Sou predestinado ou livre? Se Deus controla tudo, será que as pessoas são realmente livres? Esta pergunta tem perturbado os cristãos há séculos. As respostas abrem-se num leque muito amplo. Até hoje os cristãos discordam entre si. Os que enfatizam o livre-arbítrio humano, vêem aqui um reflexo do poder de Deus, que Ele mesmo autolimitou. Outros consideram o livre-arbítrio no contexto do controle geral exercido por Deus. David e Randall Basinger propuseram esta velha questão a quatro professores no campo da teologia e da filosofia. John Feinberg, da Trinity Evangelical Divinity School, e Norman Geisler, do Dallas Theological Seminary, defendem a soberania específica de Deus. Bruce Reichenbach, do Augsburg College, e Clark Pinnock, do McMaster Divinity College, insistem em que Deus precisa limitar Seu controle, a fim de garantir nosso livre-arbítrio. Cada autor defende sua perspectiva, e aplica sua teoria a dois casos práticos para estudo. Em seguida, os autores fazem réplicas entre si, concernentes aos artigos de cada um, expondo aquilo que julgam ser falácias, erros e presunções. David Basinger é professor assistente de filosofia no Roberts Wesleyan College (E.U.A.). Seu irmão Randall é professor assistente de filosofia no Messiah College (E.U.A.). Mundo EDITORA MUNDO CRISTÃO Cristão Caixa Postal 21.257. 04698 — São Paulo, Est. S.P. Sede: Rua Antonio Carlos Tacconi, 79 Tel.: 520-5011 Título do original em inglês: PREDESTINATION & FREE WILL Copyright © 1986 por Inter-Varsity Christian Fellowship Publicado por InterVarsity Press Downers Grove, Illinois, E.U.A. Tradução: Oswaldo Ramos Capa: Íbis Roxane ls edição brasileira: fevereiro de 1989 23 edição brasileira: agosto de 1996 3"edição brasileira: fevereiro de 2000 Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA EDITORA MUNDO CRISTÃO Caixa Postal 21.257, CEP 04698-970 São Paulo, SP Brasil Impressão e Acabamento OESP GRÁFICA S.A. MAZINHO RODRIGUES Sumário Prefácio à Edição Brasileira 5 INTRODUÇÃO 19 David Basinger e Randall Basinger I. DEUS DECRETA TODAS AS COISAS 31 John Feinberg RÉPLICAS Réplica de Norman Geisler 63 Réplica de Bruce Reichenbach 69 Réplica de Clark Pinnock 77 II. DEUS SABE TODAS AS COISAS 81 Norman Geisler RÉPLICAS Réplica de John Feinberg 109 Réplica de Bruce Reichenbach 115 Réplica de Clark Pinnock 123 III. DEUS LIMITA SEU PODER 127 Bruce Reichenbach RÉPLICAS Réplica de John Feinberg 157 Réplica de Norman Geisler 163 Réplica de Clark Pinnock 169 IV. DEUS LIMITA SEU CONHECIMENTO 173 Clark Pinnock RÉPLICAS Réplica de John Feinberg 199 Réplica de Norman Geisler 207 Réplica de Bruce Reichenbach 213 Colaboradores 216 Prefácio à Edição Brasileira S om os to d o s p redestinados? o u tem o s li- vre-arbítrio? A fornalha da discussão vem sendo alimenta da há séculos, desde Agostinho, cuja perspectiva doutriná ria foi ampliada e enfatizada por João Calvino (1509-1564), para quem a soberania de Deus predeterminou tudo quanto acontece. O arminianismo opõe-se ao calvinismo, enfatizando o livre- arbítrio, a responsabilidade humana quanto à salvação, e negan do que todas as coisas tenham sido predestinadas desde a eterni dade. Raízes do Arminianismo As raízes do arminianismo, dizem alguns teólogos, estão em Pe-^ lágio, que pregava um tipo de auto-salvação, negava que o homem é depravado, e negava que Deus têm algum plano. Jacobus Armj- ' nius (1560-1609), discípulo de Beza (1519-1605), sucessor de Cal vino, dedicoü-se com afinco ao estudo das doutrinas calvinistas, a fim de combater mais eficazmente as idéias pelagianas. Entre tanto, o calvinista Armínio surpreendentemente chegou à conclu 6 PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO são de que o calvinismo estava errado, e passou a defender a po sição que vinha atacando! Em 1610, após a morte de Armínio, seus seguidores produzi ram um memorial constituído de cinco pontos fundamentais — um resumo do arminianismo. Armínio mesmo não deixou um sis tema doutrinário articulado. Segundo alguns, Simon Episcopius (1583-1643) é quem sistematizou o arminianismo. Que É o Calvinismo Calvinismo é o sistema teológico das Igrejas Reformadas, cuja ex pressão doutrinária oficial é a Confissão de Fé de Westminster, redigida por determinação do parlamento inglês. Os trabalhos to maram cinco anos e meio, terminando em 1648, deles participando 120 ministros ou teólogos, 11 “lords”, 20 “comuns” (alguns eram das universidades de Oxford e Cambridge) e 7 delegados da Es cócia. Mas foi o Sínodo de Dort, em Dortrecht, na Holanda, reuni do em 1618-1619, que teve o objetivo precípuo de contra-atacar o arminianismo. Foi ali que surgiram os “cinco pontos do calvinis mo”, em resposta aos cinco pontos do memorial arminiano. Ã or- dem desses pontos difere: no documento de Dort, o ponto núme ro 1 responde ao ponto número 3, do memorial arminiano; o nú mero 2 responde ao número 1; o número 3, ao número 2; o número 4, ao número 4, e o número 5, ao número 5. Memorial Arminiano Eis uma exposição resumida dos cinco pontos do memorial armi niano: 1. O Decreto divino de predestinação é condicional, não absolu- to. Deus escolheu as pessoas para a salvação, antes da fundação do mundo, baseado em Sua presciência. Ele previu quem aceitaria li vremente a salvação, e predestinou os salvos. A salvação ocorre quando o pecador escolhe a Cristo; não é Deus quem escolhe o pe cador. O pecador deve exercer sua própria fé, para crer em Cristo e salvar-se. Os que se perdem, perdem-se por livre escolha: não qui seram crer em Cristo, rejeitaram a graça auxiliadora de Deus. Deut. 30:19; João 5:40; 8:24; Ef. 1:5, 6, 12; 2:10; Tiago 1:14; 1 Ped. 1:2; Apoc. 3:20; 22:17. ií_ 2. A expiação é universal. O sacrifício de Cristo torna possível a toda e qualquer pessoa salvar-se pela fé, mas não assegura a sal PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 7 vação de ninguém. Só os que crêem nEle, e todos quantos crêem, serão salvos. João 3:16; 12:32; 17:21; 1 João 2:2; 1 Cor. 15:22; 1 Tim. 2:3, 4; Heb. 2:9; 2 Ped. 3:9; 1 João 2:2. ò^~- 3. Livre-arbítrio, ou capacidade humana. Embora a queda de Adão tenha afetado seriamente a natureza humana, as pessoas não ficaram num estado de total incapacidade espiritual. Todo peca dor pode arrepender-se e crer, por livre-arbítrio, cujo uso deter minará seu destino eterno. O pecador precisa da ajuda do Espíri to, e só é regenerado depois de crer, porque o exercício da fé é a participação humana no novo nascimento. Is. 55:7; Mat. 25:41,46; Mar. 9:47, 48; Rom. 14:10, 12; 2 Cor. 5:10. 4. O pecador pode eficazmente rejeitar a graça. Deus faz tudo que pode para salvar os pecadores. Estes, porém, sendo livres, podem resistir aos apelos da graça. Se o pecador não reagir positivamente, o Espírito não lhe pode conceder vida. Portanto, a graça de Deus não é infalível nem irresistível. O homem pode frustrar a vonta de de Deus para sua salvação. Luc./18:23; 19:41, 42; Ef. 4:30; 1 Tess. 5:19. , r$> 5. Os crentes — regenerados pelo Espírito — podem cair da gra ça e perder-se eternamente. Embora o pecador tenha exercido fé, crido em Cristo e nascido de novo para crescer na santificação, ele poderá cair da graça. Só quem perse^eraraté o fim é que será sal- vo. Luc. 21:36; Gál. 5:4; Heb. 6:6; 10:26, 27; 2 Ped. 2:20-22. x Cinco Pontos do Calvinismo Eis a resposta calvinista ao memorial arminiano: 1. Total depravação. O homem natural não pode apreciar sequer as coisas de Deus. Menos ainda salvar-se. Ele é cego, surdo, mu do, impotente, leproso espiritual, morto em seu pecado, insensí vel à graça comum. Se Deus não tomar a iniciativa, infundindo- lhe fé salvadora, e fazendo-o ressuscitar espiritualmente, o homem natural continuará morto eternamente. Sal. 51:5; Jer. 13:23; Rom. ,3:10-12; 7:18; 1 Cor. 2:14; Ef. 1:3, 12; Col. 2:11-13. ^**2. Eleição incondicional. Deus elegeu alguns para a salvação em Cristo, reprovando os demais. Deus não tem obrigação de salvar ninguém, nem homens nem anjos decaídos. Resolveu soberana mente salvar alguns homens (reprovando todos os demais) e tor ná-los filhos adotivos quando eram ainda filhos das trevas. Teve misericórdia de algumas criaturas, e deixou as demais (inclusive 8 PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO os demônios) entregues às suas próprias paixões pecaminosas. A salvação é efetuada totalmente por Deus. A fé, como a salvação, é dom de Deus ao homem, não do homem a Deus. Mal. 1:2, 3; João 6:65; 13:18; 15:6; 17:9; At. 13:48; Rom. 8:29, 30-33; 9:16; 11:5-7; Ef. 1:4, 5; 2:8-10; 2 Tess. 2:13; 1 Ped. 2:8, 9; Jud. 1, 4. 3. Expiação limitada, ou particular. Segundo Agostinho, a gra ça de Deus é “suficiente para todos, eficiente para os eleitos”. Cris to foi sacrificado para redimir Seu povo, não para tentar redimi- lo. Ele abriu a porta da salvação para todos, porém, só os eleitos querem entrar, e efetivamente entram. João 17:6, 9,10; At. 20:28; Ef. 5:25; Tito 3:5. 4. Graça irresistível, ou infalível. Embora os homens possam re sistir à graça de Deus, ela é, todavia, infalível: acaba convencen do o pecador de seu estado depravado, convertendo-o, dando-lhe nova vida, e santificando-o. O Espírito Santo realiza isto sem coa ção. É como o rapaz apaixonado que ganha o amor de sua eleita, e ela acaba casando-se com ele, livremente. Deus age e o crente rea ge, livremente. Quem se perde tem consciência de que está livre mente rejeitando a salvação. Alguns escarnecem de Deus, outros se enfurecem, outros adiam a decisão, outros demonstram total indiferença para com as coisas sagradas. Todos, porém, agem li vremente. Jer. 3:3; 5:24; 24:7; Ez. 11:19, 20; 36:26, 27; 1 Cor. 4:7; 2 Cor. 5:17; Ef. 1:19, 20; Col. 2:13; Heb. 12:2. stLS. Perseverança dos salvos. Alguns preferem dizer “perseveran-- ça do Salvador”. Nada há no homem que o habilite a perseverar na obediência e fidelidade ao Senhor. O Espírito é quem perseve- ra pacientemente, exercendo misericórdia e disciplina, na condu ção do crente. Quando ímpio, estava morto em seu pecado, e res suscitou: Cristo lhe aplicou Seu sangue remidor, e a graça salvífi- ca de Deus infundiu-lhe fé para crer em Cristo e obedecer a Deus. Se todo o processo de salvação é obra de Deus, o homem não po de perdê-la! Segundo a Bíblia, é impossível que o crente regene-^ rado venha a perder sua salvação. Poderá pecar e morrer fisica mente (1 Cor. 5:1-5). Os apóstatas nunca nasceram de novo, jamais se converteram. Is. 54:10; João 6:51; Rom. 5:8-10; 8:28, 32, 34-39; 11:29; Fil. 1:6; 2 Tess. 3:3; Heb. 7:25. PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 9 Quadro Sinótico do Memorial Arminiano Vs. Cinco Pontos do Calvinismo (O memorial está na ordem original) Memorial Arminiano Cinco Pontos do Calvinismo 1. Deus predestinou a quem 2. Deus predestinou as pes Ele previu que aceitaria a Cris soas para aceitarem a Cristo. A to. A predestinação de Deus aceitação de Cristo pelo peca depende da aceitação de Cris dor depende da predestinação to pelo pecador, mediante o li- de Deus. A graça infunde fé vre-arbítrio, bastando-lhe crer. salvadora e nova vida, para que o pecador possa crer. 2. A expiação é universal. 3. A expiação é limitada, ou Cristo morreu por todos os ho particular, “suficiente para to mens, salvos e perdidos, mas dos, eficiente para os eleitos”. Seu sangue não assegura a sal Cristo morreu para redimir vação de ninguém, se não hou Sua Igreja. O convite é univer ver aceitação pessoal. sal. A aceitação é limitada. 3. O homem tem livre-arbí- 1. O homem natural está mor trio. É capaz de responder aos to espiritualmente, sendo inca apelos do Espírito. Não é tão paz de voltar-se para Deus. O depravado que não seja capaz pecador só tem livre-arbítrio de decidir livre e consciente para o mal. Não consegue dis mente a aceitação ou a rejeição cernir as coisas de Deus. Se da graça divina. Deus não o ressuscitar, conti nuará morto. 4. O pecador pode rejeitar de 4. A graça de Deus é infalível. finitiva e eficazmente os apelos Embora o pecador possa resis do Espírito, por ser livre. O Es tir o Espírito, entristecê-lo e ex- pírito nada pode fazer se o pe tingui-lO, a obra completa se cador insistir na rejeição da rá feita nos eleitos. Deus rege graça. O pecador pode frustrar nera, santifica e glorifica o os planos de Deus para sua sal crente, sem violentar-lhe a von vação. tade livre. 5. Os crentes regenerados pe 5. Os salvos não perdem a sal lo Espírito não estão livres de vação. A perseverança é do cair da graça e perder-se eter Salvador. Os apóstatas jamais namente. nasceram de novo. 10 PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO Principais Objeções Calvinistas Contra as Doutrinas Arminianas Objeção Calvinista Resposta Arminiana 1. Se o homem é livre para fa 1. O homem tem liberdade de zer o bem ou o mal, como é ação. Mas Deus limita a exten que Deus consegue executar são e as conseqüências das más Seus propósitos, sem violentar ações, entretecendo-as em Seus tal liberdade? Nenhuma profe propósitos eternos. O homem cia deixou de ser cumprida pode fazer a vontade de Deus, porque “os homens não coo ajudado pelo Espírito. Deus peraram”. Deus não está ansio pode levantar homens (por ex.: so, “roendo unhas”, aguardan Faraó, Ciro, Moisés, Paulo) do a decisão do homem, para que farão o que Ele determi correr com um paliativo e re nou, sem violentar-lhes a liber mediar uma traquinagem hu dade. mana. Sal. 33:11; Is. 55:10, 11; Rom. 9:17. 2. Se o homem natural pode - 2. O homem se corrompeu decidir aceitar a Cristo, isto por causa do pecado, mas não significa que ele não é total perdeu sua liberdade de esco mente depravado. Está doente, lha. Deus lhe estende um con mas não morto! Ele seria o au vite para a salvação. A inicia tor de sua própria salvação. Ef. tiva è de Deus, e o convite tam 2:8, 9; Fil. 1:6. bém. A aceitação é do homem. 3. O livre-arbítrio arminiano - 3. Deus não deixa os homens transforma Deus em rei que fazerem o que bem entendem. não reina. Ei-lO impotente, Sendo amor, Deus sofre com a fervendo de ira, ou chorando rejeição humana. Mas abre no de tristeza, diante do compor vas oportunidades de arrepen tamento humano! Alguns ar- dimento. Nero, Napoleão e Hi- minianos chegam a negar que tler fizeram muito mal. Não Deus conhece as ações futuras, todo o mal que intentavam fa livres, dos homens, por serem zer. Até que Deus lhes deu um incertas. Sal. 139; Is. 10:5-7,12, “basta”. 15; At. 4:27, 28. 4. Para que Deus não fosse ar- 4. Algumas pessoas são mais güido de parcialidade e favori- ricas, mais inteligentes, mais;