1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MULTIDISCIPLINAR EM ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS SUZANE TAVARES DE PINHO PÊPE LOUCO, MALUCO E SEUS SEGUIDORES E A FORMAÇÃO DE UMA ESCOLA DE ESCULTURA EM CACHOEIRA (BAHIA) Salvador Mai. 2015 2 SUZANE TAVARES DE PINHO PÊPE LOUCO, MALUCO E SEUS SEGUIDORES E A FORMAÇÃO DE UMA ESCOLA DE ESCULTURA EM CACHOEIRA (BAHIA) Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Estudos Étnicos e Africanos. Orientador: Prof. Dr. Marcelo Nascimento Bernardo da Cunha Salvador Mai. 2015 3 4 SUZANE TAVARES DE PINHO PÊPE LOUCO, MALUCO E SEUS SEGUIDORES E A FORMAÇÃO DE UMA ESCOLA DE ESCULTURA EM CACHOEIRA (BAHIA) Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Estudos Étnicos e Africanos. Aprovado em 10 de abril de 2015. Banca Examinadora Marcelo Nascimento Bernardo da Cunha – Orientador Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Universidade Federal da Bahia Maria Antonieta Martinez Antonacci Doutora em História pela Universidade de São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Maria Hermínia Oliveira Hernandez Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia Nirlene Nepomuceno Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Universidade Federal da Bahia Cláudio Luiz Pereira Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Universidade Federal da Bahia 5 A todos os artistas de Cachoeira que trabalham, cotidianamente, dando forma a imagens da cultura e da história de seu lugar, compartilhando visões de mundo, muitas vezes, surpreendentes. Em especial, aos mestres escultores Louco e Maluco (in memoriam) e seus seguidores. A meu pai, Alvaro Rubim de Pinho (in memoriam), com quem aprendi a respeitar a diversidade religiosa e cultural. A minha mãe, Berenice, que me chamou atenção para o caráter estético dos artefatos e a relação de afeto que podemos estabelecer com eles. A Iuri Pêpe, pela paciência, incentivo e dedicação durante a nossa longa trajetória. A Yannick, por acreditar no futuro e na alegria da vida; pela compreensão e apoio. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço ao Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), da Universidade Federal da Bahia, e ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (PÓS-AFRO), no qual tive a oportunidade de cursar disciplinas como aluna especial em 2007 e 2009 e, mais tarde, como doutoranda, experiências que marcaram a minha trajetória pessoal e profissional. Desse modo, sou especialmente grata a todos os professores do Programa que contribuíram direta ou indiretamente para a minha formação, realizando aulas, palestras, debates e orientações, entre eles Nicolau Parés, Paula Cristina Barreto, Maria do Rosário Carvalho, Ângela Figueiredo, Cláudio Furtado e Florentina Souza. Ao professor Marcelo Bernardo da Cunha, pela paciência, otimismo, compreensão, respeito e confiança em mim depositada; pelo estímulo dado para que eu conseguisse trabalhar as dificuldades enfrentadas ao longo desta pesquisa, que se tornou um desafio por seu caráter interdisciplinar. Em especial, agradeço ao professor e antropólogo Cláudio Luiz Pereira, amigo que me apoiou na fase de elaboração de meu projeto; pelos cursos que ministrou no CEAO e por suas orientações intelectuais que me instigaram a buscar caminhos para trabalhar meu objeto de pesquisa. Sou grata ao professor e colega, o historiador Walter Fraga, pelas sugestões dadas no Exame de Qualificação. A todos os meus colegas de turma, representados aqui nos nomes de Nívea, Paula, Daniela, Marcus, Wagner, Wesley, Simão, Chateau, Cristiane, Simone e Igor, por nossas discussões, conversas e relações estabelecidas ao longo do tempo. À equipe do CEAO, agradeço a atenção, em especial a Lindinalva Amaro Barbosa, Solange Mattos, Maria de Fátima Tavares e Elizabeth Telles; igualmente, às museólogas Graça Teixeira (diretora) e Maria Emília Valente Neves, do Museu Afro-Brasileiro (MAFRO). 7 Agradeço à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, ao estímulo, à colaboração e articulação de meus colegas – Cristina Ferreira, Rita Doria, Camila Santiago, Sabrina Sant’Anna, Carlos Costa, Fabiana Comerlato, Luydy Fernandes, Archimedes Amazonas, Ana Paula Pacheco, Ricardo Brügger, Patrícia Santos – para que pudesse me afastar por um período para dar continuidade à minha formação acadêmica. Aos professores Ana Georgina Rocha e Wilson Penteado, pelas frequentes palavras de incentivo. Muito obrigada aos escultores que me permitiram narrar a sua trajetória e fotografar seus trabalhos, além de terem contribuído para o mapeamento da família Cardoso da Silva. Sou grata a Celestino, Mário, João, José (filhos de Louco); Dory (in memoriam) e Doidão (sobrinhos de Louco e Maluco); a Téo e Léo (netos de Louco). Agradeço, especialmente, aos escultores Fory e Mimo. Assim como a Carlos Gama da Silva (filho do Louco), Diego Araújo, Bernadete Santos, Magali Santos, Luiz Carlos Berto da Silva e José Carlos da Silva Santos, que narraram suas lembranças sobre a vida de seus parentes e amigos. Aos artistas Mercedes Kruschewsky, Davi Rodrigues, J. Gonçalves, Naysson Reis, Ivan Oliveira, Aletícia Ribeiro, Flor do Barro, Gilberto Filho, Ivan Oliveira, Evanildo Teiga (in memoriam), Mateus Aleluia, Dalva Damiana de Freitas, Martiniano Santos Neto, Edson Gomes, Valmir Pereira, Damário Dacruz (in memoriam), João Morais Junior e Lecy Guerra. Aos membros de terreiros e/ou praticantes das religiões afro-brasileiras: Benício de Souza (in memoriam), Lúcia Barreto dos Santos, Bernaci Santos, Luiz Magno, Marcilino de Jesus, Estelito Costa, Marcia Lopes, Cleusa Santos, Antônio Carlos da Conceição, Rubens Silva Conceição, Maicon Lessa, Ducinalva Silva e Maria da Conceição de Jesus. A historiadores, educadores e outros que guardam lembranças de sua cidade dos últimos 40 anos: Raimundo Cerqueira, Cacau Nascimento, Isaac Tito, Adilson Gomes, Manoel Passos, Jomar Lima, Lourival Trindade, Antônio Morais, Rosa Baraúna, Mateus Torres, Pedro Borges, Laerte Corrêia (in memoriam), Laércio Araújo, Paulo César Ribeiro da Costa, Noelice Pereira, Júlio Dias, Júlio César Bernardo, Júlio César da Silva Dias e José Carlos Santos. Aos mais jovens, Anderson Luiz Pinto, Luciana Marques, José Antônio Ferreira e José Carlos da Silva Santos. 8 Aos estudantes do Curso de Museologia da UFRB, quase todos atualmente graduados, que acompanharam minhas pesquisas em diferentes momentos. Em especial, a João Carlos de Jesus Santos (in memoriam) e Marcia Maria Lopes, por terem contribuído com o seu conhecimento sobre os cultos afro-brasileiros na região, a Zaine Silva, Crispim Quirino, Edna da Paixão e Indira Bastos, que se dedicam a temas da cultura popular, e a Dahlila Nogueira, pela transcrição de várias entrevistas que realizei. Agradeço também a Jucimar dos Santos, Edilton Mascarenhas, Fátima Pombo, ao padre Cid José da Cruz e a Aline Rocha. Às instituições que abriram as suas portas, como: Secretaria de Cultura e Turismo de Cachoeira, Arquivo Público da Cidade de Cachoeira, Fundação Paulo Dias Adorno, Pouso da Palavra, Instituto do Patrimônio Artístico Nacional, em Cachoeira; Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural, em Cachoeira e Salvador; e Arquivo Público de São Félix. Em especial, à Fundação Hansen Bahia, pelo convite para participar da equipe de curadoria da Exposição Escultores de Cachoeira, em 2012, tornando públicos os resultados parciais desta pesquisa para a comunidade local. Aos servidores das Bibliotecas Pública do Estado da Bahia, do Museu de Arte da Bahia, da Bahiatursa, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, do Centro de Estudos Afro- Orientais e do Centro de Estudos Baianos, em Salvador; da Biblioteca do Centro de Artes, Humanidades e Letras, e do Acervo de Memória e Documentação Clemente Mariani, da UFRB, em Cachoeira. Igualmente, aos servidores Evana Barreto e Guilherme Gomes da Silva, do Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais, no município de Cachoeira. Àqueles que me acolheram em Cachoeira, em especial, a Gerônima Leal, e aos que, em Salvador, me deram o suporte para que pudesse trabalhar com tranquilidade. À Professora Alda Pêpe, quem primeiro me incentivou a estudar a arte afro-brasileira no início dos anos 2000. Às minhas irmãs Solange e Suani, pelo apoio e conversas sobre a trajetória acadêmica. Àquelas que tornaram este trabalho mais interessante de ser lido: minha irmã Simone Rubim de Pinho Lima, pelo carinho e rigor acadêmico na revisão deste e de textos publicados; e Clara Battesini, pela dedicação no tratamento das imagens e profissionalismo na construção gráfica da Árvore Genealógica que realizamos. 9 RESUMO Esta tese aborda a trajetória de escultores de trabalhos de madeira, autodidatas, atuantes em Cachoeira, cidade do Recôncavo baiano, a partir de 1960, e sua produção artístico-artesanal, como parte de um sistema cultural em que se destacam manifestações religiosas de matrizes africanas e católicas. Entendendo a atividade artística como prática simbólica com intenções estéticas e considerando as suas dimensões culturais e econômicas, observa que a produção plástica decorre da interação de processos individuais e coletivos, e que a sua interpretação se faz mediante a compreensão do contexto em que ela emerge. Traça a genealogia desses escultores afrodescendentes, tendo como ponto de partida a vida dos artistas apelidados de “Louco” e “Maluco”, antes comerciantes e barbeiros, passando pela trajetória de seus seguidores (filhos, sobrinhos, enteados e amigos) e chegando à terceira geração. Expõe o contexto de ascensão de Louco nos anos 1970 e 1980, marcados por políticas voltadas à valorização do patrimônio arquitetônico e ao turismo, e trata da legitimação das culturas de matrizes africanas, assim como do aumento da procura por esculturas e objetos rituais, nos anos 1980 e 1990, pelos adeptos das religiões afro-brasileiras. Aborda os processos artísticos utilizados, a transmissão dos conhecimentos técnicos e da iconografia, os meios de produção e de comercialização, além de discorrer sobre como esses bens simbólicos começaram a ser reconhecidos como arte primitiva, popular, negra e afro-brasileira, categorias que circulam entre comerciantes, críticos e historiadores da arte, algumas das quais se tornaram alvo de políticas de incentivo à cultura no Brasil. Por fim, oferece subsídios para a interpretação do sentido das imagens compreendendo o contexto histórico e religioso da cidade, assim como mitos, ritos e circunstâncias históricas favoráveis à formação de uma iconografia centrada nas religiões de matrizes africanas e católicas e na afirmação do negro como indivíduo. A tese resulta de pesquisa desenvolvida entre 2008 e 2014, cuja metodologia compreende procedimentos da etnografia, biografia e iconografia, considerados adequados à investigação, que partiu tanto da fala dos escultores e de outros membros da comunidade, quanto da análise de imagens-objeto. Também foram colhidos dados em arquivos e bibliotecas de instituições situadas em Cachoeira, São Félix e Salvador. Conclui que os artistas estudados não são artistas rituais, mas seus trabalhos tanto ganham função estética circulando fora da Bahia e do Brasil, quanto podem assumir função religiosa. Várias produções apresentadas neste trabalho são exemplos da arte afro-brasileira, entendida como aquela produzida em ambientes socioculturais nos quais afrodescendentes são seus protagonistas e que, sem perder de vista referências das culturas de matrizes africanas, aborda temas que dizem respeito a religião, ancestralidade, poder ou costumes africanos, recriados no Brasil a partir da interação com outras matrizes culturais. A arte afro-brasileira pode estabelecer diálogos com as culturas da África tradicional, contemporânea e com as de outras regiões da diáspora negra. Palavras-chave: Arte afro-brasileira – Escultura – Trajetória de vida – Cachoeira – Bahia 10 ABSTRACT The present thesis investigates and discusses the trajectory of woodwork sculptors, self- taught, active in Cachoeira, a city of the Recôncavo Baiano, from 1960 on, in addition to their artistic and artisanal production, as part of a cultural system which emphasize Afro-Brazilian and Catholic religious manifestations. Understanding the artistic activity as symbolic practice with aesthetic intentions and considering its cultural and economic dimensions, observing that the plastic production arises from the interaction of individual and collective processes, and that it interpretation is done by understanding the context in which the artistic manifestations emerge. This study traces the genealogy of these African descent sculptors, having as starting point the lives of two artists called "Louco" and "Maluco", whom in their begins worked as merchants and barbers, search on the live trajectory of their followers (children, nephews and nieces, stepchildren and friends) and finally reaching the third generation. It exposes the context of Louco’s apogee from 1970 to 1980, marked by governmental policies aiming the valorization of the material culture and tourism, focusing legitimating cultures with African origin, as well as the increased demand for sculptures and ritual objects, in the years 1980 and 1990, by adherents of Afro-Brazilian religions. The study discusses the artistic processes applied, technical knowledge transfer and the iconography, the production means and marketing, in addition to discourse about how these symbolic goods began to be recognized as primitive, popular, black or Afro-Brazilian art categories that circulate among traders, critics and art historians, some of which became target of cultural incentive policies in Brazil. Finally, it offers subsidies for the interpretation of images meaning based on the historical and religious context of Cachoeira, as well as myths, rites and historical circumstances favorable to the formation of an iconography centered on Afro-Brazilian and Catholic religions and in the affirmation of the Negro as an invidious. The thesis is the result of research carried out between 2008 and 2014, its methodology includes procedures of Ethnography, biography and iconography, the field research is based both on sculptors and other community members interviews, and object images analysis. Were also collected material data in institutions archives and libraries in Cachoeira, São Félix and Salvador. The study concludes that the artists investigated are not rituals artists, but their works has an aesthetic function once circulating outside of Bahia and Brazil, in addition to its religious function. Several productions presented in this work are examples of Afro-Brazilian art, understood as that produced in a socio-cultural environments in which Afro-descendants are its protagonists, without losing sight on their African cultures origins, focusing on topics relate to religion, ancestry, power or African customs, recreated in Brazil out of the interaction with other cultures. The Afro-Brazilian art can establish dialogues with traditional African cultures, as well as contemporary and with other regions where the black diaspora took place. Key-words: Afro-Brazilian Art – Sculpture – Life Trajectory – Cachoeira – Bahia
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