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trajetória trajetória assistencial no âmbit assistencial no âmbit assistencial no âmbito da saúde repr PDF

14 Pages·2002·0.17 MB·Portuguese
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Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Artigo de Revisão www.eerp.usp.br/rlaenf 358 TTTTTRRRRRAAAAAJJJJJEEEEETTTTTÓÓÓÓÓRRRRRIIIIIAAAAA AAAAASSSSSSSSSSIIIIISSSSSTTTTTEEEEENNNNNCCCCCIIIIIAAAAALLLLL NNNNNOOOOO ÂÂÂÂÂMMMMMBBBBBIIIIITTTTTOOOOO DDDDDAAAAA SSSSSAAAAAÚÚÚÚÚDDDDDEEEEE RRRRREEEEEPPPPPRRRRROOOOODDDDDUUUUUTTTTTIIIIIVVVVVAAAAA EEEEE SSSSSEEEEEXXXXXUUUUUAAAAALLLLL ----- BBBBBRRRRRAAAAASSSSSIIIIILLLLL,,,,, SSSSSÉÉÉÉÉCCCCCUUUUULLLLLOOOOO XXXXXXXXXX Edir Nei Teixeira Mandú1 Mandú ENT. Trajetória assistencial no âmbito da saúde reprodutiva e sexual – Brasil, século XX. Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71. Construções tecnoassistenciais em torno dos processos da reprodução e sexualidade, no âmbito do setor de saúde brasileiro, encaminhadas no século passado, são o objeto em discussão. Recupera-se a sua trajetória histórica, com ênfase em três grandes momentos: um primeiro, até os anos 50, quando se assentam as bases de uma responsabilidade pública com a maternidade e difundem-se intervenções médicas moralizantes no campo da sexualidade; um segundo, entre os anos 50 e 70, em que se consolida o cuidado clínico-educativo dirigido ao processo reprodutivo feminino e a complicações do sistema sexual de ambos os sexos; um terceiro, em que se constroem bases políticas mais amplas de atenção à saúde, reprodução e sexualidade. Descritores: saúde pública, reprodução, sexualidade TTTTTHHHHHEEEEE EEEEEVVVVVOOOOOLLLLLUUUUUTTTTTIIIIIOOOOONNNNN OOOOOFFFFF CCCCCAAAAARRRRREEEEE IIIIINNNNN TTTTTHHHHHEEEEE AAAAARRRRREEEEEAAAAASSSSS OOOOOFFFFF RRRRREEEEEPPPPPRRRRROOOOODDDDDUUUUUCCCCCTTTTTIIIIIVVVVVEEEEE AAAAANNNNNDDDDD SSSSSEEEEEXXXXXUUUUUAAAAALLLLL HHHHHEEEEEAAAAALLLLLTTTTTHHHHH ––––– BBBBBRRRRRAAAAAZZZZZIIIIILLLLL,,,,, 2222200000TTTTTHHHHH CCCCCEEEEENNNNNTTTTTUUUUURRRRRYYYYY Technical and practical works on the reproduction and sexuality processes conducted in Brazil, in the last century, are the subject of this article. Therefore, authors review the history and emphasize three moments: the first one, until the 1950’s, when the basis of public responsibility is defined specially regarding maternity and medical interventions are carried out in order to moralize the sexuality field; second, between the 1950’s and 1970’s, when the clinical and educative health care is consolidated and directed to women reproductive process and complications on men and women sexual apparatus; third, when broader political bases are built regarding health care, reproduction and sexuality. DESCRIPTORS: public health; reproduction; sexuality 1 Professor Adjunto da Faculdade de Enfermagem e Nutrição da UFMT, Doutoranda em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, e-mail: [email protected] Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Trajetória assistencial... www.eerp.usp.br/rlaenf Mandú ENT. 359 TTTTTRRRRRAAAAAYYYYYEEEEECCCCCTTTTTOOOOORRRRRIIIIIAAAAA AAAAASSSSSIIIIISSSSSTTTTTEEEEENNNNNCCCCCIIIIIAAAAALLLLL EEEEENNNNN EEEEELLLLL AAAAAMMMMMBBBBBIIIIITTTTTOOOOO DDDDDEEEEE LLLLLAAAAA SSSSSAAAAALLLLLUUUUUDDDDD RRRRREEEEEPPPPPRRRRROOOOODDDDDUUUUUCCCCCTTTTTIIIIIVVVVVAAAAA YYYYY SSSSSEEEEEXXXXXUUUUUAAAAALLLLL ----- BBBBBRRRRRAAAAASSSSSIIIIILLLLL,,,,, SSSSSIIIIIGGGGGLLLLLOOOOO XXXXXXXXXX Construcciones técnico-asistenciales alrededor de la reproducción y la sexualidad, en el ámbito del sector salud Brasileño en el siglo pasado, son el objeto en discusión. Se recupera la trayectoria histórica con énfasis en tres grandes momentos: un primer momento hasta los años 50, cuando se asientan las bases de una responsabilidad pública con la maternidad y se difunden intervenciones médicas moralizantes en el campo de la sexualidad; el segundo, entre los años 50 y 70, en que se consolida el cuidado clínico-educativo dirigido al proceso reproductivo femenino y a las complicaciones del sistema sexual de ambos sexos; y un tercero, donde se identifican bases más amplias de atención a la salud, reproducción y sexualidad. DESCRIPTORES: salud pública; reproducción; sexualidad INTRODUÇÃO se convencionou denominar sistema médico, que contempla significativas inclusões A trajetória da atenção pública à saúde tecnológicas no cuidado à vida humana no âmbito da reprodução e sexualidade, no relativas a instrumentos e meios diagnósticos, Brasil do século XX, articulada aos seus controle e tratamento da saúde, processos específicos determinantes, ainda está por ser normativos, relacionais, saberes e sistemas reconstituída. A intenção, neste artigo, não é organizacionais de cuidados, através de dar conta dessa tarefa, mas aproximar-se práticas denominadas comumente de saúde desse percurso, reunindo informações pública e assistência médica(2,3-4). Nesse dispersas em estudos que exploram ângulos movimento, desenha-se um campo de atuação diversos da prática em saúde e daquela político-social voltado à atenção a específica atenção no país, destacando necessidades nas esferas da reprodução e proposições políticas, modelos organizacionais sexualidade. No cuidado a essas dimensões e incorporações tecnológicas. da vida humana, são construídas tecnologias No século XX, ocorreram expressivas diversas, em dados modelos organizacionais, mudanças na interpretação e efetivação de a partir de necessidades e possibilidades direitos em saúde, nos padrões de saúde- identificadas e valorizadas no interior de doença, nos conhecimentos médicos, nos processos sociais e políticos em curso no país. modelos e práticas assistenciais. Surgiram Essas construções, em linhas gerais, novas construções técnico-científicas, serviços, circunscrevem-se: à construção social do papel medidas e ações públicas e privadas em saúde, materno no cuidado da saúde dos filhos; à intermediados por lutas sociais em prol de conformação de certos padrões de condições mais dignas de vida e políticas comportamento sexual; ao controle quantitativo públicas favoráveis. Nesse século as da procriação; ao cuidado médico com a sociedades ousaram pensar a saúde com uma gravidez, parto, puerpério e funcionalidade do intencionalidade prática(1). sistema reprodutivo/sexual; à ampliação de Com essas mudanças demarca-se o que direitos nessas esferas. Essas formulações Trajetória assistencial... Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Mandú ENT. www.eerp.usp.br/rlaenf 360 apresentam-se de modo peculiar, em as relações escravocratas, sob o domínio momentos distintos da prática em saúde, e colonial português, e, nesse contexto, a podem ser classificadas em, pelo menos, três participação estatal em saúde é praticamente grandes fases: a da maternidade e sexualidade inexistente, resumida apenas a algumas como constituintes do projeto higienista/ medidas de caráter mais geral e/ou de auxílio eugenista, do final do século XIX a meados do financeiro à filantropia. século XX; a da reprodução como constituinte A prática médica preocupa-se com o do projeto médico, do final da fase anterior à combate da desordem social, considerada década de 70; a da saúde, sexualidade e causa dos problemas de saúde existentes. Em reprodução, como constituintes dos direitos suas bases, encontra-se um projeto higienista, sociais, abrangendo, particularmente, as articulado à ordem e à moral. A família constitui- décadas de 80 e 90. se o grande alvo das suas medidas, voltadas à construção de comportamentos interpretados como favoráveis ao controle da mortalidade O PROJETO HIGIENISTA/EUGENISTA NO (sobretudo infantil) e estímulo à natalidade, BRASIL: A SEXUALIDADE E A postulando-se a restrição do exercício da MATERNIDADE SOB CONTROLE sexualidade, sobretudo das mulheres, às relações conjugais e à procriação*(6). No final do século XIX, a ciência e a É no início do século XX, no contexto de técnica em saúde são pouco desenvolvidas no reorganização produtiva, política e geográfica Brasil. As instituições governamentais de saúde do Brasil republicano, que se localizam restringem-se praticamente a órgãos de iniciativas mais amplas do poder público no fiscalização e regulamentação das condições âmbito da saúde, acompanhadas da criação/ sanitárias do meio(3). A população recorre adoção de tecnologias como campanhas diretamente a médicos, cirurgiões, barbeiros, educativas, policiamento sanitário, saneamento curandeiros, parteiras e curiosas, sendo os de portos e cidades, imunização de massa e pobres assistidos por iniciativas filantrópicas(2). isolamento de doentes(3). A assistência ao parto e o tratamento de Nesse momento, várias unidades infecções do aparelho genital (problemas burocráticas de saúde pública são criadas, com venéreos) são realizados no espaço dos responsabilidade consultiva, normativa e domicílios. Os governos quase não participam executiva, generalizando-se normas e medidas desses e de outros cuidados. Os legais em torno daquelas práticas. O modelo conhecimentos técnico-científicos em saúde, tecnológico organizado viabiliza-se através de reprodução e sexualidade são bastante institutos de pesquisa, laboratórios e algumas restritos(3-5). poucas unidades de assistência. Em seu Predominam as atividades fundiárias e interior, são produzidos novos conhecimentos * O discurso higienista, no Brasil, articula saúde-doença à ordem-desordem social. Dirigido à reprodução e sexualidade, evidencia as responsabilidades da mulher no cuidado da saúde infantil, na prevenção de agravos à saúde da família, estimulando a natalidade e a restrição do sexo à procriação(6) Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Trajetória assistencial... www.eerp.usp.br/rlaenf Mandú ENT. 361 científicos em torno da etiologia, meios atenção à saúde. O combate governamental diagnósticos e medidas de prevenção das da pobreza e doença apresenta-se como uma enfermidades coletivas contagiosas, com base, condição fundamental à estabilização política sobretudo, na bacteriologia, imunologia e e organização de um novo mercado de engenharia sanitária(7). A saúde e a doença são trabalho, favorável ao desenvolvimento inicial encaradas como processos coletivos, da industrialização nacional. decorrentes da agressão do meio social/natural Desse modo, ao lado da preocupação sobre o corpo biológico. O modelo construído com as questões do meio, novos padrões de e as tecnologias aplicadas voltam-se à higiene são traçados e implementados através descoberta dos agentes contaminantes, ao seu de práticas educativas sistemáticas. Desafios isolamento, à destruição dos vetores e ao como a desqualificação física para o trabalho aumento da resistência dos indivíduos às e problemas de saúde infantil suscita medidas doenças(4). preventivas e corretivas articuladas em torno A atenção pública à reprodução, nesse da chamada educação sanitária(3). contexto, é restrita, caracterizando-se Nos anos 20, desenvolve-se a base basicamente pelo padrão de interferência inicial da atenção médico-previdenciária no familiar dos anos anteriores. Frente à Brasil, dirigida a trabalhadores inseridos no sexualidade, as ações governamentais mercado urbano de setores de ponta, nos circunscrevem-se ao controle médico dos espaços geográficos que primeiro se problemas venéreos. No início do século XX, a industrializam(9). Essa nova organização sífilis apresenta-se como um dos grandes preocupa-se com processos de cura, mediante problemas urbanos, enfrentado através de serviços específicos, distinguindo-se dos medidas de alerta, de educação moral e de voltados ao controle das doenças, via medidas controle sanitário. Em hospitais, várias áreas de higiene, educação sanitária e organização são construídas para o seu tratamento, aplicam- administrativa dos serviços(4). se medidas educativas à população, práticas Nos anos 30, estrutura-se uma de inspeção são dirigidas a amas-de-leite e explicação médico-sanitária, construída com a militares e institui-se a obrigatoriedade do participação de sanitaristas dos grandes exame pré-nupcial(8). centros brasileiros, influenciados por Planos e ações governamentais mais experiências americanas, manifestando-se abrangentes, nas esferas em questão, são uma nova compreensão da saúde-doença, que encaminhados somente a partir dos anos 20/ passa a ser predominantemente interpretada 30, quando a saúde pública compromete-se como fenômeno individual/coletivo determinado com novos processos sociais e passa a pelos próprios indivíduos(4). A saúde pública desenvolver ações específicas dirigidas à passa a ocupar-se sobretudo da educação dos infância, maternidade e profilaxia em geral. indivíduos, visando ao controle das doenças Nesses anos, grupos sociais diversos através de ações pedagógicas junto à família. colocam em cheque o regime político liberal- Sob orientação do modelo médico- republicano e canalizam, para o Estado, sanitário, a nova organização da assistência pressões por melhores condições de vida e de toma como eixo os postos e centros de saúde, Trajetória assistencial... Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Mandú ENT. www.eerp.usp.br/rlaenf 362 organizados em uma estrutura regionalizada, combate às doenças venéreas (e lepra), comandada pelo setor público, com a criando-se, em 1920, a primeira legislação participação específica de sanitaristas. As brasileira nesse terreno. Institui-se uma atividades desenvolvidas associam às ações inspetoria com a função de fiscalizar os educativas o controle das doenças, através do serviços, formular normas técnicas, organizar diagnóstico e tratamento precoces(4). No interior nacionalmente a profilaxia e intervir desses serviços alarga-se a atenção medicamente em pessoas recolhidas em asilos governamental à reprodução, maternidade e a e prisões. Em 1921, estrutura-se um grande aspectos da sexualidade, orientada por uma laboratório para diagnóstico da sífilis e visão que valoriza a educação como via fabricação de medicamentos específicos e essencial à saúde. Como parte dos cuidados, preservativos. Alastram-se, pelo país, são eleitas medidas educativas de estímulo e dispensários antivenéreos, alguns localizados controle da amamentação, de cuidado materno nos principais portos brasileiros(8). com a vida infantil e de desenvolvimento de Na proteção médico-sanitária da comportamentos para a prevenção dos gravidez e vida infantil, utilizam-se tecnologias problemas venéreos. como estímulo à amamentação natural, o Os anos 20 são considerados centrais recurso das amas-de-leite (práticas presentes no combate das doenças venéreas, incluindo anteriormente), educação materna para o a participação do governo federal e a de um cuidado de bebês, programas de higiene da grupo de médicos e cientistas da Sociedade gravidez (autocuidado com a gravidez e a Brasileira de Dermatologia e Sifilografia. A alimentação apropriada), distribuição de leite a preocupação com a formação de trabalhadores gestantes e nutrizes pobres, além de práticas hígidos, especialmente com a diminuição do de visitação domiciliar(3,6,8,10-11). Às práticas fluxo imigratório no Brasil, torna explícitas educativas juntam-se alguns cuidados médicos questões como o problema da sífilis e o sentido individualizados, de diagnóstico e tratamento moral que a acompanha. Ajuíza-se que a precoces dos problemas, que passam a ganhar mistura de raças no Brasil é o resultado de uma cada vez mais espaço com o avanço da promiscuidade que, por meio de estratégias assistência médica(11). Emprega-se um discurso eugênicas*, poderia ser superada. A de higiene infantil dependente dos padrões de hereditariedade é controlada via medidas moralidade da família e cuidado materno, que normalizadoras da sexualidade. Apregoam-se propõe regras e mudanças de comportamentos os exames pré-nupciais, regras são a seus membros(6). estabelecidas a respeito do casamento e, Entre 1930 e 1945, novas estruturas através de ações educativas de caráter burocrático-assistenciais são criadas no campo científico e moralizador, os comportamentos da saúde pública(3). Ao mesmo tempo, sexuais são disciplinados(10). aprofunda-se a organização da atenção Formula-se uma política nacional de médica, voltada para trabalhadores inseridos * O discurso eugenista ocupa-se do aprimoramento da raça, estimulando sua depuração mediante a aplicação de medidas educativas moralizantes e de controle da hereditariedade(10) Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Trajetória assistencial... www.eerp.usp.br/rlaenf Mandú ENT. 363 no mercado de trabalho em desenvolvimento. produtivas. Aceleram-se a industrialização e o À medida que a saúde pública sedimenta sua processo de urbanização, e inúmeras tensões atuação, a atenção previdenciária projeta-se e pressões marcam as relações do Estado com favorecida pelo financiamento do Estado, a sociedade civil, face ao acesso diferenciado inicialmente mediante auxílios e subvenções e, a condições de vida e saúde. Assim, como parte mais tarde, também através da compra de de um processo em que se garantem as bases serviços(9). sociais e políticas para o crescimento Aumenta o número de unidades de econômico nacional são contempladas, no saúde pública, sob encargo estadual, setor saúde, propostas mais abrangentes de especialmente de centros e postos de saúde e atenção ao grupo materno-infantil(3). postos especiais, responsáveis, entre outros Solidificam-se ações públicas voltadas à processos, pelo controle de doenças maternidade e infância, num cenário em que transmissíveis (incluindo as venéreas) e pela se aprofunda a preocupação com a formação proteção médica de gestantes e crianças. de quadros humanos para o crescente trabalho Concomitantemente, expandem-se industrial, luta-se por melhoria do acesso a significativamente serviços hospitalares serviços e produzem-se novos modos de atuar públicos e privados(3). Em 1937, é criada a no campo. Diretoria de Proteção à Maternidade e Infância, Na saúde pública, essa assistência entre outras razões, para apoio técnico e orienta-se pela puericultura, que, em seu financeiro às instituições públicas e privadas desenvolvimento, mantém/introduz tecnologias de assistência materno-infantil(11). de controle da gestação, cuidado materno à A partir dos anos 40, a assistência criança, controle pré-nupcial da saúde, dentre médica passa a integrar mais efetivamente os outras, desenvolvidas como parte prática da serviços de saúde pública, nas áreas rede de postos e centros de saúde e dos estabelecidas de controle das doenças denominados clubes de mães. No transmissíveis e também na atenção à reequipamento de instituições materno-infantis, maternidade e infância. Depois de meados da na expansão de postos de puericultura, de década de 40, a assistência materno-infantil postos e centros de saúde pública, de firma-se, apoiada no Departamento Nacional maternidades e serviços de pediatria públicos da Criança. Normas, planos e programas e privados, somam-se investimentos estatais integrados de proteção pública e privada à nacionais e recursos internacionais(11). maternidade, infância e adolescência, incluindo Em síntese, pode-se dizer que, na auxílio financeiro e programas especiais, como primeira metade do século XX (dos anos 20 alimentares e educativos, passam a ser aos 50), assentam-se as bases de uma articulados por essa estrutura(11). responsabilidade governamental com a Com o término da II Guerra Mundial, maternidade, em consonância com a mudanças econômicas e políticas marcam o importância dada ao seu controle para o cenário mundial. No Brasil, luta-se por desenvolvimento econômico-social do Brasil. democratização em meio a substantivas No âmbito da saúde pública, a atenção à alterações no desenvolvimento das forças maternidade organiza-se ligada à preocupação Trajetória assistencial... Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Mandú ENT. www.eerp.usp.br/rlaenf 364 com a saúde infantil, apoiada eminentemente (elaborado nos anos 40), que aponta o social em tecnologias educativas, dirigidas a como um de seus fatores causais, relacionado mulheres, inicialmente com vistas ao cuidado ao hospedeiro e ambiente(12). Articulada por apropriado das crianças e família e, mais tarde, sanitaristas, essa nova proposta enfatiza a também em função da necessidade identificada integralidade do doente e a aplicação de de proteção mais ampla daquele processo. Os medidas preventivas de saúde familiar, visando cuidados desenvolvidos em torno da à superação da dicotomia cunhada entre a sexualidade restringem-se à conformação de saúde pública e a atenção médica(4). um determinado padrão de moralidade Ao contrário, a retração da saúde pública interpretado, hegemonicamente, como e o seu distanciamento da assistência médica apropriado à época e ao controle das doenças aprofundam-se ainda mais, nos anos seguintes. de transmissão sexual, mediante a aplicação As práticas individualizadas e o uso de de tecnologias educativas que disciplinam o tecnologias curativas solidificam-se no exercício conjugal e sexual, sobretudo da vida processo de crescimento dessa última, com a feminina. privatização do setor e com o crescimento do complexo médico-industrial, ambos incrementados por incentivos fiscais, compra O AVANÇO DA ASSISTÊNCIA MÉDICA: de serviços pelo Estado(9) e produção contínua A REPRODUÇÃO EM FOCO de novos conhecimentos técnico-científicos. A partir de meados de 70, no quadro de A reprodução e a sexualidade são crise econômica e social que acompanha o incorporadas como objetos de políticas esgotamento do modelo desenvolvimentista específicas e prioritárias, sobretudo a primeira, dos anos anteriores, confronta-se a somente na segunda metade do século XX, no permanência do acesso diferenciado ao processo de avanço da industrialização consumo de bens e serviços sociais em geral nacional e fortalecimento dos movimentos e e no campo da saúde. Nesse contexto, novas forças sociais, no tempo em que se alarga a medidas governamentais são delineadas, como interferência médica pública e privada em a extensão da assistência à saúde a alguns saúde. setores assalariados, limitadas pela Nos anos 60, manifestam-se problemas contraditória manutenção das bases salariais de saúde cada vez mais complexos no Brasil, do financiamento em saúde(9). A política de relacionados à aceleração da industrialização, saúde assume, além da extensão da urbanização e deterioração das condições de assistência médica à parcela de mulheres vida, num momento de reordenação pobres não inseridas no mercado de trabalho, econômica, chamado de “milagre brasileiro”, a oferta de benefícios como o salário comandado pelo regime político autoritário maternidade(11). (efetivamente instalado em 1964). Demandas crescentes por atenção Desenvolve-se, no setor saúde, um médica e a crise financeira da Previdência discurso e prática preventivistas, baseados no Social, em fins de 1970, geram a eleição de paradigma da história natural das doenças medidas governamentais restritivas dos gastos, Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Trajetória assistencial... www.eerp.usp.br/rlaenf Mandú ENT. 365 valorizando-se investimentos na assistência Prevêm-se, inicialmente, orientação e básica à saúde e a utilização, nesta, de distribuição de meios contraceptivos nos tecnologias simplificadas(4). Mundialmente, o serviços de prevenção da gestação de risco e, ideário da Atenção Primária à Saúde, sob o mais tarde, a sua expansão para os demais marco da medicina comunitária, propunha espaços de execução do programa(11). Com o medidas voltadas à reorganização dos serviços, estímulo ao espaçamento entre as gestações para assistência precoce e contínua de cunho em situações consideradas de risco, justificado preventivo e curativo, destacando a expansão na necessidade de prevenção da mortalidade e melhoria do primeiro nível tecnológico do infantil e materna, revela-se a tônica da setor. Assim, sob a influência desses dois interferência governamental proposta na processos, o Ministério da Saúde reformula as questão do controle/planejamento da diretrizes gerais da assistência à saúde e, em reprodução. Apesar das divergências em torno 1974/1975, também a política nacional de da questão, a necessidade de controle do saúde ao grupo materno-infantil, oficializando- crescimento populacional nos países pobres a através do Programa Materno-Infantil (PMI). encontrava-se presente no cenário mundial, Por meio desse programa são desde os anos 50, e, na América Latina e Brasil, formalizadas ações de assistência à gravidez, desde os anos 60(14). Aqui, medidas de controle parto e puerpério, de estímulo à amamentação do processo reprodutivo já vinham sendo e medidas para espaçamento entre as desenvolvidas, direcionadas a mulheres, gestações, dirigidas a mulheres entre 15 e 49 independentemente das posições oficiais do anos, consideradas partes dos grupos mais governo brasileiro. Não existiam no Brasil, até vulneráveis, delimitados por meio de critérios o final da década de 70, propostas pautados no conceito de risco(13). Os homens governamentais específicas referentes ao ficam de fora dessas proposições, negando- planejamento/controle da prole, mas grupos e se, no plano da política proposta, a participação, instituições filantrópicas e privadas, apoiados responsabilidade e os riscos reprodutivos a que por instituições internacionais e pelo próprio estes também estão sujeitos. governo, disseminavam, entre as populações As novas tecnologias orientam-se para mais pobres, tecnologias contraceptivas, como a assistência ao ciclo grávido-puerperal, a o DIU, os hormonais e a esterilização(11). problemas ginecológicos (câncer e doenças Nos anos 70, inúmeras clínicas e venéreas femininas) e ao controle da fertilidade maternidades são construídas no Brasil, feminina. Ações educativas, realizadas nos crescendo o número de leitos públicos e serviços e nos domicílios, somam-se ao privados para o cuidado aos problemas incremento da terapêutica medicamentosa e à relacionados ao ciclo grávido-puerperal(11). O prevenção e tratamento de agravos controláveis trabalho das parteiras/obstetrizes, até então através de tecnologias como imunização, valorizado, é praticamente substituído pelo suplementação alimentar e controle de trabalho de profissionais especializados problemas menos complexos, do ponto de vista (sobretudo médicos obstetras). médico, como parasitoses, anemias, infecções Nesse momento, a interferência na urinárias, hipertensão, entre outros. esfera da sexualidade continua a se restringir Trajetória assistencial... Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Mandú ENT. www.eerp.usp.br/rlaenf 366 a problemas orgânicos decorrentes da atividade produzidos e atualizados continuamente via sexual e do próprio processo da reprodução, mercado. abarcando, especialmente, o controle de Nesse contexto, como parte da histórica problemas relativos ao aparelho sexual correlação entre produção – reprodução - feminino e masculino, através das mulheres, aprofunda-se a perspectiva que especialidades de ginecologia e urologia. Os explica a reprodução como fenômeno afeito problemas venéreos, que, por muito tempo, sobretudo à dinâmica orgânica feminina, numa foram objeto específico de atenção, com o clara restrição e homogeneização das avanço da terapêutica medicamentosa (como problemáticas socioculturais vivenciadas pelo os antibióticos), passam a ser controlados via grupo(16-17), acompanhada da negação do seu práticas clínico-educativas sedimentadas nas caráter relacional. Os conhecimentos e práticas unidades ambulatoriais. produzidos no âmbito da sexualidade também Essas novas construções políticas e se centralizam em processos fisiopatológicos, práticas em relação à reprodução e sexualidade firmando-a como um processo eminentemente firmam um campo específico de assistência, biológico, limitado na relação sexo - reprodução. dirigida à gestação, parto e puerpério e a Com os anos 70, distingue-se o cuidado complicações do sistema reprodutor/sexual público dirigido à esfera reprodutiva feminina, (controle de infecções e anomalias genitais como atenção à saúde materna. Ao mesmo masculinas e ginecopatias e infecções tempo, torna-se cada vez mais explícita a femininas). Amplia-se a assistência médica necessidade de o Estado comprometer-se com especializada, por meio da atenção medidas mais abrangentes de atenção à saúde, ambulatorial e hospitalar, através de serviços reprodução e sexualidade. Estas passam a ser públicos, do complexo previdenciário e da rede demandadas nos anos seguintes, de modo privada. particular pelas e para as mulheres, junto à A assistência médica à saúde afirmação de seus direitos e crítica à visão desenvolvida orienta-se por uma visão clínica naturalizada adotada em torno dos seus e curativa das doenças, ao mesmo tempo em processos de vida e saúde, estendendo-se que lhe dá consistência. Mesmo no campo da também a outros grupos como o de saúde pública, a explicação (via epidemiologia adolescentes. clássica) e atuação em problemas coletivos submetem-se à lógica dessa visão(15). As intervenções dirigem-se predominantemente à SAÚDE, REPRODUÇÃO E SEXUA- correção dos problemas físicos, negando-se, LIDADE COMO DIREITOS no plano assistencial, os processos socioculturais que se encontram na base dos Na segunda metade dos anos 70 e início processos vitais, como a reprodução e dos anos 80, a interpretação médica vigente, sexualidade. Incorpora-se o uso crescente de centrada em questões de ordem física, torna- tecnologias medicamentosas, práticas se amplamente questionada e mobilizada por cirúrgicas(12), instrumentos e recursos outras abordagens que dão vitalidade às diagnósticos (como os de radioimagem) relações entre saúde e condições socioculturais Rev Latino-am Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71 Trajetória assistencial... www.eerp.usp.br/rlaenf Mandú ENT. 367 vividas pelos vários grupos e, especificamente, cenário nacional, confrontando-se defensores por mulheres. da especialização e alta absorção de insumos Propaga-se uma abordagem social da e equipamentos na atenção à saúde via saúde-doença e cura(15) e, através de mercado, articuladores de um modelo centrado perspectivas feministas/de gênero, na atenção básica, alternativo à redução de desnaturalizam-se os papéis e as relações gastos públicos em saúde, e atores favoráveis entre homens e mulheres, desencobrindo os a mudanças radicais para a democratização, seus significados para a saúde feminina(17). universalização e integração do setor(4). Contrapondo-se à visão prevalecente, ganha Defesas em prol da extensão de direitos corpo uma leitura articulada dos processos femininos em saúde dão um novo tom, através biológicos, psicoemocionais e socioculturais da da defesa de propostas e experiências de vida humana, fornecendo-se novas bases para reconstrução da atenção, fundada na uma compreensão mais global da saúde, da consideração às especificidades das condições reprodução e sexualidade. Os anos 80 são de vida das mulheres, num claro confronto aos marcantes nessa revisão, através de vários limites das respostas públicas/governamentais processos sociais, em que se destacam os elaboradas nos anos anteriores. Não só se movimentos pela reforma sanitária e os com debatem em todo o território questões de saúde participação de mulheres e feministas(18). da mulher, como se elege um outro olhar sobre Esses anos são definitivamente o feminino, as diferenças, criticando-se marcados por reformas nas políticas sociais. A qualquer forma de subordinação social(18-19). crise econômica, que se manifesta após o Necessidades afeitas à reprodução e “milagre econômico” dos anos anteriores, sexualidade passam a ser vistas no contexto alcança seu auge nos anos 80, acompanhada da atenção integral à saúde e explicadas com de uma abertura democrática gradual. base nas relações sociais de classe, raça/etnia, Oficializa-se, na Constituição Federal de 1988 gênero, geração, em que se resgata a relação e em outras legislações secundárias, a proposta entre o cotidiano e o contexto global. de criação do Sistema Único de Saúde, pautada Essas específicas manifestações e nos princípios da universalidade, eqüidade e reconstruções articuladas em torno de integralidade da atenção e na afirmação da demandas pela ampliação de direitos sociais saúde como direito de todos e dever do Estado. femininos evidenciam-se, como em todo o Críticas contundentes são dirigidas ao duplo mundo, como um tema diretamente vinculado modelo, à perspectiva racionalizadora adotada à vida desse segmento, ficando novamente o e à centralização da atenção em processos de homem, enquanto sujeito com direitos cura. Movimentos e iniciativas voltados à específicos, marginalizado nesse processo. remodelação da assistência enfatizam a Mundialmente, contribuições de grupos necessidade de construção de modelos feministas, de mulheres, de acadêmicas/ tecnológicos mais abrangentes, inspirados no cientistas e de organismos governamentais/não resgate local da relação saúde - qualidade de governamentais, estimulavam e vida. incrementavam o processo nacional. Em 1975, Diferentes posições difundem-se no na I Conferência Internacional da Mulher,

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Trajetória assistencial no âmbito da saúde reprodutiva e sexual – Brasil, século XX. Rev Latino-am. Enfermagem 2002 maio-junho; 10(3):358-71.
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