UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL ANA LUIZA DE OLIVEIRA E SILVA “Sobre as pegadas dos antigos, preparem um amanhã africano”: a coleção de contos e lendas de Boubou Hama e seus projetos para a África VERSÃO CORRIGIDA SÃO PAULO 2017 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL “Sobre as pegadas dos antigos, preparem um amanhã africano”: a coleção de contos e lendas de Boubou Hama e seus projetos para a África Ana Luiza de Oliveira e Silva Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em História Orientador: Prof.ª Dr.ª Marina de Mello e Souza VERSÃO CORRIGIDA SÃO PAULO 2017 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Silva, Ana Luiza de Oliveira e S586“ “Sobre as pegadas dos antigos, preparem um amanhã africano”: a coleção de contos e lendas de Boubou Hama e seus projetos para a África / Ana Luiza de Oliveira e Silva ; orientadora Marina de Mello e Souza. - São Paulo, 2017. 302 f. Tese (Doutorado)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de História. Área de concentração: História Social. 1. História da África. 2. Níger. 3. Boubou Hama. 4. Literatura oral. 5. Projetos político-intelectuais. I. Souza, Marina de Mello e, orient. II. Título. AGRADECIMENTOS Este trabalho contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio de bolsa do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), Processo nº 3348/2015-06. A meus pais, António Jaques da Silva e Vera Lúcia de Oliveira e Silva, por tornarem tudo possível. A meus tios, Cary Milner e Maria Beatriz Jaques Milner, por terem me acolhido e me ajudado a encontrar quatro de minhas fontes principais. Aos amigos Rodrigo Odin e Tetê, por terem me trazido as outras duas. Aos funcionários da Bibliotèque du Musée du Quai Branly e Pandita Marchioro, pelos sumários que viabilizaram o início da pesquisa. Aos professores doutores: Marina de Mello e Souza, por ter aceitado me orientar em terreno desconhecido e ter acompanhado meu trajeto desde então. Paulo Daniel Farah e Maria Antonieta Antonacci, pelas colaborações no exame de qualificação. Acácio Sidinei Almeida Santos, Leila Maria Gonçalves Leite Hernandez, Omar Ribeiro Thomaz e Rejane Vecchia da Rocha e Silva, por terem aceitado compor a banca de defesa, contribuindo assim para o aperfeiçoamento do trabalho, e por terem encorajado a continuidade de minhas pesquisas. Denise Dias Barros, Luiz Geraldo Santos da Silva e Muryatan Barbosa, por contribuições pontuais, porém importantes. Àqueles que, em poucos ou em muitos momentos, me auxiliaram no processo de construção deste trabalho e/ou apoiaram seu desenvolvimento: Antonio Godino Cabas, Antonio Fabiano Hermida, Beatriz Bandeira, Bruna Soalheiro, Camila Jansen de Mello de Santana, Carine Dalmás, Cauê Krüger, Daniela Moreau, Gisele Cândido, Gustavo Jugend, Ingrid Pavezi, Janaína Coelho Adão, Leonardo Marques, Maria Schirley Cherobim Figueiredo, Maria Thereza David João, Neiane Andreato, Reginaldo de Freitas Júnior e Samantha Baldissera Kuhn. Aos professores doutores que conheci durante minha estada no Departamento de Estudos Africanos e Antropologia (DASA), University of Birmingham: Benedetta Rossi, pela acolhedora receptividade e meticulosa orientação. Adeline Masquelier, Camille Lefebvre, David Kerr, Filipa Ribeiro da Silva, Insa Nolte, Kate Skinner, Karin Barber, Leslie James, Mauro Nobili, Murray Last, Paulo Fernando de Moraes Farias, Rebecca Jones, Rebecca Shereikis, Reginald Cline-Cole, Richard Kuba, Shamil Jeppie, Terri Ochiagha, Toby Green e Tom McCaskie, por tantas pequenas e grandes ajudas. Aos colegas que fizeram parte de minha vida universitária britânica e os quais espero reencontrar ao longo do percurso acadêmico: Ceri Whatley, David Coughlin, Elle Seymour, Jefferson Queler, Jovia Salifu, Melat Getahun, Nathalie Raunet, Nimrita Rana, Paul Naylor, Stephanie Zehnle e Tatsuro Sazaki. Na biblioteca, Yi Lai. Àquelas pessoas sem as quais não sei o que teria sido: Adry, Bichara, Mãozinha, Meus pais, Tetê, Thel (Sabão) e Waggy (B, por ter ficado por perto nas minhas horas mais negras, um indizível obrigada). RESUMO Este trabalho trata da trajetória de um intelectual e político do Níger, uma das colônias da então chamada África Ocidental Francesa, ao longo do século XX. Interessado pelas culturas de povos que compunham aquela região do continente, Boubou Hama trabalhou arduamente pela coleta e salvaguarda de costumes e tradições de modo a preservar e divulgar aquele arcabouço cultural. A partir da aproximação de algumas de suas obras escritas, buscamos investigar seus projetos político-intelectuais e relacioná-los à produção de uma coletânea em especial, intitulada Contes et légendes du Niger [Contos e lendas do Níger]. Tanto durante o período colonial quanto após a independência nigerina, que se deu em 1960, Boubou Hama procurou fazer com que a África conhecesse seus próprios valores e concepções de mundo. Para ele, a preservação da cultura compunha um passo chave para o que idealizava em relação ao futuro do Níger e do continente africano como um todo. Palavras-chave: Níger. Boubou Hama. Literatura oral. Contos e lendas. Projetos político- intelectuais. ABSTRACT This thesis broaches the trajectory of a Nigerien intellectual and politician throughout the 20th century. Boubou Hama was a man deeply interested in the cultures of West African peoples. He worked hard to collect and safeguard costumes and traditions, so that the African past and present culture could be kept alive. Through the reading of some of his books, I aim to investigate his political-intellectual projects and relate them to one piece in particular, entitled Contes et légendes du Niger [Tales and legends of Niger]. During French colonial rule, as well as after Nigerien independence (1960), Boubou Hama channelized his struggle and actions to the spread of knowledge about African values and worldviews. For him, the preservation of culture was a key step in the plan he envisaged for Niger’s future and for Africa as a whole. Keywords: Niger. Boubou Hama. Oral literature. Tales and legends. Political-intellectual projects. LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES AEF – Afrique Équatoriale Française ANC – Assemblée Nationale Constituante ANVN – Association Nationale des Victimes du Nazisme AOF – Afrique Occidentale Française AUF – Agence Universitaire de la Francophonie BNA – Bloc Nigérien d’Action CCFN – Centre Culturel Franco-Nigérien CEA – Commissariat à l’Énergie Atomique CELHTO/OUA – Centre d’Études Linguistiques et Historiques par Tradition Orale de l’Organisation de l’Unité Africaine CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique CRDTO – Centre de Recherche et Documentation pour la Tradition Orale CWAS – Centre of West African Studies DASA – Department of African Studies and Anthropology EPS – École Primaire Supérieure IFAN – Institut Français d’Afrique Noire INN – Imprimerie Nationale du Niger IOM – Indépendants d’Outre-Mer IRSH – Institut de Recherches en Sciences Humaines MSA – Mouvement Socialiste Africain OUA – Organisation de l’Unité Africaine PCF – Parti Communiste Français PFA – Parti de la Fédération Africaine PPN – Parti Progressiste Nigérien PRA – Parti du Regroupement Africain RDA – Rassemblement Démocratique Africain SCOA – Société Commerciale de l’Ouest Africain UCFA – Union pour la Communauté Franco-Africaine UDN – Union Démocratique Nigérienne UFN – Union Franco-Nigérienne UGTAN – Union Générale des Travailleurs d’Afrique Noire UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization UNIS – Union Nigérienne des Indépendants et Sympathisants UPN – Union Progressiste Nigérienne NOTA SOBRE TERMINOLOGIAS E TRADUÇÕES Este trabalho contém uma série de palavras cujo uso requer explicações, seja de modo a evitar confusões, seja para esclarecer as opções que fizemos. Em primeiro lugar, o termo gentílico referente ao Níger é ‘nigerino(a)’, ou nigérien(ne) em francês. Por sua vez, o gentílico relativo à Nigéria é ‘nigeriano(a)’, ou nigérian(ne) em francês, referenciado apenas duas vezes, no Capítulo 2 e no Capítulo 4. Em relação a nomes de lugares, fizemos as seguintes opções. No tocante a regiões do continente africano, optamos por manter a grafia Sahel e Sudan. A primeira palavra descreve uma zona geográfica semiárida que atravessa a África de leste a oeste, tratando-se de uma faixa de transição entre o deserto do Saara ao norte e as savanas ao sul. A segunda deriva da expressão árabe bîlad al-sudan, referindo-se à porção de terra ao sul do Saara, não devendo ser confundida com Soudan, colônia francesa posteriormente denominada como Mali.1 Por sua vez, esta também não deve ser confundida com o país atualmente chamado República do Sudão.2 Esclarecemos que podem haver variações neste sentido em citações e títulos de obras de autores que utilizam Soudan para referir-se àquilo que estamos denominando Sudan. Por exemplo, a obra de Boubou Hama intitulada Écrits sur le Soudan refere-se à região sub- saariana, não à colônia do Soudan; assim, mesmo que a diferenciação não tenha sido feita pelo autor, traduzimos seu livro como Escritos sobre o Sudan. Em terceiro lugar, em relação às colônias francesas em África, com exceção da mencionada colônia do Soudan (atual Mali), grafamos seus nomes em português. Isto é válido tanto para aquelas colônias que tiveram seus nomes alterados no período pós-colonial, como Alto-Volta – no original Haute-Volta (atual Burkina Faso) – e Daomé – no original Dahomey (atual República do Benin) –, quanto para aquelas cujos nomes foram mantidos, como Guiné, Senegal, Costa do Marfim e Níger. Em quarto lugar, mantivemos em francês os nomes das cidades e vilas que mencionamos, como Alger, Agadès, Dakar, Dori, Falanké, Fonéko, Gorée, Ouagadougou, Téra, Tillabéry, Tombouctou, entre outros. 1 Cf. MANN, Gregory. From empires to NGOs in the West African Sahel: the road to nongovernmentality. Cambridge : Cambridge University Press, 2015, p. xv. 2 A situação do atual Mali no período colonial era “parte da África Ocidental Francesa, chamada de Sudão Francês. Como Estado-membro da Comunidade Francesa, passou a chamar-se Mali”, sendo aquele o nome do espaço geopolítico sob o imperialismo. Não confundir com o atual país chamado Sudão, que “de 1898 a 1955 pertenceu ao Condomínio Anglo-Egípcio.” HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. 4ª ed. São Paulo : Selo Negro, 2008, pp. 622 e 625. Em relação às palavras utilizadas para designar povos, optamos por priorizar aquelas que aparecem na maior parte dos textos que estudamos. Assim, usamos Songhay, apesar de também encontrarmos outras formas de escrita, como Songhaï, Songhoy, Songhaÿ, Songhai, Sonrhaï e Songai. Utilizamos Zarma, sendo igualmente possível localizarmos Zerma e Djerma. Empregamos sempre o termo Hausa, apesar de também podermos encontrar Haussá, Hauçá, Haoussa, Haussa e Hawsa. Fizemos uso de Peul, como utilizado em francês, esclarecendo que termos bastante diferentes como Fula, Fulani e Fulfulde referem-se igualmente a este mesmo povo. Em raras vezes, nos deparamos com a palavra Peule, que designa o gênero feminino. Outros povos ainda tiveram a grafia mantida no francês, como Kanuri, Malinké e Soninké. Por fim, empregamos a grafia em português para Tuaregue. Em relação a nomes de castas, conservamos os termos em francês, tais como aparecem na documentação, como Karou-Béné, Sonianké, Sorko, Tchierko, Zima, entre outros. Por fim, outros termos de época foram mantidos no original, como indigène, que se refere a ‘nativo’ ou ‘autóctone’, e Code de l’indigénat. Termos sem uma tradução exata em português também ficaram no original, como Holé e brousse. Em relação a esta última palavra, além de aludir a um tipo de paisagem africana3, também contempla um sentido metafórico: “este termo não designa somente a brousse, suas árvores e os animais que ali vivem. No sentido figurado, sobretudo, ele significa aquilo que não é ‘da vila’ (a comunidade humana), o ‘mundo invisível a nossos olhos e seus espíritos’.”4 Todas as traduções são nossas, exceto quando indicado em nota de rodapé. No tocante a citações, quando o trecho traduzido integrar o corpo do texto, sua versão em língua original (inglês ou francês) foi incluída em nota de rodapé, juntamente com a referência bibliográfica correspondente. Por outro lado, se o trecho traduzido fizer parte apenas da nota de rodapé, por razões de economia do texto, sua versão em língua original não foi inserida. Todos os grifos e ênfases das citações contêm a informação, em nota de rodapé, sobre onde se encontram: se estão presentes no texto original ou se são destaques nossos. Finalmente, títulos de livros, divisões político-administrativas (como Cercle de), partidos políticos, cargos, entre outros elementos, foram mantidos no original, seguidos de tradução entre colchetes. 3 “Brousse: formação estépica da África, caracterizada por vegetação rasteira de gramíneas misturada com algumas árvores e arbustos. Também qualquer área fora do perímetro da cidade. Em português, a palavra mais aproximada seria ‘sertão’.” HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. Amkoullel, o menino fula. São Paulo : Palas Athena : Casa das Áfricas, 2003, nota do tradutor, p. 26. 4 « Ce terme ne veut pas désigner seulement la brousse, ses arbres et les bêtes qui y vivent. Au figuré, surtout, il signifie ce qui n’est pas ‘du village’ (da communauté humaine), le ‘monde invisible à nos yeux et ses esprits’. » HAMA, Boubou. Le secret. In: ____________. Contes et légendes du Niger. Tome II. Paris : Présence Africaine, 1972, p. 35, nota de rodapé n. 1. Grifo nosso.
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