- - livro_final.indd 3 03/11/12 17:59 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Matos, Pedro Arcanjo Toda dor do mundo : uma introdução a ontologias não-especistas / Pedro Arcanjo Matos. -- 1. ed. -- Brasília, DF : Ed. do Autor, 2010. Bibliografia ISBN 978-85-910969-0-9 1. Filosofia 2. Ontologia 3. Pensamentos 4. Singularidades (Filosofia) I. Título. 10-12543 CDD-111 Índices para catálogo sistemático: 1. Ontologia : Filosofia 111 Capa, diagramação e projeto gráfico: Flávio Bá Ilustração da contra-capa: Mario de Alencar Ilustrações de início de capítulo: Laerte EDITORA QUINTA MÃO: [email protected] livro_final.indd 4 03/11/12 17:59 Dedicado ao Pilantra, que sempre mijava no meu travesseiro quando se sentia sozinho. Beth e Fulano por me mostrarem a alegria de um mundo menos humano livro_final.indd 5 03/11/12 17:59 Sumário Apresentação ..................................................................................... 09 Prefácio – Hilan Bensusan Um futuro selvagem para a filosofia .................................................. 11 1 - Sobre o massacre de quem não sente o mundo da mesma forma ........................................................ 15 2 - Definição como oposição ............................................................. 25 3 - O jardim da natureza passiva habitada por soberanos sujeitos autônomos ..................................................... 35 Sobre Sujeitos ..................................................................... 37 Muito Além do Jardim ........................................................ 41 4 - Sobre galinhas e soberanos. A epistemologia do reconhecimento .................................................. 45 Aparatos da experiência ....................................................... 47 Políticas de concessões ........................................................ 50 Jogos de Linguagem, jogos de exclusão .............................. 52 5 - Influências humanistas e liberais .................................................. 59 6 - Para confundir pronomes, para embaralhar o mundo ................... 69 Aparência e domesticação .................................................... 71 Vergonha da espécie ............................................................. 74 Animais políticos dentro da biopolítica ............................... 76 Em busca da inumanidade .................................................... 81 Referências Bibliográficas .................................................................. 87 Alice Gabriel - A outra metade ........................................................... 93 Frederico Santos Soares de Freitas - O impulso da automação ...... 111 Wanderson Flor do Nascimento - Por uma zoofilia ontológica ....... 123 Agradecimentos ................................................................................ 139 livro_final.indd 7 03/11/12 17:59 > APRESENTAÇÃO < O livro que você tem em mãos foi desenvolvido a partir da monografia de Pedro Arcanjo Matos para o Curso de Especialização em Filosofia da Universidade de Brasília (UnB). ‘Toda dor do mundo’ é uma tentativa de produção de ontologias não-especistas. O texto pre- tende discutir a maneira como encaramos os limites entre humanos e os demais animais e como a filosofia se empenhou historicamente em definir e separar essas esferas. Escrito de maneira entrecortada, fazendo ligações interessantes sobre diversos assuntos utilizando-se de ínume- ras citações, levanta questões importantes, apresentando inúmeras per- guntas sobre o tema, e deixando, talvez de maneira intencional, várias delas sem respostas definitivas, preferindo a dúvida às certezas. Cada um dos capítulos inicia-se com uma tira do cartunista Laerte, que dialoga de maneira poderosa com o texto que se segue. Para essa edição, além do prefácio escrito pelo filósofo Hilan Bensusan, o orientador de Pedro Arcanjo Matos na monografia, outras três pessoas escreveram textos complementares para o livro: Alice Gabriel, mestre em filosofia e co-orientadora de Pedro, o filósofo Wanderson Flor e o historiador Frederico Freitas. O livro pode ser encarado como uma reflexão crítica sobre imagens de mundo pressupostas na justificativa da exploração e do so- frimento animal, e o esforço de torcer, repensar e recriar esse mundo. Inflexões sobre as filosofias do (re)conhecimento e a exclusão de espé- cies não-humanas na concepção de natureza que emerge dessas refle- xões, acompanhadas de propostas para o abandono da humanidade, a resignificação da natureza e a incorporação da animalidade. Na tentativa de facilitar a leitura, todas as citações encon- tram-se numeradas e elencadas por ordem de aparição ao final do texto. Quando necessário, o autor incluiu notas de rodapé para de- senvolver alguns pontos, incluir definições ou simplesmente comen- - 9 - livro_final.indd 9 03/11/12 17:59 tar certos aspectos do texto. Além de pensar sobre a questão animal, tema presente em outras de suas atividades (possui um blog sobre veganismo, o Distrito Vegetal), Pedro Arcanjo, mais conhecido pelo apelido de Poney, é ativista da bicicletada, apresenta um progra- ma em uma rádio-livre, viaja pelo mundo com bandas de hardcore e metal, gosta de cachorros, histórias em quadrinhos e videogame. - 10 - livro_final.indd 10 03/11/12 17:59 > PREFÁCIO < Um futuro selvagem para a filosofia A filosofia ocidental mobiliza recursos contra a selvageria. Ela foi parte de um esforço concentrado para exorcizar os animais e a animalidade da humanidade – o esforço de traçar uma linha que de- marcasse a barbárie como província do desumano, a ser evitada e te- mida. A filosofia tem se esforçado para nos tornar menos selvagens. Um elemento comum entre os humanos – aquilo que o humanismo tenta preservar – é ameaçado por outros animais que não só pegam, matam e comem, mas podem propagar entre nós um desejo de ser mais parecidos com eles do que com o resto de nós – o resto de nós que está lutando para ser domesticável, controlável, tributável, razoável (e não ser selvagem). Foi tanto o esforço de apartar gente de bicho, que perde- mos qualquer lucidez acerca do que exatamente precisa ser exorcizado. A animalidade passou a quase significar não mais do que aquilo que requer distância: cercas, grades, currais, vergonhas, estigmas. Trata-se do que tem que ficar do lado de fora. E os animais, que estão para além da linha, são os repositórios da exclusão. São confinados, engordados, assassinados. As tais bestas, mais baixas e que servem, no máximo, para nos alimentar. As bestas, se tiverem chance, nos devoram – é pre- ciso manter vigília sobre qualquer bestialidade. Já hoje, morrem mais pessoas de comida enlatada do que devoradas por leões. É certo que bactérias e vírus ainda são perigosos, desmedidos e letais – e por isso merecem pouca atenção de quem quer preservar espécies ameaçadas. As espécies que a maior parte do dinheiro e do discurso ecológico quer preservar são as que já estão em nossas mãos. Aquelas que são direta ou indiretamente domésticas – do ambiente humano, do “oikos” humano, da casa humana. A selvageria dos ratos, dos insetos, dos vermes, estes precisam ser deixados fora de casa. Cuidar da casa: nos sobrou o huma- - 11 - livro_final.indd 11 03/11/12 17:59 nismo – uma das mais arraigadas variedades de chauvinismo. O humanismo, e a filosofia a seu serviço, montou uma máqui- na demarcatória – que Agamben chamou em seu L’Aperto de máquina antropológica. A máquina produz humanidade em nós nos separando do que é animal. Ela funciona de muitas maneiras: somos capazes de controlar instintos, somos capazes de saber que vamos morrer, somos capazes de responder a conceitos e regras, somos capazes de contem- plar o caráter aberto do nosso destino. A máquina pretende que cada uma dessas capacidades nos dê um estatuto privilegiado. Ela nos colo- ca na corda bamba: podemos a qualquer momento derrapar e engajar em uma Queda. A máquina prepara nossos corpos para suportar os ani- mais massacrados, disciplinados, confinados, a nosso serviço. Rituais de iniciação: aprender a caçar, sobreviver ao sarampo, digerir carne, não correr com as raposas. São rituais de domesticação. E a filosofia colabora se inscrevendo em um território demasiado humano: higiê- nico, disciplinado e governável. Ela fala de “nós”, nós os que querem, a cada gesto, a cada virada de olhos do pensamento, ficar distantes da bestialidade. Toda dor do mundo, destinado a ser lido por um público quase que completamente humano, tenta oferecer uma caixa de ferramentas para a selvageria em filosofia. A filosofia se espalha para além do que é humano, para além do bom comportamento humano. Parece que pen- samos sempre de algum lugar, com as cordas das nossas imaginações amarradas em alguma parte costumeira; Toda dor tenta amarra-las não na espécie, mas nas forças que passam por ela – que passam por ela e vão para além dela. E por isso é libelo, é panfleto, é tratado e é manifes- to: arrombamento de portas. Entre uma página e outra, um pedaço de público desumano, supra-humano e sub-humano vai sendo germinado: o pedaço de público que falta. O cachorro vira-lata que espreita pelos - 12 - livro_final.indd 12 03/11/12 17:59