“Deitado na esteira, no meio de molambos, no canto escuro da choça de chão de terra, Nhô Augusto, dias depois, quando voltou a ter noção das coisas, viu que tinha as pernas metidas em toscas talas de taboca e acomodadas em regos de telhas, porque a esquerda estava partida em dois lugares, e a direita num só, mas com ferida aberta. As moscas esvoaçavam e pousavam, e o corpo todo lhe doía, com costelas também partidas, e mais um braço, e um sofrimento de machucaduras e cortes, e a queimadura da marca de ferro, como se o seu pobre corpo tivesse ficado imenso.”
“A hora e vez de Augusto Matraga”
A Editora Nova Fronteira, conhecida e reconhecida por ser a casa dos grandes clássicos da literatura, comemora 50 anos. É muita história já contada e muita ainda por contar. Para festejar essa data tão importante, lançaremos a Coleção 50 Anos, com vinte títulos imperdíveis e obrigatórios em qualquer estante.
Guimarães Rosa é, por seus experimentos linguísticos, sua técnica e sua inventividade, o mais completo renovador de nossa ficção. Ao aparecer efetivamente como escritor em 1946, com os contos de Sagarana, levou Graciliano Ramos a escrever sobre ele, dizendo-se entusiasmado com os contos “O burrinho pedrês”, “A volta do marido pródigo”, “Duelo”, “Corpo fechado” e, sobretudo, “A hora e vez de Augusto Matraga”, “que me faz desejar ver Rosa dedicar-se ao romance”. O título, Sagarana, é uma criação do autor, que juntou à palavra saga (“narrativa histórica ou lendária”) o sufixo tupi -rana, que expressa a ideia de semelhança. Rosa achou o neologismo tão expressivo que pediu que o conservassem em todas as traduções da obra. Apresentando a paisagem e o homem de sua terra numa linguagem até hoje exclusiva, Guimarães Rosa fez de Sagarana a semente de uma obra cujo sentido e alcance ainda estão longe de ser inteiramente decifrados.