ebook img

Rousseau - da teoria à prática PDF

67 Pages·1976·4.392 MB·Portuguese
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview Rousseau - da teoria à prática

ROUSSEAU: DA TEORIA PRÁTICA i À I , i . ! CAPA (LaYOllt): Ary Almeida Normanha- REVISÃO: Renato Nicolai FICHA CATALOGRAFICA [Preparada pelo Centro de Catalogação-na-Fonte, Câmara Brasileira do Livro, SP] iI ! Fortes, Luis Roberto Salinas, 1937- F844r Rousseau: da teoria à prática. São Paulo, Ática, .1976. J p. (Ensaios, 21) Bibliografia. I, Filosofia francesa 2. Política - Filosofia 3. Rousseau, Jean Jacques, 1712-1778 1. Título , I • CDD-194 76-0439 -320.01 I J fndice para catálogo sistemático: 1. Filosofia francesa 194 li 2. Filósofos franceses 194 li 3. França: Filosofia 194 o 4. Política: Filosofia 320.01 " texto que agora vem a público - com iI pequenas alterações - foi apresentado como 1976 \\ tese de doutoramento em abril de 1974 junto ao Departamento de Filosofia da F, F. L. C. H. Todos os direitos reservados pela Editora Atica S.A. 1 da Universidade de São Paulo. Da banca exa- R. Barão de 19uape, 110 - Te/.: PBX 278-9322 (50 Ramais) i minadora participaram os professores Maria C. Postal 8656 - End. Telegráfico "Bomtivro" - S. Paulo Sylvia de Carvalho Franco, Alfredo Bosi, Mi- i chel Launay, Marilena Chaul e Celso La/er, ! A todos, os meus mais sinceros agradeci- , mentos. CONSELHO EDITORIAL l Meu reconhecimento aos colegas do De- partamento de Filosofia da USP e, de modo í especial, às professoras Maria Sylvia e Mari- ALFREDO BOSI, da Universidade de São Paulo. lena, cujo estEmulo foi decisivo para conclusão AZIS SIMÃO, da Universidade de São Paulo. il deste trabalho, assim como aos professores DuoLAS TEIXEIRA MONTE.IRO, da Universidade de São Paulo. Victor Goltschmitt e Bento Prado Ir., primei- FLÁVIO VESPASIANO DI GIORGI, da Pontificia Universidade Católica. t ros orientadores das minhas pesquisas. HAQUIRA OSAKABEj da Universidade de Campinas. Agradeço também à FAPESP (Fundação RODOLPO lLARI, da "Universidade de Campinas. Ruy GALVÃO DE ANDRADA COELHO, -da Universidade 'de São Paulo. dPeauAlom),pairnostitàuiPçãeosqudisaaqduaalUfuniivebroslisdisatdae ddueraSnãteo .1 Coordenador: José Adolfo de Granvili~ Ponce o período de um ano, ., •, :,~' .'~-I .t:\~~ .'( li; , ~,';' ':; ; :~ * " J: ,) ~, ir:. 1 ~1 I., I • "1 , ':1' ! 'Ir'" i~ ~ i "~. ~, Dedico este livro ad André • lNDlCE Prefácio ooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo 11 Introdução oooooooooo••• oooooo•• oooooooooooooooooo 25 CAPo I - Com a ajuda do discurso ooooooo;0 oooooooo 49 CAPo Ir - Do tácito ao expresso oooooooooo• ooooooooo 71 CAPo m - O discurso do Legislador oooooo•• oooooo.ooo 93 CAPo IV - A medida da força das leis • ooooooooooooo.' • 108 Conclusão oooooo• o•• o• ooooo. ooo. oooooooooo. oooooo 126 Bibliografia oooo• ooooo. ooooooooooooooooooooooooooo 133 • PREFÁCIO Do tácito ao expresso: o lugar do escritor potEtico "O escrever sobre Política se situa também em um espaço intermediário entre um jazer e um calar-se. Ou ainda: um t:~pa,¥oque é limi- tado por duas figuras distintas do falar. Ou nos calamos porque fazemos - a palavra' 6, então, supérflua - ou nos calamos porque já não pode- mos fazer mais nada - n palavra é, então, inútil. Entre o território da ação eficaz e o da impos- sibilidade da ação, estende-se o domínio da es- crita. Entre a figura do Príncipe ou do Legis- lador bem sucedido - Moisés, Licurgo - e a figura do político impotente, constitui-se o es- paço -doescritor político." SALINAS FORTES, L. R. :Rousseau: da teoria à prdtica. o leitor deste livro será impelido a uma aventura que o deixará sempre em suspenso, pois o autor não recua nem concede diante dos riscos da empresa que assumiu: polemizar com a forma da can~nica da leitura obra de Rousseau como obra incoerente e, por isso mesmo, inconseqüente. A cada passo, uma dificuldade insuspeitada posta em evidência encontra uma solução que, logo a seguir, transfigura-se em dificuldade nova e maior que é preciso compreender c resolver. Travundo um verdadeiro combate com Rousseau e com seus mais ilustres comentadores, Salinas vai apon- tando o lugar de origem das questões que palmilham seu percurso: o pensamento da política. Atacando de frente a suposta incoer2ncia de Rousseau - in- coerência entre os escritos e a vida do filósofo, incoer€ncia entre os próprios escritos - Salinas começa examinando e descartando as várias soluções que 0$ intérpretes encontraram para tal dificul- dade. Uma primeira solução consiste em desenhar a figura de um Rousseau - Proteu, nascida do dilaceramento do indivfduo vítima da civilização, levando-o aos recursos ambíguos da dissi- l- i 12 PREFÁCIO I PREFÁCIO 13 I mulação e até mesmo à puni contradiç.ãoconsicp m.esm~. .Edisto minuciosado Ensaio sobre a Origem das Línguas, onde a questão resultariaa impossibilidade para totallzar de maneira ftomo~ênea da linguOlfemcomo fratura sucessiva do gesto e da fala, da fala a obra do fil6sofo. Uma outra solução oferecida surge na flgura e da escrita,da escritapersuasivae da escrita convencedora reen~ de um Rousseau'_ Mutilado. Agora procura-se recuperara coe- contra a "lratura,posta na Introdução. entre falar e agir. Dessa rência da vida com a obra e desta consigo mesma. graçasa um maneira, a teoria t!a linguagem recupera seu solo originário, que recorte seletivo dé textqs compatíveis entre si ~ que se a~rul?am é um solo politico. Com efeito. o que significa buscar a ajuda por exclusão daqueles tidos como incompatí~~ls. A co~rencla é do discurso? O próprio Rousseau levanta o paradoxo: como o obtida graçasa uma padente separação do Jazo_edo .tr~go.E~- crítico das ciências e das artes poderá ser um escritor? Como o fim, (como nãopoderiadeixarde ocorr.e~)a questaoda IncoerêncIa crítico do livro pode cumprir sua tarefa crítica, escrevendo livros é resolvidápela partilha eqüitativa daquIlo que p'!':tenceaoJovem também? A critica radicaldos maleflcios d~cultura (e, portanto, Rousseau e daquilo qüe está sob a responsabIlIdade do Velho da escrita), para ser coerente. não deveria ser a escolha do si- Rousscau. A cisão é operada pp.!n reconhecimento de qU;,e ~áno lnncio? filó~ofo uma passagem da paixão radicalizadoraà prud:ncla r.e- Um dos maiores interesses do Capítulo (está na crítica que forn1Ísta.-Recusando as várias soluções apresen~a1as,Salmas afzr- 'SalinasendereçaaDerrida,preocupado em desentranharas raízes ma.que não se tratade-investigar o dran:a indzvldual do.home~ metafísicas'da crítica de Rousseau à escrita como suplemento pe- dilacerado pela civilização;nem de seleCIOnarpartes c~mpatívels rigoso da fala e da visão, muito mais pr6ximas dó Ser, proximi- de sua obra, nem. muito menos, 'de pensa~numa espé~lede evo- dade que a escrita abole instaurando uma dist{Jnciairreparável lução do ardor revolucionário ao conforrrusmoreformlsta~ entre o homem e a natureza. A primeira critica endereçada a Salinas opera então, um de~locamento ~a questao l?ara Derrida consiste em mostrar que o intérprete não retira do pr6- J .'apreendera gênese da suposta incoerên~iade Rousseau. Partmdo prio Ensaio os principios que permitiriam a leitura dos demais dadistinção feita pelo filósofo entre o ser e o parecer~ qu~~arc~ textos de Rousseau de sorte que afinal, a teoria da linguagem .o advento da cultura, Salinas indica como essa dl~so~laçao.e assim encontrada aJparece inevitaJvelmente como simples suple~ reportada a uma cisqo mais originária~de que a prlmelra serIa mento da relação imediata com a natureza e com a verdade. Sa- um ejeito. Trata~seda cisão entre agrr ~.fal~r. E se esta é ~ linas fará um percurso e~tamente oposto a este, na medida que cisão'fundamental, qual seria o .1ugarpr~vllegladode sua ma~l- procura na teoria rousseaunianada linguagemos princípios para festação? O discurso político. "Não é. pOIS, o ~isc~rso.politlCO ler Rousseau. A segunda critica aponta para uma certa cegueira o lugarmais estratégico- ou, pelo menosJ o maIs dIdátICO- a do comentador francês que em instante algum procura ver se a pàrtirdo qualserápossível começaraentender o: paradoxo~ deste distdncia estabelecida entre aquilo que Rousseau .declara, de um Ithommeà paradoxes" e compreender a.concepçao da escrztaqu~ lado,e aquilo que descreve,de outro, não é uma dist{Jnciaexigida lhe é própria, assim como o uso multlforme que ele .faz ~ela? pela pr6pria lógicainterna do discurso rousseauniano. O que Sa~ Mas esta direção esconde novas.dificuldadesJ POlS a Incoe- Unasdemonstra ser efetivamente o caso. En/im uma terceiracri- rência parecp. ressurgir quando se cómparam textos como .Con- ticarevela que as premissas usadaspor DerridaJparaler o Ensaio trato Social e as Considerações sobre o -Governo da Polôma ou jáestãodadaspelopr6prioEnsaio, de sorte que o intérpreteestaria as Cartas da Montanha, pois agoraa teoria (Contrato SOCIal)pa- sendo vítima 40 poder do discurso que tenta criticar. rece ser negada pelos discursos conjunturais. E o sentimento da Essas tr~sobservaçõespreparam a verdadeiracrítica. Assim dissimulação torna.se inevitável no leitor. A passagem do geral como anteriormente não se'tratava de salvar Rousseau indo da ao particular, da teoria à hist6riaJ parece não cumprir--see des- paixão à prudênciaJ agora.não se trata de condená-lo por uma camba para a contradição. ., ambigüidade na crltica da metafinca a que ainda estaria preso. Resolver essa dificuldade - a passagem da teor~aà prát~ca :A cisãoentrefalar e agirrevela que o lugarda discussãoé'outro. _ é a tarefa a que se entregaSalinas. E para levá-la a cabo o Qual seja:o de uma leitura política do Ensaio que poderá escla- Capltulo I deverá encarregar-seda compreensão do estatuto ~o rec~-loe esclarecersua articulaçãonecessáriacom asdemátsobras discurso teórico. compreensão que conduz o autor a uma anállse de Rousseau. Será esta a via percorrida por Salinas. Trata-se, 15 PREFÁCIO 14 PREFÁCIO c~m a intenção de circunscrever rigorosamente o espaço de seu pois, de desvendar a relação entre o Lagos e o Poder. irA his- dlScurso. Esta preocupação pedagógica não é acidental' é '. tória posterior a esta fratura, (visão-fala, gesto-fala, fala~escrita), a ~pressão, ~o p~ano da política, da postura constante de Rous~;:': nossa história _ de que O" Discurso descreve a gênese - será uma d,ante da c~enc~aem geral ou da filosofia." hi$fÓria de novas' fraturas provocadas pelos ecos-retardados da pri- Entre o silencio da ação bem sucedida e o mutis d' meira explosão e que se somam à primeira f~nda, acabando pouco otên ' , I I" , mo a ,m- J P ela SOCla e po ,tlca. Instala-se um discurso que visa ai a pouco, por consumar, com o culto do livro, o desligamento defi- a primeira e eliminar a segunda' o discurso da teoria Ilt' cançar nitivo dos dois universos (natureza e cultura; senstvel e inteli- nasce quand tod a:. d' . po ,ca, que . o. as con zções objetivas parecem aniquilar seu gível), Mais do que isto, Conduzindo a ,uma total Inversão da sent,do. O l,vro polltlco é aquele escrito quando tudo situação inicial, pois o livro acaba"por se substituir ao real, acaba " 'lê' M parece eXlg~r SI nao.. as, porque escrito quando a linguagem e a por ser mais real do que o real. Reconstitui-se assim, de forma esc~'ta em partIcular, tornou-se inútil ou serva do poder vigent tirânica e em favor do inteligível a unicidade do olhar e a unidade o livro ganha. uma significação nova que ~'úé posstvel desvend:; do campo visual." (Grifos nossos.) graças à critIca. da cultura que o fez nascer Assim I Persua~ão e convicção são formas do discurso politico. Con- dasupot' A'dR "nougar S a ,~coerf;nCla e ousseau, vem colocar-se um discurso vencer é dominar o espírito, a vontade, o sentimento do outro que. é refle:xao. sobre sua própria origem e sobre sua destinação _ é tiranizá-lo. E o livro é uma forma tirânica. ~, pois, num SOCIale h,st6rzca. contexto eminentemente político que a que;stão da escrita deve Circunsc~ito. em.re dois silêncios, o ato de escrever aponta ser examinada. 1J: o contexto da prática humana no estágio em em seu .pr6pno ,~teTlOrpara a questão que o suscita: a passagem que a Razão capta as mensagens da natureza (antes captadas pela da teoTla à prátIca, uma vez cumprida a passagem do tácit sensibilidade) que .deve iluminar a questão da passagem pela es- e~pr~sso. "O ponto de vista teórico. constitutivo do discurs~ ~~ crita .~o significado do discurso teórico. CiênCIa~o hom~m,~presenta.se, então, apenas como um momento Mas a dificuldade não se jaz esperar. Se a razão, a teoria necessárIO .no mterlOr de um saber e de um discurso eminente- e a escrita se definem: pelas necessidades presentes da atividade ment~ práticos. Momento necessário porque assim o exige nossa humana, representam contudo uma queda frente ao estado origi- cond~çao presente, essencialmente discursiva. Mas momento su~ nário do homem no coraçao da natureza. Se o Uvro é tirânico bordmado, ~amedida .que e~ta ciência só se justifica no horizonte e se tirdnica é a cultura que o faz nasce" como pode Rousseau de u"!~ ~rátlca. / ... / ASSIm como o princípio de utilidade serve usar como instrumento ,de crítico o objeto da própria crítica? ~e cnter~~ para o estabelecimento do programa. de ensino de Emi- Nova incoerência? Não. A resposta a essa questão emerge quan- 1lO_,a uphdade para a prática aparece como principio de delimi- do se circunscreve o campo em que a escrita e a teoria se ofe- taçao ~o campo" d? saber: além do territ6rio compreendido' pelos recem. pelo menos, como remédio para uma humanidade enve- conheezment?s utels p~ra a prática, situa-se o perigoso domínio lhecida e decaída, O discurso e remedio quando e discurso político, em que ~edaa os delfrJOsda razão raciocinante". "O escrever sobre Política - diz Salinas - se situa tam- Salmos exa~ina a constituição do discursn tp.6rico e de sua bém em um ~5paço intermediário entre um fazer e um calar,;,se. passagem à prát~ca em três registros diferentes. Ou ainda: um espaço que é limitado por duas figuras distintas . O primeiro exame dessa. constituição e dessa passagem é do falar. Ou nos calamos porque fazemos - a palavra é, então, fe!to à luz da diferença na eficácia persuasiva dos discursos O supérflua _ ou nos calamos porque já não podemos fazer mais dIscurso te6rico procura impor-se à razão do interlocutor.' nada _ a palavra é, enttlo. inútil. Entre o território da ação valor'. a exa.tida~o; sua tarefa: a explicitação de relações que co'nssteiu~ eficaz e o da impossibilidade da ação, estende~se b domínio da tuem o objeto de que fala; seu pressuposto: a existência de uma escrita, Entre a figura do Prlncipe ou do Legislador. bem sucedido or1em ~acional objetiva. onde os interlocutores se defrontam' seu _ Moisés, Licurgo - e a figura do político impo,tente, constitui- ~nnc~PlOde organização: o princípio do melhor. O discurso t:6rico -se o espaço do escritor político. Se Rousseau, antes de entrar lmedlatame~te voltado para uma prática determinada, porém, visa na matéria julga importante justificar~se, ele o faz não apenas um outro tIpOde persuasão cujo pressuposto não é a racionalidade com o propósito de tranqüilizar os leitores eventuais, mqs antes .. 16 PEEPÁCIO PREPÁCIO 17 do real e do interlocutor, mas a conveniência ou adequação da dade e da co"upçáo tpmbém se encontram em Rousseau, mas proposta ao interlocutor que a solicita. Salinas, examinando a deslocados do contexto clássico. A boa-sociedade, a sociedade diferença entre o Contrato Social e textos como Considerações j' jovem, .é a sociedade onde o Legislador não é apenas um ideal sobre o Governo da Polônia e Cartas da Montanha, localiza a transcendental mas zunq figura concreta instauradora do corpo J distinção dos discursos numa diferença de auditórios. E: a pimir polrtico legitimo. A má-sociedade, a sociedade velha e co"om- do ouvinte portanto, que os discursos.polfticos de Rousseau re- pida, não é aquela que desvirtuou o modelo ideal da boa-socie- encohtrarãol sua coer~ncia. A teoria polEticadesenvolvida no Con- dade, mas a que não consegue encontrar alguém que encarne a trato dirige-seao Quvinte Transcendental. E: uma polltica desen- figura do Legislador. Não há uma cronologia da corrupção, mas volvida no plano da universalidade e das condições de possibili- uma esp~cie de bondade essencial ou de maldade essencial das dade da criaçãodo corpo político enquanto tal. Seu interlocutor: formas poltticas que são ou originariamente boas ou origina~ o Legislador. A teoria política responde à questão da origem " riamente más. Estas últimas precisam de ;emédio. E o remédio du corpo político (origem não-empírica. evidp.ntP.mente) respon- só é eficaz se souber exatamente qual a moléstia que deve curar. dendo à questão: o que é o direito de legislar? Por sua vez, os Essa moléstia, só a atenção dada ao Ouvinte.Emp/rico pode dizer textos conjunturais inserem-se no contex~ode um corpo politico ao escritorpoll/ico como remediá-la. já existente e cujas necessidades são imediatamente práticas e estão O segundo momento do exame da passagem da teoria à prá~ inscritas nos ava/ares do mundo empírico. Seu. destinatário: o tica é feito graças a um deslocamento operado por Salinas no Ouvinte Empfrico, governantes e governados concretos, membros critério tradicionalmente usado pelos comentadores de Rousseau. de um Estado particular cujas peculiaridades históricas, geográ~ Estes supõem, de modo geral, que o corpopolttico nascedo pacto ficas e moraisdevem ser consideradaspelo escritor. Agora o dis~ e.que a pol/tica é pensada pelo filósofo em termos jur/dicos. Sa- curso responde à questão: como e quando é possível legislar? Imas desloca a questão indagando: qual o terreno da possibill- A passagem da teoria à práticase oferece, assim, no interior de dade do polltico, não a partir do pacto, mas a partir da cons- uma di/erença de auditórios graçasà qual a teoria passa à ação ciência coletiva. Ofundamento dapolltica nãoé .ur/dico(o~ eficaz e oportuna, o transcendental vem investir-se na região do nem emplrico (a cone r ta e to as as vanta es) mas a cons~ empírico c.o universal penetra no particular pela passagem de cMnelacoletIva que se exprime como Vontade Ger~..Esse deslo- um tempo abstrato (o do Contrato) ao Kairós das pollticas camento fará com que a passagem da teoria à prática se revele presentes. Não há,pois, incoerênciano escritorP€?lfticoRousseau, mais dificultosa do que antes, mas permite, por outro lado, des- mas, ao contrário, há nele uma extre111taJtenção à utilidade, ao fazer uma vez mais a suposta incoerencia de Rousseau. Com interessee à eficáciada ação de seu ouvinte particular, levando-o efeito, costuma.se apontar como incoerênciao fato de que, sendo a retomar de maneira sempre diferenciada os universais postos o pacto, o fundamento do corpo polltico, como pode o filósofo no plano da pureza abstrata exigidapela teoria, enquanto polltica falar em morte do corpo político ali.onde o pacto aindapersiste? transcendental. A cada passo, Rousseau está atento para o pú- Salinasnos trJ,!stra que, justamente por não ser o pacto o fuiula~(. blico que solicita seu db:r.ur,rn,e este Só encontra efetividade'se menta '!O poltM,co,e sim a Vont~e Geral, o corpo polUicoe.stará II souber acolher a particularidade de quem o ouve, acolhida que morto sempre que a Vontade Geral tenha morrido, a despeito exige uma espécie de bom uso ou de uso oportuno daquilo que de uma certa inércia do pacto em sua permanencia emplrica. fora endereçado ao Ouvihte Transcendental. Salinasindica, pois, o verdadeiro lugarda polftica: o campo sim- Talvez o que leve a pensar numa incoerência de Rousseau, bólico da Lei corporijicadana Vontade Geral e cujo efeito é um quando não se leva em conta sua atenção'pelos auditórios, seja pacto entre os homens. A polftica não é o campo da viol2ncia o fato dos intérpretes não perceberem que o filósofo rompe de pura e das forças nuas - quando estas se manifestam a polttica maneiraobllqua com o ideal clássicoda polltica. O ideal clássico já morreu. A polltica também não é o terreno onde a vontade 'L parte do pressuposto de que há uma boa-sociedade em si e que de todos se reconcilia numa paz perpétua que anula e mistifica as sociedades existentes realizam bem ou mal esse modelo ideal, os movimentosantag6nicos do corpo social. A pol/tica se ins- tendendo geralmentea corrompa~lo. Ora, os temas da boa~s~f.ie~ taura com a instauraçãoda regiãoda Lei, poder que é poder da I 18 PREFÁCIO PREFÁCIO 19 Vontade Geral, emblema do social e de suas articulações internas cega, existe um abismo a ser franqueado pela intervenção de um l. e necessárias. Dessa maneira, SaUnas pode afastar uma nova individuo excepcional." O Legislador, razão encarnada, situa-se incoerencia imputada a Rou~seau. Se o pacto é o fundamen~o do fora da sociedade enquanto esta se configura como multidão cega. corpo polttico, costuma.se perguntar como. então, Rousseau ~,scute 1£,;"1 veículo através do qual a razão pode penetrar na história o problema da legUimidade política e por que dá. ao LegISlador humana. 1J:o ocupante do lugar que pertence ao povo que ele um papel inútil. visto que estaria encarregado de mstaurar o que próprio deve criar. Assim, o Legislador não se confunde com as já existe? Ora, como bem mostra Salinas, o pacto não é o fun- figuras empíricas dos poderosos e dos oprimidos, mesclados nos damento do corpo polftico, mas seu ponto de chegada enquanto conflitos da multidão cega. Seu lugar é simbólico: é o lugar do Vontade Geral. O papel do Legislador é o papel do fundador Poder, poder que é.do povo enquanto corpo polltico, isto é, vin- político. na medida que sua açã~instaura a Vontade Geral como culado- pelo bem comum a que a multidão cega deverá ,curvar-se Lei. Como diz o'autor, o Legislador constitui-se como vanguarda pela obedi~ncia à Lei. O Legislador não é (,legista. E o Sujeito política criadora das condições pares o exerdcio efetivo da poUtica. Polftico por exceMncia: fundador e conservador do corpo polltico. A passagem da teoria à prática se explicito, então, na análise A partir dessas duas primeiras colocações, encontramos o das ações daquele que deve fundar o polftico. Na lógica da ação terceiro registro do exame da passagem da teoria à prática. Sa- do Sujeito Polftico, o discurso encontra o princípio ~e seu próprio linas se detém, inicialmente, na distinção entre dois grandes mo- saber e dos limites desse saber, limites que lhe são Impostos pela mentos da constituição do discurso teórico: o primeiro momento prática do agente político. "Nem a sensibilidade, nem a razão é o da análise da constituição do social, e a questão do político pouco desenvolvida dos .membros da associação podem constitui~ só aparece no momento seguinte com a figura do Legislador, guias para a conservação do corpo polttico. Abandonados a SI destinado a constituir o corpo político pela instalação da Vontade mesmos, os membros da associação seriam incapazes de levar a Geral. A distinção desses doi~' momentos fará com que entre bom termo o empreendimento que t~m em vista ao se associarem. em cena algo que vinha implicitamente sustentando o percurso Para que o bem comum se transforme no pólo diretor do,.seu de Salinas, e que agora se explicita0' a História. Não é o social comportamento é necessário que seja garantido e fixado, já que (enquanto pacto), mos o político (enquanto consciência coletiva ninguém pode agir de acordo com o bem comum se não o conhecer expressa na Vontade Ger.o1)que põe em movimento a História. e já que nem as luzes insuficientes, nem a sensibilidade. particular Agora a problemática. se concentra 11.0 modo de articulação entre permitem aos membros da associação um acesso espontâneo ao o Contrato Social e o segundo- Discurso sobre a Origem e os Fun- bem comum. / ... / Se as leis positivas são necessárias não é damentos da Desigualdade entre os Homens, isto é, e,ntre uma apenas porque devemos nos prevenir contra o vicio da vontade, teoria da boa-forma polttica c a genealogia do mal, ou, se quiser- as mas igualmente contra o erro do. entendimento dos particulares. mos, entre a boa-sociedade e a teodicéia avessas. O corpo politico deve tomar a forma de uma ordem jurídica e Para que o Contrato não seja lido como elaboração abstrata a vontade geral deve se explicitar: através de leis, porque o ho- de Leis, Salinas considera indispensável !e-lo tendo sempre pre- mem, neste estágio. está naturalmente inclinado ao erro e ao.vicio. sp.ntp.o segundo Discurso. E para que não se veja incoerim:ia I...I A invenção da máquina artificial do Estado é obra do entre o texto lógico (a pol(tica transcendental) e o texto genea- Legislador. / ... / Por que, entretanto, o recurso a este perso~ lógico (a história da perversão da natureza humana), é preciso nagem providencial? O próprio aparecimento em. cena desta fi- p6r à luz a articulação entre polltica e história, isto é, entre poll- gura paternalista não contraria. a soberania do povo afirmada tica e economia (o advento da propriedadt. privada, a acumulação anteriormente? / ... / O direito de elaboração das leis"pertence das riquezas, as desigualdades que se exprimem como dominação ao povo. !'fós já nos despedimos, entretanto, dq planei'd-odireito. do fraco pelo forte, do pobre pelo rico, o vicio do amor-próprio De fato, o povo- não dispõe do poder efetivo para,se desincumbir e a velhice social, a polltica rumando para o despotismo). ftA his~ desta tarefa, dadas as suas limitações. Não há. contradição, mas tória dos progressos da desigualdade / ""'/ éa história da continua mudança de plano: o povo real não é o mesmo que o povo ideal desagregação dos corpos políticos defeituosos constituídos pelo do pacto primitivo .. Entre um e outro, entre o povo e a multidão vício humano. I...I Ao lado desta, há uma outra história pos- PRl!FÁCIO 21 20 PRI!F ÁCIO niana. Esta não é apenas uma tipologia das formas de governo, sível, que para etetivar-se tem necessidade da cola?oraçãO do Le- como sempre se imagina, mas antes uma tipologia.4as formas de gislador. Esta ação leva, pois, a adotar o cammha oposto ao ação política. A teoria passará .à prática desde que se perceba que nos traça o segundo Discurso." seu verdadeiro objeto: a.l6gica da .ação do Sujeito Polftico. Há pouco, comentávamos a maneira rousseania.na ~c se des- "Ao termo .inicial, quando a instituição de um corpo político fazer da polftica clássica da boa-sociedade e da hlst6na d~ su.a quas.e perfeito é ainda possivel, corresponde a ação do Legislador queda. Agora essa a/i,"';ação torna-se.,ma~s clara. Se a hlst6na propriamente dito, de Licurgo, Moisés, Numa. Ao .termo final, narrada pelo segundo DIScurso é a hlst6na da. queda e d~ .des- quando já nada mais é posslvel fazer, corresponde a ação do naturação perversa é porque nela o corpo polítICO ~~ce VICIado. Pedagogo. A ação se despolitiza, já não visa mais a cidade, mas nasce do discurso do rico, da proposta de uma umaa de forças um indivíduo isolado. Enire esses dois extremos, dois outros tipos contra um suposto inimigo a quem se deve combater para que .poderiam ser distinguidos. De um lado, temos a figura do Legis~ haja justiça. Ora, se o fraco e o pobre são suscetiveis. de serem lador conselheiro, assessor técnico dos governantes. Seria o caso persuadidos por tal discurso, é porque estão co~rompldo$ tanto do próprio Rousseau, diante da Polónia ou da Córsega. De outro, quanto osfortes eos ricos. A enealogia é 7nea~ota do maIor ue o publicista ou o escritor político. lá não é mais aos governantes omal está no princ!pio constituinte e~sahlst?Tla perversa. o.ra, ~e que ele se dirige, mas ao povo em geral ou ao público das grandes há, como diz Salinas, uma outra históna posslvel, essa nova hlstó'!.a sociedades corrompidas. n é história política. Embora já esteja mergulha~a na, desn~turaçao Trata-se, então, de saber como e por que essas figuras políti- do homem, a política é uma boa desnaturaçao. na ~edlda que, cas passam à existéncía, pois cada uma dessas ações.corresponderá como proporá o Contrato, a ação do agente polí~lco vIsa encontrar a úma forma de organização, isto é, um sistema de leis diferentes. um principio polltico oposto ao' que se manzfesta ~o segun'!o Assim, a tipologia das ações politicas e a tipologia das for:mas Discurso. Ou melhor, visa encontrar o lugar do polftlCO propTla- de governo desenham uma articulação inteiramente nova entre o mente dito. Assim, em vez de uma contradição entre 0_ Contr.ato Contrato e d segundo Discurso. No caso do Legislador, a questão e o segundo Discurso, encontramos um~ transf?r!fU!.ça~ ra~lcal gira em tomo da possibilidade. de realizar a ordem polWca onde da problemática,' na medida que seus re~,stros nao sao ld~ntlcos. a Vontade Geral seja soberana, a partir do estabelecimento de Na genealogia do mal, homens C~"o~pldos .querer;: ter o poder quatro variáveis fundamentais: duas variáveis temporais - a idade e exerce-lo pela vioMncia. Na hlstórza polftlca,_ nao há ~omens de um povo e o instante em que está apto a ser legislado _ e _ há o Povo e a Lei, o lugar do Poder e a açao do LegIslador. duas variáveis espaciais - as dim~nsões da cidade e as r~lações Como articular as duas obras, agora que surgem como dis- Com o exterior. Isto posto, é preciso, indagar, examinando a vida cursos invertidos, mas escritos em dimensões diferentés? Pela"!e-- concreta dos povos, como essas variáveis se. oferecem historica- diação do Legislador que atua sobre a Vontade Geral e pela In- mente, para que sejam apanhadas no tempo oportuno. Nesse pon- tensificação das relações sociais e econ6micas, circunscreve-se o to, o Contrato deve ser iluminado pelo segundo Discurso, pois campo prático da política e da história, circu~scrição qu~ encontra tudo dependerá da relação estabelecida, em cada momento, entre :sua teoria nu Contrato Social. O campo prátiCOda polttlca revela- as leis e os vEciosdos'homen.r. A. legislação exige que os vícios -se como campo de forças em luta e cujo maior 'fisco é degenerar tenham uma força minima, estejam quase em seu grau zero. A em violencia e despotismo, isto é, em dominação total de um pedagogia se instala, justamente,. quando al.cançaram o grau máxi- (ou de alguns) sobre todos.. Se nessa luta a vit6ria couber à mo de intensidade, o que corresponde, no segundo Discurso ao Vontade Geral, a prática polftica torna-se possível e urnq outra triunfo .do despotismo e ao grau último das desigualdades -' o história pode encontrar o caminho de sua efetividade. Se, ao c~n- corpo po/(tico, velho, está às portas da morte: A diferença poll- (rário a vitória 'couber à vontade individual, a polftica será lm- fica entre a velhice e.o juventude é uma diferença moral: o povo poss£~el, o despotismo, inevitável, e o segundo Discurso, a única jovem é o povo do amor de si e da benevoléncia, atento à voz verdade sobre os homens. da consci€ncia, isto é, à presença de si ao outro; o povo velho Essa articulação dos dois grandes discursos de .Rousseau per- é aquele que se tornou surdo à voz da consciência, pois nele o mitirá a Salinas desvendar o subsolo da teoria politica rousseau-

See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.