Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Lessard, Claude Políticas educativas: a aplicação na prática / Claude Lessard, em colaboração com Anylène Carpentier; tradução de Stephania Matousek. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. Título original: Politiques éducatives: la mise em oeuvre Bibliografia ISBN 978-85-326-5367-3 – Edição digital 1. Educação e Estado 2. Educação – Política governamental 3. Escolas – Administração e organização I. Carpentier, Anylène. II. Título. 16-02950 CDD-379 Índices para catálogo sistemático: 1. Políticas educacionais: Educação 379 © Presses Universitaires de France, 2015. Título do original em francês: Politiques éducatives – La mise em oeuvre Direitos de publicação em língua portuguesa – Brasil: 2016, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora. Diretor editorial Frei Antônio Moser Editores Aline dos Santos Carneiro José Maria da Silva Lídio Peretti Marilac Loraine Oleniki Secretário executivo João Batista Kreuch Editoração: Maria da Conceição B. de Sousa Diagramação: Sheilandre Desenv. Gráfico Capa: Sandra Bretz Ilustração de capa: Rising Sun. Paul Klee, 1907. ISBN 978-85-326-5367-3 (Brasil – Edição digital) ISBN 978-2-13-060667-3 (França – Edição impressa) Editado conforme o novo acordo ortográfico. Sumário Observação preliminar Introdução 1 Breve histórico das políticas educativas 2 A aplicação na prática: evolução e interação das grelhas de análise 3 Políticas institucionais baseadas em resultados 4 As tecnologias de mudança: a hibridação do controle e do comprometimento 5 A articulação da pesquisa e da política Conclusão Referências Índice Textos de capa OBSERVAÇÃO PRELIMINAR Este livro é fruto de uma trajetória pessoal de vários anos: após trabalhar sobre a condição dos professores, consciente de que a instituição escolar e a sociedade estão passando por mudanças cujo sentido e impacto não parecem unívocos, dirigi meu olhar para a análise das políticas educativas, permanecendo, ao mesmo tempo, interessado na recepção das mesmas pelos agentes da escola e seus efeitos no trabalho cotidiano deles. Daí o fio condutor do livro, a aplicação na prática: uma escolha de nunca dissociar a análise das políticas e aquelas e aqueles que, à sua maneira e em seu nível, recolocam-nas “em jogo” quando elas batem na porta de suas escolas e classes. O livro germinou ao longo dos últimos seminários sobre políticas educativas que organizei na Universidade de Montreal. Ele deve muito aos estudantes que participaram deles. Esta obra também é fruto de uma colaboração com pessoas a quem eu gostaria de agradecer pela contribuição, em especial A. Carpentier, cuja tese sobre a aplicação na prática de uma reforma do currículo do ensino primário quebequense eu acompanhei e com quem este projeto de escrita foi inicialmente concebido. Ela supervisionou o trabalho de redação de fichas de leitura feitas por L. Gélineau Moretti e também redigiu os primeiros rascunhos dos capítulos 1 e 3. S. Vaillancourt escreveu o capítulo 4 e teceu comentários esclarecedores sobre o capítulo 2. Além disso, D. D’arrisso, É. Dulude, F. Saussez, A. Tehami e F. Vaniscotte deram origem a diálogos estimulantes sobre um ou outro capítulo. Por fim, gostaria de agradecer a P.-D. Desjardins pela revisão do manuscrito e bibliografia. INTRODUÇÃO Este livro parte da constatação de que os estados ocidentais consideram a educação como uma área de grande importância. Prova disto é a grande quantidade de políticas, reformas, planos de ação, mudanças e inovações promulgadas pelos estados há meio século, bem como as verbas atribuídas à educação pública. Quiseram, de maneira explícita, não somente atender a uma forte demanda da sociedade civil, mas também garantir que tal desenvolvimento fosse articulado com imperativos de modernização societal, em um primeiro momento, e de globalização competitiva, em um segundo. Portanto, a área educativa, local, nacional e internacionalizada não é deixada de lado pelo poder público[1], mesmo, como veremos, quando este último promove várias formas de diversificação da proposta educativa. A segunda constatação é que, apesar da vontade de conduzir uma política educativa, a partir dos anos de 1970, uma certa insatisfação quanto à aplicação na prática e os resultados almejados exprime-se tanto entre os decisores quanto no seio da comunidade de pesquisadores, questionando o modo de agir do Estado. A dificuldade tantas vezes observada de aplicar fielmente na prática uma política obriga-nos a olhar de perto o processo por completo, e não somente a elaboração e decisão política. Embora muitas vezes apresente-se como logicamente linear, esse processo mostra-se muito mais complexo na prática, assemelhando- se mais a um emaranhado de lógicas e agentes que constroem juntos uma política que foge parcialmente ao entendimento deles do que à encarnação exemplar de uma resolução de problemas racional. Essa situação problemática deu origem ao que podemos chamar de guinada da aplicação na prática, isto é, a transferência de uma ênfase demasiado exclusiva na elaboração e decisão política para uma maior atenção à sua realização em campo. A partir daí, novos programas de ação e pesquisa surgiram. Este livro aborda essa guinada da aplicação na prática. Ele discute suas principais manifestações: o questionamento das grelhas de análise tradicionais das políticas, a renovação das mesmas e o desenvolvimento de perspectivas inéditas (capítulo 2); de novas políticas educativas que, desejosas de eficácia e eficiência, incorporam teorias de mudança e estratégias de aplicação na prática explícitas (capítulo 3); de novas tecnologias organizacionais e alterações das práticas dos agentes, combinando um controle maior do trabalho e um incentivo ao engajamento autônomo do “profissionalismo” dos agentes (capítulo 4) e de novas relações entre a pesquisa e a ciência, ilustradas pelo movimento da evidence-based policy[2] e do diálogo informado (capítulo 5). Portanto, essa guinada é multidimensional e provoca consequências tanto nas etapas iniciais, isto é, na elaboração e na decisão, quanto nas finais, ou seja, na avaliação dos efeitos. Na realidade, ela fragmenta toda abordagem linear e nos força a analisar os diversos momentos capitais da vida de uma política, bem como as retomadas da própria política. Ao longo das décadas, o campo das políticas educativas tornou-se consideravelmente mais complexo. O poder público não age mais sozinho, mas leva em conta grande quantidade de agentes que enunciam e promovem seus valores e interesses em um contexto plural. Em certo sentido, o poder público agora é múltiplo. Decerto, os estados-nação elaboram e promulgam políticas, mas as instituições regionais e locais, de um lado, e as organizações internacionais, de outro, são cada vez mais agentes de primeiro plano na construção, legitimação e instrumentação das políticas. Diversos agentes da área educativa contribuem também para definir, atualizar e transformar as orientações da educação. Nesse sentido, os agentes, estejam eles em que nível do sistema educativo estiverem, são, em graus variáveis, “autores” de políticas, na medida em que, obrigados a participarem, apropriarem-se delas e aplicá-las na prática, eles procedem às retomadas das mesmas. Essa dinâmica é particularmente forte na educação, onde qualquer aplicação na prática implica uma interpretação e uma tradução. E quem diz tradução diz transformação. Para abordar melhor essa complexidade, este livro tenta realizar uma junção entre a análise das políticas e um conjunto de textos oriundos do campo da gestão da mudança em educação, no intuito de compreender melhor por que é aparentemente tão difícil levar a cabo, por exemplo, um empreendimento de renovação curricular ou de transformação das práticas pedagógicas dos professores. Essa junção tem como efeito que grande parte dos textos discutidos neste livro repercute os diversos terrenos de aplicação na prática das políticas e as preocupações dos professores e das direções que trabalham com elas cotidianamente. Isso porque, repetindo as palavras de Ball (2006), esses agentes constroem uma resposta às políticas que afetam suas profissões. Eles não podem agir como se nenhuma injunção pesasse sobre o trabalho deles; decerto, eles podem e com frequência entram de fato em conflito com essas injunções ou tentam limitar o impacto delas. Isso revela que eles devem construir uma resposta à injunção. Nesse sentido – e utilizando uma noção que discutiremos aqui – a desvinculação das políticas e das práticas é relativa e jamais completa. Tradicionalmente, o campo da análise das políticas educativas foi dominado por uma visão funcionalista e racionalista da atividade do sistema político: esta última era considerada como o produto de um Estado legítimo e seguia um processo linear e lógico que englobava as seguintes etapas: inserção de uma questão ou problema na pauta, elaboração e formulação de uma política específica, decisão, aplicação na prática e avaliação. Nesse contexto, sempre há uma intenção de ação formulada e assumida por um Estado e que se impõe aos outros agentes, reduzidos à posição de executantes, uma vez que a decisão foi tomada pela instituição legítima. Sem ter desaparecido completamente – o Estado continua sendo, para muitos estudiosos, um agente-chave, e esse Estado instaura um programa de ação, por mais ambíguo ou atrapalhado que ele seja –, essa visão foi intensamente criticada (o que discutimos no capítulo 2), e múltiplas perspectivas desenvolveram-se em ambos os lados do Atlântico, no intuito de enriquecer a compreensão das políticas. Assim, perspectivas socioconstrutivistas da ação pública pretendem analisar como agentes diferentes acabam construindo em conjunto e trabalhando ao longo de sua trajetória de vida com uma ação pública que, de diferentes maneiras, é dita ao mesmo tempo em que é feita. Essas novas perspectivas recusam o esquema linear, por julgá-lo demasiado simplista. No mesmo sentido, outras perspectivas – por exemplo, a da vinculação (loose coupling) (WEICK, 1976) e do fazer sentido de Weick (2001) – recusam-se a enxergar a aplicação na prática como uma simples etapa de execução, como se os agentes não pudessem interpretar, interferir, modificar e mesmo transformar o que a política deve exigir deles (cf. tb. GAMORAN & DREEBEN, 1986). Aqui, as visões tradicionalmente top down[3] dos gestionários da mudança deslocam-se para a análise das múltiplas mediações e hibridações que constituem a vida real das políticas. Por isso, a ênfase dada ao trabalho feito por agentes que estão às voltas com determinadas políticas destaca o papel das estruturas cognitivas à disposição deles (COBURN, 2001). Os agentes não têm somente interesses: eles também têm visões de mundo, maneiras de perceber, analisar e fazer sentido com relação ao que os cerca e busca recrutá-los. Tais abordagens cognitivas, que o neoinstitucionalismo principalmente incorporou, bem como a sociologia da ação pública europeia, também mostram que as políticas alicerçam-se em esquemas cognitivos, ideias e visões de mundo, que alguns associam a paradigmas ou referenciais. Por fim, quanto mais nós nos distanciamos de uma perspectiva funcionalista, mais a relação que o pesquisador estabelece com o seu objeto de estudo modifica-se: o funcionalismo contenta-se muito bem com o pesquisador especialista e consultante da instituição política, produzindo um saber que ele próprio traduz ou