Prefácio do Tradutor Este livro, traduzido diretamente do chinês, tem o objetivo de melhor propagar a milenária civilização da China entre os leitores de língua portuguesa, a fim de que lhes seja possível ajuizar e compreender perfeitamente bem o que é o “país dos mistérios”, como de modo geral os ocidentais cognominam a terra de Confúcio e Sun Yat Sen. Há mais de uma década vivo entre os brasileiros, dos quais muitos nutrem verdadeira simpatia, mais do que simples curiosidade, pelo povo chinês. Seria ocioso citar nomes — Gustavo Riedel, E. Navarro de Andrade, Antônio Leão Veloso, Saul Carneiro, Isabel Mendes, José Vizioli, Raul Holt, Thales Leite, o inesquecível Prof. Juliano Moreira, etc. etc. —, tão constantes têm sido as solicitações acerca do meu idolatrado país natal, da doutrina moral filosófica de Kung Fu Tsu (Confúcio), da filosofia política e da origem da raça chinesa, do espírito, da cultura, dos hábitos e costumes da velha China. Nem sempre me era possível responder de modo a satisfazer a curiosidade desses amigos e o que eu lhes dizia não passava de migalhas daquilo que realmente é a história da China. Tenho procurado verter certas obras da língua chinesa para o português, mas encontrei dificuldades enormes, chegando à conclusão de que levaria anos de trabalho contínuo sem que possivelmente obtivesse o resultado tão elevado e satisfatório que obteria lançando SAN MIN CHU I (Três Princípios do Povo), obra fundamental de Sun Yat Sen, composta de três partes: • Min Tsu Chu I (Nacionalismo), • Min Chuan Chu I (Democracia) e • Min Sheng Chu I (Subsistência). Esta obra não só contém o mais criterioso e seleto resumo da história da civilização chinesa, mas também da história da civilização ocidental. Devemos-lhe a República Chinesa e com ela conquistaremos LIBERDADE e IGUALDADE entre as nações do mundo. Só aí, então, será possível a unificação perfeita de todos os povos. Testamento do Dr. Sun Yat Sen Durante 40 anos, devotei-me à causa da revolução do povo apenas com um objetivo: elevar a China a uma posição de liberdade e de igualdade entre as nações. Minhas experiências, durante esses 40 anos, persuadiram- me firmemente de que, para atingir esse objetivo, devemos provocar um completo despertar de nosso povo e aliarmo- nos numa luta comum com os povos do mundo, que nos tratam na base da igualdade. A obra da Revolução ainda não está completa. Que todos nossos camaradas sigam meus Planos para a Reconstrução Nacional, os Fundamentos da Reconstrução Nacional, os Três Princípios do Povo, e o Manifesto lançado pela Primeira Convenção Nacional de nosso Partido, e prossigam incansavelmente nos esforços para sua concretização. Acima de tudo, nossas declarações recentes em prol da convocação de uma Convenção Nacional e da abolição dos tratados injustos deverão ser efetivadas no menor prazo possível. Esta é a incumbência sincera que vos confio. Sun Wen - 11 de Março de 1925. Escrito em 20 de Fevereiro de 1925. Prefácio do Autor Depois da publicação dos três volumes de meus PLANOS PARA A RECONSTRUÇÃO NACIONAL (Reconstrução Psicológica, Reconstrução Material, Reconstrução Social), dediquei-me à elaboração da RECONSTRUÇÃO DO ESTADO, a fim de completar a série. Este livro, que é mais volumoso do que os três primeiros, abrange O Princípio do Nacionalismo, O Princípio da Democracia, O Princípio da Subsistência, A Constituição de 5 Poderes, Governo Local, Governo Central, Política Externa, Defesa Nacional, ao todo oito partes. A primeira, O Princípio do Nacionalismo, já foi publicada. As outras duas, sobre a democracia e a subsistência, estavam quase completas, quando a linha geral de pensamento e de método de tratamento, nas outras partes, já havia sido delineada. Estava aguardando oportunidade em que pudesse escrever, sem me ser mais necessário recorrer à investigação, e continuar meus trabalhos. Exatamente quando contemplava a ultimação e publicação do livro, Chen Chiung Ming revoltou-se inesperadamente, a 16 de Junho de 1922, e volveu suas armas contra Kwan Yin Shan (uma colina de Cantão, em cujas imediações ficava o quartel general do dr. Sun). Minhas notas e manuscritos, que representavam o trabalho mental de muitos anos, e centenas de livros estrangeiros, que utilizava como fontes de referências, foram destruídos pelo fogo. Foi uma perda irreparável. Acontece, agora, que o Kuomintang está sendo reorganizado e que nossos camaradas estão começando a empenhar-se num ataque decidido contra o obscurantismo de nosso povo. Eles têm grande necessidade das profundas verdades de San Min Chu I e das importantes ideias consagradas na Constituição de 5 Poderes, para as utilizarem como material de propaganda. Destarte, passei a realizar semanalmente uma conferência. Hwang Chang Ku está estenografando essas conferências e Tsou Lu as revê. A série sobre o Princípio do Nacionalismo acaba de ser completada e está sendo publicada, num só volume, com que presenteamos nossos camaradas. Nessas conferências, não dispus do tempo necessário para uma preparação cuidadosa, nem dos livros necessários para a extração de referências. Posso, apenas, subir à tribuna e falar de improviso, e, assim, deixo de mencionar muita coisa que registara nos meus manuscritos. Apesar de estar introduzindo modificações e correções no livro, antes de enviá-lo às oficinas, não posso deixar de confessar que, no que se refere à disposição da compilação e aos fatos que ilustram a discussão, o material dessas conferências não é comparável ao que havia preparado. Espero que todos nossos camaradas tomarão este livro como uma base ou como um estímulo, expandindo-o e corrigindo-o, sanando suas omissões e melhorando sua disposição, de modo a torná-lo um texto perfeito para fins de propaganda. Assim, os benefícios que trará a nosso povo e a nosso Estado serão verdadeiramente incomensuráveis. Cantão, 30 de Março Sun Wen Esboço Biográfico do Dr. Sun Yat Sen O dr. Sun Yat Sen, fundador da República Chinesa e Chefe da Revolução, nasceu a 12 de Novembro de 1866, de pais camponeses, numa pequena aldeia situada nas imediações de Hsiangshan, pequena cidade da província do Kwangtung. Passou uma infância despreocupada, frequentando a escola da aldeia, em companhia de outras crianças. Aos 13 anos, foi a Honolulu, onde permaneceu durante cinco anos, aí completando seu curso de humanidades. Em Honolulu, entrou em contacto com o espírito de liberdade e absorveu livremente as influências da vida americana. Quando regressou a Hong Kong, onde se matriculou no Colégio da Rainha, já evidenciava seu desprazer para com a vida política de sua querida pátria. Formou-se aos vinte anos, e começou a preparar-se para a profissão médica, tendo completado o curso na Faculdade de Medicina de Hong Kong, em 1892. Sua carreira profissional, todavia, foi curta, pois a abandonou para responder a um chamado superior em seguida à derrota da China na guerra sino-japonesa de 1894. Não se tratava de um entusiasmo novo, mas, antes, de um passo para a frente na carreira que escolhera desde os dias de colégio. Todo o dia que passava em Hong Kong, sob domínio britânico, e toda a derrota que a China sofria nas mãos de outros países serviam apenas para fortalecer- lhe a convicção de que o governo de seu país estava completamente apodrecido. O único remédio aplicável seria uma revolução. Dedicara-se a essa causa, e, entre seus colegas de estudos, encontrara um pugilo que lhe compartilhava as aspirações mais profundas. A tarefa da construção de uma China livre e esclarecida tornara-se seu único escopo na vida. Desde o início, a empresa era prenhe de perigos. Depois de uma apressada tentativa de revolta ter falhado, iniciou, em 1895, sua vida de eLivros. Acossado pelo perigo pessoal, dirigiu-se, primeiro, para o Japão, depois, para a América, sendo, finalmente, raptado nas ruas de Londres e transportado para a legação chinesa, onde esteve preso durante 12 dias. Graças à lealdade e à engenhosidade de um amigo, o dr. James Cantilie, conseguiu escapar, frustrando, assim, os planos de transportá-lo clandestinamente para a China, onde seria executado. Viajou, depois, pela Europa, onde passou os anos seguintes, estudando as instituições sociais e políticas dos países que visitava. Nessa época, formulou seus Três Princípios do Povo e propagava, por onde andava, o evangelho da Revolução entre seus compatriotas. Depois da rebelião dos boxers, em 1900, a causa da Revolução ganhou ímpeto. A derrubada do regime mandchu tornara-se um programa definido e grande número de homens e mulheres chineses, em todas as partes do mundo, aderiram à cruzada. Em 1905, realizou-se, em Tóquio, uma Conferência, na qual foram aprovadas duas importantes resoluções: a primeira, conclamando os revolucionários a se congregarem sob o nome de Tung Meng Hui e a segunda, estabelecendo a deposição da dinastia reinante e a transformação da China em República. Entre os participantes da Conferência, viam-se os representantes de todas as províncias da China e numerosos comerciantes chineses residentes no exterior. Os primeiros empenhavam-se numa ativa campanha de propaganda secreta em sua pátria e os últimos ofereciam generosamente seu auxílio financeiro para a prossecução desses esforços. É improvável que a Revolução pudesse tornar-se vitoriosa se não fosse a generosidade desses patrióticos comerciantes. A culminação desses esforços teve lugar no Outono de 1911, quando se ouviu o grito de batalha em Wuchang. Essa cidade, que é a capital da província de Hupeh, caiu rapidamente em poder dos revolucionários. Apesar do golpe ter sido precipitado por um erro, antes que os planos tivessem sido completados, a repercussão em outras partes do país foi tão ampla, que a Revolução era fato consumado em menos de cem dias! O carcomido governo mandchu foi derrubado e o velho sonho do dr. Sun converteu-se em realidade. Seu espírito indômito vencera e seu corpo cansado conquistara um repouso momentâneo. Foi, todavia, convidado para ser o primeiro presidente da nova República. Eram vivas as esperanças de que uma China rejuvenescida iniciaria novo curso na História. Os acontecimentos, porém, de 1911, demonstraram ser somente o início de um longo processo. De modo geral, duas escolas de pensamento passaram a dominar os espíritos da jovem China: uma dirigida por Yuan Shih Kai e outra por Sun Yat Sen. A primeira acreditava na força militar e a última depositava suas esperanças no despertar das massas. Com o objetivo de melhor realizar esse escopo, o dr. Sun passou a presidência a Yuan, depois de ocupá-la durante três meses. Preferiu dedicar-se à tarefa de educar o povo, promovendo entre ele a compreensão dos fundamentos da democracia e procurando realizar a elevação do seu padrão econômico. O Tung Meng Hui foi reorganizado como partido político, com um programa mais amplo, sob o nome de Kuomintang, e um vasto plano nacional de construções ferroviárias foi empreendido como primeiro passo para a industrialização do país. Mas, a ambição de Yuan Shih Kai interferiu na concretização desses projetos. Ao invés de dedicar-se, impessoalmente, à reconstrução política do país, ele enxergou na situação uma oportunidade para tirar proveitos pessoais. Passou a menosprezar o Parlamento e preparou-se para tornar-se