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Travesti: prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil PDF

141 Pages·2008·17.845 MB·Portuguese
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Sl,Ill PlI\,IPT I)PI)~ j)'.lLl 1).I,)( >:DUl W dejC\L.e''' ').n )).X)O ,.ni<e )( 1).1101. del.e p)".U1JO pu !Ul~hl!uyJ!)( J pc \;!pe P~?!J;'l ,pc,:, l.1.eA).~qs' JOUlO sa j)F}:J)~Ul 'l "! du ~j({.!O) e (" )( en10I. 1.).\;); C)y~~SO 210 ~llleipilyI.!)( pos ).IL\,);b.1>' po d'F)(llJlllllO ).lll llUl ))(U\,J"w dJoluul'iepo' pJ:nul !tUO' P1lJ?lllj)'. 0 bn?lI UlOJOn >':OUl )'IJ" );):ow );1);" q):on lnlljo' lle 1.n~ . Jbx.I.!tI'PO plJlljl." V J:bl);1.I>:,U>':1!t J);hl!'Ol/ )'.fll muc \'l';tO lun.wepc P)·s;<w te);,,SOW' !eolS J).l.~Il); nul ):oullJ.)'Ul);Ujll P); ehx.pos dcJllD'IcJ),.s pcs sne,; \,lpCS )"Olll nIUr 101.),); );llldw"l ),uq.); lx.sblllscpoI. J. d"s;!m,eposv ),,)(1lll(lllr>'~o PJ >,:uujlP".fUL),lll.O );ClPO SnSl);Il).e C >lllelipep), l!l).J2!I.~Q pr OltJ?l bn)",' eo Jl.lJ.~lUU J1.uldO' U£O PIS!c);Il'C CDlIPCP)', )),,\1.1>':'1 J, lIIU!t PIS))I"S~)( lX'Ill lJC\Lpr ,..IUl )'.lllW >':J.Il\I.CI,. lle CU1JO!colOi7lc >':lljlllJ!tj ); ilOS );,.,11'1'" pJ. ~~It,.J)(· )t !!\L.O Il£O S); 1.),~U.~ uj), r mur P)'~D.~~~O ).jUO1JJ~H!)·'l P)' }lIU BI.ndO P)' !O\."U,o ;i1/)~ \,!\.Dll pe dJosqln!~r)(' on e nul )."lLrpo P); ):21\0' do!s 'li.Uil~)~uur "J:--:dqql'tJ e 1)~ip):'t ll~U 0XdJ).~'''( bn); blh_):!ll't IUj).J'():)\'"" >':"lll).Xl1I'IIlll),Il)»; 'I)n'lpc;':. V" ).xdl"JCI. C i'~0'>':C ):1,11n1,'II P),"S); Ul1IUP" ''''\cIPO' illO,W.C )( duKY.s,)( PJ ,). )UJUeJ U.!\\.).Sl" p",.p); "' duw),IJOS J){Il;CIO,; {lOWos>,1.\nc";' bneup" ::nupe lll).1lqLo~' :tl~ e J.uq.cpr "ue \,~pei; FUNDAc;A.O OSWALDO CRUZ Presidente Paulo Marchiori Buss Vice-Presidente de Ensino, Infonna<;ao e Comunica<;ao Maria do Carma Leal EDITORA FlOCRUZ Diretora Maria do Carma Leal Editor Executivo joao Carlos Canossa Pereira Mendes Travesti Editores Cientfficos Nfsia Trindade Lima e Ricardo Ventura Santos Conselho Editorial Carlos E. A. Coimbra}r, prostituiy80, sexo, genera e cultura no Brasil Gerson Oliveira Penna Gilberta Hochman Ugia Vieira da Silva Maria CeCl1ia de Souza Minayo Maria Elizabeth Lopes Moreira' Pedro Lagerblad de Oliveira Don Kulick Ricardo Louren'Yo de Oliveira Tradm;ao Cesar Gordon EDfTORA t] FIOCRUZ Copyright © 2008 do autor Originalmente publicado em ingle's sob 0 titulo Travesti: sex, gender; and culture among Brazilian transgendered prostitutes (The University of Chicago Press, 1998) a Direitos para a lingua portuguesa reservados com exc1usividade para 0 Brasil FUNDA<;:AO OSWALDO CRUZ! EDrroRA ISBN: 978-85-7541-151-3 Projeto grafico Daniel Pose Revisao .. Irene Ernest Dias Cotejamento Miriam Junghans Cataloga<;;ao na fonte Centro de Informa<;;ao Cientifica e Tecnologica Biblioteca da Escola Nacional de Saude Publica Sergio Arouca K96t Kulick, Don Travesti: prostitui<;ao, sexo, genero e cultura no Brasil. / Don Kulick; (tradu<;ao, Cesar Gordon). Rio de1aneiro: Editora Fiocruz, 2008. livro 6 para voce, Keila, com agradecimento, com 280 p., tab. carinho e, acima de tudo, coJ1l admira<;ao Tradu<;;ao de: Travesti: sex, gender, and culture among Brazilian transgendered prostitutes. j. Transexualismo. 2. Prostitui<;ao. 3. Sexo. 4. Identidade de genero. 5. Cultura. I.Tftulo. CDD 20.ed. 306.766 ------------------------------------------- 2008 EDITORA FIOCRUZ Av. Brasil, 4036 - I" andar-sala 112 -Manguinhos 21040-361 - Rio de Janeiro - RJ Tel.: (21) 3882-9007/ Telefax: (21) 3882-9006 e-mail: [email protected] http://www.fiocruz.br Sumario a Apresentagao edigao brasileira 9 Agrad~cimentos 11 Nota sobre as transcrigoes 15 Introdugao 17 1 A Vida das Travestis em Contexto 37 2 Virando Travesti 63 3 Um Homem na Casa 113 4 0 Prazer da Prostituigao 149 5 Travesti, Genero, Subjetividade 203 Notas 249 Referencias 271 a Apresentav80 edi 80 brasileira v Estou muito feliz e honrado em ver que minha etnografia sobre as travestis de Salvador foi traduzida para 0 portugues. 0 livro foi publicado originaimente em ingles ha dez anos e baseia se em pesquisas de campo realizadas em 1996 e 1997. Lendo-o hOje, e importante levar em conta que a etnografia converte-se mUlto rapidamente em hist6ria, e compreender que tanto 0 contexto quanto alguns detalhes da vida das travestis (como, de resto, da vida de qualquer urn) nao sao mais exatamente os mesmos de dez anos atras. 0 c1ima polftico no Brasil mudou para melhor na decada passada, e a opressao das travestis pelo Estado diminuiu significativamente, o que ·nao quer dizer, infelizmente, que a violencia contra e1as por parte de policiais ou de outras pessoas intolerantes tenha terminado. Houve enorme melhoria no atendimento medico a travestis portadoras do HIV desde meados dos an os 1990. A emigra<;;:ao de travestis para a Europa expandiu-se com vigor. Eo ativismo polftico f1oresceu. Na epoca de minha pesquisa, havia alguns poucos grupos ativistas nas gran des cidades como Rio de Janeiro e Sao Paulo, mas 0 ativismo polItico travesti era ainda embrionario no restante do pais. Hoje existem mais de cinqiienta grupos de ativistas espalhados em diversas cidades. Minha professora e colaboradora Keila Simpson tornou-se presidente de muitos deles, incluindo se a Antra - Articula<;;:ao Nacional de Travestis, Transexuais e Transgeneros (www.antrabrasil.com). Esses grupos tern feito urn trabalho a polftico importante, cujo efeito nao se limita ao empoderamento e maior aceita<;ao social das travestis; 0 ativismo travesti vern alargando as fronteiras e a qualidade da cidadania no Brasil de maneira mais ampla. Considerando que a vida das travestis no Brasil tornou-se mais politizada na ultima decada, alguns tern as por mim tratados no livro - por 9 exemplo, os roubos praticados contra c1ientes ou 0 fato de que muitas travestis tern prazer em vender sexo e nao deixariam de faze-lo mesmo se Agradecimentos tivessem a chance de arranjar outros empregos podem hOje soar politicamente problematicos para muita gente, como se fossem dimensoes da experiencia travesti que seria melhor deixar inexploradas ou mesmo as negar. Durante todo 0 perfodo de pesquisa, eu expliquei travestis que meu livro nao seria uma hagiografia. Afirmei que nao as descreveria como santinhas, simplesmente porque, como todo mundo, elas nao sao santinhas e, alem disso, as pessoas nao iriam acreditar se eu tentasse convence las contrario. as travestis com quem conversei 0 assunto achavam graC;a e aceitavam prontamente 0 argumento. Elas concordavam comigo que uma descric;ao honesta da complexidade de suas vidas seria muito mais interessante - alem de ter um valor mais duradouro do que um retrato maquiado e unidimensional. Foi 0 interesse de, nesse projeto, o financiamento para a pesquisa de campo que deu origem a este documentar os pros e os contras que levou Banana, Pastinha, Mabel, Piupiu, livro fOi generosamente cedido pelo Conselho Sueco para a Pesquisa em Tina, Keila e todas as outras travestis com quem convivi a dividirem comigo Ciencias Humanas e SocialS (HSFR) e pela Fundac;ao Wenner-Gren para de maneira tao generosa suas historias de vida. Espero que os leitores a Pesquisa Antropologica. possam reconhecer ao mesmo tempo 0 espfrito de colabora~ao e 0 Sou muito grato a algumas pessoas que fizeram 0 grande favor de objetivo geral que norteou este livro. a dedi car seu tempo leitura de uma versao anterior do manuscrito. Sao As interpretac;oes da subjetividade travesti e das noc;oes e praticas elas: Ines Alfano, Anne Allison, Roger Andersen, Barbara Browning, de genero e sexualidade no Brasil, que 0 lei tor encontrara nas paginas Marcelo Fiorini, Sarah Franklin, Marjorie Harness Goodwin, Peter Gow, seguintes, sao reconhecida e francamente poiemicas. Nao escrevi este Cecilia McCallum, Stephen O. Murray, Christine Nuttall, Joceval Santana, livro para ter a palavra final sobre 0 tema, mas para inspirar discussoes e Bambi Schieffelin, Michael Silverstein, Christina Toren e Margaret provocar debates, Agora que 0 livro esta disponivel em portugues, tenho Willson. Os divers as comentarios, corre~oes, crfticas e sugestoes feitos a esperanc;a de que esses debates possam se expandir a ponto de incluir as por eles foram inestimaveis, proprias travestis, alem de estudantes, jornalistas, polfticos e todas Deixo registrado meu reconhecimento e meu muito obrigado a as pessoas interessadas que ainda nao haviam tido a oportunidade de Doug MitchelC da University of Chicago Press, pelo solido apoio e pelo conhecer 0 trabalho. Acima de tudo, espero que a pubJicaC;ao brasileira incentivo desde 0 momento em que Ihe entreguei 0 manuscrito~ Gostaria de Travesti sirva de inspira~ao para renovar 0 interesse no tern a, gerar de agradecer ainda a Matt Howard pelos prestimos na editora, e a Nancy uma onda de novas pesquisas sobre as travestis e revigorar 0 debate sobre Trotic pelo excelente trabalho de copidescagem, genero, sexualidade, polftica, violencia e cidadania no Brasil e alhures. Jonas Schild TtlIberg, mCl.Wlamorado, quase nunca Ie as coisas que eu escrevo, mas, de todo modo, merece menc;ao especial simplesmente porque e1e e "meu corac;ao". Sem ele nada disso teria a menor grac;a, Estocolomo, abril de 2008 A troca de correspondencia e as discussoes que mantive com Annick Prieur sobre seu trabalho com os transgeneros da Cidade do Mexico foram (e continuam sendo) inspiradoras, tendo servido para refinar minhas reflexoes. Na Escandinavia, duas pessoas merecem todo 0 reconhecimento: Kent Hallberg e Anita Johansson, da Associa~ao Sueca para a. Educac;ao Sexual (RFSU), Anita e Kent forneceram, sem custo, cerca de dez mil 10 11 preservativos que eu distribuf as travestis de Salvador durante minha de Ines, foj importante para aprofundar e matizar meu entendimento sobre permanencia naquela cidade. Mais do que isso, eles tiveram 0 cuidado de a vida das travestis. assegurar que os preservativos enviados fossem do tipo que as travestis Nao posso deixar de fazer uma ment;ao especial a Margaret Willson, mais gostam: da cor preta e com sabor de frutas. com quem ja tenho uma historia de amizade e colaborac;ao iniciada ha No Brasil, contraf uma dfvida enorme com Luiz Mott, que me guiou dez anos, na longfnqua Papua-Nova Guine, e que continua sendo uma no ambiente h~mossexual de Salvador e teve a gentileza de me franquear fonte imprescindfvel de inspirat;ao e fort;a. 0 impulso inicial para realizar o acesso as muitas caixas abarrotadas de recortes de jornal que 0 Grupo minha pesquisa com travestis surgiu de uma visita turfstica a urn local de Gay da Bahia (GGB) armazena desde 0 infcio dos anos 80. Na minha Salvador onde Margaret desenvolvia seu proprio trabalho de campo. primeira estadia, Nilton Dias era 0 coordenador do GGB que trabalhava lnfelizmente, nossos respectivos perfodos de campo nao foram com travestis. Por contato poucas vezes. No com Keila Simpson, que veio a ser fundamental, e com algumas outras estava em Salvador, sua presen<;a criava, como de habito, uma especie de travestis que se tornaram minhas colaboradoras proximas. 0 fato de terem, porto segura onde eu podia me refugiar, relaxar urn pouco, beber bastante tanto Keila quanto as outras, respondido tao pronta e gentilmente as e pensar em voz alta sobre as coisas que eu vinha aprendendo com as demandas da minha pesquisa e urn reflexo direto da verdadeira estima que travestis. Por ser tam bern antropologa e por conhecer bern Salvador, tal elas nutrem por Nilton. Todos os outros coordenadores do GGB, em como Cecilia McCallum, Margaret foi de importancia fundamental quando particular Marcelo Cerqueira, Jane Pantel e Zora Yonara, tambem foram eu precisava avaliar se minhas ideias e reflexoes eram razoaveis, ou se, ao sempre cordiais e prestimosos. contrario, eu nao estava entendendo coisa algum,i', Joceval Santana deu contfnua assistencia e me ajudou a resolver Obviamente, as pessoas sem as quais este trabalho jamais teria sido algumas questoes praticasquando cheguei a Salvador pela primeira vez. realizado sao as travestis, com quem convivi e trabalhei em Salvador. Na epoca eu precisava de todo tipo de indicac;ao, ate mesmo para me Quero expressar minha gratidao a todas que se permitiram entrevistar movimentar pel a cidade. Tambem agradet;o a Joceval por muito ter formalmente: Adriana, Angelica, Babalu, Banana, Carlinhos, a "finada" facilitado minha compreensao do cenario homossexual de Salvador e do Cfntia, Elisabeth, Lia Hollywood, a "finada" LUciana, Mabel, Magdala, Brasil como urn todo. Durante minha estadia, Cecilia McCallum e 0 marido Martinha, Pastinha, e a "finada" Tina. Agradet;o tambem a Edfison, 0 unico Edilson Teixeira receberam-me com hospitalidade e generosidade namorado de travesti que cheguei a conhecer razoavelmente bern, e que prodigas. Sua casa foi sempre urn ambiente acolhedor, sobretudo nos se deixou entrevistar, mesmo passando por problemas pessoais diffceis. momentos em que eu senti a a necessidade de fazer uma pequena pausa no Gostaria de destacar que Adriana, Banana, Chica, a "finada" Cfntia, Roberta, trabalho de campo. AIem disso, os almot;os 'academicos' com Cecilia, Rosana, a "finada" Tina e Val, aiem de me darem seu testemunho, que ocorriam pelo menos uma vez por mes em bons restaurantes com ar informac;oes, insights e me colocarem a par das fofocas, brindaram-me refrigerado, serviam de contexto para que eu tivesse livre acesso ao seu com verdadeira amizade e afei<;ao. vasto conhecimento antropologico sobre 0 Brasil e sobre Salvador. Esses Por fim, desejo agradecer a pessoa mais importante por tras deste almot;os eram como uma lufada fresca e deliciosa de prosa e fofoca livro, a unica sem a qual ele nunca teria sido escrito, minha parceira de antropologica. trabalho, professora e amiga: travesti Keila Simpson. jamais conheci uma Ines Alfano tambem deu importante contribuit;ao a pesquisa. Foi pessoa que pudesse analisar com tanta precisao, e sem perder a sanidade, e1a quem executou a tarefa, bastante laboriosa por sinal, de transcrever a os contextos e condit;oes de sua propria vida. Keila abrigou-me sob suas maioria das entrevistas que Hz. As longas conversas que mantivemos asas largas, ensinou-me portugues, integrou-me nas redes de rela<;oes e a respeito das transcric;oes garantiram otimos insights sobre as concepc;oes ajudou-me a enxergar e entender 0 valor da vida das travestis que eu de genero e as implicat;oes mais amplas do modo de agir e pensar das procuro apresentar neste livro. De fato, me e imposslvel expressar travestis - que, de outro modo, talvez eu tivesse deixado escapar. e plenamente toda a gratidao que sinto por Keila. Este livro 0 que posso 19ualmente, ter mantido urn dialogo com a psicologa Marta Alfano, irma Ihe oferecer, na esperan<;a de que cia goste de encontrar nestas paginas os 12 13 fragmentos da hist6ria de sua vida, e da vida de suas wlegas e amigas de Salvador. Espero tam bern que Keila possa reconhecer neste trabalho a Nota sabre as transcric;6es marca indelevel de suas pr6prias intui<;6es, e qui<;a descobrir que, apesar de eu ter sido urn aluno vagaroso e nao raro inoportuno e tolo, no fim das contas, chegue( a compreender uma coisinha ou outra. As seguintes conven<;6es foram utilizadas nas transcri<;6es que aparecem ao longo do livro: fala atropelada (ou simultanea) I interrup<;ao (no caso de dois falantes, indica que urn deles foi interrompido pelo outro; em outros enunciados, indica auto interrup<;ao) indica pausa breve (quando aparece no meio de urn enunciado) ou urn som alongado (quando aparece no final) [ ] comentarios explicativos do autor, notas contextuais e ac;6es nao verbais () trechos nao audfveis na fita trechos suprimidos na transcri<;ao Nota do tradutor Uma vez que a lfngua portuguesa nao admite a forma neutra de genero como a lfngua inglesa, foi preciso escolher entre 0 uso do mascuJino ou do feminino para travesti. Com 0 aval do autor, optei por utilizar 0 genero feminino, que vern se tomando de emprego mais ampJo no Brasil 14 15 desde 0 final da decada de 1990 e infcio da decada: atual (ha tam bern outras razoes de ordem teorica, apresentadas por Kulick no capitulo 5). Introdu98.0 Assim, usei 'as travestis' (e nao 'os travestis'), 'ela' (e nao 'ele'), e suas deriva«oes e fiexoes, em todas as passagens em que nao ha anota«ao explfcita do autor. As transcri«oes de entrevistas e dialogos foram mantidas como no original. Nesses casos 0 leitor ira notar muitas vezes 0 emprego da forma masculina nas falas das proprias travestis entrevistadas por Don Kulick. Na epoca da pesquisa esse era 0 uso corrente em Salvador. n· Ao passar pelo quarto de Banana, voltando do banheiro coletivo nos fundos da casa, detive-me por urn instante, pois parecia haver uma ;, quanti dade anormal de fuma«a saindo la de dentro. Enfiei a cara pelo vao '·.1I':·,·..1'. . ::' da porta, querendo saber que fuma<;a era aquela, e$a primeira coisa que vi foi a propria Banana - uma transgenero, ou travesti, prostituta, de trinta e poucos anos em pe, nua, diante de urn pequeno espelho presQ na parede por urn prego. Ela tinha acabado de tomar 0 banho da tarde e passava condicionador Neutrox nos cabelos ainda molhados. "Venha, Don", ela chamou, ao me ver na porta espiando. "Venha sen tar aqui". Fez urn gesto na dire~ao do colchonete no chao, encostado em urn canto do comodo. Entrei e caminhei ate 0 colchao, feliz por arranjar uma desculpa e nao ter que vol tar ao quarto onde eu estivera pOT mais de uma hora, sentado em companhia de outras travestis, assistindo a uma novela insuportavelmente chata na Quando passei por tras de Banana, percebi que a tal fuma«a exalava de dois pequenos cones de incens(j pousados sobre uma prateleira, a unica do quarto. "Chama-fregues" era 0 nome do incenso, informou Banana antes que eu perguntasse. 0 aroma era agradavel. Minha presen<;a no aposento desencadeou aut9maticamente 0 gesto de hospitalidade obrigat6rio de todas as travestis quando recebem visita Banana esticou 0 bra<;o para ligar a diminuta televisao de seis polegadas em preto e branco. Protestei, deixando claro que eu realmente nao desejava ver televisao. Mas meu protesto teve como resultado urn previslvel motejo de incredulidade da parte dela. E num fapido giro de pulso, 0 ambiente foi invadido pel os gritos e prantos melodramaticos e crescendos cad a vez mais altos da mesma novela medIocre da qual pensei ter me livrado. Vencido, sentei-me no colchonete, recostei na parede 16 17

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