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Rã-txa hu-ní ku-ĩ, a lingua dos caxinauás do rio Ibuaçu, affluente do Muru (prefeitura de Tarauacá) PDF

639 Pages·1914·14.79 MB·Portuguese
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••«í • ': ít "• zu / * / fã-fcca luL-n_L-k_iL-L A LÍNGUA DOS CAXINAUÁS DO RIO IBUAÇU A P* K1 L T J K N rr K D O M XJ Í4 XJ (PREFEITURA DE TARAÜACÁ) POR / J. Capistrano de Abreu SÜ2 RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA LEUZINGER • I9I4 T06-1? Bem alheio a línguas brasilicas andava em fins do anno passado, quando chegou do território do Acre meu patrício capitão Luiz Sombra, com um indio anteriormente promettido. Da outra vez tivera de deixal-o no Ceará, temendo que não resistisse á inanição e ao enjôo, aggravados ainda mais pelo pânico da abriga do vapor com o mar ». D'ali levou-o depois ao Purús. Trazia-o agora bem disposto, lendo mal, escrevinhando gostosamente, com- preheridendo qualquer conversa; entendel-o era mais difflcil, devido ao emperro da pronuncia. Orçaria por 20 annos, haveria trez estava jóra de sua terra, no rio Ibuaçú, tributário do Mura, affluente do Tarauacá, bacia do Juruá. Assignava-se, e jazia-o varias vezes por dia, Vicente Penna Sombra: Penna, nome do Presidente da Republica, que de passa gem por Manaus o conduzira á pia baptismal; Sombra, de seu pro- teçtor querido. Alguns annos estivera antes, meio separado dos seus, trabalhando em seringues. Seu nome indígena Sombra não conseguiu arrancar-lhe: á jorça de instâncias respondeu-me: talvez Mô-rô, isto é, partido, quebradiço. Na realidade, chama-se Bô-rô, toco, ou antes este é um de seus nomes. Pertence ao ramo caxinauá, da jamtlia pana, cuja existência só me deram a ^conhecer dois estu dos do eminente ethnologo Dr. Paulo Ehrenreich *). Começamos logo o trabalha, duplamente espinhoso, de prepa rar glossário. Espinhoso, porque a cada passo brotam erros e equi- 1) Über die Einteüung and Verbreitung der Võlkerstãmme Brasiliens, PETERMANNS MlTTEILUNG, 37, Gotha 1891 ; Die Ethnographie Süd-Amerikas im Beginn des XX. Jahrhunderts, Archiv jür Anthropologie, 3, Braunschweig 1904; ambas as monographias foram traduzidas pelo autor deste livro, publi cadas no Jornal do Commercio, depois reproduzidas, a primeira integralmente na Revista da Sociedade de Geogtaphia do Rio de Janeiro, a segunda, par cialmente, na Revista do Instituto Histórico dè S. Paulo, no Almanack Gar- nier, no Brasil Antigo, Atlantide e Antigüidades americanas, S. Paulo 1910, do patrício e amigo Dr. Domingos Jaguaribe. Antes da versão das monogra phias de Ehrenreich as questões ethnographicas eram geralmente desconhecidas no Brasil. Vocos: assim ra-nãi arrolou-se successivamente como « dançar, arre medar, imitar, arremessar, vomitar, lançar n,tudo isto porque Boro, incapaz de emittir l (lamber pronunciava arambê, lodo pronun ciava doro) disse « dançar », em vez de « lançar», synonimo de arremessar e vomitar. Mais espinhoso achar uma transcripção adequada dos sons. Ha quasi três séculos, o celebre jesuíta Antônio Vieira, pregava no Maranhjãp; á partida de missionários da Companhia destinados ao rio das Amazonas, as seguintes palavras, artisticamente exageradas, e tendenciosas, pois queria applicar um passo bíblico, mas de jundo muito verdadeiro: « Por vezes (pregava) me aconteceu estar com o ouvido appli- cado á boca do bárbaro, e ainda do interprete, sem poder distin guir as syllabas nem p%rceber as vogaes ou consoantes de que se jormavam, equivocando-se a mesma letra com duas ou três seme lhantes, ou compondo-se (o que é mais certo) com mistura de todas ellas: umas tão delgadas e subtis, outras tão duras e escabrosas, outras tão interiores e escuras, e mais ajogadas na garganta que pro nunciadas na língua; outras tão curtas e subidas, outras tão estendi das e multiplicadas que não percebem os ouvidos mais que a con- jusão: sendo certo em todo rigor, que as taes línguas não se ouvem, pois se não ouve dellas mais que o sonido e não palavras articuladas e humanas, como diz o Projeta: Quorum non possis audire sermo- nes 2). A phonetíca do rã-txa hu-ni ku-í, jalar de gente verdadeira, de gente fina, como se poderia traduzir, oferece dificuldades singu lares, dignas de um Jespersen, um Rousselot ou um Gonçalvéh Vianna. Não me gabo de tel-ns resolvido; não me animei siquer a enjrental-as: a pronuncia figurada aqui é apenas uma média, diga mos uma pronuncia de seringueiro, que os índios comprehendam sem grande esjorço. A vocábulos avulsos prejeriria phrases, mas não manijestei tal desejo, não lhe dei uma só a traduzir; do próprio indio partiu a idéa. .Quando, porém, tratamos de vertel-as, Vicente apenas dava o sentido approximado; a traducção, mesmo vagamente litteral, parecia-lhe uma enormidade, e desanimava, e ficava triste, e dizia que não sabia mais nada, etc. A pkrase sahia-lhe do cérebro como as barras de um linotypo. Correram alguns dia^ antes de ir paulati namente distinguindo as partes no todo. Mais tarde a dificuldade reappareceu sob outra jórma. 2) Vieira, Sermões, 3., 410, Lisboa 1683. Esperava de phrases solteiras passar á descripção de plantas e animaes, meu verdadeiro escopo. Elle não tinha geito ou gosto para taes exercícios e iniciou umas historias, que eu só desejava para mais tarde, quando estivesse mais adiantado, porque sei como é dificil traduzil-as e entendel-as. Durou cerca de um mez esta primeira campanha, que me deixou uma impressão de cansaço e desacoroçoamento. Depois jomos ao rio S. Francisco, e na viagem para a Bahia pude ver como o enjôo o anniquilava. O estudo ficou suspenso durante mezes. f Pude recomeçar em Julho, longe da Capital, disposto a ulti- mal-a ou abrir mão da empreza por uma vez. Agora possuía um diccionario dos Sipibos, pertencentes também á jamilia dos Panos, organisado por algum missionário castelhano do Ucayale e publi cado com traducção allemã e importantíssimas notas históricas pelo Dr. Carlos von den Steinen, o benemérito explorador do Xingu, o Verdadeiro jormador da ethnographia brasilica. Tomei-o como base, e não podia achar melhor 3). O diccionario tinha desde logo a vantagem de nascer da convi vência continuada com índios, e ser, não simples congerie, mas selecção adaptada a seu ambiente; podia ser expandido, mas repre sentava já um mínimo maduramente apurado. Outra vantagem appareceu depois: o parentesco entre a lingua dos Sipibos e a dos Caxinatíás, mais estreito ainda do que se poderia esperar do mero jacto de esgalharem do mesmo tronco, despertou com violência a memória latente do indio. Começava traduzindo a palavra castelhana e escrevendo a res posta de Vicente. Lia-lhe depois o correspondente sipíbo: si era idêntico, ficavam liquidadas a orthographia e a pronuncia; si signi ficava coisa diversa, era desde logo inscripto; si não era conhecido, omittia-se. O ultimo caso succedia raramente. Em tudo Bôrô deu mostras de grande capacidade lingüística e trabalhou com prazer; instinctivamente percebeu as relações phoneticas dos dois idiomas. Ao mesmo tempo que, a intervallos, apanhava novos textos, tratava de verter os que tinha colhido. E então revestiu nova jórma a dificuldade primitiva. Em geral a phrase é simples: sujeito, objecto, Verbo; domina a parataxe (a ditaxe^ó reconheci mais tarde) e a pontuação não exigira mais signaes do que ? , Mas como dividir a trama em certos casos? como saber si a oração está completa, ou não passa de apposto? Na conversa as entonações e pausas indicam-no suficientemente, mas em dictados? Consultar o mestre não apro- 3) Diccionario Sipibo, Castellano-Deatsch-Sipibo, Berlin, 1904. Veita nas questões mais simples: ou quéda-se calado, muito absorto, pensando quiçá em cousas bem diversas, tempo sem tempo, ou a pri meira suggestão, por mais absurda, acóde logo alliviado e satisjeito: é mesmo. E' mesmo! Keller Leuzinger no Paranapanema, Carlos von den Steinen no Paranatinga, caracterisaram dois tuxáuas por esta alcunha. Bôrô merecia-o por igual, principalmente no começo. Nas divisões de phrases adiante seguidas não me poupei para acertar; jaltà-me a confiança de havel-o sempre logrado 4). Em Setembro, Luís Sombra, que de novo jôra ao Ceara, trouxe outro índio, Tux-i-ni, (Amarello), primo de Bôrô. Conta uns treze annos de idade, os últimos quatro passados em Manaus ou Maranguape. Falia sem o minimo sotaque um cea rense perjeito. Saberia ainda alguma coisa do rã-txa hu-ni ku-í? Jurou que não e bem parecia: mabõx, mingau, traduzia sem hesitar por cajé; era de ver sua indiferença ao ouvir qualquer palavra da língua materna. Veio para junto de Bôrô e em não poucos dias a poder de paciência o palimpsesto revelava-se: então communicou um pouco de azougue ao parente. Vão adiante sob a sigla T os textos por elle jornecidos, como sob a de B vão os do Vicente. Dois delles, Tux-t-m dictou-os primeiro em nossa lingua, antes de jazel-o na sua; as duas redacções independentes mostram um caso de dualidade psychica, que não deve ser commum. Seus serviços ainda seriam mais eficazes a conseguir-se fixar-lhe o espirito volúvel. Na revisão do vocabulário pegava alegremente, pois ao contrario do fforente é desassombrado, communicativo e dá gargalhadas cordiaes; com pouco amitídavam-se os « não sei » ; si a sessão continuava, jerrava no somno. Seu grande empenho era andar pelo mato, ras- gando-se, enlameando-se, apanhando jructas, caçando, a pé ou a cavallo, sempre de botinas. Com poucos dias já estava conhecendo todos os paus e todos os bichos, cantos, uivos e zumbidos das cerca nias. Dos companheiros de excursões dizia um: Tux-i-ni tem olhos de águia; outro: tem jaro de cachorro. Paus e bichos exerceram influencia muito benéfica. Serra acima, duzentos e sessenta kilometros do Rio, ás margens do Para- hyba, em meio mais semelhante ao de sua injancia, Bôrô e Tuxinin 4) A desconfiança era fundada : um exame perfunctorio das primeiras paginas mostra que devem ligar-se 116/117, 198/199, 212/213, 384/385 623/624, 627/628, 629/630, 642/643, 707/709, (ditaxe), 761/762 843' 1456/1457, 1074/1075, 1475/1476, 2222/2223. Ao contrario: 880 três as ultimas palavras devem passar para 881 ; 4331 acaba na segunda linha em po-6- bi-ra-ni : o resto passa ao numero seguinte. Com a continuação estes factos vão rareando, comquanto não faltem de todo. Bem certo é o provérbio : estar na aldeia e não ver as casas.

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