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Nele se combinam qualidades que raramente vemos juntas: inteligência vigorosa, curiosidade intelectual, conhecimento íntimo dos negócios de Estado – nutrido por experiência e pesquisa, e amparado pelo estudo comparado de outras realidades nacionais –, audácia e clareza na construção de proposta nacional e coragem para enfrentar os obstáculos que se opõem à sua efetivação. A coragem não é a maior virtude. Ela constitui, porém, a virtude habilitadora: sem ela, todas as outras virtudes se esterilizam. Clareza para ver e fibra para enfrentar é o que Ciro Gomes tem a rodo. É comum, mesmo entre os líderes políticos mais talentosos, imaginar que, uma vez no poder, só precisam se preocupar em construir alianças e superar os interesses contrariados. Supõem ser claro o caminho. As ideias necessárias para defini-lo em pormenor aparecerão na hora, quando forem necessárias, providenciadas por técnicos prestativos e intelectuais obsequiosos. Os esquerdistas, em particular, costumam fingir esconder, por razões táticas, um plano que não têm. Ciro Gomes sempre compreendeu que, de todos os meios que escasseiam para mudar a sociedade, o mais escasso são as ideias. Elas não se apresentam quando convocadas. Os homens de Estado, mesmo quando dispostos a ousar, acabam reféns das ideias disponíveis na esfera e na época em que atuam. O Brasil precisa de ideias para equipar os brasileiros e transformar nosso recurso nacional mais importante – a vitalidade – em ação fecunda. Este livro responde a tal imperativo. Nestas páginas, Ciro Gomes propõe um projeto nacional de desenvolvimento que aborda os brasileiros como agentes a empoderar em vez de abordá-los, do modo costumeiro na política brasileira, como beneficiários a cooptar. O projeto exposto aqui demarca a construção de um rumo que funda o desenvolvimento sobre a democratização das oportunidades e das capacitações e reconhece o vínculo entre desenvolvimento democratizante e afirmação nacional. Em cada momento, Ciro aponta o legado institucional da alternativa que defende. Na vida das nações, esse legado marca a diferença entre o passageiro e o duradouro, o superficial e o profundo. O redirecionamento de recursos passa, de acordo com as circunstâncias e a correlação de forças. As instituições ficam. Não vivemos, no Brasil, um grande movimento de construção institucional desde a época de Getúlio Vargas; por isso mesmo, continuamos a nos mover em meio aos destroços do corporativismo varguista. Determinado a fundar a transformação necessária na circunstância histórica real, Ciro Gomes explica o que aconteceu ao país nas últimas décadas e como e por que chegamos ao quadro de estagnação econômica, desagregação política e rendição nacional em que nos encontramos. Para isso, ele contrasta sua proposta com os dois ideários que predominaram nos governos desse período. Um deles – que atravessou os mandatos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso na década de 1990, e ressurgiu com Michel Temer e Jair Bolsonaro nos últimos anos – foi o fiscalismo financista. Travestido de liberalismo e de ortodoxia econômica, apostou na retração do Estado e na busca da confiança financeira. Atuou na suposição – desmentida em todo o mundo – de que a obediência traria o investimento e que nosso país cresceria com o dinheiro dos outros. O realismo fiscal é indispensável, sim, como Ciro Gomes sempre reconheceu e praticou, não para ganhar a confiança financeira, mas pela razão oposta: para que o Brasil e seu governo não dependam da confiança financeira e possam ousar na construção de estratégia insubmissa de desenvolvimento. Abdicar da rebeldia, e da construção institucional que ela exige, foi o maior pecado dessa conspiração contra nosso futuro. O outro ideário – que acabou prevalecendo nos governos petistas – foi o nacional-consumismo. Teve o mérito de diminuir a pobreza, mas tomou o caminho fácil de usar as riquezas naturais do país – na agricultura, na pecuária e na mineração – para pagar a conta do consumo urbano. Em vez de organizar a qualificação do aparato produtivo do país e a capacitação dos brasileiros, aceitou nossa regressão a um primarismo produtivo, do qual a desindustrialização foi apenas um dos aspectos. Renegou a construção de um produtivismo inclusivo, voltado para o horizonte da economia do conhecimento, e organizou um sistema geral de cooptação – dos pobres pelas transferências sociais, das corporações pelos direitos adquiridos, dos graúdos pelos favores tributários e pelo crédito subsidiado, e dos rentistas pelos juros desnecessários e irresponsáveis. Quando a riqueza fácil acabou, a tentativa de dar sobrevida a um modelo econômico malogrado aprofundou a ruína, desorganizando as finanças públicas. E a cooptação multiplicou oportunidades para a corrupção nos acertos entre as elites de poder e de dinheiro. Neste livro, análise e crítica são apenas preliminares à sua proposta. Nela, Ciro define um caminho nacional marcado pelas seguintes diretrizes, entre outras: 1. Ciro quer ver a produção qualificada de maneira que também democratize o acesso às oportunidades produtivas. Ele sabe que o mundo se preocupa hoje com um novo dilema na busca do desenvolvimento. A indústria convencional, como aquela instalada no Sudeste em meados do século passado, deixou de ser vanguarda. Sobrevive apenas como resquício de vanguarda superada ou satélite de nova vanguarda – a economia do conhecimento. A alternativa seria uma forma socialmente abrangente da nova vanguarda: a economia do conhecimento, rica em ciência e tecnologia e dedicada à inovação permanente. A economia do conhecimento não se cinge à manufatura avançada nas grandes economias do mundo; existe também nos serviços intelectualmente densos e na agricultura científica e de precisão. Em cada setor, porém, prospera apenas como série de franjas excludentes. Mesmo nas economias mais ricas, com as populações mais educadas, a grande maioria dos trabalhadores e das empresas fica fora dela. Está dado, portanto, o dilema. O atalho tradicional deixou de funcionar. A alternativa parece inacessível. Ciro mostra como podemos enfrentar esse dilema e começar a superá- lo. 2. Ele propõe enfrentá-lo por duas dinâmicas simultâneas. Uma dinâmica, de cima para baixo, aproveita o potencial do complexo agropecuário, do complexo energético, do complexo de saúde e farmacêutico e do complexo de defesa como mananciais de vanguardismo produtivo e tecnológico. Outra dinâmica, de baixo para cima, usa os instrumentos de que o Estado brasileiro já dispõe, como o Sebrae, o Senai, a Fiocruz, a Embrapa, a Finep e os bancos públicos, para aproximar parte crescente da multidão de pequenas e médias empresas – os agentes mais importantes da economia brasileira – da nova vanguarda produtiva. 3. Ciro compreende que não há escalada de produtividade socialmente inclusiva que se sustente se a maior parte de nossa força de trabalho continuar jogada no aviltamento salarial, no subemprego, na informalidade (onde pena hoje metade dos trabalhadores) e na precarização (para onde está indo parte crescente dos empregados na economia formal), além de vergada sob o jugo de dívidas impagáveis. Não se podem abolir as novas práticas de produção por imposição de leis que servem aos interesses das minorias organizadas, mas não aos das maiorias desorganizadas. Porém, também não se deve permitir que, sob o eufemismo neoliberal da “flexibilidade”, se abandone a maioria à insegurança econômica incontida. Daí, segundo Ciro, a necessidade de construir regras, práticas e políticas que organizem, representem e protejam essa maioria informal ou precarizada e a resgatem do endividamento paralisante. 4. Ciro não fica atrás de qualquer um na defesa do realismo fiscal, que ele entende, junto com a defesa, como parte do escudo de nossa rebeldia nacional. São ideias credenciadas por atos: ninguém que tenha atuado no primeiro plano da política brasileira se esmerou mais em assegurar superávits fiscais. Não o fez para atender aos mercados financeiros, mas sim para que o país não precise se ajoelhar diante dos interesses e preconceitos deles. Sabe que realismo fiscal exige sacrifício e que, por isso mesmo, só se legitima e se mantém se vier no bojo de mudança de rumo que ofereça oportunidade e capacitação para muitos. Ciro reconhece que a classe média terá que ajudar a pagar a conta junto com os ricos, mas insiste em medidas como a tributação das grandes heranças e doações familiares e dos lucros e dividendos para que os endinheirados tenham que arcar com parte maior do sacrifício nacional. O compromisso com o realismo fiscal dá a Ciro autoridade para combater, como fez ao longo de sua trajetória, uma pseudo-ortodoxia econômica que usa a política monetária para sacrificar a produção ao rentismo financeiro e a política cambial para disfarçar o empobrecimento do país. 5. Para Ciro, a contrapartida indispensável ao produtivismo inclusivo é uma transformação da educação brasileira, prefigurada, aos olhos dos estudiosos do ensino em nosso país, pelos avanços que seus aliados e seguidores conseguiram na cidade de Sobral, no Ceará. Avanços medidos por provas e padrões internacionais e possibilitados pela observância de critérios objetivos de desempenho. E orientados para uma maneira de aprender e de ensinar que rompa com o enciclopedismo raso e dogmático e inaugure educação analítica e capacitadora. Ciro entende que, no nosso país continental, desigual e federativo, a qualificação do ensino passa por iniciativas que reconciliem a gestão das escolas pelos estados e municípios com padrões nacionais de investimento e qualidade. Para isso, precisamos organizar um trabalho conjunto dentro da federação para socorrer os municípios cujo ensino, apesar de todos os esforços, caia repetidamente abaixo do patamar mínimo aceitável de eficácia. A qualidade do ensino que um jovem recebe não deve depender do acaso do lugar onde ele nasce. 6. Ciro argumenta que uma alternativa nacional desenhada para qualificar e democratizar, ao mesmo tempo, a produção e o ensino só se efetivará se tocar o chão da realidade regional. Conhecedor do Brasil profundo, ele sabe que nosso país são muitos Brasis. Daí a importância que ele dá à construção de um novo modelo de política regional: uma política regional desenhada para cada macro e micro região do Brasil; destinada a acalentar em cada região a construção de novas vantagens comparativas a partir das vantagens comparativas já estabelecidas e dos agentes atuais, para além de providenciar compensações para o atraso relativo; e construída pelas próprias regiões em parceria com o governo federal em vez de ser imposta a elas pelo governo central. Ele reconhece no federalismo cooperativo – tanto vertical entre os três níveis da federação como horizontal entre os estados e municípios – o instrumento mais importante desse modelo, e nos consórcios federativos, já em formação Brasil afora, seu veículo jurídico privilegiado. Como nordestino, entende que o melhor lugar para começar essa mudança de modelo é o Nordeste, mais vítima do que beneficiário da política regional herdada. 7. Um projeto nacional forte como esse se exprime também por meio de uma política externa forte. A tarefa mais exigente e sutil da política externa de uma