TTÂÂNNIIAA MMAARRAA DDEE BBAASSTTIIAANNII H á um significativo conjunto de obras em nosso país, oriundas de pesquisas que se traduzem em textos primorosos. Tais obras, meto- dologicamente, não se atêm apenas ao fazer-se dos sujeitos, da classe, nas e por meio das vivências contraditó- rias e conflituosas da luta pela terra no passado recente e para a permanência nela. As relações entre os trabalhado- res e fazendeiros/latifundiários, com outros grupos étnicos e modos de vida diversos, igualmente estão presentes em muitos estudos. Esta dimensão analítica traduz-se na bela pesquisa e escrita do texto desta obra, de Tânia Mara de Bastiani. Dr. Davi Félix Schreiner Doutor em História Social pela USP Docente do PPGH/Unioeste TÂNIA MARA DE BASTIANI PASSO FUNDO 2021 © 2021, Tânia Mara de Bastiani Acervus Editora Todos os direitos reservados à autora Av. Aspirante Jenner, 1274 - Lucas Araújo Editoração – 99074-360 Alex Antônio Vanin Passo Fundo - Rio Grande do Sul - Brasil Capa Tel.: (54) 99686-9020 Deivisom Schirmer de Lima E-mail: [email protected] (DS Lima) Site: acervuseditora.com.br Projeto Gráfico Acervus Conselho Editorial Originais enviados pela autora em: Ancelmo Schörner (UNICENTRO) Fevereiro de 2021 Eduardo Knack (UFCG) Aprovação pelo Conselho Editorial em: Eduardo Pitthan (UFFS – Passo Fundo) Março de 2021 Federica Bertagna (Università di Verona) Finalização da obra: Gizele Kleidermacher (Universidad de Buenos Aires) Abril de 2021 Helion Póvoa Neto (UFRJ) As ideias, imagens, figuras e demais Humberto da Rocha (UFFS – Campus Erechim) informações apresentadas nesta obra são João Carlos Tedesco (UPF) de inteira responsabilidade da autora João Vicente Ribas (UPF) A revisão do texto foi de Roberto Georg Uebel (ESPM) responsabilidade da autora Vinícius Borges Fortes (IMED) Contato com a autora: [email protected] Nossos inimigos dizem Nossos inimigos dizem: A luta terminou. Mas nós dizemos: Ela começou. Nossos inimigos dizem: A verdade está liquidada. Mas nós dizemos: Nós a sabemos ainda. Nossos inimigos dizem: Mesmo que ainda se conheça a verdade Ela não pode mais ser divulgada. Mas nós a divulgamos. É a véspera da batalha. É a preparação de nossos quadros. É o estudo do plano de luta. É o dia antes da queda De nossos inimigos. (Bertolt Brecht) Prefácio A questão agrária no Brasil tem dimensionado diversos estudos historiográficos. Os trabalhos, em grande medida, têm procurado explicitar as práticas sociais e as falas dos trabalhadores, em especial, por meio de entrevistas orais. Emergem, de modo especial, as memórias e as experiências transformado- ras dos sujeitos individuais e dos sujeitos coletivos. Há um significativo conjunto de obras em nosso País, oriundas de pesqui- sas que se traduzem em textos primorosos. Tais obras, metodologicamente, não se atêm apenas ao fazer-se dos sujeitos, da classe, nas e por meio das vivências contraditórias e conflituosas da luta pela terra no passado recente e para a per- manência nela. As relações entre os trabalhadores e fazendeiros/latifundiários, com outros grupos étnicos e modos de vida diversos, igualmente estão presentes em muitos estudos. Esta dimensão analítica traduz-se na bela pesquisa e escrita do texto desta obra, de Tânia Mara de Bastiani. A autora, para além do mencionado acima, ao mesmo tempo tece um re- trospectivo histórico dialético, que parte do presente ao passado. A pesquisa foi instigada por questões que envolvem a formação de uma fazenda que, após desa- propriada, em 2008, deu origem ao assentamento Dom José Gomes (DJG) em Chapecó/SC: a fazenda Seringa/Paraíso. A localização do imóvel compreende a área envolvendo dois títulos: Campina do Gregório e Barra Grade. Da análise do processo de desapropriação e do levantamento sobre a con- centração fundiária no Oeste de Santa Catarina, a pesquisadora passa à com- preensão da formação agrária, à análise da exclusão e exploração social e o tecer da organização e da luta pela terra. Sempre, todavia, amalgamada ao tempo pre- sente, num esforço de compreender as contradições socioeconômicas, a trajetó- ria de luta e a constituição dos sujeitos, e, assim, explicitando a conjuntura atual. Ao utilizar a concepção o fazer-se do MST, a autora oferece ao leitor as trajetórias dos sujeitos, suas práticas sociais (cultura, política e economia), ana- lisando o modo como vivem, sentem, significam e conferem sentidos as suas vi- vências. Nas suas palavras, “como os sujeitos recusam situações e fazem escolhas conscientes, mesmo que as dificuldades da vida lhes permitam limitados cami- nhos para seguir”. Suas trajetórias evidenciam situações de sujeitos expropriados do processo de formação e constituição da pequena propriedade, fazendo da luta pela terra uma alternativa de vida. O texto deslinda, com grande quantidade de fontes, de riqueza ímpar, os encontros e desencontros de sujeitos de diferentes modos de vida. A atuação de colonizadoras, no contexto do projeto colonizador, a concentração da estrutu- ra agrária, desconstruindo o mito da pequena propriedade como detentora, em tamanho, da maior área agricultável da região Oeste de Santa Catarina. É neste contexto contraditório e altamente excludente que os Sem Terra se organizam para lutar pela terra, conquistando assentamentos rurais. A ambiência do acampamento é tempo de espera, de organização, de parti- lha de luta pela vida. É nela que a comunidades de iguais se tece cotidianamente no trabalho coletivo, na tomada de decisões em assembleias, na ajuda mútua, e no enfrentamento aos fazendeiros. A “experiência da lona preta” é situação de liminaridade, de constituição de sujeitos na luta e de passagem para uma nova condição, prospectiva, com a conquista do assentamento. Em tal ambiência, que se diferencia de assentamento em assentamento, outros limites e desafios se impõem. A cooperação entre as famílias é uma das formas de superarem o problema de cultivarem a terra e produzirem alimentos. A partilha se faz, mas já não é a mesma e tampouco com a intensidade daquela do acampamento. Formas de produção alternativas de alimentos e de organização da terra e do trabalho são discutidas. Todavia, prepondera a terra e o trabalho coletivo familiar. Muitas famílias conciliam o serviço no roçado com o trabalho fora do assentamento. 6 Trajetórias de lutas e formação agrária no Oeste Catarinense A autora, em suma, com um texto escrito em filigranas, oferece ao leitor as múltiplas experiências vividas na ambiência contraditória da formação agrária no Oeste de Santa Catarina, no acampamento e no assentamento, a crítica e a autocrítica do MST às experiências junto à base. Também em destaque, a inter- pretação das relações sociais e da atuação desse movimento social evidenciam a dinâmica do fazer-se de uma práxis, que se assenta na premissa libertária. Esse movimento e seus possíveis percursos se mostram abertos, é uma história da for- mação agrária dos e com os sujeitos no seu fazer-se! Dr. Davi Félix Schreiner Doutor em História Social pela USP Docente do PPGH/Unioeste Tânia Mara de Bastiani 7 Sumário Introdução ...................................................................................11 Capítulo I Formação agrária e projeto colonizador .............................................................23 Capítulo II Concentração fundiária e luta pela terra ............................................................63 Capítulo III Ocupação como solução .....................................................................................101 Capítulo IV Do acampamento à desapropriação .................................................................133 Capítulo V Na terra: outros desafios e novas possibilidades ...........................................169 Considerações finais ..............................................................205 Fontes de pesquisa .....................................................................213 Notas de fim ................................................................................225 Introdução Eram 400 km percorridos por dia, 200 para ir e 200 para voltar, a cada vez que me deslocava para encontrar meus alunos. Da janela da van que levava os professores de Santa Maria/RS para Alegrete/RS, a paisagem repetia-se a cada quilômetro percorrido. Nos campos plainos do pampa gaúcho, frequentemen- te avistava-se bois, ovelhas, cavalos, algumas emas, pássaros locais e, em espaços de alguns quilômetros, cercas separando propriedades, mas dificilmente via-se seres humanos. Esses, apesar de existirem na região da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul (RS), eram vistos apenas nas áreas urbanas de alguns municípios que passávamos: São Pedro, São Vicente, São Francisco e, para romper o nome dos Santos, Manoel Viana. As viagens fizeram-me compreender a seguinte frase atribuída ao poeta alegretense Mario Quintana: “Em Alegrete, quem não é fa- zendeiro, é boi”. Apesar de não registrada e da existência de quem defenda que sua repercussão causou estragos à imagem do poeta diante de sua terra natal, o sentido dela se fez compreensível nos elementos observáveis através das inúme- ras viagens até o Instituto Federal Farroupilha daquele município. No mesmo ano que deixei de atuar como professora em Alegrete (2013) – pois era apenas substituta e ao fechar dois anos de contrato dei uma pausa em minha breve carreira docente –, passei a realizar um caminho semelhante ao per- corrido até o Instituto. Também tendo como pano de fundo o pampa gaúcho, algumas cercas em espaços de muitos quilômetros e quase nenhum ser humano, passei a ir até um assentamento do município de São Gabriel/RS, localizado na