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Portugal na Espanha Árabe PDF

596 Pages·2008·11.544 MB·Portuguese
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Ficha Técnica Título original: Portugal na Espanha Árabe Autor: António Borges Coelho Capa: Rui Garrido sobre fotografia de porta almóada da Mesquita de Mértola ISBN: 9789722129039 Editorial Caminho, SA uma editora do grupo Leya Rua Cidade de Córdova, n.º 2 2610-038 Alfragide – Portugal Tel. (+351) 21 427 22 00 Fax. (+351) 21 427 22 01 © Editorial Caminho – 2008 Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor www.caminho.leya.com www.leya.pt António Borges Coelho Portugal na Espanha Árabe ao Cláudio Torres e às arqueólogas e arqueólogos que vêm desentranhando da terra os sinais do tempo muçulmano Escrevi isto como recordação permanente do meu sofrimento. A minha mão perecerá um dia, mas a grandeza ficará. (inscrição árabe na Sé Velha de Coimbra) Calbi aravi [Meu coração é árabe] (Canção popular do século XVI recolhida por Gil Vicente na Comédia de Rubena) Prólogo da 1.ª edição (1971) 1 A generalidade dos portugueses com luzes crê ainda que a civilização árabe peninsular nos tocou apenas na epiderme. Por sua banda, a historiografia reinante passa apressada, deixando-a na penumbra. Incomodidade, ignorância? As próprias páginas de Herculano ficaram esquecidas. Em contrapartida cantavam-se hossanas e louvores ao esplendor da civilização visigótica (!) e romana. Chega-se ao extremo de negar que, do ponto de vista arqueológico, o que nos ficou dos árabes seja relevante. No domínio dos factos, neste país onde os pequenos episódios da história penetram na vida quotidiana — para lá da feição romântica que vinga na análise da sociedade medieval — no domínio dos factos, dizíamos, a ignorância geral é a lei no que se refere à civilização árabe e muçulmana entre nós. Quantos, entre a gente instruída da nossa terra, ignoram que Coimbra, Lisboa, Santarém, Évora, Beja, Alcácer, Mértola, Silves, Faro foram centros notáveis de civilização árabe peninsular e cenário de relevantes acontecimentos políticos. Quem sabe que em algumas destas cidades existiram centros literários e de pensamento? Quantos neste país conhecem o nome de Ibne Bassame de Santarém, fonte histórica e biográfica preciosa do mundo muçulmano? Quem leu os poetas que viveram e amaram neste bocado de torrão peninsular a cujo sol nos aquecemos como eles se aqueceram outrora? Qual dos bejenses saberá que Almutâmide, o célebre rei-poeta de Sevilha, nasceu na sua cidade? Acaso terá Beja um conterrâneo mais ilustre? Quem sabe que Avempace (Ibne Baji), um dos maiores filósofos dos árabes recebe o seu patronímico de Beja, à qual, ao menos pela família, está vinculado? Que dizer dos poetas do Garbe do Andaluz: Ibne Sara de Santarém, Ibne Darrague Alcacetali de Cacela, Ibne Amar de Silves, Ibne Abdune e Ibne Aluaquil de Évora, Ibne Badrune de Silves, Almutâmide de Beja, Silves e Sevilha? Já pensou, leitor — a realidade desvelada por estas palavras cava-se diante de nós como um abismo —, que gerações e gerações dos filhos destas nossas cidades as choraram durante séculos na outra banda do mar? A erosão do tempo corroeu muito do espólio da civilização árabe entre nós, principalmente porque o povoamento dos agregados urbanos fundamentais não sofreu falhas de continuidade: os dominadores não deixaram vazios os lugares dos dominados, coexistiram com eles e usaram, no curso da vida, os materiais que as gerações anteriores carrearam. Mas não nos iludamos. O fatal espírito de cruzada não poupou, durante séculos — os da Reconquista e os posteriores da competição Além-Mar —, muitos vestígios, particularmente os escritos, que se referiam à civilização árabe no Garbe do Andaluz. E o silêncio foi invadindo a velha casa. Sobrevivências deste espírito e por vezes tão-só a simples ignorância de muitos têm atribuído a outras civilizações o que à de língua árabe, com verdade, pertence. Por isso mesmo, quanto ganham em sentido trágico e profético as palavras que o mestre arquiteto ou canteiro árabe deixou gravadas nas pedras junto da axila do transepto da cristã Sé Velha de Coimbra: «Escrevi isto como recordação permanente do meu sofrimento. A minha mão perecerá um dia, mas a grandeza ficará.» 2 Quantas vozes de cativos árabes ou muçulmanos chegam até nós através destas palavras? E quanta grandeza se perdeu afinal escondida numa língua estranha? Ibne Mozaine de Silves escreveu uma História do Andaluz de que nos restam tão-só breves citações. Ibne Bassame de Santarém tem ainda uma parte da sua obra em manuscrito. Das lápides com inscrições árabes, reunidas por Frei Manuel do Cenáculo, restam- nos quatro. Dezenas de mesquitas ou receberam os símbolos cristãos ou desapareceram. Etc., etc. É esta a civilização do silêncio que pretendemos desenterrar agora do esquecimento e fazer ouvir a voz independente e autêntica. Quanto do seu sangue navega nas nossas veias? Quanto do seu erotismo se integrou na nossa mentalidade, herdeiros que somos, por outra banda e em boa parte, das suas técnicas artesanais e dos processos com que até aos nossos dias fomos arroteando os campos e os pomares? A grandeza e o patético deste drama coletivo estão bem vivos no Romanceiro Português e Castelhano, estão bem presentes na alma popular para quem são de mouros todos os mortos ou vestígios do remoto passado. Está nos antípodas das minhas intenções ressuscitar a sediça luta ideológica, política e militar que, durante séculos, opôs muçulmanos e cristãos até porque, mesmo no terreno especificamente ideológico, não faz sentido. Durante séculos e séculos homens mataram e morreram dum e doutro lado da trincheira, empunhando bandeiras ideológicas cujo antagonismo e luta parecem hoje absurdos, mas cujas raízes há que procurar mais no fundo, até porque as armas não impediram as alianças, incluindo as que se consumaram no leito. Durante vários séculos foram cristãos os vencidos. Podeis ouvir a sua intervenção na luta política e social. Quanto simbolismo para o presente nas palavras apaixonadas de Eulógio e de Álvaro de Córdova! Neste volume são muçulmanos e cristãos que falam, ou melhor, são homens cujos interesses e inquietação se expressam na bandeira legal das religiões. E, no fim de contas, eram afinal hispanos, com tudo o que este conceito tem de equívoco, a maior parte dos participantes e atores dos dramas cuja ação se desenvolve nas páginas que se seguem, quer empunhassem bandeiras muçulmanas quer cristãs. Mas, seja como for, acaso não será grato ao nosso coração, ao menos por amor a estas pedras que pisamos, fazer ouvir a voz dos mortos que nos precederam neste chão ou que o foram chorar, por triste vocação antiga, nas terras safras do exílio? O simples senso comum nos esclarece desde logo sobre a importância da civilização árabe no Garbe do Andaluz. Seria impunemente que um aparelho religioso-político-militar, ligado a uma pujante civilização material, nos tenha dominado sem consequências relevantes durante 536 anos? E a estes cinco séculos há que juntar os 250 anos em que viveram como minoria de vencidos até que D. Manuel e os seus sucessores impuseram, não a sua extinção mas a sua integração neste povo a que pertencemos. Há que juntar ainda os séculos, que vão quase até ao presente, de competição militar, ideológica e política nos confins dos continentes africano e asiático. Qual de nós não se sentiu alguma vez, ao estudar a história medieval, uma espécie de cruzado da Reconquista? Os acontecimentos são vistos pelo lado de cá e com os olhos dos ideológicos de cruzada. Quem é esse mouro com o qual, segundo nos deram a entender, só eram possíveis as relações de espada contra alfange? Qual a influência real da civilização árabe no território português, na sua população, na sua cultura? Neste volume reuniram-se textos de geografia económica, de história política e social, mas não só. A força da descrição e o conflito das paixões humanas prendem-nos frequentes vezes nas malhas da arte literária. Leiam-se ao acaso as cenas da conquista, a fuga de Abderramão ibne Moáuia, os massacres de Toledo ou de Córdova, a morte de Abú Sabah, a revolução de Córdova ou os pequenos poemas que incendeiam aqui e ali a narrativa. De quanto sangue se tem alimentado a besta e a flor da nossa civilização. Chega-se a ponto de pensar que afinal o pescoço humano não se fez para sustentar o caroço ou a bandeira humilhada da gravata, mas para cepo onde embeber o gume do alfange. As dificuldades que procurámos vencer foram imensas e longe de nós o pensamento de subestimar a sua gravidade. Assim, uma parte dos textos de autores árabes peninsulares mantém-se ainda em manuscrito, por exemplo, a obra do maior de todos, Ibne Haiáne 3, conhecido apenas na citação de outros autores ou pela tradução de alguns trechos isolados. O santareno Ibne Bassame só neste século conseguiu uma publicação árabe parcial no Cairo, devido aos esforços do grande arabista deste século, Lévi-Provençal. Outra dificuldade — e não das menores — foi a da grafia dos nomes árabes. Qual utilizar: as espanholas, a francesa, a inglesa, a portuguesa de Herculano, a de Frei José de Santo António Moura ou a de David Lopes? Tende-se hoje no Ocidente para uma uniformização da transposição dos carateres árabes. Mas essas normas de uniformização ditas internacionais são depois adaptadas às características das línguas nacionais… Para evitarmos o arbítrio de uma interpretação pessoal, tanto mais grave quanto desconhecemos a língua árabe, optámos pela grafia de David Lopes, o arabista que iniciou entre nós, em bases científicas, o trabalho filológico e histórico das fontes. No campo da bibliografia, porém, mantivemos a escrita dos livros respetivos até para que o leitor possa obter a indispensável identificação das fontes que citamos. Mas — segundo uma atitude que me é grata, a de Leibniz — prefiro enfrentar a escamotear as dificuldades. Tal como o leitor, estou convencido de que teríamos toda a vantagem em que os textos fossem traduzidos da língua original por um arabista de fôlego, David Lopes, por exemplo. Não o fez, porém, apesar de ter falecido em idade avançada. Que fazer então? Continuar de braços cruzados ou pôr à disposição do público uma parte, ao menos, da massa dos documentos já traduzidos pelos melhores especialistas estrangeiros? As perguntas aqui ficam e com o esclarecimento de que todos os textos que selecionámos se baseiam em obras decifradas no manuscrito e traduzidos da língua árabe por arabistas de mérito reconhecido, cujos nomes e obras mencionei em nota a cada texto. Com exceção dos excertos de Edrici e de Arrazí, todos os outros, ao que julgamos, são publicados pela primeira vez em língua portuguesa. Lisboa, 1971 1 A primeira edição distribuiu os textos por quatro volumes, a segunda por dois. A partir da terceira edição, revista, conteve-os num só volume. 2 Leitura de Nikl, in Arabic Inscriptions in Portugal. 3 Maria Jesús Viguera e Federico Coniente, com prefácio de José M. Lacarra, traduziram de Ibu Hayyan, de Córdova, Cronica del Califa Abdarralentau III An Nasir entre los Años 912 y 942 (al-Hugtabis V), Saragoza, Anuba Ediciones, 1981.

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