SHIRLEY CARREIRA ANDREA PESSANHA ANNA CAROLINA MAIA CÉLIO SARAIVA FÁBIO CUSTÓDIO LUCIANO LAGE SHIRLEY CARREIRA ANDREA PESSANHA ANNA CAROLINA MAIA CÉLIO SARAIVA FÁBIO CUSTÓDIO LUCIANO LAGE TRAVESSIAS: ESTUDOS DE LITERATURA E IMIGRAÇÃO Shirley Carreira Andrea Pessanha Anna Carolina Maia Célio Saraiva Fábio Custódio Luciano Lage TRAVESSIAS: ESTUDOS DE LITERATURA E IMIGRAÇÃO Belford Roxo UNIABEU 2015 @ Shirley de Souza Gomes Carreira et al. Diagramação e capa: Shirley de S. G. Carreira DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) C314t Travessias: estudos de literatura e imigração / Shirley de Souza Gomes Carreira [et al.] ; Revisão: Shirley Carreira – Belford Roxo : UNIABEU, 2015. ISBN: 978-85-98716-11-4 Esta disponível online em: www.uniabeu.edu.br 1. Literatura contemporânea 2. Memória étnica. 3. Imigrações. 4. Identidade. I. Carreira, Shirley de Souza Gomes II. Título CDD 869.3 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Luís Claudio Borges SSUUMMÁÁRRIIOO ÀÀ gguuiissaa ddee iinnttrroodduuççããoo...................................................................... 3 TTrraavveessssiiaass ddoo eessppaaççoo Identidade, deslocamento e mobilidade cultural................................. 5 Andréa Santos da Silva Pessanha Shirley de Souza Gomes Carreira TTrraavveessssiiaass ddaa mmeemmóórriiaa A interpretação da lembrança e do esquecimento............................. 13 Shirley de Souza Gomes Carreira TTrraavveessssiiaass ddaa ppaallaavvrraa Nas dobras da memória: identidade e pertencimento em Nihonjin, 19 de Oscar Nakasato........................................................................... Shirley de Souza Gomes Carreira A saga dos imigrantes indianos nos EUA: diáspora, choque cultural, 33 assimilação e reinvenção, na ficção de Jhumpa Lahiri...................... Célio dos Santos Saraiva Fábio da Silva Custódio Vidas em trânsito: uma leitura de A chave de casa, de Tatiana 51 Salem Levy, e Os hungareses, de Suzana Montoro......................... Shirley de Souza Gomes Carreira Songdogs: a reescrita do passado pelo viés da memória................. 68 Andréa Santos da Silva Pessanha Shirley de Souza Gomes Carreira Quando o subalterno fala — construções sociais da subalternidade 76 na literatura indiana contemporânea.................................................. Shirley de Souza Gomes Carreira Anna Carolina Teixeira Maia Representações da identidade em “A filha única do filho mais velho” e “Só bondade”....................................................................... 85 Luciano Lage Feitosa Filho À guisa de introdução Página | 3 Esta obra resulta da pesquisa realizada no âmbito do projeto Travessias do espaço, do tempo e da memória: representações do imigrante na literatura contemporânea, contemplado no Edital FAPERJ, 14/2013 de Apoio a Projetos de Pesquisa na Área de Humanidades. Sob a coordenação da Profa. Dra. Shirley de Souza Gomes Carreira, a pesquisa foi realizada com a colaboração da Profa. Dra. Andréa Santos da Silva Pessanha e dos bolsistas de iniciação científica: Anna Carolina Maia da Silva Teixeira, Célio dos Santos Saraiva, Fábio da Silva Custódio, Fernanda Enta, Luciano Lage Feitosa Filho, Priscila de Sá Braga Fonseca e Vinícius Queiroz. Executada em um período de quatorze meses, nas dependências do Laboratório Multidisciplinar de Estudos de Memória e Identidade da UNIABEU, a pesquisa partiu da análise do conhecimento dos discentes de Letras e História sobre o tema da imigração no Brasil, focalizando especificamente a representação do imigrante na literatura contemporânea. O exame de obras literárias que focalizam a imigração não apenas demonstra que elas refletem fases específicas do processo de aculturação do imigrante como também revela o papel da literatura na configuração midiática da memória étnica, concorrendo para a transmissão, transformação e condicionamento dessa memória no meio social, uma vez que a imagem social do imigrante, muitas vezes estereotipada, é construída, transmitida e sedimentada pelas mídias. Esse processo é, em grande parte, desconhecido do público leitor, inclusive de alunos de cursos de graduação, que, teoricamente, em algum momento, deveriam ter tido acesso a informações sobre o panorama das migrações no Brasil e no mundo. A investigação crítico-teórica das obras A chave de casa e Primos, de Tatiana Salém Levy, Os hungareses, de Suzana Montoro, O xará, Interprete de Males e Terra descansada, de Jhumpa Lahiri, Songdogs, de Colum McCann, e Nihonjin, de Oscar Nakasato, permitiu traçar um perfil da representação da identidade cultural do imigrante, das fases específicas do processo de inserção social do indivíduo que passa pela experiência da Página | 4 desterritorialização e das relações de seus descendentes com a tradição. A pesquisa resultou também em um site permanente de consulta sobre a representação do imigrante na literatura, acessível no site da UNIABEU: http://www.uniabeu.edu.br/representacaodoimigrante A publicação desta obra representa uma contribuição para os estudos de migração em sua interface com a literatura e a história. Os autores Travessias do espaço Identidade, deslocamentos e mobilidade cultural Página | 5 Andréa Santos da Silva Pessanha Shirley de Souza Gomes Carreira No Dicionário das mobilidades culturais: percursos americanos, Aimée Bolaños (2010, p.167) afirma que o conceito de diáspora na contemporaneidade surge “ressemantizado”, focalizando as identidades em trânsito, seja numa perspectiva cosmopolita do sujeito diaspórico, seja na perspectiva da tensão dos discursos do lar e da dispersão, seja pelo ato tradutório da cultura. Do conceito tradicional de diáspora, associado à ideia de exclusão até o debate contemporâneo, a figura do sujeito diaspórico merece um olhar reflexivo. Em sua origem grega, diáspora tem o sentido de dispersão, de algo que se espalha. Em Global Diasporas, Robin Cohen (1997, p.1-2) identifica quatro fases nos estudos da diáspora: a primeira, ligada à interpretação original da palavra, focaliza a dispersão judaica e, pela proximidade da situação histórica, a africana e palestina; a segunda, a partir de 1980, expande-se para um uso metafórico da palavra “diáspora”, uma vez que abrange categorias diversas, como expatriados, exilados políticos, imigrantes e minorias étnicas e raciais; a terceira consiste em uma tentativa de desconstrução de elementos cruciais para o conceito de diáspora: as noções de “terra natal” e de “comunidade étnica e religiosa”, e a última, mais contemporânea, visa à discussão da fluidez do conceito de identidade. Na diáspora, o vínculo do homem ao seu espaço de origem é drasticamente rompido. O processo de desterritorialização, exceto se do ponto de vista do nomadismo, promove uma tripla ruptura: espacial, identitária e cultural. Travessias: estudos de literatura e imigração Entretanto, assim como há um território de partida, há um território de chegada e o processo de reterritorialização implica na transposição de todo um imaginário cultural, do sentido de uma comunidade imaginada, à qual um indivíduo pertence. Esse local de pertencimento, a que Marc Augé (1994) Página | 6 define como “lugar antropológico”, é deixado para trás e, para que o sentido de pertença se reestabeleça, novos laços necessitam ser construídos. Para o sujeito diaspórico, na maioria das vezes, o retorno ao território— geográfico ou mítico—, bem como a matriz cultural originária, é impossível, restando-lhe como recurso o détour (desvio), conforme as formulações de Glissant1, ou seja, as estratégias que desenvolve para manter viva a cultura, a preservação das tradições e o idioma natal. Os estudos da diáspora têm servido de paradigma para a análise de outras formas de deslocamento, ou seja, de outros tipos de mobilidades migratórias transculturais, ou seja, o exílio, a expatriação e a migração. E todos esses casos, o sujeito passa por um processo de exposição à outra cultura, com a qual pode ou não interagir. John Berry, psicólogo intercultural, parte do pressuposto de que “todo o comportamento é formado, até certo ponto, pelo contexto cultural dentro do qual o indivíduo foi criado e agora vive” (BERRY, 2004, p.29). Para ele, o processo de aculturação mais bem- sucedido é o de integração, que depende de reciprocidade e acomodação mútuas. A ausência desses dois elementos pode levar o sujeito à inadaptação ou a uma relação conflituosa com o país de adoção. A visão antropológica da aculturação como fenômeno define-a como mudanças decorrentes do contato entre grupos. Curiosamente, embora as mudanças sejam bidirecionais, os grupos minoritários tendem a não percebê- las claramente. Ao analisar as estratégias interculturais nos grupos em contato, Berry concebe uma gradação no processo de manutenção da cultura e identidade, que resulta no gráfico a seguir: 1 Em Les discours antillais, Glissant formula os conceitos de retour e détour aplicando-os à diáspora africana, que resultou da escravidão; condição que tornava impossível o retorno. Travessias: estudos de literatura e imigração Questão 1 Manutenção da cultura e da identidade + - + - + Página | 7 integração assimilação Multiculturalismo melting pot Questão 2 s e p a r a ç ã o m a r g i n a l iz a ç ã o segregação exclusão Relacionamento entre grupos - Estratégias de grupos Estratégias de grupos não dominantes dominantes A assimilação implica no total desenraizamento; a integração consiste em um processo simultâneo de manutenção das raízes e de interação com outros grupos; a separação é gerada pelo apego à herança cultural associado ao desinteresse em interagir com o grupo dominante e, finalmente, a marginalização ocorre mediante a perda das raízes e a concomitante rejeição do contato com outros grupos. Entretanto, a escolha nem sempre depende do sujeito. Quando é o grupo dominante que impõe certas regras de relacionamento, ou mesmo restringe a interação, a dimensão é outra, passando por estratégias que variam do multiculturalismo à exclusão. Assim, o multiculturalismo resulta de uma acomodação mútua; o melting pot (cadinho cultural) de uma assimilação conduzida pelo grupo dominante; a segregação, de uma separação imposta, e a exclusão é o resultado da imposição do processo de marginalização. Claro está que essas estratégias também se aplicam às migrações internas. O modelo de relação intercultural de Berry auxilia na concepção das diversas maneiras do sujeito posicionar-se em relação à própria cultura e à cultura dominante, levando à compreensão da formação das identidades híbridas. Travessias: estudos de literatura e imigração A identidade, do ponto de vista antropológico, pressupõe a existência da alteridade: apenas sei quem sou em função da existência de um outro. Entretanto, o olhar sociológico sobre a identidade, define-a a partir do sentido de pertencimento a um grupo, no espaço de interação social. Esse sentimento Página | 8 de pertença evolve não apenas da identidade nacional, mas também da identidade cultural e étnica. Antes do século XVIII não havia uma concepção de nação propriamente dita. Segundo Hobsbawn (1991, pp. 49-50), a condição para o surgimento da identidade nacional dependia de três critérios básicos: o povo necessitava estar associado a um Estado existente, que possuísse uma língua e uma cultura comuns, além de demonstrar força militar. Assim, a concepção da identidade nacional passa por mediações que permitem o compartilhamento do idioma, de uma história com raízes longínquas, uma tradição, um folclore, além dos símbolos oficiais que representam a nação. Os integrantes dessa comunidade se reconhecem nesses traços e a eles aderem. Como argumentou Benedict Anderson (1983), a nação é uma "comunidade imaginada". A identidade cultural é o conjunto vivo dessas relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelecem a comunhão de determinados valores entre os membros de uma sociedade. O estudo das mobilidades humanas exige também a percepção da natureza da identidade étnica, que, ao contrário da identidade nacional, ancora- se a uma herança ancestral, que embora possa ser rejeitada, não pode ser alterada. Ela pressupõe o compartilhamento de elementos como cultura, raça, religião, linguagem e parentesco. No contexto da imigração, geralmente a identidade étnica se faz mais presente. O que antes era visto como um procedimento normal e rotineiro passa a emergir como um traço distintivo de identidade e unificação do grupo (PHINNEY, 2004, pp. 51-52). A organização de grupos étnicos na forma de associações ou clubes é uma das estratégias adotadas para a manutenção da memória étnica: Quanto maior a relevância da “etnicidade”, mais as suas características são representadas como relativamente fixas, inerentes a grupos, transmitidas de geração em geração não apenas pela cultura e a educação, mas
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