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revista brasileira de medicina do trabalho PDF

88 Pages·2015·3.21 MB·Portuguese
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REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO Disponível em iPad e Android ISSN 1679-4435 Volume 13 • Número 2 • 2015 Endereço on-line: www.anamt.org.br R e v is ta B EDITORIAL ra » Revista Brasileira de Medicina do Trabalho indexada na LILACS s ile ira ARTIGO ORIGINAIS d e M » Condições de trabalho e saúde dos médicos: uma questão negligenciada e um desafio para a Associação e Nacional de Medicina do Trabalho d ic in » Acidente de trabalho com material perfurocortante envolvendo profissionais e estudantes da área da a do saúde em hospital de referência T rab » Absenteísmo dos profissionais de enfermagem de um hospital universitário do estado de São Paulo, Brasil a lh o » Sintomas osteomusculares em trabalhadores de enfermagem de uma unidade neonatal, UTI neonatal Vo » eS abtaisnfacoçã doe, sleoibtere hcuamrgaan doe trabalho e estresse nos profissionais de serviço de saúde mental lu m e » Prevalência de absenteísmo odontológico em funcionários públicos de um município do interior do 13 Estado de São Paulo • N ú » Relações entre a força de preensão e aspectos antropométricos da mão m e ro » Estudo da alteração temporária dos limiares auditivos pós-laboral em trabalhadores metalúrgicos 2 • 2 » Relação entre a ocorrência de dermatite de contato irritativa e o uso dos equipamentos de proteção 0 15 individual REVISÃO DE LITERATURA » Relação entre Síndrome de Burnout, erro médico e longa jornada de trabalho em residentes de medicina CARTA E PONTO DE VISTA » A importância dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho nas certificações de qualidade de empresas e serviços LISTA DE PARECERISTAS PUBLICAÇÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO – ANAMT DIRETORIA ANAMT 2013–2016 PRESIDENTE Zuher Handar (PR) VICE-PRESIDENTE NACIONAL Paulo Antonio de Paiva Rebelo (RJ) VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO NORTE Francisco Ferreira de Sousa Filho (PA) VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO NORDESTE José Carlos Ribeiro (BA) VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO CENTRO-OESTE Luiz Garcia de Oliveira Lima (MS) VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO SUDESTE Vinício Cavalcante Moreira (MG) VICE-PRESIDENTE DA REGIÃO SUL Antônio Mário de Carvalho Guimarães (RS) DIRETOR ADMINISTRATIVO DIRETOR DE LEGISLAÇÃO Aurelino Mader Gonçalves Filho (PR) Maria Edilma Fernandes de Mendonça (CE) DIRETORA ADMINISTRATIVA ADJUNTA DIRETOR DE ÉTICA E DEFESA PROFISSIONAL Antonieta Quirilo Milleo Handar (PR) Rosylane Nascimento das Mercês Rocha (DF) DIRETOR FINANCEIRO DIRETOR DE TÍTULO DE ESPECIALISTA Dante José Pirath Lago (PR) João Anastácio Dias (GO) DIRETOR FINANCEIRO ADJUNTO Elver Andrade Moronte (PR) CONSELHO FISCAL DIRETOR CIENTIFICO CONSELHO FISCAL TITULAR Mario Bonciani (SP) Renato Monteiro (SP) DIRETORA DE DIVULGAÇÃO Claudio Schmitt (RS) Marcia Bandini (SP) Charles Carone Amoury (ES) DIRETOR DE PATRIMÔNIO CONSELHO FISCAL SUPLENTE Flávia Souza e Silva de Almeida (SP) Glauber Santos Paiva (CE) DIRETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Denise Fátima Brzozowski (SC) René Mendes (SP) Gilberto Archero Amaral (SP) Volume 13 Número 2 INDEX 2015 EDITOR – EDITOR EDITORIAL Hudson de Araujo Couto 59 Brazilian Journal of Occupational Medicine indexed EDITORES ADJUNTOS – ASSOCIATE EDITORS in LILACS Frida Marina Fischer Mario Bonciani Zuher Handar Vera Lucia Zaher ORIGINAL ARTICLE EDITORA-ASSISTENTE – ASSISTANT EDITOR 60 Working conditions and health of physicians: a Sandra Lúcia Picchiotti neglected issue and a challenge for the Brazilian National Association of Occupational Medicine COMISSÃO EDITORIAL – EDITORIAL BOARD Elizabeth Costa Dias Antonio de Sousa Uva Lys Esther Rocha 69 Work‑related accident with material‑cutting drill involving Universidade de Nova Lisboa – Lisboa – Portugal Universidade de São Paulo – SP – BR students and health professionals in hospital reference Arline Sydneia Abel Arcuri Marco Antônio Vasconcelos Rêgo Universidade de São Paulo – SP – BR Universidade Federal da Bahia – BA – BR Edson Pedroza dos Santos Junior, Rodolfo Rogers Américo Berenice Isabel Ferrari Goelzer Marcos Furtado de Toledo Universidade Federal do Rio Grande do Faculdade de Ciências Médicas de Machado Batista, Antônio Thiago Farias de Almeida, Sul – RS – BR Minas Gerais – MG – BR Rone Antônio Alves de Abreu Carlos Nunes Tietboehl Filho Maria Cristina Pântano Universidade Federal do Rio Grande do Pontifícia Universidade Católica da Argentina – 76 Absenteeism of professional nursing in a public hospital Sul – RS – BR Buenos Aires – Argentina in the state of São Paulo Carlos Roberto Campos Mario Cesar Rodriguéz Vidal Universidade Federal de Goiás – GO – BR Universidade Federal do Rio de Janeiro – RJ – BR Sergio Roberto de Lucca, Marcelo Scapari Dutra Rodrigues Claudio Taboadela Paulo Antonio Barros Oliveira Pontifícia Universidade Católica da Universidade Federal do 83 Musculoskeletal symptoms among nursing staff in a Argentina – Buenos Aires – Argentina Rio Grande do Sul – RS – BR neonatal unit, neonatal ICU and human milk bank Dante José Pirath Lago Paulo Antonio de Paiva Rebelo Pontifícia Universidade Catolica Universidade Federal do Estado do Carla Roberta Monteiro, Ana Cristina Mancussi e Faro do Paraná – PR – BR Rio de Janeiro – RJ – BR 91 Satisfaction, workload and stress among providers of a Davide Bosio René Mendes Universidade de Torino – Turim – Itália Universidade de São Paulo – SP – BR mental health service Duarte Nuno Vieira Roque Luis Mion Puiatti Aldo Pacheco Ferreira Universidade de Coimbra – Coimbra – Portugal Universidade Federal do Eduardo Costa Sá Rio Grande do Sul – RS – BR 100 Prevalence of dental absenteeism in public employees Universidade de São Paulo – SP – BR Sandra Maria Gasparini Eduardo Mello De Capitani Universidade Federal de Minas Gerais – MG – BR of a city in São Paulo state, Brazil Universidade Estadual de Campinas – SP – BR Satoshi Kitamura Marcos Maurício Capelari, Fábio Duarte da Costa Aznar, Elizabeth Costa Dias Universidade Estadual de Campinas – SP – BR Universidade Federal de Minas Gerais – MG – BR Sergio José Nicoletti Adriana Rodrigues de Freitas, Mauricio Donalonso Spin, Emma Sacadura Leite Universidade Federal de São Paulo – SP – BR Silvia Helena de Carvalho Sales-Peres, Arsenio Sales-Peres Universidade de Nova Sérgio Roberto de Lucca Lisboa – Lisboa – Portugal Universidade Estadual de Campinas – SP – BR 108 Relationship between grip strength and hand Everardo Andrade da Costa Solene Ziemer Krusma anthropometrics aspects Universidade Estadual de Campinas – SP – BR Pontifícia Universidade Católica Fernando Donato Vasconcelos do Paraná – PR – BR Antonio Vinicius Soares, Jose Marques de Carvalho Júnior, Universidade Federal da Bahia – BA – BR Susan Stock Ananda Marques de Carvalho, Rayza Belli Martignago, Flávio Henrique de Holanda Lins Institut National de Santé Publique Universidade Federal de Pernambuco – PE – BR du Quebec – Montreal – Canadá Susana Cristina Domenech, Noé Gomes Borges Júnior Francisco Corte Real Tee L. Guidotti Instituto Nacional de Medicina Fellow of the Canadian Board of Occupation 115 Study of afterwork temporary threshold shift in Legal – Coimbra – Portugal Medicine – Washington – DC – USA metalworkers Hermano Albuquerque de Castro Thomas J. Armstrong Escola Nacional de Saúde Pública – RJ – BR Professor Industril and Operations Engineering, Diogo Rafael Polanski, Edevar Daniel, José Fernando Polanski Ildeberto Muniz de Almeida Center for Ergonomics – University 120 Relationship between the occurrence of irritant contact Universidade Estadual Paulista – SP – BR of Michigan – Michigan – USA Jandira Dantas Machado Teresa Magalhães dermatitis and the use of personal protective equipment Universidade Federal de Pernambuco – PE – BR Instituto Nacional de Medicina Samar Mohamed El Harati Kaddourah, Fernando Augusto Alves da João Anastácio Dias Legal – Porto – Portugal Universidade Federal de Goiás – GO – BR Vilma Sousa Santana Costa, Julianna Ferreira Fábrega, Larissa Vazquez de Araújo Rabello José Tarcísio Penteado Buschinelli Universidade Federal da Bahia – BA – BR Universidade de São Paulo – SP – BR Zuher Handar LITERATURE REVIEW Julizar Dantas Pontifícia Universidade Católica 126 Association of long working hours, medical errors and Universidade Federal de Minas Gerais, – MG – BR do Paraná – PR – BR the Burnout syndrome in medical residents Lille Hoelz, Laura Campello REVISÃO E DIAGRAMAÇÃO LETTER AND POINT OF VIEW PRODUÇÃO EDITORIAL 135 The importance of Occupational Medical Services in the quality certifications of companies and services Marcelo Pustiglione Rua Bela Cintra, 178, Cerqueira César – São Paulo/SP - CEP 01415-000 Zeppelini – Tel: 55 11 2978-6686 – www.zeppelini.com.br I List of peer reviewers As instruções aos autores estão disponíveis no site www.anamt.org.br EDITORIAL Revista Brasileira de Medicina do Trabalho indexada na LILACS Caros leitores, Desde que assumimos a presidência da Associação Nacional de Medicina no Trabalho (ANAMT), em 2013, tivemos como meta buscar a indexação de nossa Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (RMBT), obje- tivo que vinha sendo proposto e perseguida há muito tempo por vários colegas que já estiveram à frente da direção de nossa entidade. Participamos do processo de avaliação na Literatura Latino-Americana de Ciências da Saúde (LILACS) pelos menos duas vezes; em dezembro de 2014 recebemos a informação de que o Comitê de Avaliação e Seleção de Periódicos LILACS Brasil, reunido na BIREME/OPAS/OMS, São Paulo, selecionou doze perió- dicos para análise de conteúdo e, para grande nossa alegria, a Revista Brasileira de Medicina do Trabalho foi também aprovada, conforme notícia divulgada pela LILACS: Revista Brasileira de Medicina do Trabalho indexada na LILACS a partir do vol.13, n.1 de 2015. Esta é mais uma conquista de nossa diretoria que, unida em torno de nossa plataforma de gestão (2013–2016), contribuiu para que isto acontecesse. Certamente isso é resultado de um trabalho incansável de todas as pessoas que participaram e têm participado da redação de nossa RBMT, bem como do grupo de editores e revisores. Nesse sentido, não poderia deixar de destacar o trabalho do editor da revista, Prof. Hudson de Araújo Couto, e de nossa Editora Assistente, Sandra Lúcia Picchiotti. Parabéns a todos os associados da ANAMT por mais esta conquista pois, a partir de agora, a RBMT pode ser acompanhada com bom destaque e visibilidade. Zuher Handar Presidente da Associação Nacional de Medicina no Trabalho Sites: http://lilacs.bvsalud.org/ http://goo.gl/0rk35a Twitter: @redelilacs @Red_BVS Rev Bras Med Trab. 2015;13(2):59 59 ARTIGO Recebido em: 10/09/2015 Aprovado em: 09/11/2015 ORIGINAL Fonte de financiamento: nenhuma Condições de trabalho e saúde dos médicos: uma questão negligenciada e um desafio para a Associação Nacional de Medicina do Trabalho Working conditions and health of physicians: a neglected issue and a challenge for the Brazilian National Association of Occupational Medicine Elizabeth Costa Dias1 Este ensaio convida à reflexão sobre as condições de trabalho e a saúde dos médicos, tema relativamente pouco explorado na literatura técnico-científica e negligenciado no cotidiano do exercício profissional. Não se trata de uma revisão sistemática sobre o tema, nem apresenta resultados de pesquisa empírica, porém reúne ideias e informações na perspectiva de contribuir para as discussões postas neste número temático da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, dedicado à saúde dos trabalhadores da Saúde. A escolha por enfatizar o trabalho médico não tem motivação corporativista, uma vez que esses profissionais compartilham das mesmas condições e dificuldades presentes nos serviços de Saúde, porém decorre da pouca atenção dada a esse grupo profissional na produção técnica e acadêmica, quando comparada a outros trabalhadores. Seguindo a abordagem clássica no campo da Saúde do Trabalhador, o texto está organizado considerando os cenários e o processo de trabalho médico no Brasil, na atualidade, os aspectos demográficos e epidemiológicos do perfil dos médicos brasileiros e as polí- ticas públicas de proteção da saúde e segurança dessa população, e finaliza identificando pontos de uma agenda de trabalho compro- metida com a melhoria das condições de trabalho e de saúde dos médicos, estimulando as contribuições da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT). CENÁRIOS DO EXERCÍCIO DA MEDICINA NA ATUALIDADE: IMPACTOS DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA SOBRE OS SERVIÇOS DE SAÚDE E A PROFISSÃO MÉDICA Os serviços de Saúde são parte do sistema produtivo e incorporam e/ou refletem as mudanças que ocorrem no mundo do trabalho, orientadas, na atualidade, predominantemente, pelo modelo econômico neoliberal1. No setor Saúde, a Medicina está entre as profissões que mais sofreram os impactos dessas mudanças, acen- tuadamente nos últimos 50 anos. Considerada e valorizada no imaginário social como sacerdócio ou nobre missão, coerente com a expli- cação ancestral do fenômeno saúde-doença enquanto bênção ou castigo divino, demandando um mediador que tivesse parte com os deuses, como os xamãs e pajés, a profissão médica se transformou radicalmente. Pressionada pelas inovações tecnológicas e pela reorganização dos serviços de Saúde, na lógica capitalista, em que a saúde e particularmente a doença se tornam mercadorias, observa-se a crescente proletarização dos 1Médica Sanitarista e do Trabalho; Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil. Rev Bras Med Trab. 2015;13(2):60-8 60 Condições de trabalho e saúde dos médicos: uma questão negligenciada e um desafio para a Associação Nacional de Medicina do Trabalho profissionais e precarização do trabalho, com altas exigên- assistência e nas relações sociais no trabalho em Saúde, os cias de desempenho e qualidade, agravadas pela redução autores destacam a predominância da lógica instrumental do reconhecimento social e da renda. dura, que acentua o trabalho fragmentado, estruturado em No Brasil, os primeiros estudos sistemáticos sobre o protocolos e prescrições, centrado em insumos e maquiná- processo de trabalho em Saúde foram realizados por Cecília rios. A incorporação tecnológica é orientada pelos padrões Donnangelo, em meados dos anos 1960, em um momento do mercado, e não pelas necessidades dos sujeitos, com valo- marcado pela incorporação tecnológica maciça e por rização exagerada dos procedimentos técnicos, desconside- profundas mudanças na lógica da prestação de serviços de rando as inter-relações entre as pessoas, prevalecendo, assim, Saúde, na passagem da Medicina Liberal para a Medicina o “trabalho morto”. Porém, no cotidiano dos serviços, várias Socializada2. dimensões e diferentes atores e interesses se entrecruzam na Donnangelo3,4 discute o trabalho médico e as formas produção do cuidado: profissionais, gestores, empresários, pelas quais o médico, enquanto trabalhador especiali- operadoras, prestadores e os usuários, configurando forças zado, participa do mercado e se relaciona com o conjunto em disputa e a micropolítica do “trabalho vivo”. de meios de produção nos serviços de Saúde. No plano Assim, o trabalho em Saúde envolve, além da técnica, internacional, pesquisadores como Freidson5 descrevem atividade criadora, subjetividade, elementos simbólicos o declínio de profissões que perdem suas posições privi- imbricados nos modos de agir, além da interação com instru- legiadas e de poder e se tornam empregados assalariados, mentos e as relações interpessoais, que exigem negociação fenômeno que denomina de proletarização. Essas ideias são permanente. Uma mesma tarefa proposta, desenvolvida compartilhadas por pensadores e militantes do movimento por diferentes trabalhadores, mobiliza saberes e histórias da Reforma Sanitária Brasileira, que consideram o trabalho diferentes e constitui situações de trabalho distintas. Nesse médico indiretamente produtivo, organizado sob a égide da cenário o médico produz o cuidado e também a si mesmo. acumulação capitalista em vinculação direta com contextos O aprofundamento dessas questões complexas extrapola sociais, econômicos e políticos. os objetivos deste texto, mas deve ser conhecido pelos que O processo de trabalho em Saúde, entendido como a se interessam pelo tema, particularmente pelos Médicos do forma com que o trabalho é organizado para a produção do Trabalho, que têm sob sua responsabilidade o cuidado de cuidado em Saúde, abrange as atividades assistenciais tradi- trabalhadores da Saúde7,8. cionais, incluindo a reabilitação, a promoção e a vigilância De modo simplificado, observa-se, na atualidade, que o da Saúde, ações educativas e de suporte emocional e social, processo de trabalho em Saúde e o exercício da Medicina, entre outras. Porém, o produto, diferentemente de outros em particular, são caracterizados por situações-limite em que setores produtivos, como na indústria, não é bem material, predominam uma carga de trabalho excessiva e a expectativa mas um “efeito útil”. O “objeto” de trabalho é também um de alta performance, com longas jornadas e intensificação sujeito, um ser humano, um igual. Assim, os trabalhadores do trabalho, nos plantões à distância, por exemplo, múlti- de Saúde, além de serem sujeitos no processo, interagem, plos vínculos, assumidos para garantir uma renda mínima, no trabalho, com outro sujeito, ou sujeitos, se incluirmos condizente com as expectativas sociais, baixa autonomia, a família, e no caso dos trabalhadores, com o coletivo de dificuldades crescentes relacionadas à deficiência de infraes- trabalho, que possui histórias e conhecimentos singulares trutura, especialmente nos serviços públicos, e redução do que interferem e transformam o ato de cuidar e se expressam prestígio social. Formas instáveis de contratação e vínculos no produto final. frágeis dos trabalhadores entre si e com os empregadores A partir dos anos 1990, os estudos de Merhy6 sobre o processo reais repercutem em perdas de direitos e da proteção ao de trabalho em Saúde introduzem os conceitos de trabalho vivo e trabalhador assegurada na legislação vigente e no acesso trabalho morto e desenvolvem a noção de tecnologias duras à educação permanente, resultando em maior vulnerabili- e leves e as relações de produção, consumo e necessidades dade, muitas vezes encoberta ou invisível. em Saúde. Sobre as repercussões do processo de reestru- Os novos paradigmas do cuidado em Saúde, determi- turação produtiva e a transição tecnológica no setor Saúde nados pela incorporação de novas tecnologias e formas sobre as formas de produção, organização e prestação de de gestão do trabalho, produzem exigências nas relações Rev Bras Med Trab. 2015;13(2):60-8 61 Dias EC dos profissionais com os usuários-pacientes, agravadas, médica. Mostrou também as precárias condições de trabalho, muitas vezes, pela necessidade de improvisar, fazer esco- com jornadas extenuantes e multiplicidade de atividades, lhas eticamente difíceis para superar ou driblar carências, observando-se que 50% dos profissionais tinham entre deficiências e faltas nos serviços de Saúde. 3 e 4 atividades, 50% eram plantonistas, 80% dos que Além disso, os profissionais convivem com a iniquidade tinham consultório atendiam convênios médicos e 80% na proteção social da população e com o sofrimento e a dos entrevistados queixavam-se de desgaste profissional morte de pessoas sob sua responsabilidade, situações agra- e redução da renda9. vadas pelas condições de trabalho precárias, em serviços de Em 2013, o Conselho Federal de Medicina (CFM), Saúde sucateados e sem garantia de acesso à hierarquização em colaboração com o Conselho Estadual de Medicina do do cuidado. A exposição a velhos e novos perigos para a saúde Estado de São Paulo (CREMESP), publicou os resultados dos trabalhadores: fatores de risco físicos, químicos, bioló- de um estudo demográfico sobre os médicos brasileiros gicos e psicossociais acarreta sobrecarga física, cognitiva e que confirmou essas tendências e revelou o crescimento afetiva, por vezes insuportável para os profissionais, gerando acelerado do número de médicos e o aumento das inscri- adoecimento, sofrimento e baixa satisfação profissional. ções de novos diplomas. Observa-se a juvenização da força No setor hospitalar, por exemplo, configura-se um para- de trabalho e o aumento dos anos trabalhados, ampliando doxo, pois são adotadas técnicas e métodos de inspiração a presença de profissionais mais idosos em exercício. taylorista, copiados da indústria, com padronização e norma- Permanece acentuada a desigualdade na distribuição geográ- tização excessivas e produção em massa, fragmentação das fica, observando-se estreita correlação entre a presença de tarefas, separação entre planejamento e execução, crescen- médicos e a de outros profissionais e de estabelecimentos temente abandonados em setores produtivos que exigem de Saúde, sendo que 55% dos médicos trabalham na rede soluções inovadoras e criativas, como as que caracterizam o pública do Sistema Único de Saúde (SUS). Cresce a femi- cuidado em Saúde. Assim, cabe perguntar: além dos ganhos nização da profissão, consistente desde 2009, e, apesar do na racionalidade e na diminuição dos custos, que outras crescimento do número de médicos com título de especia- consequências essas práticas acarretam para a qualidade listas, este permanece baixo10. do trabalho e a saúde dos trabalhadores? O mesmo estudo revela ainda que, entre 2011 e 2013, Porém, apesar dessas e de outras adversidades os médicos houve um acréscimo de quase 15.000 médicos no total de continuam trabalhando e, a cada ano, milhares de jovens, registros estaduais, observando-se média de 2 médicos por apoiados por suas famílias, investem grande esforço para 1.000 habitantes. Em 1980, havia 1,15 médico para cada chegar à escola médica. As taxas de abandono da profissão grupo de 1.000 habitantes no país, razão que sobe para 1,48 e dos estudos são baixas e o mercado de trabalho, diversi- em 1990, para 1,72 no ano de 2000 e atinge 1,91 em 2010. ficado nos setores privado e público, permanece atraente. Entre 1970 e 2012, o número de médicos cresceu 557,72%, Porém, cabe perguntar sobre a satisfação que os médicos percentual quase 6 vezes maior que o do crescimento da encontram no trabalho e por que persistem, apesar das população, que em 5 décadas aumentou 101,84%, como condições adversas? São questões que demandam mais mostrado no Gráfico 1. estudo e respostas. Apesar do aumento da razão de médicos por habitante, tendo sido atingidos indicadores semelhantes aos países mais desenvolvidos e de economia forte, persistem a desigual- OS TRABALHADORES-MÉDICOS dade na distribuição dos profissionais e as dificuldades de acesso da população, sinalizando a necessidade urgente de Estudo clássico, “Os médicos no Brasil um retrato da adoção de políticas de atração e fixação de médicos nos realidade”, publicado em 1997, desvelou aspectos inte- locais mais pobres e remotos do país, e de mudanças subs- ressantes do perfil dos médicos brasileiros, destacando a tantivas no funcionamento do sistema de saúde brasileiro. tendência de urbanização, a concentração dos profissionais Alguns desses argumentos fundamentaram a instituição nos centros maiores e nas regiões mais ricas do país, a femi- do Programa Mais Médicos, pela Lei nº 12.871, de 22 de nização da força de trabalho e a importância da linhagem outubro de 2013, que tem por objetivos: diminuir a carência Rev Bras Med Trab. 2015;13(2):60-8 62 Condições de trabalho e saúde dos médicos: uma questão negligenciada e um desafio para a Associação Nacional de Medicina do Trabalho de médicos, reduzir as desigualdades regionais na área da resolverão a desigualdade da distribuição dos profissionais e Saúde e fortalecer a prestação de serviços de atenção básica a baixa cobertura da população, com serviços de qualidade. à saúde no país. De acordo com o texto legal, a proposta Outro tema polêmico se refere ao crescimento do também visa aprimorar a formação médica, ampliando as número de cursos médicos e da oferta de vagas concen- atividades práticas durante o processo de formação; ampliar trados no setor privado. De acordo com a Radiografia das a inserção do médico em formação nas unidades de atendi- Escolas Médicas do Brasil, publicada pelo CFM em 2015, mento do SUS, aproximando-o da realidade da população nos últimos dois anos, o número de escolas privadas passou brasileira; fortalecer a política de educação permanente com de 64 para 154, e as de gestão estatal passaram de 63 para 103. a integração ensino-serviço; promover a troca de conhe- Existem na atualidade 257 cursos médicos que preparam cerca cimentos e experiências entre profissionais brasileiros e de 23 mil novos médicos a cada ano. Dos 36 municípios estrangeiros; preparar profissionais para a gestão e o aper- autorizados a receber novos cursos, 89% se concentram em feiçoamento do SUS11. 6 Estados que já contam com o maior número de escolas. Em princípio, esses objetivos parecem adequados, porém No final de 2016, o país contará com 293 escolas médicas são grandes as divergências e os conflitos quanto às estratégias em funcionamento, concentrados nas Regiões Sudeste e para sua implementação, particularmente no que se refere à Nordeste, sendo que 55% dos cursos estão localizados em ampliação da oferta de cursos de Medicina e à contratação 45 municípios. Das 44 escolas existentes em São Paulo, 10 de profissionais no exterior sem adequada revalidação de estão na capital, e das 4.380 vagas oferecidas, 3.600 estão diplomas. As entidades médicas consideram que essas estra- em escolas privadas, que cobram mensalidades médias de tégias não contemplam aspectos cruciais do problema e não R$ 5.833,00 por aluno12. Evolução do número de médicos - Brasil 2013 400,000 350,000 s o c di é 300,000 m e d o 250,000 ã ç a ul op 200,000 p a d o 150,000 ã ç u ol Ev 100,000 50,000 0 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 Número de médicos Fonte: CFM; Pesquisa Demografia Médica no Brasil, 2013 Gráfico 1. Evolução do número de médicos registrados no Brasil, entre 1910–2010 Rev Bras Med Trab. 2015;13(2):60-8 63 Dias EC Esse cenário leva a perguntas, ainda sem respostas, por longos períodos; as dores musculoesqueléticas nos quanto à qualidade da formação desses profissionais, às membros superiores, em profissionais que realizam reais possibilidades de garantir estágios curriculares, parti- sessões de ultrassonografia por horas seguidas, sem cularmente ao se considerar que 50% dessa carga horária pausas adequadas; quadros graves de dermatose decor- deverá ser cumprida nas áreas de urgência e emergência rentes da alergia ao látex e aditivos químicos; o aumento e nos programas de Saúde da Família e Comunidade, e à do abortamento espontâneo em médicas anestesiolo- capacidade de assegurar a fixação dos profissionais em áreas gistas, quando comparadas com grupos semelhantes de com menor densidade médico-paciente. mulheres em idade fértil, entre outros15,16. Outra questão importante se refere às consequências desse A partir de cuidadosa revisão bibliográfica, Brito et al.17 crescimento acelerado do número de profissionais sobre as descrevem particularidades do trabalho em hospitais e condições de trabalho e a saúde dos médicos-trabalhadores. serviços de urgência, nas unidades de terapia intensiva e na Estratégia Saúde da Família e suas consequências sobre a saúde e a vida dos usuários e dos trabalhadores. Na mesma CONDIÇÕES DE TRABALHO, RISCOS publicação, Assunção, Tavares e Serra18 analisam a natureza E AGRAVOS À SAÚDE DOS MÉDICOS e as condições do trabalho em Saúde e os impactos sobre os trabalhadores. Nas mídias tradicionais e nas redes sociais, Como mencionado, são poucos os estudos brasileiros com frequência são veiculadas, com destaque, notícias de sobre as condições de trabalho e saúde dos médicos consi- agressões e de violência física e moral contra profissionais derando a variabilidade das inserções profissionais e as de Saúde, incluindo médicos, em alguns casos envolvendo a condições objetivas de trabalho. No cotidiano de trabalho morte desses profissionais, e de ofensas graves perpetradas os médicos são expostos a múltiplos fatores de risco para a por usuários dos serviços e familiares. saúde: físicos, químicos, biológicos, mecânicos, no manuseio Sobre a exposição aos agentes biológicos, formas graves de instrumentos e máquinas, e principalmente de natureza de adoecimento e morte por contaminação no trabalho têm psicossocial. Esses interagem sinergicamente, potencializando sido descritas, em médicos e outros profissionais de Saúde, efeitos e danos para a saúde. Nessa perspectiva, considera- como na recente epidemia pelo vírus ebola em países afri- se mais adequado adotar o conceito de carga de trabalho, canos. Estudos mostram que a ocorrência de acidentes com em substituição ao fator de risco e a categoria desgaste, que material perfurocortante potencialmente contaminado é é mais abrangente do que sofrimento e adoecimento rela- maior em hospitais menores, que os homens se acidentam cionado ao trabalho. mais do que as mulheres e que o treinamento em biossegu- O conceito de carga de trabalho foi utilizado por Laurell rança não reduz as ocorrências. A acidentabilidade não parece e Noriega13 para nomear a relação entre os fatores que inte- estar relacionada ao conhecimento das normas de segurança ragem dinamicamente entre si e o corpo do trabalhador, e também não afeta o uso de equipamentos de proteção gerando processos de adaptação que se traduzem em individual (EPIs), sugerindo a necessidade de se reavaliar desgaste. Este se expressa como a perda total ou parcial das o treinamento em serviço19. capacidades biopsíquicas que acomete grupos de trabalha- Nos estudos disponíveis na literatura nacional e estran- dores que apresentam perfil de adoecimento semelhante. geira, aparecem, com destaque, os quadros e as manifesta- Os autores categorizam as cargas de trabalho como bioló- ções de sofrimento e o adoecimento mental relacionados gicas, químicas, mecânicas, físicas, fisiológicas e psíquicas. ao trabalho. Pela sua frequência e gravidade têm recebido Assim, nas situações de trabalho, o trabalhador está simul- atenção de pesquisadores, gestores de Saúde, empregadores taneamente exposto a múltiplas cargas de trabalho, em e entidades representativas da classe médica. processo crescente e cumulativo14. As relações estabelecidas com pacientes e demais membros Os efeitos sobre a saúde dos médicos se expressam em da equipe de Saúde, características do processo de trabalho múltiplas formas e intensidades, traduzidas em queixas em Saúde, contribuem fortemente para a elevada carga de lombalgia e maior prevalência de varizes de membros psíquica. Entre os fatores de risco psicossociais presentes no inferiores nos cirurgiões, que assumem posturas forçadas trabalho em Saúde, decorrentes dos modos de organização Rev Bras Med Trab. 2015;13(2):60-8 64

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teceram com scalps e agulhas de injeção (com lúmen) e, dentre estes, em 73% houve presença de sangue. As notificações desta pesquisa the acgme duty hours regulations: a multicenter study. Acad Med. 2006;81(12):1052-8. 31. Martini S, Arfken CL, Balon R. Comparison of burnout among.
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