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representações da mídia impressa que formatam o idoso e reproduzem identidades PDF

13 Pages·2012·0.16 MB·Portuguese
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III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE REPRESENTAÇÕES DA MÍDIA IMPRESSA QUE FORMATAM O IDOSO E REPRODUZEM IDENTIDADES Eliane Righi de Andrade1 1. Introdução e aspectos teóricos Este trabalho se apoia numa visão discursiva da linguagem, o que significa que língua-estrutura e língua-história articulam-se em discurso na busca por gestos de sentido que são construídos pela interpretação. Dessa forma, nosso estudo parte de referências da Análise de Discurso de linha francesa, particularmente nos trabalhos de Pêcheux (1988; 1997), e nas discussões foucaultianas sobre discurso e modos de subjetivação (2001; 2004a), uma vez que o sujeito se constrói na linguagem, estando imerso no contexto sócio-histórico que o condiciona, por meio das formações discursivas (FOUCAULT, 2004a; PÊCHEUX, 1988) de que faz parte e das relações de poder e saber que se estabelecem entre os diferentes sujeitos e discursos. Em relação à identidade, buscamos nos estudos culturais a articulação identidade/subjetividade, principalmente nos autores Silva (2000), Woodward (2000) e Hall (1997; 2000) e nos estudos sociais de Bauman (1999; 2000; 2005) sobre a pós- modernidade2, caracterizada por ele como modernidade líquida, uma vez que os valores construídos socialmente são fugídios e que, por isso, os laços sociais criados se dissolvem facilmente, estando mais centrados na efemeridade da imagem, que geram uma sociedade espetacularizada (DEBORD, 1992). Dufour (2005) aponta, ainda, a forte influência do discurso neoliberal capitalista sobre as formações subjetivas na pós- modernidade, que moldam o sujeito a um mero consumidor de produtos, na tentativa frustrada de realizar seus desejos. Da psicanálise, tomamos a noção teórica da constituição do sujeito via o enodamento dos registros imaginário, simbólico e real (LACAN, 1985), o qual se relaciona à construção das representações, pois, embora as representações girem em torno do imaginário, ou seja, sejam constituídas nesse nível, as imagens são atravessadas pela ordem do simbólico, uma vez que requisitam a mediação da linguagem. Dessa forma, o simbólico constitui-se como o conjunto de “códigos” sociais que se estabelecem entre sujeitos, para além da relação dual (imaginária) entre o eu e a imagem, incorporando o terceiro elemento que instaura o discurso do Outro (da lei, da imagem paterna, da cultura, da linguagem) na subjetividade. 1 Pós-doutoranda na Universidade de Campinas e professora-pesquisadora da PUC-Campinas. 2 Caracterizamos a pós-modernidade por um descentramento do sujeito em relação ao pensamento moderno iluminista e pelo entendimento da construção da subjetividade na e pela linguagem. Daí a importância atribuída aos diferentes discursos nessa constituição do sujeito que se dá pelos sistemas simbólicos compartilhados socialmente e pela forte presença do imaginário nos contextos atuais. III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE Procurou-se, ainda, estudar as condições de produção do discurso sobre o idoso e a velhice na atualidade, tema que orientaria nosso olhar de pesquisador sobre o material de análise, o qual viria a ser constituído das representações sobre o idoso na mídia impressa. Dessa forma, fizemos as primeiras leituras sobre o tema, munindo-nos com os estudos da velhice e do sujeito idoso em autores tais como Mucida (2006; 2009), Bosi (2007), Mannoni (1995) e Beauvoir (1990), os quais também embasam nossos estudos em outros campos da pesquisa. Neste trabalho procuramos investigar conceitos teóricos mais específicos sobre o discurso midiático, suas formas de poder, de criação de regimes de verdade e da constituição da memória discursiva, responsável pela disseminação de sentidos socialmente e pela constituição das identidades na atualidade. Para isso, focamo-nos nos estudos da mídia e seus discursos em Kellner (2001), Charaudeau (2006) e Romão e Gaspar (2008), os quais deram suporte as nossas investigações sobre a mídia e seus modos de influência na construção das identidades pós-modernas. Charaudeau (2006, p.18) sugere em seu estudo que as mídias não são indiferentes aos distintos “jogos de poder social”, ainda que duvide da sua capacidade de gerir e influenciar comportamentos. Ferreira (2008, p.13-4) ratifica o efeito do discurso midiático sobre nós pelo processo contínuo que ela denomina de saturação e esvaziamento, uma vez que as informações são despejadas sobre nós e há a necessidade de, quase imediatamente, haver um esvaziamento da memória, para que novas informações tenham lugar. Pensamos, pois, que, numa sociedade em que há uma forte tendência à espetacularização, dada pela disseminação incontrolada de imagens compartilhadas por diferentes formas de mídia, há, sim, a construção de sentidos coletivos que são (re)produzidos por elas, pois há valores (muitos deles de natureza econômica) que são socialmente compartilhados através de discursos hegemônicos. Portanto, por seu alcance, além da mídia exercer um poder sobre a opinião pública, a informação, dentro de um sistema capitalista, é um bem que pode ser “negociado” e que tem um valor agregado a seu poder de troca. Assim, transpondo um pouco dessa reflexão para este trabalho, veremos que as imagens “vendidas” do idoso têm um poder de atrair possíveis consumidores para produtos e serviços destinados a eles, vinculados nesses meios. Não podemos nos esquecer de que revistas e jornais sobrevivem dos anunciantes e de sua venda ao grande público, o que coloca em questionamento também a pretensa imparcialidade e objetividade do discurso jornalístico. Nessa cadeia de relações, as revistas e jornais “vendem” seu espaço e sua credibilidade - associada a seu poder de disseminação e convencimento - a anunciantes que pretendem “vender” seus produtos a esse público consumidor (veremos a seguir III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE como se processa essa lógica do consumo em excertos do corpus). Tais “produtos” representam um modo de ver o mundo, de se comportar socialmente, de se vestir, de, enfim, ser sujeito. O que ratificamos aqui é a ideologia capitalista que permeia os meios de comunicação, atribuindo um poder de verdade ao discurso midiático. Como, muitas vezes, o discurso capitalista aparece mesclado ao discurso jornalístico3, essa lógica do consumo nos é transmitida de maneira naturalizada, sem que os sujeitos se dêem conta de que estão sendo “incentivados” a consumir, a agir ou a pensar de certa forma. É o que se caracteriza como formas de agenciamento. Segundo Foucault (2004a, p.199), o modo como os discursos se transformam em práticas (discursivas e não-discursivas), como estabelecem modos de ser e ver o mundo, estão em relação estreita com as formas de agenciamento do sujeito, que são produzidas com o auxílio de diferentes dispositivos, denominados tecnologias de si. Por esses mecanismos, é possível administrar as subjetividades de forma mais homogênea, permitindo que as pessoas sejam governadas mais facilmente e que seus desejos estejam circunscritos a certas demandas. O discurso midiático é, assim, uma forma poderosa de agenciamento que se alia ao discurso capitalista do consumo. Charaudeau (2006, p.21) define a dupla natureza das mídias, que ele chama de mídias de informação: [elas] funcionam segundo uma dupla lógica: uma lógica econômica que faz com que todo organismo de informação aja como uma empresa, tendo por finalidade fabricar um produto que se define pelo lugar que ocupa no mercado de troca dos bens de consumo (os meios tecnológicos acionados para fabricá-lo fazendo parte dessa lógica); e uma lógica simbólica que faz com que todo organismo de informação tenha por vocação participar da construção da opinião pública. Além disso, afirma que o acontecimento é sempre construído, assim como uma notícia, que passa sempre por um processo de interpretação. Podemos concluir, portanto, que não há captação de uma realidade empírica (CHARAUDEAU, 2006, p.131), mas um gesto de interpretar. É, portanto, “fisgado” pela lógica dupla que o sujeito molda a sua identidade pelos discursos correntes da mídia. Navarro (2008, p.227-8) trabalha especificamente com a questão da produção das identidades via atividade jornalística. Segundo o autor, o jornalismo é um sistema de produção cultural, capaz de produzir representações para um público leitor, que consome essas representações. Segundo o autor, pela mídia, há a produção de uma memória discursiva que desempenha importante papel na constituição das identidades, pois “os textos da mídia funcionam como um dos lugares da memória, na medida em que 3 No Brasil, a concessão de direitos à exploração de meios de comunicação é dada pelo governo, mas as empresas são, na grande maioria, conglomerados particulares que visam, como qualquer outra empresa, lucro. III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE materializam sentidos inscritos em outro lugar. Logo, no fio discursivo é possível encontrar indícios de um trabalho da memória na materialidade desses discursos” (NAVARRO, 2008, p.234). Assim, as representações que fazem parte do imaginário social que aqui apontamos na análise do corpus são apenas alguns elementos constitutivos da construção das identidades na pós-modernidade, ou seja, indícios que emergem da materialidade linguística e que revelam um pouco dos processos de formação das identidades, atravessados pelos sistemas simbólicos. Assim, focamo-nos na identificação de representações do idoso e da velhice na Veja e na Folha não somente pela legitimação social atribuída a esses dois meios como formadores de opinião, dentro do mundo jornalístico, mas como discursos de poder capazes de criar e reproduzir um imaginário social. 2. Metodologia e eixos de análise Para a constituição do corpus da pesquisa, selecionamos, primeiramente, recortes discursivos de textos em diferentes edições da revista Veja, ao longo do período de 2001 até 2011, disponibilizadas digitalmente. Recorremos, para uma seleção prévia, de uma pesquisa com algumas palavras-chave que fazem parte do núcleo semântico desejado - a velhice -, tais como velho, idoso, velhice, aposentadoria, pessoa velha, terceira idade, a qual resultou em uma coletânea de textos de diferentes gêneros textuais jornalísticos, em que o idoso era citado. Para constituir a segunda parte do corpus, coletamos recortes do jornal Folha de S. Paulo, ao longo de um ano e três meses (julho 2010 a outubro de 2011), pertencentes a diferentes gêneros do discurso jornalístico (tais como a notícia, a reportagem, a coluna, o artigo de opinião4 etc.), em que constavam referências explícitas aos idosos, em suas diferentes designações (aposentados, velhos, asilados etc.). O modo como os idosos são nomeados e designados é o que nos permitiu a constituição de um eixo básico de análise para todo o corpus. Guimarães (2003, p.57), em artigo que discute a relação entre a designação e o espaço de enunciação, aponta que as designações atribuídas a um nome o fazem significar, atribuindo-lhe uma identidade, o que o torna diferente de outro. Essa identidade desdobra-se num conjunto de predicados. Segundo o autor, as designações são construídas por uma história enunciativa, ou seja, o objeto se constrói linguisticamente por aquilo que é dito sobre ele na tessitura histórico-social. 4 Utilizamo-nos da classificação e caracterização dos gêneros jornalísticos proposta por Medina (2001). III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE Se nos apoiarmos nos estudos psicanalíticos sobre a subjetividade, a questão da nomeação implica no modo como o sujeito é construído simbolicamente. Nas sociedades tradicionais, o sujeito era fundado no nome do pai (nome que recebe no mundo social e que o insere no mundo simbólico da linguagem) e, por isso, se submetia à sua lei de modo inquestionável. Na modernidade, o sujeito pode assumir vários nomes (nomes do pai), articulando sua subjetividade de formas diversas aos diferentes registros (imaginário, simbólico e real), mas atado aos laços sociais. Na pós-modernidade, vivemos um período em que o sujeito procura se “desligar” do simbólico, passando a ser um sujeito a ser nomeado, pois se encontra “esvaziado” dos valores sociais e não se vê mais como um sujeito “castrado” pelo(s) pai(s) (LEBRUN, 2001) e pela linguagem. É um sujeito que pensa poder tudo, pois está imerso no imaginário, onde tudo é possível. Tal economia psíquica está em conformidade com o discurso do consumo, propalado pelo neoliberalismo capitalista. Juntamente com o trabalho de analisar as designações atribuídas aos idosos pelas mídias selecionadas, as quais geram representações sobre esse grupo, procuramos levantar, ainda, como eixo temático de análise sobre os dizeres selecionados o que nomeamos o “dentro-fora”, redigido aqui entre hifens, exatamente para marcar o traço de não-disjunção desses elementos, numa análise que se faz sob um olhar discursivo- desconstrutivista. Dessa forma, o “dentro” e o “fora” unidos estabelecem-se como uma perspectiva diversa do olhar, como possibilidade interpretativa que se delineia a partir das condições de produção do discurso, da história que condiciona os gestos de interpretação sobre o discurso da mídia impressa. Relacionamos, neste trabalho, a concepção de dentro e fora às tecnologias de si (FOUCAULT, 2004b) e ao conceito de dobra (ROSE, 2001), uma vez que a relação de oposição entre esses dois pontos é ilusória, pois as duas partes interagem. Derrida (2002) também trabalha com a imagem do interno/externo, “superfícies” que se imbricam, na imagem da ânfora, em que o interior do vaso é o meio de ligação com o exterior. Se trouxermos essa noção da conexão entre superfícies que aparentemente são opostas para os processos de subjetivação, o que está “fora” do sujeito, num momento, pode vir a ser um “dentro”, dependendo dos agenciamentos particulares em curso, das relações de poder e autoridade que se estabelecem e da atuação do inconsciente sobre essas forças. Neste trabalho relacionamos também o eixo temático de análise “dentro-fora” com os modos de exclusão ou rarefação do discurso (FOUCAULT, 2002), engendrados sobre o dizer de certos grupos sociais – os idosos –, atribuindo-lhes certa invisibilidade III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE ou uma total interdição. Esses gestos de interpretação revelam marcas da contradição constitutiva do discurso e do sujeito e indícios da formação de sua identidade. Dessa forma, nosso olhar sobre o corpus procurou elencar as representações que são construídas através das descrições e das designações do idoso nos meios analisados, as quais sugerem, ainda, um movimento enunciativo de dentro e fora: ora o enunciador projeta o idoso como um “igual”, ora como um “diferente”; ora inserindo-o na sociedade que descreve, ora remetendo-o a um lugar de exclusão social. Esse movimento vai permitir que estabeleçamos alguns gestos de interpretação sobre o corpus, interrogando os sentidos sugeridos e problematizando o imaginário social construído sobre o idoso. 3. Alguns resultados da análise do corpus Apresentaremos, aqui, apenas três recortes, os quais se referem a regularidades significativas no corpus e um momento de possibilidade de questionamento na estabilização dos sentidos. Recorte 1: O tempo pode, sim, ser um aliado Aos 46 anos, a atriz americana Demi Moore é um dos melhores exemplos de como é possível envelhecer bem. Ela hoje está muito melhor do que aos 20 anos. Demi Moore soube tirar proveito da genética privilegiada. Além de muita ginástica e alimentação rigorosíssima, a atriz está exuberante graças às cirurgias e tratamentos estéticos. (Veja, Seção Especial, reportagem “Longevidade e Juventude”, 7.01.2009, p.75) Se, a princípio, esse recorte pudesse sugerir um “escape” nos sentidos demarcados por uma ditadura da beleza jovial - disseminada pela revista em várias reportagens selecionadas no corpus geral -, afirmando que a atriz de 46 anos está muito melhor do que aos 20 anos, por outro lado, percebemos que o texto apresenta a atriz em sua melhor forma exatamente por não parecer velha, por não aparentar a idade que tem, e por adiar a entrada na velhice. Portanto, não se trata de envelhecer bem, como propõe o texto, mas de não envelhecer, enunciado que é interditado. E aí entra o papel das cirurgias e tratamentos estéticos (também trabalhados na análise geral do corpus) - que a deixariam exuberante - numa sociedade que prima pela imagem (sociedade do espetáculo) e que promove o desenvolvimento do que chamaremos, aqui, de uma “medicina estética”. Podemos perceber, como efeito de sentido, a associação desses tratamentos a um milagre, pois afirma-se que, graças a eles, a atriz continua bonita; um vocábulo, portanto, associado à esfera religiosa, que desliza aqui para o discurso do poder das conquistas científicas, que possibilitaram isso. III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE Observamos, no entanto, que a beleza - como outras “coisas” numa sociedade objetificada e consumista - tem um “preço” alto, exige “sacrifício” (outra palavra deslocada do discurso religioso), marcado linguisticamente no excesso proposto pelo advérbio de intensidade “muito” e pelo adjetivo superlativo “rigorosíssima”, nos trechos muita ginástica e alimentação rigorosíssima, respectivamente. Percebemos, mais uma vez que a linguagem desliza, escapa do controle: apesar de afirmar que a atriz soube tirar proveito de sua genética privilegiada – expressão que remete aos estudos científicos – ela precisa, ainda, da alimentação, da ginástica e das cirurgias e tratamentos estéticos para se manter bonita. Portanto, a natureza aparece em um plano inferior, subjugada às técnicas desenvolvidas pela estética. Tudo pode ser manipulado pelos avanços médicos nessa estética e há uma supremacia da tecnologia sobre a natureza. O outro recorte que trazemos da revista foi retirado de reportagem da seção Especial, com o título de Longevidade. Recorte 2: O jeito sem idade de ser Com essa espécie de democracia da juventude, produtos e serviços antes direcionados exclusivamente ao público adolescente ou jovem começam a ganhar adeptos entre os mais velhos. A carioca Mara Lúcia Sarahyba, de 52 anos, mãe da modelo Daniella Sarahyba, de 25, é uma típica representante dos sem-idade. Mara e Daniella, apesar da diferença de geração, compram roupas nas mesmas lojas, costumam viajar juntas e não raro frequentam as mesmas festas. “Minha mãe é jovial e ativa, o que faz dela uma ótima companhia para qualquer hora”, afirma Daniella. “Temos algumas peças idênticas no guarda-roupa, apesar de a Dani policiar os meus decotes, conta a mãe. “Os ageless rompem com o padrão convencional em que o comportamento é ditado pela faixa etária”, disse a VEJA a inglesa Ruth Marshall, da consultoria internacional WGSN, especializada na análise e previsão de tendências de consumo. (Veja, Especial Longevidade, 15.7.2009, p.62-63) Começando pelo título da reportagem, a revista propõe um “jeito sem idade de ser”, atributo também dado às pessoas (típica representante dos sem-idade) que vivem da forma sugerida, consumindo os mesmos produtos e serviços. O termo aparece também em inglês no recorte destacado: ageless. Tal termo designa, no entanto, contrariamente ao que aparenta - pois a linguagem não é transparente -, as pessoas de mais idade e que estariam passando por um processo de envelhecimento mais evidente (após os 40 anos). Portanto, não há como o termo se referir “a pessoas que não têm idade”. “Sem idade” aqui pode ser interpretado também por se ter uma idade menor do III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE que se aparenta ter, já que é a aparência que define o sujeito numa sociedade regida pela imagem. Esse modo de ser designado como ageless é legitimado no texto pelo discurso da expert em tendências de consumo, que vem validar o discurso capitalista da revista. Notamos que a revista traz a opinião (que legitima o “fato” jornalístico) de uma pessoa da área econômica, especificamente do consumo, que reforça algumas das nossas interpretações sobre o “idoso-consumidor”. Ao erigir a geração dos pais como os “sem idade”, a revista elege, na verdade, o padrão de consumo do jovem para esse grupo (compram roupas nas mesmas lojas, costumam viajar juntas) e de seus costumes (não raro frequentam as mesmas festas). Procura-se, na reportagem, criar uma simetria nas relações entre pais e filhos, que é reforçada nas palavras da filha: minha mãe é jovial e ativa; temos algumas peças idênticas no guarda-roupa, ou, até mesmo, subjugar a geração mais velha à responsabilização/cuidado dos filhos: apesar de a Dani policiar os meus decotes, conta a mãe. Nesse caso, associamos essa tentativa de homogeneizar as gerações, como um processo que não é “natural”, mas criado pelos discursos da mídia e do consumo, uma vez que a diferença entre gerações, ainda que conflituosa, remete ao trabalho civilizatório de uma geração transmitir a outra seus valores, ainda que estes sejam, posteriormente, questionados. Segundo Dufour (2005), sem essa transmissão geracional fica comprometido o processo de inserção das gerações mais jovens no mundo do simbólico, processo esse que se sustenta na autoridade delegada às gerações precedentes, as quais se responsabilizariam por essa introdução dos jovens ao mundo social e às suas regras. Observamos no excerto, que há uma inversão de valores, com a filha “policiando” os decotes da mãe, por exemplo. Há, portanto, uma “adolescentização” dos pais, que vivem os mesmos “desejos” dos filhos, transformados em demandas de consumo, as quais são criadas para satisfazer ambos (as viagens comuns, as mesmas festas e roupas). Nesse caso, a nomeação “sem idade” não nos parece adequada, pois procura-se um padrão dos “sempre jovens” e não dos “sem idade”. Dizer que o comportamento não é mais ditado pela faixa etária é uma falácia, pois é constituído exatamente dos valores do jovem ou daqueles que se “sentem” jovens (que se colocam nessa posição ou são assim representados pela revista). Podemos dizer, ainda, que é um comportamento que passa a ser determinado exclusivamente pelos padrões de consumo. Dessa forma, não cabe nesse contexto da reportagem o termo velhice ou envelhecimento. Há um silenciamento do que seja esse outro processo de envelhecer longe das luzes do consumo e da sociedade do espetáculo. III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE Encerramos essa breve análise do recorte com a reflexão sobre a expressão “democracia da juventude”, que aparece logo no início do texto. Como a língua é um jogo de associações entre significantes, não pudemos deixar de pensar sobre uma outra expressão que circula no discurso da mídia: a ditadura da beleza, que deslizaríamos para a ditadura da juventude. Esta nos parece mais apropriada à escravização da sociedade aos padrões estéticos do jovem, que nada têm de democráticos, mas sim de impostos, sem que o sujeito se dê conta de que está sendo agenciado por demandas que passam a reger sua conduta, seus gostos e desejos, seu modo de ser e agir no mundo, também contribuindo para a construção de estereótipos identitários. Mais uma vez o que se percebe é o silenciamento do velho e da velhice: ao atribuir-se às pessoas com mais idade o título “ageless”, isso implica numa interdição social do temo velho ou idoso: ninguém quer ser chamado de velho por tal imagem remeter a representações que a sociedade quer silenciadas. Observemos, agora, o recorte extraído da Folha de S. Paulo: Recorte 3: Pra fazer a moda durar APESAR DE EU NÃO ser filho de alfaiate, em 2010, finalmente, entrei na moda. Por todo canto, foi possível encontrar e acompanhar discussões que envolvessem esse povo que dá um trabalho danado com suas cadeiras de rodas, cães-guia, mãos falantes, entre outras adaptações para viver bem (...) A Dilma colocou as palavras "pessoas com deficiência" e idoso em seu discurso de vitória. Agora é torcer para ela gostar de ser fashion. (Marques, J. In: Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, 21.12. 2010.) O que esse recorte traz de inusitado, mas que se insere em nossa discussão sobre o eixo de análise dentro-fora, é que, mesmo o jornalista sendo jovem, se insere no espaço de enunciação do grupo de idosos. Para ele, a presidente citou as "pessoas com deficiência" e idoso” em seu discurso, o que permite inserir que ela daria ênfase, em seu programa de governo, a esses grupos sociais, invertendo as prioridades que vigoravam até então. “Ter entrado na moda”, segundo o jornalista, é agora fazer parte do discurso mainstream, ou seja, de um discurso que está na moda (fashion), o que não deixa de ser irônico, pois a moda, acompanhando o mundo do consumo, muda a cada dia, o que poderia significar uma atenção passageira, efêmera para a questão, como faz a moda. No entanto, tal dizer não se refere a “coisas” como na moda, mas a sujeitos com necessidade de atenção especial para suas limitações. Dessa forma, o autor designa metonimicamente em seu texto grupos diferentes – esse povo que dá um trabalho danado com cadeiras de rodas (paraplégicos e tetraplégicos), cães-guia (cegos), mãos falantes (surdos e mudos) –, mas que se III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE identificam com a necessidade de cuidados especiais, assim como os idosos. Marques se projeta dentro desse grupo, mas respeita as diferenças entre eles: ele é jovem, mas se identifica com o idoso, assim como com o surdo-mudo, com cego, com o paraplégico (que é). Embora trouxéssemos aqui apenas esse pequeno recorte de uma das colunas do jornalista, a qual não tratava exclusivamente de representações do idoso, esse jogo feito pelo enunciador entre o dentro-fora, entre se ver como os outros e, ao mesmo tempo, se colocar no espaço de fora ao se comparar com o outro representado como “normal” na sociedade é recorrente em seus textos, o que nos permite inferir que é possível se ver como o outro, estar na situação do outro, mesmo não sendo esse, já que a diferença existe e deve ser vivida, o que torna os sujeitos não homogêneos, singulares em suas especificidades. Nesse caso, a oposição discursiva entre juventude e velhice assume a forma normalidade e excepcionalidade, o que nos leva a concluir que a língua não pode significar tudo, pois está sempre inserida na história, no acontecimento. Marques fala por esses grupos diversos, que como os idosos, são igualmente calados, interditados socialmente. Tal excerto desliza da regularidade aqui mostrada sobre as representações do idoso, indiciando sistemas de dispersão na construção de sentidos, novos gestos de interpretação. 4. Algumas considerações finais Para concluirmos este trabalho, trazemos alguns apontamentos de Melman (2002), via psicanálise. Para o autor, há uma nova economia psíquica em construção na pós-modernidade5, o que significa novas identidades em formação, um novo modo do sujeito se colocar no mundo. Se as subjetividades nas sociedades tradicionais eram marcadas basicamente pelo “nome do pai”, ou seja, havia a formação de laços sociais pela forte influência do simbólico, que representava os valores sociais, o que implicava numa subordinação do sujeito à linguagem e suas leis (o fato, por exemplo, de não se poder falar tudo o que se quer, de tudo não se dizer pelo caráter faltoso da língua e ainda pelo fato de que a linguagem implica na ausência do objeto), tem-se hoje um forte apelo ao imaginário, ou seja, há uma imersão no mundo das imagens, da 5 Melman (2003) nomeia tal constituição como sujeito da pulsão, sujeito do imaginário ou sujeito sem limite. Lebrun (2001, p.77), acrescenta a noção de sujeito “a nomear” (nommer à) em contraposição a uma constituição subjetiva que se representava pelo “nome do pai” e, posteriormente, “pelos nomes do pai” (Lacan, 2005). O que, de fato, marca essa nova economia é uma subjetividade que se constitui voltada para frente, em detrimento do passado, da tradição ou de uma autoridade em que se firme a imagem de um grande Sujeito e a constituição do grande Outro, ligadas à ordem simbólica – a lei do pai. Daí um empobrecimento do simbólico nessa economia psíquica em constituição.

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