João Cabral de Melo Neto 1 9 9 4 COLEÇÃO >POETAS MODERNOS DO BRASIL/1 Orientação e coordenação de Affonso Ávila BENEDITO NUNES ir • 7/JOAO CABRAL A DE MELO NETO I R Á T I S R NOTA BIOGRAFICA E V INTRODUÇÃO CRÍTICA NI = u:i g=> ANTOLOGIA miS} U Z-aO--,J Uh*i BIBLIOGRAFIA ,< A -■* •iT1»1 C -00 UJ 2^ Edição OTE -;©O.J gOLU LI UL B z Di o< o '< 1 Z : VOZES 1974 £. 31*96 © 1971, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 Petrópolis, RJ, Brasil BL-00 Cl 3823-7 SUMÁRIO NOTA BIOGRÁFICA 7 INTRODUÇÃO CRITICA 23 I. Época, Geração e Trajetória 25 * 3II5. A Crise Interna s 1. O Poeta dormindo 35 2. A Nuvem e o Sonho do Engenheiro 39 3. O Fracasso de Anfion 46 M. A Poética negativa 51 5. A Desagregação da Metáfora 56 III. A Experiência de Construção 65 1. O Cão sem Pluma 65 2. Duas Âguas 71 3. O Ri7o5 (1953) *4. Morte e Vida Severina 82 5. Paisagens com Figuras 89 5 6. Uma Faca só Lâmina 97 7. Dois Parlamentos 105 10. Serial 119 ll:1' A Educação pela Pedra 130 ' IV. A Máquina do Poema 138 l.*A Psicologia da Composição 138 2. A Lógica da Composição 142 *3. Ruptura com o Lirismo -152 4. Miró, Cabral e Ponge 157 Linguagem, Percepção, Comunicação 161 6. O «Inconformismo Conformista» 166 ANTOLOGIA 173 BIBLIOGRAFIA 203 NOTA BIOGRÁFICA João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife, à Rua da Ja- queira, de Sant'Ana de Dentro, a 9 de Janeiro de 1920. Sua primeira infância passou-a quase tôda nos engenhos, prin cipalmente em São Lourenço da Mata, no Engenho Poço do Aleixo, várzeas do Tapacurá, afluente do Capibaribe, e nos engenhos Pacoval e Dois Irmãos, no município do Moreno. O Capibaribe, que o menino João Cabral encontrava na Zo na da Mata, reaparecia diante dêle, no Recife, através das janelas do casarão do avô materno, um Carneiro Leão, fa mília pernambucana das mais antigas. E' filho de Luiz Ca bral de Melo e de D. Carmen Carneiro Leão. Em São Lourenço da Mata, a terra é «branda e macia». Sem as asperezas da caatinga e a secura do sertão, pin ta-se com os tons de verde da fôlha de cana. Ali o reti rante pode interromper sua caminhada, paralela à do rio maior, em demanda da capital, e tomar-se a vida tôda cassaco ou trabalhador de enxada nos canaviais, que se estendem a perder de vista. Foi essa a primeira paisagem familiar ao menino precoce, que cedo aprendeu a ler, re 9 citando, para os cassacos reunidos ao fim da jornada de tra balho, os romances de cordel por êles comprados nas fei ras. A outra paisagem, da cidade grande, associou-se de certo, na sua memória, à presença do Capibaribe, que êle aprendeu a sentir, tanto como a luz que cai sôbre o Recife, acompanhando o mar. Numa das raras passagens autobio gráficas de sua obra, João Cabral deixa-se ver nessa idade, ao longo do curso do Capibaribe, que reflete a sua ima gem de então: «Um velho cais roído/e uma fila de oitizei- ros/há na curva mais lenta/do caminho pela Jaqueira,/on de (não mais está)/um menino bastante guenzo/de tarde olhava o rio/como se filme de cinema;/via-me, rio, passar/ com meu variado cortejo/de coisas vivas, mortas,/coisas de lixo e de despejo;/viu o mesmo boi morto/que Manuel viu nu ma cheia,/viu ilhas navegando,/arrancadas das ribanceiras.^ 1 Êsse Manuel era um primo por parte de pai, Manuel Bandei ra chamado, que já em 1930, quando o Poço do Aleixo foi vendido, e João Cabral andava pelos dez anos, havia escri to, entre outras poesias, uns versos sôbre o Recife,’ onde nas cera e de onde muito cedo saíra. Vieram os anos ingratos de estudo nos dois colégios maris- tas (de Ponte do Uchoa e da Rua Conde da Boa Vista) que freqüentou, apenas amenizados pelo enorme prazer que en contrava na leitura de qualquer livro, sem exceção dos en fadonhos compêndios escolares, tão apreciados quanto os ro mances de cordel. O único sério concorrente à paixão da lei tura foi o futebol. Na posição de centromédio, jogando pe lo América e pelo Santa Cruz Futebol Clube, João Cabral conquistou o campeonato juvenil no Recife. Mas a experiên- 1 O Rio (trecho de Apipucos à Madalena). * «Evocação do Recife», 1925. 10 cia de craque só uma vez passaria ao seus primeiros ver sos. De uma maneira impessoal, a recordação da bola de futebol, correndo no campo, transferiu-se a Newton Cardo so, seu companheiro de time: «.../ Depois saías/no seu encalço/como lembrança/que se persegue./Depois saltavas/ para alcançá-la/como a uma fruta/alta num galho./Eu me orgulhava/de ser teu amigo/como em menino/tanto invejei/ tuas mãos lavadas,/como ainda hoje/teu natural/em amaf o sol./»3 Saindo dos Maristas, terminou para João Cabral a fase dos estudos obrigatórios. Está êle com quinze anos de idade, e a sua saúde, desde então precária, não lhe permitirá nem que continue a jogar futebol nem que se prepare para a corrida ao título de doutor. Por volta dos dezoito anos, cai- lhe nas mãos, numa antologia, o poema «Não sei dançar» de Manuel Bandeira. O jovem, versado nos compêndios e ro mances de cordel, que até então e a contragosto só conhe cia as peças de Olavo Bilac e Alberto de Oliveira, obriga tórias nas antologias escolares, recebeu dos versos do famo so primo o impacto que o despertou para a poesia. «Tudo então», disse êle, «me pareceu diferente. Comecei a me in teressar por poesia. Aquilo era outra coisa». * Mas êsse interesse pela poesia não levou João Cabral, desde logo, como efeito compulsivo de uma vocação recém-desco- berta, ao embalo dos primeiros versos. O que inicialmente o seduziu, no território que começava a divisar, foi o papel de crítico. A indagação sôbre o fazer criativo, a compreen são da poesia realizada, lhe parecem tão ou mais importan * «A Newton Cardoso», O Engenheiro. 4 Entrevista com Vinícius de Morais {«Um poeta ganha 100 mil cru zeiros»), «Manchete», 27 de junho de 1953. 11