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Platão e o Orfismo PDF

279 Pages·1998·63.78 MB·Portuguese
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C~o,l.e,ç:;ã o Platão e o orfismo ~ . ) ( ' As origens do pensamento ocidental Diálogos entre religião Direção Gabriele Cornelli e filosofia Conselho Editorial: André Leonardo Chevitarese Delfim Leão Fernando Santoro f A coleçfo Archai é espelho do trabalho do grupo Archai: as origens do pen samento ocidenral, agora promovido a Cátedra UNESCO Archai. Há qua se dez anos, desde 2001, o grupo Archai - desde 2011 Cátedra UNES CO Archai - pro1nove investigações, organi1.,a seminários e publicações (entre eles a revista Archai) com o intuito de estabelecer uma metodologia de trabaJho e de constituir um espaço interdisciplinar de reAexão filos6fic.1 sobre as origens do pcnsamcnro ocidental. A presente coleção - parte do selo ed.irorial Annablume Clássica - quer contribuir para a divulgação no Brasil de produções editoriais que busquem compreender, a partir de uma perspecriva culrural mais ampla, nossas origens. Nesse sentido, visando uma apreensão rigorosa do processo de formação da filosofia, e, de modo mais amplo, do pensamento ocidental, as ALBERTO B E RNABÉ obras que aqui são apresenrndas procuram confrontar uma tradição excessiva mente presentista de contar a história do processo de formação da cultura oci dental. Noradamentc daquela que pensa a filosofia como um saber "estanque", independente das condições de possibilidade históricas que permitiram a aparição desse tipo de discurso. Enraizando o "nascimento da filosofia" na cultura antiga, contrapondo-se às _lições de uma hisroriogra.fia filosófica racionalista que, ana cronicamcntc, projeta sobre o contexto grego valores e procedimentos de uma razfio instrumental estranha às nu'ilriplas formas do logos antigo, a coleção Archai Tradução para o português de pretende contribuir para o l:mçamcnro de um olhar novo sobre os primórdios do DENNYS GARCIA XAVIER pensamenro ocidental, em busca de novos caminhos hermenêmicos de nossas identidades intelectuais, éticas, artísticas e culturais. Conheça os títulos desta coleção no final do livro. (cid:127) li Universidade de Brasma ~-;:,-RO_ ... _..__.... ...... do,.~~ •e :::.:.,!~ /\N~UME , CLÁSS I CA SUMÁRIO INTRODUÇÃO: "PLATÃO IMITA ORFEU" 15 PRIMEIRA PARTE: PLATÃO SE REFERE A ORFEU E A SEUS SEGUIDORES 31 1. REFERJl.NCLAS DE PLATÃO A ORFEU 33 l. 1. A LlNHAGEM DE ORFEU 33 1.2. ORFEU, POETA, PROFETA E MÚSICO MARAVILHOSO 37 1.3. ORFEU, DESCOBRIDOR 42 1.4. OIU'EU DESCE AOS INFERNOS 43 1.5. A MORTE DE ORFEU 49 1.6. REl:'ERf.NCLAS A OBRAS OE ORFEU 52 1.7. UM ALTER EGO, MUSEU 58 1.8. PL.A:l'ÃO FAZ REFERf.NCLA A OBRAS DE ORFEU 60 1.9. CONCLUSÕES SOBRE AS REFERJl.NCLAS PLATÓNICAS A ORFEU 70 2. REFERf.NCIAS DE PLATÃO A SEGUIDORES DE ORFEU 2.1. DIVERSAS FORMAS DE SEGUIR ORFEU 79 2.2. SEGUIDORES PO~TICOS DE ORFEU 80 2.3. A "VIDA ÓRFICA" 82 7.2. O CORPO COMO SEPULTURA DA ALMA 189 2.4. PROFISSIONAIS DAS TELETAJ, MENDIGOS, 7.3. O CORPO COMO "SINAL" OU "MANIFESTAÇÃO" ADIVINHOS, MAGOS E CHARLATÕES 85 DA ALMA 196 2.5. INTr-RPRETES DA PALAVRA ÓRFICA 106 7.4. SOBRE O VALOR DE 8fo8m 199 2.6. UM "CATÁLOGO" DE SEGUIDORES DE ORFEU 116 7.5. DE QUEM É A ETIMOLOGIA DE awµa 2.7. CONCLUSÕES SOBRE AS REFE~NCIAS A PARTIR DE CTWL(w? 200 PLAJ"ÔNICAS A SEGUIDORES DE ORFF.U 119 7.6. UM PARALELO: INTERPRETAÇÃO DE UM TEXTO HESIÓDICO 203 SEGUNDA PARTE: ECOS DAS DOTRJNAS ÓRFICAS F.M PLATÃO 121 7.7. A QUEM "ALGUNS" SE REFEllE? 206 3. QUESTÕES DE MÉTODO 123 7.8. O CORPO-CÁRCERE E A AI.MA SOB CUSTÓDIA213 3. 1 . ORDENAÇÃO DO MATERIAL 123 7.9. O CASTIGO DA ALMA 223 3.2. UMA BUSCA EM DUAS DIREÇÕES 127 7.10. CONCLUSÕES 225 4. MITOS COSMOGÔNICOS E TEOGÔNICOS 129 8. O MITO DE DIONISO E OS TITÃS 231 4.1. UM COMEÇO 129 8. [. A "NATUllEZA TITÂNICA" 231 4.2. PRIME.IRAS GERAÇÕES DE DEUSES 133 8.2. O MITO ÓRFICO DE DlONISO F. OS TITÃS 234 4.3. GEOGRAFIA INFERNAL 143 8.3. DÚVIDAS SOBllE A ALUSÃO AO MITO ÓRFICO 4.4. llEFERflNCIAS DUVIDOSAS 146 EM PLATÃO 236 4.5. BALANÇO SOBRE OS MITOS COSMOGÔNICOS 8.4. OUTRA PASSAGEM DAS LEIS 238 E TEOGÔNICOS 148 8.5. OUTROS TEXTOS PLATÓNICOS COERENTES COM NOSSA INTERPRETAÇÃO 242 5. MODELOS DO COSMOS 151 8.6. BALANÇO 245 6. A IMORTALIDADE DA AUvlA E A TRANSMIGRAÇÃO 155 6.1. IMORTAi.iDADE E TRANSMIGRAÇÃO DA ALMA J 55 9. VISÕES DO ALÉM: PR.ÊMIOS E CASTIGOS DA ALMA 247 9.1. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA 247 6.2. UMA IDÍ"A ESTRANl-lA PARA OS GREGOS 170 9.2. o IMAGINÁRIO ui.:n~UNDANO NO GÓRGIAS250 6.3. ÓRFICOS F. PITAGÓRICOS 172 6.4. A HIERARQUIA DAS llEENCARNAÇÔES 174 9.3. O ALÉM NO FÉDON 260 6.5. O LONGO PERíODO ATÉ A LLBERTAÇÃO 177 9.4. ESCATOLOGIA NA REPÚBLICA 275 9.5. A ESCATOLOGIA DO AXÍOCO 284 6.6. A NORMA DIVINA QUE PRESIDE A REENCARNAÇÃO 180 6. 7. CONCLUSÕES 1 81 9.6. RECAPITULAR E COMPARAR 292 7. ALMA E CORPO: awµa-a~µa 185 10. JUSTIÇA E RETRIBUIÇÃO 301 7.1. UMA DISCUSSÃO ETIMOLÓGICA 185 l 0.1. l'REPAI~ÇÃO 3·01 UFRJ INSTITUTO 01 flLOSí'!'"lt' 1 CIENC;'f~_Si>OCJAII 10.2. UMA PASSAGEM DAS LEIS 302 TERCEIRA PARTE: A TRANSPOSIÇÃO PLATÓNICA 365 13. MÉTODOS DA TRANSPOSIÇÃO PLATÓNICA 367 10.3. PUREZA E JUSTIÇA 307 l 0.4. IDEIAS ASSOCIADAS: CASTIGO E COMPENSAÇÃ0310 13.1. A TRANSPOSIÇÃO 367 10.5. ALUSÕES CÓMICAS A PR.ÊMIOS E CASTIGOS 13.2. A MANEIRA DE APRESENTAR A CITAÇÃO 368 NO ALÉM 314 13.3. OMISSÃO 370 10.6. JUSTIÇA NA TCONOGRAFIA APULIA 320 13.4. ADIÇÃO 372 10.7. CONCLUSÃO 323 13.5. MODIFICAÇÃO 374 13.6. RECONTEXTUALIZAÇÃO 375 11. A IMAGEM DE ZEUS 325 13.7. INTERPRETAÇÃO DE ENIGMAS 376 1 1. 1. O ZEUS DAS LEIS 325 13.8. ETIMOLOGIA 380 11.2. APERFEIÇOAMENTO DA FIGURA DE ZEUS 13.9. MITOLOGIA 385 E DOS DEUSES 327 13.10. BALANÇO 386 11.3. A ELABORAÇÃO PLATÔNlCA 330 ] 2. RITOS ÓRFICOS E INICIAÇÃO FILOSÓFICA 333 QUARTA PARTE: SÍNTESE c,ld' 389 12. 1. ATlTUDE PLATÓNICA DIANTE 14. ATlTUDES DE PLATÃO FRENTE@ ORFISMO 391 DOS RITOS ÓRHCOS 333 14.1. INTRODUÇÃO 391 12.2. REFERÊNCIAS A RITOS E UTERAfURA 14.2. O PERSONAGEM DE ORFEU 392 IUTUAL ÓRFJCA 334 14.3. SEGUIDORES DE ORFEU 394 12.3. INICIAÇÃO 338 14.4. A LITERATURA ÓRHCA 397 12.4. PURJFICAÇÃO 340 14.5. CONTEÚDOS DA DOUTRINA ÓRFICA: 12.5. UBERTAÇÃO 341 VISÃO GERAL 398 12.6. MÚSICA E DANÇA 343 14.6. RECEPÇÃO DO ORFJSMO ANTES DE PLAfÃO 403 12.7. "JoGos'.' 347 14.7. O ORFISMO EM PÍNDARO 405 12.8. ENTRONIZAÇÃO 348 14.8. EMPÉDOCLES 407 12.9. MAGIA 349 14.9. EURfPIOES 408 12.10. ADIVINHAÇÃO 351 14.10. RECEPÇÃO PLATÔNlCA DA LITERATURA 12.11. MISTAS E BACOS 352 E DAS DOUTRINAS ÓRFICAS 409 12.12. UMA ATlTUDE DEPRECIATIVA E UMA 14.11. LITERATURA TEOGÓNICA E COSMOLÓGICA 410 POSSIBILIDADE DE AVALIAÇÃO POSITIVA 356 14.12. Kmá.~cxaLç E LEQoi.AóyOL 411 12.13. TRANSPOSIÇÃO l'LATÔNICA 14.13. LITERATURA IUTUAL; ENSALMOS 411 DE MODELOS ÓRFICOS 360 14.14. 412 INTRODUÇÃO LITERATURA EXEGJ!:rtCA l 4.15. 413 TEORIAS SOBRE A AI.MA 14. J 6. DEPOIS DE PLATÃO 414 "PLATÃO IMITA ORFEU" 14.17. CONCLUSÃO 415 APtND!Ct:: TEXTOS E TRADUÇÕES 417 BIBLIOGRAFIA 515 ÍNDICE DE PASSAGENS CITADAS 549 E Platão imita Orfeu em todas as parte.,·1 • A&ase de Olimpicxloro que nos serve de froncispício re vela que o filósofo neoplatônico do VI d.C. esta va convencido de que Platão praticava com o orfismo uma imitação, que naturalmente não entenderemos como uma paródia burlesca, mas como uma forma de alusão, com certas alterações e com uma intenç:ío determinada, a conteúdos próprios da religião e da literatura órficas, conhecidos como tais por quem os ouvia ou lia. Insiste, além disso, que tal proceder afeta toda a sµa obra. Situei a frase como ponto de partida desta indagação porque, em grande medida, é disso l. Olympiod. in J'L. l'hned. 10.3 (141 Wesrerink = OF338 ll). Re pete quase que lice.-almcntc a frase cm 7. 10 (I 15 Wesrcrink = OF 576 Til). que se trata: de determinar em que consiste tal "imi Mais ainda, mesmo que todos os que se referem a tação" e de ver se o seu alcance é tão grande como esta questão pareçam ter ideias claras sobre ela, a lei pretendia Olimpiodoro quando considerava que se tura aleatória de apenas dois ou três trabalhos sobre o encontra "em todas as partes". tema nos mostraria profundas divergências, e não ape A questão não é ociosa. Em primeiro lugar, porque nas nos detalhes, que existem entre os numerosos qua parece fora de discussão que as referências de Platão dros do Orfismo, cada um deles supostamente claro, são imprescindíveis para a reconstrução da literatura e reconstruídos por diferentes comentadores. Para uns, da religião órficas na época clássica, motivo pelo qual os vestígios do orfismo na filosofia platônica são muito é preciso avaliar em que medida podemos confiar em profundos, para outros, ao contrário, a influência ór seu testemunho. Em segundo lugar, porque se dá o fica em nosso filósofo diminui até quase desaparecer. paradoxo de que, não obstante o inAuxo órfico sobre Uma demonstração recente do extremo de tais ten Platão ser algo dado por certo2, são raros os casos em dências é um livro editado por Partenie (2009), cujos que o tema foi especificamente tratado. Um primeiro autores, em mais de 250 páginas dedicadas aos mitos balanço da questão foi feito por Weber, no fim do sé de Platão, se calam cuidadosamente sobre qualquer culo XIX, em um trabalho de pouco mais de quarenta conexão entre eles e os mistérios, como se fossem uma páginas, limitado às notícias sobre Orfeu e as referên criação ex novo ou como se as alusões aos paralelos ór cias explícitas sobre a sua obra3• Não seria necessário ficos contaminassem a impoluta imagem do filósofo. dizer que tal balanço ficou sumamente datado, o que Poscuras tão extremas na interpretação não são não impediu que, no interior da imensa bibliografia estranhas aos que se interessam pelo orfismo. É so platônica, sigam sendo pouquíssimos os trabalhos de bremaneira sabido que os estudiosos deste capítulo da dicados especificamente a valorizar o influxo órfico história religiosa e literária dos gregos passaram por sobre Platão'. profundas idas e vindas interpretativas, desde a "moda órficà' que caracterizou o século XIX e o começo do XX5, passando pela crítica que fez Wilamowitz ao in- 2. Cf., entre outros muitos exemplos que se poderiam apresentar, Robin 1923, 220; Rohde 1907, prwirn; Fríedlander 1928-1930, cap. 111; Gernet-Boulanger 1932, 387-389; Guthrie 1952, 238- 244. do Fédon, e Edmonds 2004, que se circunscreve ao rema da via gem da alma para o Além, também no Fédon, e que, ademais, não 3. Weber 1899. 4. Podem ser citados: 13oyancé 1942; Masaracchía 1993; Casadesüs crê que exista um inHuxo órfico sobre o filósofo. Cf., sobre este 1995; 2008; além de Cornford 1903, limitado a questões muito último, 13ernabé 2006a. concretas e muito discutível em diversos aspectos; Kingslcy 1995, 5. O interesse pelo orfismo parte do livro seminal de Lobeck l 829, cap. 10 "Plato and Orphcus", 1 l2-132, que se restringe ao mito seguido por trabalhos como Harrison 1903; Rohde 1907 ou 16 17 controlado "pan-orfismo"6 que levou às atitudes de publicação e maior difusão. Elas têm graffiti que, não saforadamente céticas dos anos centrais do séc. XX, obstante sua brevidade, documentam crenças de um até chegar à recuperação do interesse pela questão nos grupo de fiéis de Dioniso que se autodenominavam últimos anos, provocado sobretudo pela descoberta órficos e postulavam uma existência post-mortem8• de alguns novos testemunhos de importância capital, O Papiro de Derveni foi encontrado em 19 62 como as lâminas de osso de Ólbia, o Papiro de Derveni na localidade de mesmo nome, a aproximadamente e várias pequenas lâminas de ouro7 Dado que farei 12 km ao noroeste de Salônica, entre os restos de uma • referência a eles reiteradas vezes ao longo deste livro, cremação na assim denominada tumba A. Data-se do vale a pena dizer algumas palavras sobre cada um des IV a.C. e traz referências a determinados ritos iniciáti ses documentos. cos em suas primeiras sete colunas e na XX, enquanto As lâminas de osso de Ólbia são três pequenas que as outras se dedicam a um extenso comentário peças (a maior 5,lx4,lx0,2 cm), datadas do século exegético de uma teogonia em verso atribuída a Orferu V a.C., e encontradas em 1951 em Ólbia, antiga co (e que deve datar-se antes do V a.C.) realizado sobre lônia de Mileto, fundada por volta do VII a.C. e situ tudo de um ponto de vista físico e filosófico. O autor ada na margem ocidental do Dnieper, perto de onde do comentário é desconhecido, no entanto, parece desemboca no Mar Negro, também conhecida pelo conhecer as teorias dos pré-socráticos e propõe ideias nome de Borístenes. Não foram publicadas até 1978 e que em seguiº d a encontraremos nos est ó.1 cos9 . o conhecimento sobre elas não se generalizou até que As pequenas lâminas de ouro foram encontradas voltaram a ser editadas, dois anos mais tarde, em uma em tumbas de diversos lugares, especialmente a Mag na Grécia, Tessália e Creta. Algumas eram conhecidas desde muito, porém outras, como a de Hipônio, apa receram nos anos sessenta do século passado, e outras Dieterich 1913, até chegar no livro sobre Orfeu, de Kern 1920 e à edição fundamental dos fragmentos órficos do mesmo autor (Kcrn 1922), ainda que o representante extremo de ral visão tenha sido Macchioro 1922 e 1930. Mantiveram posturas mais brandas Nilsson 1935; Guthrie 1952, Ziegler 1939 e 1942, assim como 8. Sobre as lâminas de Ólbia, cf. Wesr 1982; Zhmud 1992; Dubois 13ianchi 1974. 1996; .Bernabé 2008a, onde há uma bibliografia suplementar. Cf. 6. Especialmente Wilamowitz-Moellendorff 1931-1932, seguido [T 33c yT 33dJ. por Linforch 1941; Dodds 1951; Moulinier 1955 ou Zunrz 1971. 9. Da imensa bibliografia dedicada ao Papiro de Derveni, destacaria: 7. Não considero pertinente estabelecer aqui um estado da questão Casadcsi'.,s 1995a; Laks-Mosr 1997; Janko 2002; Jourdan 2003; sobre os estudos acerca do orfismo nos ülcimos anos. A este pro Betegh 2004; Burkerr 2005; Kouremenos-Parássoglou-Tsanrsa pósito, podem ser consultadas as resenhas bibliográficas de Berna noglou 2006; 13ernabé 2007 d; Casadesüs 2008c. Cf. [T 10 a, T bé 1992 e de Sancamaría 2003. 1 lg,T 13c,T 13d,T 13c,T IScl. 18 19 ainda mais tarde. As pequenas lâminas trouxeram no uma ideia mais matizada da situação do orfismo na vos materiais interessantes sobre um grupo de crentes época do filósofo, para cada um dos aspectos tratados, que consideramos órficos e que acreditavam poder avaliar o inAuxo que a literatura, a prática ritual e o encontrar no Além um tratamento preferencial, se imaginário órficos puderam exercer sobre Platão. Para demonstrassem conhecer determinadas contra-senhas isto, trata-se de bom ponto de partida o fecundo con que deveriam dizer, diante de guardiões e diante da ceito de "transposição", sugerido há muito por Dies1 :i própria Perséfone'º. para definir o modo segundo o qual Platão altera os es Em tais circunstâncias, pode resultar não apenas quemas herdados para adaptá-los à sua própria doutrina. útil, mas até mesmo indispensável reexaminar as fon As dificuldades deste trabalho são, sem dúvida, tes antigas e tomar em consideração as novas, que nos consideráveis. Não é inútil aludir às mais importantes. permitem chegar ao conhecimento deste complexo movimento religioso, com a ideia de que uma análise 1. Não são muitos os testemunhos significativos do sem parti pris permitirá chegar a algumas conclusões orfismo, na época clássica, que possamos cotejar valiosas11 Dois serão, portanto, os objetivos funda com os de Platão, para ter elementos de juízo ou • mentais deste livro12: de um lado, examinar os teste de referência no momento de valorá-los. munhos platônicos sobre o conjunto de mitos, obras 2. Não colaboram muito com os nossos propósitos literárias e rituais que os gregos relacionavam com Or os hábitos de Piarão ao citar outros autores. O feu e com seus seguidores, cotejando-os, para avaliar filósofo não apenas não é preciso ao fazê-lo, mas em que medida podemos confiar neles, com outros chega a ser frequentemente impreciso, às vezes textos em que se faça referência às mesmas questões; irônico, outras vezes, distante. Demonstra, além por outro lado, uma vez que tenhamos a disposição disso, uma desesperadora tendência a intervir li vremente não só na interpretação de passagens que cita, mas mesmo nos próprios textos, para 10. Sobre as lâminas órlicas cf. Riedweg 1998; Bcrnabé- Jiménez acomodá-los a seus próprios esquemas de pensa San Cristóbal 2001; 2008 (com amplo comentário e bibliografia mento. Em tais condições, a valoração de alguns exaustiva); Pugliese Carrratclli 2003; Edmonds 2004; Torcorclli testemunhos se mostra muito difícil. Ghidini 2006; Graf-Johnston 2007. Cf. fT 25b, T 25c, T36b, T 50a, T 50b, T 50c, T 53a]. 11. Em um trabalho anterior (Bcrnabé 2004a) estabeleci uma compa ração enrre os textos órlicos e a filosofia pré-socrática. 13. Dies 1927, 432ss., sobre cujas indicações segue Frmiger 1930; 12. Nele se unificam, ampliam, corrigem e atualizam pontos de vista cf. também Schuhl 1934, 205, n. 4, que insiste no fato de que apresentados cm algumas publicações anteriores, algumas delas de Platão utiliza as experiências místicas para tradmir a experiência não fácil acesso (Bernabé 1995, 1998, 1999, 2002a e 2007b). /ilosó/ica e, mais adiante, Paquer 1973. Cf. § 13. 20 21 3. Frequentemente recorreremos a testemunhos lcsremunhos que tínhàmos à disposição para definir muito posteriores ao filósofo, que, sem dúvida, este movimento14• Considerarei como "órficos" aque por um motivo ou por outro, parecem proce les que seguiam os ensinamentos religiosos dle obras der de época mais antiga, dada a tendência dos ou rituais dos quais Orfeu foi considerado o a.utor ou autores órficos a reelaborar constantemente sua fundador. Trata-se de um grupo bastante heterogêneo, própria tradição literária. Neste ponto se deve que devemos incluir em círculos dionisíacos, já que os usar a máxima prudência, já que os testemu mistérios órficos são mistérios báquicos. Não obstante nhos tardios podem incorporar alguns elemen isso, os "sectários" do dionisíaco que denominamos tos da situação do orfismo posterior àquela co órficos aceitaram elementos próprios do pitagorismo nhecida por Platão. e de outras formas de espiritualidade do tardo-arcaís mo grego para desenvolver rituais de mistérios que se caracterizam pela crença na metempsicose e em uma Em vista desta situação, deve-se atuar com o máxi forma de puritanismo que preconizava a necessidade mo rigor filológico e não menor cautela; é necessário de manter a alma pura e o corpo apartado do derra examinar de modo cuidadoso e crítico os testemunhos mamento de sangue e do contato com produ.tos pro platónicos que de um modo claro ou de forma velada venientes de um ser morto. Ao longo do tempo foram façam alusão a Orfeu ou à literatura órfica, à luz do criando urna forma de religiosidade individual, cujo que revelam outros testemunhos contemporâneos ou interesse básico era a salvação pessoal em OULtra vida poste[!ores que possam ser comparados com eles. An que julgavam melhor que esta. A iniciação e os rituais, tes de prosseguir convém, além disso, que se estabele assim como a leitura dos seus textos, lhes ofereciam ça o alcance de cada ui;n dos polos desta investigação. urna bagagem de conhecimentos dos mistérios que No que diz respeito a Platão, devo precisar um par de lhes permitia saber como obter um destino especial no questões: uma, que, para todos os efeitos, "Platão" se outro mundo, a fim de liberá-los da culpa originária referirá aos ·conteúdos dos diálogos do corpus Platoni que acreditavam carregar15• Uma série de proibições-· cum, incluindo os espúrios, e outra, que, salvo pou rituais os conduzia a tal objetivo. Era, então, uma reli cas exceções, não tratarei de distinguir o que devemos giosidade essencialmente tradicional e que se realizava atribuir o que o personagem Sócrates diz neles ao Só por meio da transmigração de um logos por via iniciá- crates histórico ou a Platão. No que diz respeito ao orfismo, trata-se de assunto mais difícil de precisar. Para ele, recorrerei às conclu 14. Bernabé 2005, 138-142. sões de um trabalho anterior no qual eu analisava os 15 Cf. § 8. 22 23 tica da mão de sacerdotes itinerantes que ofereciam os d,· religião pessoal, baseada em alguns textos, com um seus serviços com base em livros atribuídos a Orfeu 16• 111.1rco comum de referência: o dualismo entre alma A mensagem, produzida nestes termos, apresenta 11nortal e corpo mortal, o pecado anterior, o ciclo de uma situação contraditória. O caráter tradicional do 1r:insmigrações a liberação da alma e sua salvação fi- orfismo provocou a manutenção considerável da sua 11.1I. Sem abandonar completamente este marco co- identidade através dos séculos, de modo que encon 111 um, intermediários de diferentes tipos ofereciam a tramos fraseologia muito semelhante e crenças quase ucla usuário o que cada um necessitava. Ao responder idênticas em testemunhos separados por muitos sécu ;\s necessidades de consolo e salvação individual, esta los entre si, porém, ao contrário, por ser uma religião religião sem dogmas nem igreja, que se abriria livre sem comunidades estáveis, organizada em torno de mente a não importava qual usuário, permitia que uma matéria prima de base mítica, doutrinal e ritual cada um encontrasse nela o que buscava. Alguns se expressa literariamente, sem estrutura eclesiástica hie conformariam com o que iniciaram e com participar rárquica, nas mãos de alguns intérpretes que ninguém ele alguns ritos que pouco entendiam, pensando que nomeava ou legitimava, a não ser eles mesmos, admi ;issim iriam se livrar da lama e cios terrores do Hades, tia desde o princípio notáveis variações entre os seus e que ficariam a desfrutar de uma existência feliz, co diversos seguidores e transmissores17. mendo e bebendo diariamente em outro mundo. Ou A isto, soma-se uma circunstância fundamental: tros queriam apenas que se lhes vendessem uma magia trata-se de uma forma de religião que deseja dar res de Orfeu ou uma maldição para livrar-se de uma dor posta a necessidades muito básicas do ser humano, de dente ou de um inimigo indesejável. Outros, ao in como podem ser a aspiração à imortalidade, os desejos vés disso, acreditavam encontrar no texto órfico uma de aproximar-se de uma divindade de modo menos mensagem religiosa, filosófica e até mesmo científica distante e oficial do que as religiões do Estado e o an profunda, para o que o intermediário aperfeiçoaria, seio por uma .valoração do individuo não dependente em cada caso, seus métodos de investigação. de considerações sociais e, portanto, mais igualitária. Podemos traçar os dois extremos do que devia ser O orfismo (ou, se assim o desejarmos, o orfismo e os um espectro muito amplo de modos de sentir e trans movimentos similares, já que é um problema determi mitir o orfismo. Uma linha, que poderíamos deno nar onde se situam os limites entre eles) seria um tipo minar "degradada", insistia em oferecer uma solução rápida aos problemas deste mundo por meio de cele bração mecânica de ritos que tão-somente por mera celebração prometiam a segurança de um destino me 16. Casadio 19906, 197. 17. Cf. Casadesús 2006. lhor na outra vida. Nesta mesma linha, se situavam as 24 25

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Platão e o orfismo - Diálogos entre religião e filosofia Alberto Bernabé Tradução para o português de Dennys Garcia Xavier Formato 14x21 cm, 570 páginas ISBN 978-85-391-0239-6 O livro aborda o alcance das possíveis influências órficas em Platão, das quais muito se fala, mas sobre as quai
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