Humberto Gessinger não me pergunte em que dia eu nasci não me pergunte em que cidade eu nasci o filme favorito, o time do coração o lugar mais esquisito em que escrevi uma canção se tu quiseres saber quem eu sou vem ver com os próprios olhos vem ver a vida como ela é Humberto Gessinger 1ª Edição/2ª Reimpressão 2012 copyright 2009 Humberto Gessinger Editor | Gustavo Guertler Assistente editorial | Aline C. Orso Projeto gráfico | Melissa Mattos Luis Saguar Revisão | Alessandra Rech Karina de Castilhos Lucena Luís Augusto Fischer Capa | Melissa Mattos, sobre foto de Marco de Bari/Editora Abril [2010] © Todos os direitos desta edição reservados à Editora Belas-Letras Ltda. Rua Coronel Camisão, 167 CEP 95020-420 – Caxias do Sul – RS Fone: (54) 3025.3888 www.belasletras.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP) Biblioteca Pública Municipal Dr.Demetrio Niederauer Caxias do Sul, RS G392c Gessinger, Humberto Pra Ser Sincero: 123 Variações Sobre Um Mesmo Tema / Humberto Gessinger. _Caxias do Sul, RS: Belas-Letras, 2010. 304 p. ISBN 978-85-60174-45-4 1. Autobiografia. I. Título 09/34 CDU : 869.0(81)-94 1. Autobiografia 869.0(81)-94 Catalogação na fonte elaborada pela bibliotecária Maria Nair Sodré Monteiro da Cruz CRB 10/904 Humberto Gessinger 123 Letras Luís Augusto Fischer Humberto Gessinger (ao som de baquetas contando o início da canção: 1… 2… 3…) Nasci em Porto Alegre, misturando famílias com origem no interior. Colonos italianos por parte de mãe, colonos alemães por parte de pai. Geral- mente falam dos gaúchos como se fôssemos um povo homogêneo, os branque- los do fim do mapa. Até pode ser assim, visto de longe. Visto de dentro, tudo é maior. Só entre a gringalhada da Serra e a alemoada do Vale já há um abismo de diferenças. Sem falar das outras peças do quebra-cabeça. Não havia nenhum músico na família da minha mãe. Havia músi- ca. Lembro de uma canção que meus tios cantavam quando me colocavam a esmagar uvas com os pés. A tradução poderia ser: Itália tá doente / desen- ganada pelos doutores / para salvar a Itália / tem que cortar a cabeça dos ricos. Não que fosse um pessoal politizado. Só eram sempre contra. E eram muito católicos. Eram muito católicos, também, na família do meu pai. Reza a lenda que todos tocavam algum instrumento. Piano, acordeón, violino, cítara alemã. Dez irmãos, uma pequena orquestra para quando chegasse visita naquelas noi- tes do interior gaúcho. Noites de tempos sem TV. Não cheguei a vê-los tocar. Herdei o acordeón da tia Hildegard. No dia em que ela recebeu o diploma, fechou a tampa e nunca mais tocou. 10 Nasci no dia 24 de dezembro, o que me deixou sem festa de aniversá- rio a vida inteira. A vida inteira estudei numa mesma escola de classe alta. Só porque meu pai trabalhava lá. Ele vivia correndo de colégio em colégio, dando aulas de latim, depois francês, depois português. Enquanto os currículos esco- lares eliminavam idiomas, o professor Huberto corria atrás do leite das crian- ças. Quatro filhos pra criar. Nunca nos faltou nada, material ou espiritual. Minha mãe também lecionava. Eram dela os livros mais bacanas da casa. Grandes, com capa dura e muito mais figuras do que texto. Infeliz- mente, em vez de aprender geografia nesses livros, tomei gosto por gráficos e tabelas. Deve ser o que chamam de efeito colateral. Dona Casilda tem seus mistérios. Um motor que não faz barulho. E anda! Na próxima encarnação, quero ser neto dela. Não tenho nada muito interessante pra contar dos tempos de colégio. Quem não me conhecia me achava antipático. Ninguém me conhecia. Nenhum dos meus colegas frequentava as mesmas ruas, quadras e esquinas que eu. A cidade devia ser bem pequena vista de um avião. Por dentro, era enorme. nossa cidade é muito grande e tão pequena estamos longe demais das capitais 11