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Presentismo negro: um tópico subjacente na história afro-brasileira PDF

30 Pages·2008·0.23 MB·Portuguese
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Presentismo negro: um t(cid:243)pico subjacente na hist(cid:243)ria afro-brasileira Sílvio Marcus de Souza Correa * (cid:147)Qu(cid:146)on le veuille ou non, le passØ ne peut en aucune fa(cid:231)on me guider dans l(cid:146)actualitØ.(cid:148) Frantz Fanon Resumo. A hist(cid:243)ria afro-brasileira, obrigat(cid:243)ria nos curr(cid:237)culos escolares desde a aprova(cid:231)ªo da lei no 10.639, de 09 de janeiro de 2003, tem favorecido um ensino da hist(cid:243)ria menos eurocŒntrica e, com isso, uma abordagem mais prop(cid:237)cia a uma hist(cid:243)ria conectada, atravØs da qual a hist(cid:243)ria do Brasil se insere no (cid:147)Atl(cid:226)ntico Negro(cid:148). PorØm, a americaniza(cid:231)ªo dos afro-descendentes Ø obliterada por uma africaniza(cid:231)ªo da nova hist(cid:243)ria oficial em conson(cid:226)ncia com um presentismo negro. O presentismo negro na hist(cid:243)ria afro-brasileira pode ser analisado atravØs da tr(cid:237)ade patrim(cid:244)nio, mem(cid:243)ria e comemora(cid:231)ªo. Este ensaio propıe uma reflexªo cr(cid:237)tica sobre o presentismo negro e sua rela(cid:231)ªo com a constru(cid:231)ªo da(s) identidade(s) de afro-brasileiros, apon- tando para algumas vantagens te(cid:243)ricas em pensar o processo de americaniza(cid:231)ªo que ocorre, aliÆs, com outros grupos hifenizados, sem que isso signifique uma unifor- miza(cid:231)ªo de suas trajet(cid:243)rias. Palavras-chave: Presentismo Negro. Mem(cid:243)ria. Comemora(cid:231)ªo. Hist(cid:243)ria Afro- Brasileira. * Professor do Departamento de Hist(cid:243)ria e Geografia da Universidade de Santa Cruz do Sul. [email protected] Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 27, p.257-285, jul. 2008 Presentismo negro: um tópico subjacente na história afro-brasileira Introdu(cid:231)ªo Em abril de 1500, Pedro `lvares Cabral mandou um batel (cid:224)quela terra avistada pelos portugueses para se informar com aquela 8 gente praieira (cid:147)de cor ba(cid:231)a e de cabelo comprido e corredio, e a 5 figura do rosto coisa mui nova(cid:148). Ao se aproximar daquela gente, 2 (cid:147)come(cid:231)ou um negro, grumete, falar a l(cid:237)ngua de GuinØ(cid:148). Com base nas DØcadas, de Joªo de Barros (1982, p. 107-108), uma l(cid:237)ngua africana serviu (cid:224) primeira tentativa de comunica(cid:231)ªo verbal no contato entre advent(cid:237)cios e nativos na costa brasileira. Diante da incompreensªo daquela l(cid:237)ngua, tentaram alguns se comunicar em Ærabe. Mas nem uma nem outra foi l(cid:237)ngua franca e tampouco gestos (cid:147)em que a natu- reza foi comum a todas as gentes(cid:148) facilitaram o primeiro encontro entre al(cid:243)ctones e aut(cid:243)ctones naquela terra que, anos mais tarde, jÆ era conhecida pelos europeus por Terra do Brasil. A hist(cid:243)ria afro-brasileira bem poderia iniciar com essa passagem da narrativa de Joªo de Barros. A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel tambØm acusa uma influŒncia da experiŒncia luso- africana nos contatos interculturais naquela terra nova que o escrivªo tomou por uma ilha e o capitªo-mor da frota batizou de Vera Cruz. Nas primeiras dØcadas do sØculo XVI, a experiŒncia dos portugueses na `frica influenciou deveras o contato luso-amer(cid:237)ndio. AliÆs, a experiŒncia insular de Sªo TomØ acabou sendo ampliada pelos portu- gueses no Brasil, onde o projeto colonial ganhou uma dimensªo continental. No entanto, a historiografia brasileira tem dado Œnfase (cid:224) escravidªo africana como fen(cid:244)meno desencadeador desta integra(cid:231)ªo afro-brasileira no mundo atl(cid:226)ntico. O in(cid:237)cio do trÆfico de escravos para a AmØrica portuguesa tem sido, de modo geral, o marco inici- al dos estudos da hist(cid:243)ria afro-brasileira. A hist(cid:243)ria afro-brasileira, obrigat(cid:243)ria nos curr(cid:237)culos escolares desde a aprova(cid:231)ªo da lei no 10.639, de 09 de janeiro de 2003, tem favorecido um estudo da hist(cid:243)ria menos eurocŒntrico e, com isso, Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 27, p.257-285, jul. 2008 Sílvio Marcus de Souza Correa uma abordagem mais prop(cid:237)cia a uma hist(cid:243)ria conectada, atravØs da qual a hist(cid:243)ria do Brasil se insere no (cid:147)Atl(cid:226)ntico Negro(cid:148). PorØm, ela corre o risco de operar uma africaniza(cid:231)ªo in extremis. Refiro-me, evi- dentemente, ao aspecto ideol(cid:243)gico que tem aparecido em alguns livros didÆticos enfatizando as (cid:147)`fricas no Brasil(cid:148) ou o (cid:147)Brasil africano(cid:148). 9 Escusado lembrar que o africanismo no Brasil foi o mote de muitas 5 pesquisas desde os estudos pioneiros de Nina Rodrigues, Manuel 2 Querino e Arthur Ramos.1 Mas africanizar a hist(cid:243)ria brasileira pode conduzir a alguns equ(cid:237)vocos semelhantes (cid:224)queles de outrora quando se tentava europeizÆ-la. O presente artigo visa a apontar para um t(cid:243)pico subjacente na hist(cid:243)ria afro-brasileira. Trata-se do presentismo negro. Assim, mesmo que a tendŒncia predominante na atual hist(cid:243)ria afro-brasileira seja (cid:147)africanizante(cid:148), ela se enquadra num regime de historicidade contempor(cid:226)neo que orienta (cid:224) sua rela(cid:231)ªo com o patrim(cid:244)nio, com a mem(cid:243)ria, com as comemora(cid:231)ıes e com o ensino de hist(cid:243)ria (cid:224) Øpoca atual de globaliza(cid:231)ªo. Do presentismo negro Se a hodierna (cid:147)negritude afro-brasileira(cid:148) tem suas particula- ridades, a negritude dos meados do sØculo XX foi genØrica, fundou um humanismo negro e traduziu (cid:147)um conjunto de valores culturais do mundo negro, os quais se expressam na vida, nas institui(cid:231)ıes e nas obras dos negros(cid:148) (SENGHOR, 1966). A negritude foi impor- tante para a descoloniza(cid:231)ªo da `frica e para muitos nacionalismos africanos. Ela tambØm favoreceu movimentos de resistŒncia cultural dos filhos da (cid:147)diÆspora negra(cid:148) (NASCIMENTO, 2002). AlØm disso, contribuiu sobremaneira para um pan-africanismo que suscitou o diÆlogo entre africanos, afro-europeus e afro-americanos. Dentre outros resultados desse prof(cid:237)cuo diÆlogo, resultou o projeto da UNESCO para a realiza(cid:231)ªo de uma Hist(cid:243)ria Geral da `frica (HGA). Anos 90, Porto Alegre, v. 14, n. 27, p.257-285, jul. 2008 Presentismo negro: um tópico subjacente na história afro-brasileira No bojo do processo de independŒncia e sob a dire(cid:231)ªo geral do histo- riador africano Joseph Ki-Zerbo, formou-se um comitŒ cient(cid:237)fico internacional para a reda(cid:231)ªo da HGA. Desde o projeto da HGA, pode-se perceber uma tendŒncia do presentismo negro na escrita da hist(cid:243)ria africana e afro-ameri- 0 cana. No in(cid:237)cio da dØcada de 70, foram elaboradas as linhas gerais 6 do plano te(cid:243)rico-metodol(cid:243)gico (cid:224) reda(cid:231)ªo da HGA. Nesse per(cid:237)odo, 2 o paradigma da historia magistra vitae nªo era mais preponderante, e houve um distanciamento cr(cid:237)tico do regime moderno de historicidade por parte da maioria dos membros do comitŒ cient(cid:237)- fico internacional da HGA. Em termos historiogrÆficos, logrou-se uma unidade da hist(cid:243)ria africana, na qual um passado e um futuro africanos foram orientados por um presentismo negro que nascia de uma `frica independente. Sob os ausp(cid:237)cios da UNESCO, a HGA inaugurou uma escrita da hist(cid:243)ria afrocŒntrica que enfatizou o patrim(cid:244)nio cultural africano e a mem(cid:243)ria ao valorizar fontes orais em l(cid:237)nguas agrÆficas. Apesar de nªo ser seu objetivo, a HGA acabou presenteando com passado muitas das recØm-formadas na(cid:231)ıes africanas surgidas com o processo de descoloniza(cid:231)ªo. Em rela(cid:231)ªo ao presentismo negro, a hist(cid:243)ria afro-brasileira se vincula com uma hist(cid:243)ria nacional, pois ela Ø uma hist(cid:243)ria oficial desde a lei 10.639/03. Essa nova hist(cid:243)ria oficial valoriza as rela(cid:231)ıes afro-brasileiras, mas apresenta limites (ideol(cid:243)gicos?) ao conectar outras hist(cid:243)rias, especialmente das rela(cid:231)ıes euro-brasileiras e interamericanas na forma(cid:231)ªo do mundo atl(cid:226)ntico. A oficializa(cid:231)ªo da hist(cid:243)ria afro-brasileira Ø um exemplo do presen- tismo no que tange (cid:224) sua (cid:147)dupla d(cid:237)vida(cid:148) (HARTOG, 2003). Trata-se de uma d(cid:237)vida com as gera(cid:231)ıes passadas e com as gera(cid:231)ıes futuras. No bojo de pol(cid:237)ticas pœblicas de a(cid:231)ªo compensat(cid:243)ria para popula(cid:231)ªo afro-descendente, a obrigatoriedade do ensino da hist(cid:243)ria afro-brasi- leira nªo deixa de ser tambØm uma forma de reconhecimento pol(cid:237)tico pelo Estado nacional brasileiro de uma (cid:147)d(cid:237)vida hist(cid:243)rica(cid:148).2 Parado- xalmente, a nova hist(cid:243)ria oficial nªo envereda pelos caminhos de uma hist(cid:243)ria p(cid:243)s-nacional. Isso porque talvez pesquisadores e professores Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 27, p.257-285, jul. 2008 Sílvio Marcus de Souza Correa nªo vislumbrem uma institui(cid:231)ªo supranacional capaz de promover os reparos que eles ensejam. Como se trata do reconhecimento de uma d(cid:237)vida hist(cid:243)rica, a hist(cid:243)ria oficial passa a ser um instrumento para comprovar o carÆter cr(cid:244)nico das desigualdades sociais entre afro-brasileiros e demais brasileiros. Trata-se de uma hist(cid:243)ria oficial com fins de repara(cid:231)ªo. Ao Estado nacional cabe, portanto, promover 1 6 a repara(cid:231)ªo nªo apenas por meio de pol(cid:237)ticas pœblicas (cotas e outros 2 mecanismos de discrimina(cid:231)ªo positiva em prol de grupos histori- camente oprimidos), mas tambØm atravØs da patrimonializa(cid:231)ªo, da mem(cid:243)ria e da comemora(cid:231)ªo. Presentismo negro e patrimonializa(cid:231)ªo Como demonstrou Fran(cid:231)ois Hartog (2003, p. 164), o presentismo contempor(cid:226)neo pode ser percebido atravØs da tr(cid:237)ade patrim(cid:244)nio, mem(cid:243)ria e comemora(cid:231)ªo. No caso do presentismo negro, a patrimonializa(cid:231)ªo de certos territ(cid:243)rios considerados (cid:147)remanescentes de quilombos(cid:148) se inscreve na nova configura(cid:231)ªo do patrim(cid:244)nio, em que mem(cid:243)ria e territ(cid:243)rio operam como vetores das identidades. Os territ(cid:243)rios (cid:147)remanescentes de quilombos(cid:148) sªo assim investidos de significados de resistŒncia e tambØm de liberdade, especialmente para os afro-descendentes do meio urbano. Tal idealiza(cid:231)ªo de (cid:147)liberdade, fraternidade e igualdade(cid:148) foi, inclusive, enfatizada pelo historiador Rufino dos Santos (1985, p. 62-63) ao afirmar que (cid:147)a col(cid:244)nia e o quilombo sªo dois mundos contrastantes(cid:148). A patrimonializa(cid:231)ªo de comunidades (cid:147)remanescentes de quilombos(cid:148) coloca um problema aos historiadores brasileiros recalcitrantes (cid:224) idØia das fronteiras flu(cid:237)das entre passado e presente, hist(cid:243)ria e mem(cid:243)ria.3 Escusado lembrar que a patrimonializa(cid:231)ªo implica escrutar as reminiscŒncias do passado, apontar para um passado que nªo passou, um passado que se refugiou no presente. Segundo o Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, em seu artigo 2”, sªo considerados remanescentes das comunidades Anos 90, Porto Alegre, v. 14, n. 27, p.257-285, jul. 2008 Presentismo negro: um tópico subjacente na história afro-brasileira dos quilombos (cid:147)os grupos Øtnico-raciais, segundo critØrios de auto- atribui(cid:231)ªo, com trajet(cid:243)ria hist(cid:243)rica pr(cid:243)pria, dotados de rela(cid:231)ıes territoriais espec(cid:237)ficas, com presun(cid:231)ªo de ancestralidade negra, rela- cionada com a resistŒncia (cid:224) opressªo hist(cid:243)rica sofrida(cid:148).4 No esteio da patrimonializa(cid:231)ªo, o Programa Brasil Quilombola, 2 do governo federal, visa a garantir a posse da terra e a promover o 6 desenvolvimento sustentÆvel das comunidades remanescentes dos 2 quilombos. Atualmente, processos de regulariza(cid:231)ªo de terras para os remanescentes dos quilombos estªo sendo analisados. A esti- mativa do governo federal Ø de beneficiar 500 comunidades de 300 territ(cid:243)rios. AtØ 2008, pretende-se beneficiar 22.650 fam(cid:237)lias de 969 comunidades quilombolas em todo o territ(cid:243)rio nacional.5 Sendo que 743 comunidades remanescentes dos quilombos jÆ estªo identificadas oficialmente junto (cid:224) FCP. Como jÆ apontou Alecsandro Ratts, as comunidades rema- nescentes de quilombos tŒm trajet(cid:243)rias hist(cid:243)ricas diversas.6 Apesar disso, elas servem para africanizar simultaneamente o passado e o presente. O presentismo negro se historiciza atravØs da patrimo- nializa(cid:231)ªo das comunidades remanescentes de quilombos. Desde a sØrie de artigos, originalmente publicada no DiÆrio da Bahia (1903) e intitulada (cid:147)Tr(cid:243)ia Negra(cid:147), de Nina Rodrigues, o quilombo de Palmares serviu para proje(cid:231)ıes ut(cid:243)picas.7 Como utopia pol(cid:237)tica, ela foi projetada para o passado e para o futuro pela intelectualidade negra brasileira (ANDREWS, 1991, p.145-148). (cid:192) (cid:147)liberdade e ao trabalho em comum(cid:148) do mito quilombola se acrescentou o reconhecimento do outro na utopia pol(cid:237)tica negra dos meados do sØculo XX. Assim, a democracia racial nªo foi apenas defendida por intelectuais brancos como Gilberto Freyre e Arthur Ramos, mas tambØm por intelectuais negros como Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos. AliÆs, este era o nome (democracia racial) de uma rubrica da revista Quilombo, peri(cid:243)dico negro sob a dire(cid:231)ªo de Abdias do Nascimento que teve 10 nœmeros, entre dezem- bro de 1948 a julho de 1950. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 27, p.257-285, jul. 2008 Sílvio Marcus de Souza Correa Atualmente, predomina nas sociedades multiculturais a (cid:147)aco- moda(cid:231)ªo racional(cid:148) (acommodation rationnelle) das diferen(cid:231)as. Nesse sentido, a democracia racial, defendida por intelectuais negros e brancos nos meados do sØculo XX, se arrefeceu e, no seu lugar, se tem um projeto societÆrio multicultural no qual se torna um imperativo o 3 reconhecimento das diferen(cid:231)as. Assim, o mapeamento e a patrimo- 6 nializa(cid:231)ªo das comunidades remanescentes de quilombo sªo formas 2 de espacializar e temporalizar a diferen(cid:231)a. A patrimonializa(cid:231)ªo das comunidades de quilombos foi poss(cid:237)vel ap(cid:243)s o mapeamento do ge(cid:243)grafo baiano Rafael S. A. dos Anjos, que elaborou um mapa preliminar dos remanescentes de quilombos no Brasil para a Funda(cid:231)ªo Cultural Palmares, em 1997. Posteriormente, o seu trabalho de sistematiza(cid:231)ªo e mapeamento dos dados sobre as comunidades remanescentes de antigos quilombos do Pa(cid:237)s foi ampliado com aux(cid:237)lio institucional do Instituto Nacional de Coloniza(cid:231)ªo e Reforma AgrÆria (INCRA) e da Procura- doria-Geral da Repœblica, bem como do Movimento Negro Unifi- cado (MNU), da Comissªo Nacional de Articula(cid:231)ªo dos Quilombos e de outras entidades negras organizadas. O resultado parcial deste trabalho foi publicado em 2000. Trata-se da primeira configura(cid:231)ªo espacial das comunidades rema- nescentes de quilombos no Brasil. Fruto do projeto desenvolvido pelo Departamento de Geografia da Universidade de Bras(cid:237)lia, a car- tografia apresentada por Rafael dos Anjos (2000) identificou mais de 800 s(cid:237)tios, sendo as maiores ocorrŒncias no Nordeste (60%) e no Norte (25%) do Brasil. AlØm de ge(cid:243)grafos, soci(cid:243)logos e historiadores, antrop(cid:243)logos tŒm tido papel decisivo neste processo de patrimonializa(cid:231)ªo dos territ(cid:243)rios (cid:147)remanescentes de quilombos(cid:148). Cabe salientar que, nas œltimas dØcadas, as comunidades negras do interior tŒm estado na mira dos pesquisadores, tal como Cafund(cid:243) em Sªo Paulo. AliÆs, o livro do antrop(cid:243)logo Peter Fry e do ling(cid:252)ista Carlos Vogt (1996) sobre Cafund(cid:243) tem como subt(cid:237)tulo a `frica no Brasil. Recentemente, Anos 90, Porto Alegre, v. 14, n. 27, p.257-285, jul. 2008 Presentismo negro: um tópico subjacente na história afro-brasileira outras publica(cid:231)ıes sobre comunidades (cid:147)remanescentes de quilombos(cid:148) apontam para o descobrimento por historiadores e antrop(cid:243)logos de uma hinterl(cid:226)ndia afro-brasileira, cujo nœmero repertoriado cresceu nos œltimos anos.8 4 6 Presentismo negro, mem(cid:243)ria e comemora(cid:231)ªo 2 AlØm da patrimonializa(cid:231)ªo material, hÆ uma tendŒncia a abar- car o patrim(cid:244)nio imaterial, do qual faz parte a mem(cid:243)ria. Nesse sentido, a funda(cid:231)ªo de alguns memoriais como o Memorial Zumbi (1980) evoca uma mem(cid:243)ria afro-brasileira. Outro exemplo seria a promo(cid:231)ªo pelo MinistØrio da Cultura e Funda(cid:231)ªo Cultural Palmares, do concurso pœblico nacional de Arquitetura e Urbanismo para a constru(cid:231)ªo do Memorial dos Lanceiros Negros, na localidade de Porongos, no munic(cid:237)pio gaœcho de Pinheiro Machado. Curiosamente, o edital do concurso, em suas condi(cid:231)ıes gerais de participa(cid:231)ªo, estava aberto para todos habilitados e em situa(cid:231)ªo regular perante o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA).9 Mas se houve preocupa(cid:231)ªo em impedir a participa(cid:231)ªo de dirigentes e funcionÆrios das entidades promotoras, dos membros do Conselho Diretor da Entidade Organizadora, de profissionais consultores da organiza(cid:231)ªo do concurso, dos membros da Comissªo Deliberativa e da Comissªo Julgadora e de s(cid:243)cios for- mais ou parentes em primeiro grau dos profissionais supracitados, nªo houve nenhuma preocupa(cid:231)ªo em (cid:147)discriminar positivamente(cid:148) os participantes afro-brasileiros. A prop(cid:243)sito, as equipes que con- correram foram majoritariamente compostas por profissionais sem origem afro-brasileira. Ainda sobre o concurso para a constru(cid:231)ªo do memorial dos Lanceiros Negros, cabe a pergunta: o que lembrar? Uma suposta trai(cid:231)ªo de um l(cid:237)der farroupilha? O engajamento de negros no movi- mento de secessªo? Um republicanismo negro? As œltimas publi- ca(cid:231)ıes sobre o caso de Porongos nªo acrescentam absolutamente Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 27, p.257-285, jul. 2008 Sílvio Marcus de Souza Correa nada de novo em termos emp(cid:237)ricos (ASSUMO˙ˆO, 2006; HASSE e KOLLING, 2006). O memorial dos Lanceiros Negros carece de uma referŒncia hist(cid:243)rica mais convincente e menos ideol(cid:243)gica. O memorial Ø um sinal de que a mem(cid:243)ria estÆ dispensando a hist(cid:243)- ria, tal como havia anunciado Maurice Halbwachs (1950). 5 No edital (cid:147)Lanceiros Negros(cid:148) do Concurso Pœblico Nacional 6 de Arquitetura, tanto para o Monumento em Porto Alegre quanto 2 para o Memorial em Porongos, Pinheiro Machado (RS), consta o seguinte: Porongos, s(cid:237)tio hist(cid:243)rico localizado no interior do Munic(cid:237)pio de Pinheiro Machado, um dos mais antigos do Rio Grande do Sul, foi palco no final da Revolu(cid:231)ªo Farroupilha de um dos mais tristes eventos da Hist(cid:243)ria do Rio Grande e do Brasil: o genoc(cid:237)dio dos bravos irmªos negros que lutaram na esperan(cid:231)a da liberdade prometida e que, ao invØs disso, na madrugada de 14 de novembro de 1844 foram barbara- mente massacrados. O projeto Lanceiros Negros tem por objetivo homenagear a estes her(cid:243)is em Porto Alegre e preservar o S(cid:237)tio Hist(cid:243)rico onde tombaram estes an(cid:244)nimos irmªos negros, para que as futuras gera(cid:231)ıes possam livre- mente visitar, reverenciar e organizar os atos, as reflexıes, a(cid:231)ıes e atividades segundo os princ(cid:237)pios fundamentais da organiza(cid:231)ªo do Brasil.10 No referido edital, hÆ um intento de homenagear (cid:147)her(cid:243)is(cid:148), esquecendo que os mesmos fizeram parte, junto com os demais farroupilhas, de uma rebeliªo contra a jovem na(cid:231)ªo brasileira. O memorial visa a lembrar um genoc(cid:237)dio de negros que lutaram pela liberdade, antes mesmo de lograr uma comprova(cid:231)ªo da suposta trai(cid:231)ªo de David Canabarro e, por conseguinte, do massacre cometido pelas tropas legalistas. E sobre a trajet(cid:243)ria dos sobrevi- ventes do suposto massacre? Aqueles que se safaram (da morte, nªo do cativeiro!) nªo deveriam ser tambØm considerados her(cid:243)is? E para tantos outros an(cid:244)nimos, inclusive negros, que morreram defen- dendo Porto Alegre do assalto farroupilha, haverÆ outro memorial? Anos 90, Porto Alegre, v. 14, n. 27, p.257-285, jul. 2008 Presentismo negro: um tópico subjacente na história afro-brasileira O edital exagera tambØm no objetivo do concurso quando denomina os lanceiros negros de mÆrtires.11 Her(cid:243)is e mÆrtires se confundem no edital cujo texto idealiza a figura dos lanceiros negros sem levar em conta as condi(cid:231)ıes da (cid:147)escolha(cid:148) destes escravos para se engajar no movimento farroupilha. Escusado lembrar que 6 muitos negros registrados como (cid:147)voluntÆrios da pÆtria(cid:148) na Guerra 6 do Paraguai foram para o front no lugar dos seus senhores 2 (MOREIRA, 1998). Mas nªo precisa muita imagina(cid:231)ªo hist(cid:243)rica para saber qual seria o destino social destes lanceiros negros. Com ou sem liberdade, muitos deles nªo teriam alternativa, alØm de continuar a servir nas mil(cid:237)cias particulares de um caudilho, republicano ou monarquista, de um lado ou de outro da fronteira sulina. Assim como muitos brancos, ind(cid:237)genas e mulatos livres daquela sociedade militarizada de antªo, os lanceiros negros continuariam, provavelmente, pele- jando por pequenas e/ou grandes causas. Ainda sobre a polŒmica em torno da batalha em Porongos, o Instituto do Patrim(cid:244)nio Hist(cid:243)rico e Art(cid:237)stico Nacional (IPHAN) concluiu recentemente o InventÆrio Nacional de ReferŒncias Cultu- rais Massacre de Porongos (INRC).12 A pesquisa fez parte do proces- so de tombamento do s(cid:237)tio hist(cid:243)rico. A equipe de pesquisadores responsÆvel pelo INRC Massacre de Porongos foi multidisciplinar, composta por ge(cid:243)grafos, antrop(cid:243)logos e historiadores. Segundo reportagem do jornal Extra Classe, (cid:147)a pesquisa ganhou impulso a partir de entidades como os movimentos negros dos munic(cid:237)pios de Porto Alegre, Gua(cid:237)ba (Centro Cultural C(cid:226)ndido Velho) e Pinhei- ro Machado, o Grupo Cultural Ra(cid:237)zes d(cid:146)`frica, de Porto Alegre, alØm de moradores do Cerro de Porongos e do Movimento Tradi- cionalista Gaœcho (MTG).(cid:148)13 Um dos antrop(cid:243)logos da equipe, Carlos Salaini considera que a pesquisa realizada tem relev(cid:226)ncia social porque (cid:147)se originou a partir da reivindica(cid:231)ªo de grupos sociais pelo reconhecimento de seu papel na hist(cid:243)ria local.(cid:148)14 Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 27, p.257-285, jul. 2008

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do presentismo negro na escrita da história africana e afro-ameri- cana. No início da .. Todavia, a americanização dos afro-descendentes não apa-.
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