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Tratados da Terra e Gente do Brasil PDF

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FERNÃO CARDIM TRATADOS DA TERRA E GENTE DO BRASIL “O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Pedro Calmon (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal”. APOIO FINANCEIRO: FERNÃO CARDIM TRATADOS DA TERRA E GENTE DO BRASIL BAHIA / 2021 INTRODUÇÃO A presidência da Academia Brasileira de Letras, em 1923, foi ocupada por Afrânio Peixoto. Nesse posto, seu programa era simples: trabalhar. Expondo-o, em discur- so inaugural, disse: “A vossa direção pensa, pois, este ano mesmo, em começar a publicação de duas séries de obras raras e preciosas, postas ao alcance do público, enrique- cidas de introdução bibliográfica, e de notas elucida- tivas, das quais serão encarregados os nossos confrades que tiverem pendor por esse gênero de estudos e ainda aqueles sábios e letrados de fora que, designados por nós, acudirem ao nosso apelo. Convém lembrar que a Acade- mia não se presume mais que um estado-maior da cul- tura nacional, mas que a vitória dessa cultura deve ser conseguida também com o grosso do exército, que não está aqui. Inúmeros especialistas, insubstituíveis, fazem parte desse quadragésimo primeiro lugar da Academia, o mais numeroso e o mais rico dos postos acadêmicos.” Das duas séries de clássicos nacionais — Literatura e História — saíram a lume algumas obras da primeira e apenas uma da segunda. Motivos conhecidos fizeram mangrar o promissor empreendimento, não porque a boa vontade do seu diretor lhe faltasse e seu apelo deixasse de ser correspondido. Das publicações históricas, fazia parte a obra do padre Fernão Cardim, que Afrânio Peixoto houve por bem, ou por mal, atribuir ao que abaixo se nomeia. Se- gundo o plano adotado, a obra devia compreender os três tratados do jesuíta: Do clima e terra do Bra- sil, Do princípio e origem dos índios do Brasil e Narrativa epistolar, ou Informação da missão do padre Christovão de Gouvêa às partes do Brasil, cabendo-lhe anotar o primeiro e terceiro, por isso que, em relação ao segundo, já o fora, e superiormente, por Baptista Caetano de Almeida Nogueira. A Afrânio Peixoto pertence esta primorosa nota in- trodutória, inédita, que, com o seu consenso para aqui se traslada: “Pela primeira vez reúnem-se, num só tomo, com o seguimento que parece lógico, o aparelho de notas eru- ditas elucidativas e o título a que têm direito, os trata- dos do padre Fernão Cardim sobre o Brasil. “Primeiro – Do clima e terra do Brasil, manus- crito da Biblioteca de Évora, copiado de códice do Insti- tuto Histórico pelo senador Cândido Mendes, publicado em parte por seu filho Dr. Fernando Mendes, e, inte- gralmente, em 1885, pelo erudito Capistrano de Abreu, que o identificou com o tratado que publicara em 1625 Samuel Purchas: as notas, só agora apostas, são da com- petência de Rodolfo Garcia. “Depois – Do princípio e origem dos índios do Brasil, também manuscrito de Évora, publicado em inglês, em 1625, na coleção Purchas, identificado por Capistrano de Abreu, a quem se deve, em 1881, a edição vernácula, acrescentada de notas pelo sábio Baptista Caetano de Almeida Nogueira. “Finalmente, depois da Terra e da Gente do Brasil, aqueles que aqui vieram ter, para a posse, a colonização, a catequese e a civilização do Brasil e dos brasileiros, – a Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica, co- piada também de um manuscrito de Évora e por Francisco Adolpho deV arnhagen, publicada em Lisboa, em 1847: nem Varnhagen, então, nem, posteriormente, Eduardo Prado, na edição do Instituto Histórico, de 1902, lhe puderam dar as notas necessárias – cabe agora esta honra a Rodolfo Garcia. “Portanto, aos três tratados do padre Fernão Car- dim parece exato o título, que lhe damos, complexivo: – Tratados da terra e gente do Brasil – que são agora não só homenagem a um grande missionário que amou, observou, sofreu e tratou o Brasil primitivo, como contribuição do nosso reconhecimento a essas missões jesuíticas, que educaram os primeiros brasileiros, e, para os de todos os tempos deixaram memórias desse passado nos seus escritos, cartas e narrativas ao padre Fernão Cardim, missionário, reitor, procurador e provincial, se não chegassem os méritos que tais títulos encerram, bas- taria o ter sido um elo dessa cadeia a que pertenceram Anchieta e Vieira; precisamente está ele entre os dois, até pelos sucessos da vida: assistiu às moléstias e doenças dos últimos anos do velho José de Anchieta, no Colégio do Morro do Castelo — vindo de Piratininga ao Rio de Janeiro, antes de ir finar-se em Reritiba, no Espírito Santo, – quase o preparando para a outra sua celeste vida, e depois, abriu as portas do Colégio do Terreiro de Jesus, já na Bahia, ao jovem Antônio Vieira, que, a contragosto da família, procurava ali o seu refúgio, — como preparador também para a imortalidade de sua grande vida. “Estes passos são simbólicos da obra do padre Fer- não Cardim: cuidado, trato, amor de um Brasil que ia passar, e morrer, legados ao Brasil da posteridade, que, esse, passando sucessivamente, nunca morrerá, e há de guardar entre as suas memórias saudosas e fiéis estes Tratados da terra e gente do Brasil...” O plano malogrou-se, por então, como se disse; mas o trabalho do anotador ficou em condições de ser dado desde logo à imprensa, à espera tão somente de editor. Esse havia de aparecer no próprio ano que se completa o tricentenário da morte de Fernão Cardim, na pessoa do Dr. José Attico Leite, jovem e inteligente livreiro-editor, a quem já devem as boas letras ótimos serviços. A presente edição da obra do venerável missionário, que reunida se imprime pela primeira vez, vale assim, neste momento, por uma comemoração expressiva e jus- tíssima. II Quantos estudem o passado brasileiro hão de reco- nhecer que no acervo dos serviços prestados às nossas le- tras históricas existe em aberto grande dívida de gratidão para com esse meritório jesuíta. De fato, entre os que em fins do século XVI trataram das coisas do Brasil, foi Fer- não Cardim dos mais sédulos informantes, em depoimen- tos admiráveis, que muita luz trouxeram à compreensão do fenômeno da primeira colonização do país. Foi dos precursores da nossa História, quando ainda o Brasil, por assim dizer, não tinha história; por isso mesmo, como a respeito de Gandavo já se observou, a sua história é antes natural que civil, ou uma e outra coisa ao mesmo tempo. Nele há o geógrafo, que estuda a terra, suas divisões, seu clima, suas condições de habitabilidade; o etnógrafo, que descreve os aborígines, seus usos, costumes e cerimônias; o zoólogo e o botânico, por igual aparelhado para o exame da fauna e da flora desconhecida; mas há também o histo- riador decerto, que discorre sobre as missões dos jesuítas, seus Colégios e residências, o estado das capitanias, seus habitantes e suas produções, o progresso ou a decadência da colônia, e suas causas, sobre a vida, enfim, daquela sociedade nascente, de que participava. Seus depoimentos são os de testemunha presencial, e valem ainda mais pela espontaneidade e pela sinceridade com que singelamente os prestou. Comparte daquelas missões abnegadas, que a Socie- dade de Jesus recém-criada espalhava pelo mundo afora “para maior glória de Deus” — Fernão Cardim, pelas circunstâncias de sua vida, ficou entre José de Anchieta e Antônio Vieira, formando uma tríade maravilhosa a dominar a legião imensa daqueles apóstolos que edu- caram os nossos primeiros patrícios, que os defenderam do opróbrio da escravidão, que presidiram, enfim, a fundação da nacionalidade brasileira. A vida de Fernão Cardim é quase desconhecida. A data de seu nascimento é incerta. Ele próprio, qualifi- cando-se em 14 de agosto de 1591 perante a mesa do Santo Ofício, a que presidia o visitador Heitor Furtado de Mendonça, na cidade do Salvador, declarou ter 43 anos, “pouco mais ou menos” — Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil — denunciações da Bahia (São Paulo, 1925) p. 327. — Teria, portan- to, nascido em 1548; essa data, porém, não confere com a que consignou o padre Antônio Vieira, na Annua da província do Brasil dos anos de 1624 e 1625, publi- cada nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Ja- neiro, tomo XIX (1827) p. 187, – ao dizer que Cardim entrou na Companhia de Jesus em 1555, aos 15 anos de idade, fazendo assim retrotrair o ano de seu nascimento para 1540. De uma biografia sumaríssima estampada na Revista de Historia, de Lisboa, v. X (1921), consta o início de seu noviciado em 9 de fevereiro de 1566; a prevalecer sua declaração, contaria então 18 anos, ao passo que tomada como certa a de Vieira, teria 26 anos. Entre uma e outra hipótese, mais aceitável parece a pri- meira, mesmo porque a informação da Annua encerra evidente erro aritmético, quando estabelece que “Cardim entrou na Companhia em 1555, aos 15 anos de idade, viveu nela 60 e faleceu com 75”. Era natural deV iana de Alvito, arcebispado de Évora, filho de Gaspar Clemente e sua mulher D. Inez Cardim, de família antiga e importante em Portugal. Seu irmão mais velho, o Dr. Jorge Cardim Fróes, ocupou vários car- gos de administração da Justiça, e foi na Corte de Lis- boa Desembargador dos Agravos da Casa de Suplicação. Para o exercício de emprego tão alto na magistratura do Reino se requeria “homem fidalgo, de limpo sangue, de sã consciência, letrado, se fosse possível, e abastado de bens temporais”. Seus outros irmãos, Lourenço Cardim e Diogo Fróes, pertenceram, como ele, à Companhia de Jesus: o primeiro, acabados os estudos e ordenado sa- cerdote, passou para o Brasil em 1585, e foi morto em viagem por corsários franceses; o segundo foi lente de Te- ologia Moral no Colégio e Universidade de Coimbra, e na peste de Lisboa (1568-69), servindo aos empestados, contraiu o mal e morreu no hospital da cidade. Quatro sobrinhos de Fernão Cardim, filhos do Dr. Jorge Cardim Fróes e sua mulher D. Catarina de Andrada, seguiram vida religiosa: João, Antonio e Diogo pertenceram à Companhia, e Plácido à Ordem Conventual de Cristo. De João Cardim escreveu a Vida e virtudes o padre Sebastião de Abreu (Évora, 1659). Antonio Francisco Cardim missionou no Japão, e escreveu os Fasciculus à japonicis floribus, etc. (Roma, 1646), que aparece- ram em português com o título Elogios e ramalhetes de flores, borrifados com o sangue dos religiosos da Companhia de Jesus, etc. (Lisboa, 1650); escreveu também uma Relação da província do Japão, de que se conhece apenas a tradução francesa, impressa em Paris em 1646; escreveu ainda as Batalhas da Companhia de Jesus na sua gloriosa província do Japão, que se conservaram inéditas até 1894, quando foram dadas a lume pela Sociedade de Geografia de Lisboa. De Diogo Cardim sabe-se que missionou na Índia; sobre frei Plá- cido nada se consegue apurar. Da existência de Fernão Cardim em Portugal, an- tes de vir para o Brasil, faltam pormenores. Já era pro- fesso dos quatro votos e Ministro do Colégio de Évora, quando foi designado, em 1582, para companheiro do padre visitador Christovão de Gouvêa; passou a Lisboa em princípios de outubro daquele ano e ali esteve cinco meses, até que, a 5 de março de 1583, com o governa- dor Manuel Teles Barreto, o visitador e outros padres, embarcou para o Brasil, chegando à Bahia a 9 de maio seguinte. Daquela primeira data por diante, enquan- to durou a missão do padre Gouvêa, podemos segui-lo, quase dia a dia, através das páginas tão animadas quão encantadoras da Narrativa epistolar. Na Bahia, nos Ilhéus, Porto Seguro, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, esteve uma e mais vezes, em com- panhia do visitador, que ordenava as coisas necessárias ao bom meneio dos Colégios e residências existentes na- quelas partes. Da Bahia, em 1 de maio de 1590, datou a segunda e última carta da Narrativa; era reitor do Colégio, cargo que ainda tinha em 1593, porque assi- nava em 29 e 31 de julho e 2 de agosto, logo após ao visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendon- ça, as determinações que se assentaram em mesa sobre alguns casos especiais, – conforme faz fé a Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil (São Paulo, 1922), p. 46. No Rio de Janeiro, como reitor do Colégio de São Sebastião, estava em 1596, e nessa qualidade passava procuração, datada de 3 de feverei- ro, ao padre Estevão da Grã para demarcar e tomar posse das terras de Guaratiba, que haviam pertencido a Christovão Monteiro e eram, por doação, incorpora- das ao patrimônio dos padres da Companhia, - segundo se verifica do Tombo ou cópia fiel da medição da Fazenda Nacional de Santa Cruz (Rio de Janeiro,

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