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Se Isto é Uma Mulher PDF

1009 Pages·2015·4.976 MB·Portuguese
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FICHA TÉCNICA Título original: If This Is a Woman Inside Ravensbrück: Hitler’s Concentration Camp for Women Autora: Sarah Helm Copyright © 2015 by Sarah Helm Edição publicada originalmente em 2015, em língua inglesa, no Reino Unido, por Little, Brown, uma chancela de Little, Brown Book Group Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2015 Tradução: Ana Saldanha Imagem da capa: Shutterstock Arranjo gráfico: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presença Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda. 1.a edição em papel, Lisboa, setembro, 2015 Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) à EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 BARCARENA E-mail: [email protected] www.presenca.pt DEDICATÓRIA Às que recusaram • .. ...Considerai se isto é uma mulher, ... ..Sem cabelo e sem nome ... ..Sem mais força para recordar, .... .Vazios os olhos e frio o regaço .. ...Como uma rã no inverno. Meditai que isto aconteceu: Recomendo-vos estas palavras. Primo Levi, Se Isto É Um Homem PRÓLOGO Do aeroporto de Tegel, em Berlim, demora-se pouco mais de uma hora a chegar a Ravensbrück de automóvel. Da primeira vez que fiz essa viagem, em fevereiro de 2006, demorei mais tempo, porque caía muita neve e um camião tinha-se atravessado na via de cintura de Berlim. Heinrich Himmler ia muitas vezes de automóvel a Ravensbrück, mesmo quando fazia um tempo atroz como este. O chefe da SS tinha amigos na zona e aproveitava para fazer uma visita de inspeção ao campo de concentração. Raramente partia sem deixar novas ordens. Uma vez, ordenou que fossem incluídos mais tubérculos na sopa das prisioneiras. Noutra ocasião, disse que o extermínio não estava a avançar com suficiente rapidez. Ravensbrück foi o único campo de concentração construído especificamente para mulheres. O campo tomou o nome da pequena vila adjacente à cidade de Fürstenberg e situa-se a cerca de oitenta quilómetros a norte de Berlim, junto à estrada para Rostock, na costa báltica da Alemanha. As mulheres que chegavam à noite julgavam por vezes estar perto da costa, porque sentiam o sal no vento; por vezes, sentiam também areia debaixo dos pés. Quando amanhecia, viam que o campo tinha sido construído na margem de um lago e que estava rodeado por uma floresta. Himmler gostava que os seus campos de concentração se localizassem em zonas de beleza natural e que, de preferência, não estivessem ao alcance da vista. Atualmente, o campo de concentração continua a não estar ao alcance da vista; os crimes horrendos ali perpetrados e a coragem das suas vítimas permanecem ainda, em grande medida, desconhecidos. Ravensbrück entrou em funcionamento em maio de 1939, pouco menos de quatro meses antes da eclosão da guerra, e os Russos libertaram-no seis anos mais tarde — foi um dos últimos campos de concentração a que os Aliados chegaram. No primeiro ano, contava com menos de 2000 prisioneiras, quase todas alemãs. Muitas tinham sido detidas por se oporem a Hitler — comunistas, por exemplo, e testemunhas de Jeová, que chamavam Anticristo a Hitler. Outras foram detidas simplesmente porque os nazis as consideravam seres inferiores e queriam removê-las da sociedade: prostitutas, criminosas, mulheres sem-abrigo e ciganas. Mais tarde, o campo de concentração viria a receber milhares de mulheres capturadas em países ocupados pelos nazis, muitas delas pertencentes à resistência. Para lá, também eram levadas crianças. Uma pequena percentagem das prisioneiras — cerca de dez por cento — era judia, mas o campo não foi formalmente designado como um campo de concentração para judias. No seu auge, o campo de Ravensbrück contava com uma população de cerca de 45 000 mulheres; ao longo dos seis anos da sua existência, cerca de 130 000 passaram pelos seus portões, para serem espancadas, obrigadas a passar fome e a trabalhar até à morte, envenenadas, executadas e assassinadas com gás. Segundo as estimativas, o número total de mortes oscila entre 30 000 e 90 000; provavelmente, o número efetivo de mortes situa-se entre esses dois, mas a quantidade de documentos da SS sobre o campo de concentração que chegaram até aos nossos dias é tão reduzida que nunca será possível saber ao certo. A destruição maciça de provas em Ravensbrück é mais uma das razões por que a história do campo de concentração se manteve na obscuridade. Nos últimos dias, todos os dossiês de todas as prisioneiras foram queimados no crematório ou em fogueiras, juntamente com os corpos. As cinzas foram lançadas ao lago. Fiquei a par da existência de Ravensbrück quando estava a escrever um livro sobre Vera Atkins, uma oficial da organização Special Operations Executive (SOE) [Executivo de Operações Especiais] dos serviços secretos britânicos durante a guerra. Imediatamente após o fim da guerra, Vera Atkins decidiu fazer uma pesquisa sobre mulheres do SOE que tinham sido lançadas de para- quedas na França ocupada para ajudar a resistência, muitas das quais tinham já desaparecido. Vera seguiu-lhes a pista e descobriu que várias tinham sido detidas e levadas para campos de concentração. Numa tentativa de reconstituir a pesquisa de Vera Atkins, comecei pelos seus documentos pessoais, que se encontravam arquivados em caixas de cartão na posse da sua cunhada, Phoebe Atkins, na sua casa na Cornualha. A palavra «Ravensbrück» estava escrita numa das caixas. Lá dentro, havia apontamentos manuscritos de entrevistas com sobreviventes e com elementos suspeitos da SS — algumas das provas recolhidas inicialmente sobre o campo de concentração. Folheei os papéis. «Tivemos de nos despir e raparam- nos o cabelo», disse uma mulher a Vera. Havia «uma coluna de fumo azul sufocante». Uma das sobreviventes falava de um hospital do campo de concen- tração onde «os germes da sífilis eram injetados na medula espinal». Uma outra descrevia a chegada de mulheres ao campo de concentração depois de uma «marcha da morte» pela neve, vindas de Auschwitz. Um dos agentes do SOE, detido em Dachau, escrevera uma mensagem a dizer que tinha ouvido falar de mulheres de Ravensbrück que eram forçadas a trabalhar num bordel em Dachau. Várias das entrevistadas mencionavam uma jovem guarda chamada Binz, que tinha cabelo «claro, com um corte à pajem». Outra guarda tinha em tempos sido ama em Wimbledon. Entre as prisioneiras encontrava-se «a nata das mulheres da Europa», segundo um investigador britânico; incluía-se nesse grupo uma sobrinha do general De Gaulle, uma antiga campeã de golfe e várias condessas polacas. Comecei a procurar datas de nascimento e moradas para o caso de algumas das sobreviventes — ou até mesmo algumas das guardas — ainda estarem vivas. Alguém tinha dado a Vera a morada de uma tal Sra. Chatenay, «que sabe pormenores sobre a esterilização de crianças no Bloco 11». Uma médica chamada Louise Le Porz prestara uma declaração muito pormenorizada em que afirmava que o campo de concentração tinha sido construído numa propriedade que pertencia a Himmler e que o seu Schloss privado, o seu castelo, ficava nas imediações. O endereço dela era Mérignac, Gironde, mas, pela data do seu nascimento, era provável que já não estivesse viva. Uma mulher de Guernsey, chamada Julia Barry, vivia em Nettlebed, no condado de Oxford. Outras moradas eram extremamente vagas. Pensava-se que uma sobrevivente russa trabalhava «na unidade materno-infantil, na estação de caminhos de ferro de Leninegrado». Na parte de trás da caixa, encontrei listas manuscritas de prisionei- ras, trazidas clandestinamente para o exterior por uma polaca que tinha tirado apontamentos no campo de concentração e fizera esboços e mapas. «As polacas tinham a melhor informação», aparecia no apontamento. A mulher que escrevera a lista tinha morrido havia já muito tempo, mas algumas das moradas eram de Londres e algumas das prisioneiras ainda se encontravam vivas. Levei comigo os esboços na primeira visita a Ravensbrück, na esperança de que me ajudassem a orientar-me quando lá chegasse. No entanto, com a neve a cair com mais intensidade, perguntava-me se conseguiria chegar até ao campo de concentração. Muitas pessoas tentaram e não conseguiram chegar a Ravensbrück. Alguns elementos da Cruz Vermelha que tentaram ir ao campo de concentração no caos dos últimos dias da guerra tiveram de voltar para trás, tal era o fluxo de refugiados que avançava no sentido contrário. Alguns meses depois do fim guerra, quando Vera Atkins se dirigiu a Ravensbrück para iniciar a sua investigação, mandaram-na parar num posto de inspeção russo; o campo de concentração encontrava-se dentro da zona de ocupação russa, pelo que pessoas dos países aliados dificilmente eram autorizadas a visitá-lo. Nesta fase, a iniciativa de Vera para encontrar as mulheres desaparecidas já se encontrava integrada numa investigação britânica mais alargada do campo de concentração, resultando nos primeiros julgamentos por crimes de guerra em Ravensbrück, que se iniciaram em Hamburgo em 1946. Nos anos 1950, com o início da Guerra Fria, Ravensbrück ficou por trás da Cortina de Ferro, que dividiu as sobreviventes — do Leste e do Ocidente — e separou a história do campo de concentração em duas partes. Fora da vista do Ocidente, o local tornou-se um santuário das heroínas comunistas do campo de concentração, sendo os seus nomes dados a ruas e a escolas por toda a Alemanha de Leste. Entretanto, no Ocidente, Ravensbrück literalmente desapareceu de vista. As sobreviventes do Ocidente, os historiadores e os jornalistas nem sequer podiam aproximar-se do local. Nos seus países de origem, as ex-prisioneiras deparavam com dificuldades para verem as suas histórias publicadas. O acesso às provas era difícil. As transcrições dos julgamentos de Hamburgo tinham sido classificadas como «secretas» e encerradas trinta anos antes. «Onde ficava?», era uma das questões mais comuns que me colocavam quando comecei a escrever sobre Ravensbrück, juntamente com: «Porque é que havia um campo de concentração separado para mulheres? As mulheres eram judias? Era um campo de morte? Era um campo de trabalhos forçados? Ainda há alguma mulher que esteja viva?» Nos países que perderam um grande número de pessoas no campo de concentração, os grupos de sobreviventes tentaram manter viva a memória dos acontecimentos. Cerca de 8000 francesas, 1000 holandesas, 18 000 russas e 40 000 polacas foram feitas prisioneiras. No entanto, por diferentes razões em cada país, a sua história foi ocultada. No Reino Unido, que não teve mais do que vinte mulheres nesse campo de concentração, a ignorância é assombrosa, o mesmo podendo dizer-se em relação aos Estados Unidos. Os Britânicos estão a par da existência de Dachau, o primeiro campo de concentração, e talvez de Belsen, por terem sido as tropas britânicas a libertá-lo e porque os horrores que lá encontraram, captados em

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