Itamar Luís Gelain Jaimir Conte STRAWSON & KANT ENSAIOS COMEMORATIVOS AOS 50 ANOS DE T H E B O U N D S O F S E N S E STRAWSON & KANT Ensaios comemorativos aos 50 anos de The Bounds of Sense Série Dissertatio De Filosofia STRAWSON & KANT Ensaios comemorativos aos 50 anos de The Bounds of Sense Itamar Luís Gelain Jaimir Conte Série Dissertatio De Filosofia A Série Dissertatio de Filosofa é um repositório digital do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Filosofia da Universidade Federal de Pelotas que tem por objetivo precípuo a publicação de obras filosóficas de professores/pesquisadores cuja qualidade, o rigor e a excelência na argumentação filosófica seja publicamente reconhecida. A Filosofa Política na Idade Média Sérgio Ricardo Strefing Ciência Empírica e Justifcação. Uma Leitura Epistemológica do Aufbau Rejane Xavier A Centralidade da Política Democrática; Ensaios sobre Habermas Leno Danner Sobre Responsabilidade Edited by Denis Coitinho, João Hobuss Naturalism: Contemporary Perspectives Edited by Clademir Araldi, Juliano do Carmo and Flávia Chagas Razão e Emoção em Kant Maria de Lourdes Borges O Paradoxo de Moore: Uma Análise de Diferentes Soluções Eduardo Ferreira das Neves Filho Nietzsche: do Niilismo ao Naturalismo na Moral Clademir Luíz Araldi L’éthique du Tractatus: Non-sens, stoïcisme et le sens de la vie Janyne Satler Conhecimento e Justifcação: problemas de Epistemologia Contemporânea Alexandre Meyer Luz Religião em um Mundo Plural: Debates desde a Filosofa Edited by Horacio Luján Martínez and Marciano Adilio Spica Os Herdeiros de Nietzsche: Foucault, Agamben e Deleuze Edited by Clademir Araldi and Kelin Valeirão Ficha Catalográfica Dados internacionais de catalogação na publicação S726k Gelain, Itamar Luís. Conte, Jaimir. STRAWSON & KANT Ensaios comemorativos aos 50 anos de The Bounds of Sense / [recurso eletrônico] Pelotas : NEPFIL online, 2016. 206 p. - (Série Dissertatio-Filosofia ; 11). Modo de acesso: Internet <http://nepfil.ufpel.edu.br/index.php> ISBN: 978-85-67332-42-0 1. Strawson. 2. Kant. 3. Filosofia. I. Gelain, Itamar Luís. II. Conte, Jaimir. III. Título. CDD 248 S umário Apresentação 07 Idealismo transcendental, naturalismo e 13 um pouco de história O ceticismo e a reconstrução de P.F. Strawson da 44 dedução kantiana das categorias Dedução Transcendental e Ceticismo 56 Strawson e Kant sobre a dualidade entre 73 intuições e conceitos O princípio de significatividade em Kant e Strawson 90 Strawson e Kant sobre a Liberdade 119 Argumentos Transcendentais e Metafísica 139 Descritiva em P. F. Strawson Breve consideração sobre o problema da tese da 159 aprioridade do espaço e do tempo Os novos fundamentos da metafísica 170 estabelecidos por Kant Imaginação e percepção 183 Sobre os autores 208 STRAWSON & KANT Apresentação “[...] há duas espécies de kantianos: aqueles que permanecem para sempre no âmbito de suas categorias e aqueles que, após refletirem, seguem o caminho com Kant”. Karl Jaspers Peter F. Strawson foi, sem dúvida alguma, um assíduo leitor de Kant. Muito mais do que um exegeta dos textos de Kant, porém, ele tornou-se um filósofo que desenvolveu um pensamento próprio, não apenas a partir de uma inspiração kantiana, mas também a partir de uma assumida influência wittgensteiniana, como podemos constatar em suas obras. The bounds of sense, obra publicada originalmente em 1966 e declaradamente ‘um ensaio sobre a Crítica da Razão Pura de Kant”, conforme consta em seu subtítulo, não se reduz, no entanto, a um livro exegético da obra magna kantiana, como supõem alguns. Nessa obra Strawson vai muito além de um comentário da obra de Kant, pois leva adiante teses filosóficas já introduzidas em Individuals, sua obra seminal, publicada em 1959. Strawson confessa em uma autobiografia de 2003 que The Bounds of Sense é uma “tentativa um tanto a-histórica de recrutar Kant para as fileiras dos metafísicos analíticos, descartando ao mesmo tempo os elementos metafísicos que recusavam qualquer absorção dessa espécie”. Em The Bounds of Sense Strawson considera o idealismo transcendental uma doutrina metafísica problemática que precisa ser abandonada, ou melhor, descartada. Em outras palavras, o objetivo geral de Strawson consiste em separar na Crítica da Razão Pura de Kant o que é fecundo e interessante – em sua opinião a argumentação analítica –, daquilo que parece não ser mais aceitável e promissor: em sua opinião o idealismo transcendental. Convém lembrar ainda que o interesse de Strawson por Kant não o levou apenas a escrever The Bounds of Sense, mas o motivou também a publicar uma série de artigos na década de 80 e 90 sobre a filosofia teórica de Kant. Eis alguns deles: “Kant’s paralogisms: self- 7 Ensaios comemorativos aos 50 anos de The Bounds of Sense consciousness and the ‘outside observer’”; “Kant’s new Foundation of Metaphysics”; “Sensibility, Understanding and Doctrine of Synthesis”; “Echoes of Kant”; “The Problem of Realism and the a priori”; “Kant on Substance”. O grande número de páginas que Strawson dedicou a temas da filosofia kantiana constituem um testemunho inegável de que Kant foi como uma fonte ininterrupta de admiração, inspiração e sustentação do desenvolvimento do seu pensamento filosófico no decorrer de sua trajetória filosófica. Mas, Kant não serviu de inspiração apenas para Strawson. Como o próprio Strawson reconheceu no artigo Os novos fundamentos da metafísica estabelecidos por Kant, incluído nessa coletânea, “a Revolução Copernicana de Kant pode plausivelmente ser vista como tendo substancialmente prevalecido na tradição filosófica a qual pertenço. Não prevaleceu por algum tempo, mas prevaleceu relativamente até muito recentemente; ela ainda não sucumbiu; e, talvez, seja irreversível. Dizer isso não é o mesmo que dizer que toda a doutrina do idealismo transcendental tenha obtido uma igual aceitação. É dizer somente que alguns aspectos dessa doutrina estão vivos, florescentes, e são até mesmo dominantes, entre os filósofos do século XX que escrevem em inglês”. Além disso, Strawson insiste, no mesmo artigo citado, que “existe uma interpretação possível ou parcial da doutrina de Kant que é poderosamente ecoada na filosofia analítica do nosso tempo. Os ecos são vários, incompletos e, de maneiras diferentes, distorcidos. Mas eles estão aí. É difícil, para mim pelo menos, pensar em qualquer outro filósofo do período moderno cuja influência, por mais demorada ou indireta, tenha sido igualmente importante [como a de Kant]”. Strawson talvez seja o filósofo analítico que melhor ecoou o pensamento kantiano, e provavelmente o principal responsável pela difusão do pensamento kantiano na tradição analítica. Isso é reconhecido pelo menos por Putnam, Hacker e Stroud. Putnam observou que Strawson fez um trabalho notável ao desbravar caminhos para a recepção de Kant por parte dos filósofos analíticos. Hacker chamou a atenção para o fato de que Strawson foi o pensador que mais contribuiu para o ressurgimento do interesse pela Crítica da razão pura de Kant no século XX. Stroud, por sua vez, afirmou que Strawson foi o principal responsável por “ter aproximado Kant da filosofia contemporânea, mais que qualquer outro filósofo de nosso tempo”. 8 STRAWSON & KANT Dada a relevância de Strawson para os estudos kantianos, e especialmente dado o aniversário dos 50 anos da publicação da sua obra The Bounds of Sense (1966-2016), e a reconhecida contribuição que ela teve para uma interpretação crítica e propositiva da Crítica da razão pura de Kant, o presente volume reúne uma série de ensaios com um propósito comemorativo desses 50 anos de publicação. A coletânea é composta de dez ensaios, dos quais dois são traduções de artigos que Strawson dedicou ao estudo da filosofia teórica de Kant. O primeiro ensaio da coletânea, intitulado Idealismo transcendental, naturalismo e um pouco de história, de autoria de Adriano Naves de Brito, percorre com Kant, e a partir do Esquematismo Transcendental, o caminho da tentativa de fundamentação da referência objetiva do conhecimento judicativo a objetos. Antes disso, coloca em relevo algumas das muitas leituras que marcaram, nos anos oitenta, os estudos kantianos e do Idealismo Alemão no Brasil. Situando a leitura de Strawson no centro da discussão, faz um balanço do sincretismo filosófico que formou uma geração de filósofos brasileiros e, por um viés naturalista, acerta contas com a doutrina do Idealismo Transcendental. O segundo ensaio intitula-se O ceticismo e a reconstrução de P. F. Strawson da dedução kantiana das categorias. Nele seu autor, Pedro Stepanenko, faz uso das objeções que Barry Stroud apresentou contra os argumentos transcendentais enquanto argumentos anticéticos. Seu propósito é mostrar que a reconstrução da dedução transcendental que Strawson oferece pode ser melhor compreendida como um argumento contra o convencionalismo que sustenta que pensar em termos de objetos é uma opção entre outras, isto é, que as regras que nos permitem falar de objetos da experiência são algo que podemos adotar ou rejeitar. O terceiro ensaio, Dedução transcendental e ceticismo, de Marco Antonio Franciotti, pretende investigar não apenas as intenções gerais de Kant ao elaborar a Dedução Transcendental das Categorias na Crítica da razão pura, mas também a estrutura desse argumento a fim de esclarecer sua importância para o debate contemporâneo sobre os argumentos transcendentais. Essa preocupação se justifica na medida em que, principalmente a partir de Strawson, inúmeros comentadores de Kant passaram a ver a Dedução como uma prova anti-cética. Ao mesmo tempo, tendo em vista que o próprio Kant admite no prefácio à primeira edição da Crítica da razão pura que a Dedução consiste na parte central da obra, uma discussão centrada na Dedução pode evidenciar a própria 9