ebook img

Teoria Económica do Sistema Feudal PDF

202 Pages·1979·6.13 MB·Portuguese
by  KULA
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview Teoria Económica do Sistema Feudal

WITOLD KULA TEORIA ECONÓMICA DO SISTEMA FEUDAL EDITORIAL PRESENÇA * LIVRARIA MARTINS FONTES PORTUGAL. BRASIL, Título original TEORIA EKONOMICZNA USTROJU FEUDALNEGO PROBA MODELU (g) Copyright by Pánatwowe Wydawnictwo Naukowe, Varsóvia, 1962 Tradução de MARIA DO CARMO CARY Reservados todos os direitos para a língua portuguesa ã EDITORIAL PRESENÇA, LDA. Rua Auguslo Gil, 35-A — LISBOA Capítulo I A QUE PERGUNTAS DEVE RESPONDER UMA TEORIA ECONÓMICA DO FEUDALISMO? Diz Engels, no Anti-Duhring, que «quem tentasse redu zir a Economia Política da Terra do Fogo às mesmas leis que regem hoje a economia da Inglaterra nada conseguiria pôr a claro a não ser uns tantos lugares comuns da mais vulgar trivialidade» *. Pode perguntar-se se esta afirmação não contradiz os fundamentos do legado científico de Marx e Engels. Há efectivamente na teoria por eles elaborada muitas teses que, por um lado, tanto se referem à economia da Terra do Fogo como à da Inglaterra dos meados do século XIX, e que, por outro lado, não são nem nunca foram lugares comuns para os seus criadores ou para o mundo da ciência da sua época. Pertence a esta categoria a tese de que as relações económicas dependem das forças produtivas e que as alterações dessas forças revolucionam aquelas relações, a teoria da mutabilidade e da sucessão ordenada das estru turas socioeconómicas, a ideia de que essa sucessão é acom panhada por uma produtividade crescente do trabalho, e muitas outras ainda. Para que a frase de Engels, atrás citada, fosse congruente com a essência do legado dos cria dores do socialismo científico, teríamos de aceitar que todas essas teses de aplicação universal pertenceriam não à economia política, mas sim à área correspondente da filo sofia (o materialismo histórico). Nesse caso, na economia política propriamente dita, caberiam apenas teses válidas no máximo para a área de uma única formação socioeconó mica. O que implicaria uma concepção partieular dos limites da filosofia e uma concepção particular das dependências 7 e das relações entre as diferentes disciplinas especializadas (neste caso, a economia política) e a filosofia. Seja como for que solucionemos,esta dificuldade, é evi dente — é mesmo um lugar-comum — que das muitas teses que se podem formular sobre a actividade económica huma na, não poucas têm graus de aplicação cronológica e geográ fica diferentes, e que quanto mais vasto é o campo de aplica ção dessas teses, mais restrito é o seu conteúdo. Embora, se gundo parece, os criadores da economia clássica não tenham relevado esta verdade, os economistas ocidentais dos nossos dias conseguiram compreendê-la não só através das suas in vestigações sobre a economia dos países socialistas, como também na economia contemporânea dos países subdesenvol vidos, semifeudais ou dos povos primitivos. A nota específica do marxismo no que se refere a esta matéria pode resumir-se em duas afirmações: 1) existem relativamente poucas teses gerais de aplicação universal, sendo muito mais numerosas as teses de aplicação limitada no tempo e no espaço (prin cípio que deriva da concepção da mutabilidade absoluta dos fenómenos sociais em todas as suas formas, incluindo os fenómenos da vida económica) e 2) a limitação no espaço e no tempo da maior parte das teses económicas é definida pelos limites dos próprios sistemas socioeconómicos (dado o carácter integrante destes últimos na vida social). Na sua forma extrema, a tese de que as leis económicas mudam em simultâneo com a mudança das estruturas socio económicas desempenhou, como se sabe, determinada e importante função ideológica no período estalinista. Esta concepção iria impedir completamente a utilização de leis económicas universais (mesmo as de aplicação mais ampla, inclusive as marxistas) na análise da sociedade soviética. Por isso è que, em nossa opinião, é de grande transcendência cientifica e social afirmar que há no marxismo (ao contrário do que nos diz a Frase de Engels, atrás citada) toda uma série de teses de importância fundamental e nada triviais, que são de aplicação universal à actividade económica huma na, ainda que convencionalmente as circunscrevamos ao campo da economia política ou ao da filosofia. Seria suma mente útil para a ciência que se pudesse «codificar» *, em certa medida, o alcance dessas teses, seleccionando as que resistiram à prova das investigações científicas pós-marxia- nas e especialmente à prova da experiência histórica pós- -marxiana; dando-lhes também, para evitar os perigos do dogmatismo, a forma de indicações metodológicas, roais do que de leis. 8 Apesar de tudo o que acabámos de dizer, pareee-nos certa, no momento, a tese marxista de que a maior parte das leis económicas e justamente as de conteúdo mais rico, tem um alcance espacial e temporal limitado, geralmente circunscrito a um determinado sistema socioeconómico. Neste sentido Marx criou a sua teoria do sistema capitalista, enquanto Engels tentou criar uma teoria económica do sistema da comunidade primitiva à altura da ciência da sua época. No que se refere à formação de uma teoria económica do sistema socialista, ela foi impedida por fenó menos bem conhecidos que travaram o desenvolvimento do pensamento científico marxista, obrigando-o a enveredar pela via empírica e pragmática e impondo-lhe o método das aproximações sucessivas, que esperavam em vão por uma síntese teórica. Só hoje é possível vislumbrar uma vira gem neste campo. Por outro lado, a teoria do sistema feudal foi a que, até agora, menos atraiu a atenção dos investigadores mar xistas3. O problema é, no entanto, importante, tanto do ponto de visita teórico, como do ponto de vista prático. E importante do ponto ae vista teórico, em virtude da uni versalidade &ui generis do feudalismo (no sentido mar xista do termo). Com efeito, todas as sociedades que ultra passaram já a etapa da comunidade primitiva passam por uma qualquer forma de feudalismo, enquanto a falta de universalidade do regime esclavagista é uma verdade comummente admitida pela ciência marxista, depois do triun fo alcançado por B. D. Grekov na sua pugna homérica com Pokrovski. O capitalismo surgiu de uma maneira «espontâ nea», ou seja, sem que se tenha feito sentir a influência de algum capitalismo preexistente uma única vez na his tória da humanidade. O mesmo se pode dizer do socialismo. Conhecemos, porém, no mundo diferentes feudalismos, sur gidos em sociedades e épocas diferentes, independentes uns dos outros4. A teoria do sistema feudal é também importante do ponto de vista prático, devido às suas numerosas e fortes sobrevivêncías em muitas nações; sobrevivências que pesam ainda hoje na economia e no conjunto d"a vida social da maioria dos países a que se costuma chamar subdesenvol vidos e cujos esforços no sentido de avançar pelo caminho do progresso económico transformam, perante os nossos olhos, a face do mundo. Daí o interesse despertado pelo funcionamento de economias deste tipo tanto entre os inves tigadores dos países do Terceiro Mundo fa índia), como 9 entre os dos países avançados (E. U- A., Inglaterra, França, Alemanha, etc, e URSS). A elaboração de uma teoria económica do sistema feu dal tem grande importância para a investigação histórica. Por um lado, o historiador do feudalismo — se a reflexão metodológica lhe não é totafmente alheia — sente como é inadequada a teoria económica do capitalismo ao abordar o objecto da sua investigação5; por outro lado, a seu conhe cimento dos feudalismos antigos (menos acessíveis embora à investigação, devido às muitas lacunas das fontes, mas que têjn a vantagem de serem «puros», independentes das influências do capitalismo, do imperialismo e do socialismo) permite-lhe dar uma contribuição insubstituível para esta tarefa r\ Tem-se observado ultimamente, no Ocidente, uma recru descência de interesse pela investigação comparada do feudalismo. A obra precursora neste aspecto é, sem dúvida, «La société féodale» 7 de Marc Bloch, e a «última palavra» da ciência nesta matéria é — pelo menos até este momento — a obra colectiva dirigida por R. Coulborn8. Na União Soviética, o interesse teórico pelo feudalismo aumentou muito a partir do momento em que Estaline publi cou os seus «Problemas económicos do socialismo na URSS». Como é sabido, Estaline formulou nessa obra aquilo a que chamou «leis fundamentais» do sistema capitalista e socia lista. O que implicava que, entre as muitas leis que é possí vel descobrir e que regem o funcionamento da economia de cada um dos sistemas, uma e só uma tem «carácter funda mental». Não se sabe ao certo o que é que Estaline entendia por «carácter fundamental». Tratar^se-ia de um elemento de definição do sistema («chamamos capitalismo ou socia lismo a um sistema regido por esta ou por aquela lei») ? Ou talvez esse «carácter fundamental» assentasse na superio ridade desta ou daquela lei relativamente a outras «não fundamentais», que derivariam em certa medida dessa lei «fundamental» ?9 Seja como for, os historiadores soviéticos (e também os de outros países socialistas) reagiram e puse- ram-se à procura de uma «lei fundamental do feudalismo». A revista «Voprosi Istorii» abriu as suas páginas a uma polémica prolixa sobre este tema e, como acontece fre quentemente na ciência, apesar do ponto de partida e dos objectivos serem falsos, acabaram por aparecer, no decurso desse debate, observações e generalizações interessantes e acertadas1". O pressuposto em que se baseava a viagem de 10 Colombo era falso, mas a América que descobriu era ver dadeira ", Se quisermos raciocinar sobre a teoria económica feudal, teremos de esclarecer primeiro a que perguntas deve res ponder uma teoria desta natureza, qual deve ser o seu âmbito efectivo, a que perguntas deve responder qualquer teoria económica de qualquer sistema; e, finalmente, é preciso ver se o carácter específico de cada sistema implica que a sua teoria deva responder a certas perguntas também espe cificas, inaplicáveis na análise de outros sistemas. De tudo o que anteriormente se disse pode depreender - -se que não é necessário incorporar na teoria económica de um determinado sistema teses relativas à teoria geral da economia (ou teses do materialismo histórico sobre a acti vidade económica humana). Incluímos também nesta cate goria a própria definição de sistema (neste caso, o feuda lismo) , Dizer, por exemplo, que o feudalismo é um sistema assente na grande propriedade rural e em relações de depen dência pessoal entre o produtor directo e o proprietário latifundista significa dar uma definição de feudalismo, mas esta definição pertence à teoria das formações socio económicas, ou seja, a um aspecto da ciência geral da acti vidade'humana. Além disso, a formulação de proposições deste tipo sob a forma de leis científicas («sempre que encon tramos o feudalismo, verificamos a existência da grande propriedade rural... etc») eonduzir-nos-ia a tautologias evidentes. Ponhamos portanto de lado todas as afirmações relati vas a toda a actividade económica ou a formações antagó nicas, numa palavra, todas aquelas teses cuja aplicação excederia os limites da época feudal, e procuremos formular os problemas essenciais que a teoria económica de qualquer sistema, e portanto também a do sistema feudal, deveria, em nossa opinião, abordar12. A nosso ver, a teoria económica de um determinado sistema deveria explicar: 1) as leis que regem o volume do excedente econó mico15 e as modalidades da sua apropriação (por exemplo, as leis que regem o emprego de métodos extensivos ou inten sivos de produção, as que regem o grau de utilização das forças e meios de produção, a teoria do rendimento feudal); 2) as leis que regem a distribuição das forças e meios de produção, e sobretudo a do referido excedente (tncluem-se aqui as regras que regem toda a actividade de investimento, 11 desde o estabelecimento de colonos até aos investimentos feitos na indústria, o problema da utilização produtiva ou improdutiva do referido excedente, etc.); 3) as leis que regem a adaptação da economia às con dições sociais em mutação, ou seja, a dinâmica a curto prazo (adaptação da produção ao incremento ou à diminuição da população, a passagem do estado de guerra ao estado de paz, etc.); 4) as leis da dinâmica a longo prazo, de modo parti cular os factores internos de desintegração do sistema em questão e da sua transformação noutro sistema. Nenhuma teoria estará completa se não contiver este elemento. E digno de admiração o facto de Marx ter sabido incluir esta problemática na sua teoria do capitalismo, apesar de esta ter amadurecido no período da primeira juventude do sistema capitalista. Forniulando de outra maneira estas mesmas ideias, poderíamos dizer que a finalidade da teoria económica de qualquer sistema consiste em formular as leis que regem o volume do excedente económico e a sua utilização (ponto 1 e 2), tendo em conta que ambas as questões têm de ser eluci dadas na sua dupla dimensão: a curto e a longo prazo (pontos 3 e 4). Fica ainda por examinar um outro ponto, que consisti ria na análise do funcionamento dos fenómenos de mercado (interno e internacional) e do seu papel no conjunto da vida económica da época feudal. Este problema deveria ser abordado com outro critério. Os aspectos nele abrangidos estão mais ou menos relacionados (o que depende princi palmente da fase do sistema feudal que analisarmos) com as questões incluídas nos nossos quatro pontos. A conve niência de separar esta problemática deve-se ao facto de ela dar origem a muitos mal-entendidos na investi gação: muitas vezes não se percebe que os fenómenos de mercado na economia pré-capitalista se regem por leis por vezes completamente distintas, e sobretudo que é totalmente diferente a sua influência sobre o outro sector da economia, ou seja, o sector não mercantil, e portanto também sobre a totalidade da vida económica. Ficam então por determinar: o) o funcionamento dos fenómenos do mercado num meio não mercantil e não capitalista; _b) o mecanismo da influência do sector mercantil sobre o não mercantil e vice-versa; 12 c) a periodização destes fenómenos de acordo com a fase de desenvolvimento do sistema feudal, e especialmente em relação com os factores da sua desintegração, presentes nos mesmos fenómenos. Decidimos no entanto não abordar este tema, já que de outro modo o estudo de qualquer dos quatro grupos de pro blemas atrás mencionados se tornaria irrealizável. Este pro blema poderia também ser posto de outra maneira. O sis tema feudal é um sistema em que predominam pequenas unidades de produção e uma economia natural. Pois bem, imaginemos um caso extremo: uma pequena exploração camponesa com uma economia totalmente natural que realizasse, quando muito, a reprodução simples e sem outros encargos além das prestações pessoais de trabalho ias cor- veias"). As possibilidades de análise teórica do fenómeno (en tre outras razões por falta de fontes) seriam sumamente limitadas. O facto é que na prática, à escala social, um caso desses raramente se verifica. Só fenómenos como os esforços para aumentar o rendimento social, a luta pela sua distribui ção, os processos de adaptação a curto e a longo prazo, possi bilitam a análise teórica. E todos eles se processam não sem relação com os fenómenos de mercado. Os objectivos que acabamos de enumerar, que a nosso ver são aqueles que toda a teoria de qualquer sistema social se deveria propor, indicam claramente que antes de mais nada nos interessam os problemas da produção, o seu volume e utilização, a produção para Q consumo imediato e para o consumo futuro (os investimentos) e as alterações que, a curto e a longo prazo, afectam estes fenómenos. A dificul dade está em que a produção que se efectua numa explora ção fechada e isolada do mundo dificilmente pode ser investi gada. De uma maneira geral, só o contacto entre os sujeitos económicos, as relações inter-humanas, que são essencial mente relações de troca, possibilitam a análise científica, porque só elas criam fontes históricas e, o que é mais impor tante, porque só elas permitem comparar os efeitos da acti vidade e do comportamento económico dos diferentes grupos sociais. Ê por isso que a análise dos fenómenos do mercado ocupará um lugar importante no nosso trabalho, mas o seu propósito será sempre penetrar nessa zona oculta da vida económica de que a fontes quase não falam, mas que é a mais importante e decisiva: a produção. 13

Description:
Leitura clássica para a história económica. Í N D I C E CAPITULO I - A QUE PERGUNTAS DEVE RESPONDER UMA TEORIA ECONÓMICA DO FEUDALISMO? CAPÍTULO II - A CONSTRUÇÃO DO MODELO CAPITULO III - DINÂMICA DE CURTO PRAZO O cálculo económico da empresa feudal A economia do domínio feudal A explora
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.