólido desmancha no ar fosse publicado enquanto eu ainda estivesse vivo. Por isso foi necessário decidir, a certa altura, não exatamente terminar o livro, e sim parar de escrevê-lo. Além disso, jamais fora minha intenção compilar uma enciclopédia da modernidade. Meu objetivo era desenvolver uma série de visões e paradigmas que pudessem

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