IVAN JUSTEN SANTANA PAULO LEMINSKI: INTERSEMIOSE E CARNAVALIZAÇÃO NA TRADUÇÃO Dissertação para obtenção do grau de mestre na linha de pesquisa Estudos da Tradução, da Área de Língua e Literatura Inglesa e Norte-Americana Orientador: Prof. Dr. John Milton FFLCH - USP . SÃO PAULO 2002 2 Sumário Resumo .................................................................................................................4 1 – Entrando no território 1.1 – Considerações preliminares...........................................................................5 1.2 – Estudos da tradução: situação e metodologia..............................................9 1.3 – Três problemas principais e suas hipóteses respectivas............................15 1.4 – Questões inevitáveis......................................................................................16 1.5 – Tradição e território da tradução...............................................................27 2 – Mapear é preciso 2.1 – Origens...........................................................................................................37 2.2 – Súmula curricular do Leminski tradutor...................................................39 2.3 – Fontes iniciais: as cartas ............................................................................41 2.4 – Traduções entre 1976 e 1982.......................................................................43 2.5 – Traduções entre 1982 e 1989.......................................................................45 2.6 – O Corpus: livros com traduções feitas por Paulo Leminski.....................50 2.7 – Traduções divergentes..................................................................................52 3 - Três Noigandres e um Leminski 3.1 – Noigandres, mas que diabo quer dizer isso?..............................................55 3.2 – Recuperando informações...........................................................................60 3.3 – Indícios de autoridade..................................................................................63 3 3.4 – Crítica didática, crítica acadêmica e polêmicas.........................................66 3.5 – Uma crítica “mercadológica”......................................................................70 3.6 – O caso da ode de Horácio.............................................................................74 3.7 – Através de Bashô e Pound...........................................................................81 3.8 – Coda...............................................................................................................85 4 – Paideuma, cânone, várzea 4.1 – Fios soltos......................................................................................................89 4.2 – Um jogo de sete (ou oito?) erros..................................................................95 4.3 – Um pecado original.....................................................................................112 4.4 – A vida até parece uma festa sem fim.........................................................125 4.5 – Pedras rolando no caminho.......................................................................130 4.6 – Centro e buraco negro................................................................................132 4.7 – Signo Ascendente........................................................................................140 4.8 – Repulsa ao sexo...........................................................................................142 4.9 – O Banquete..................................................................................................144 4.10 – Isso é só o fim?..........................................................................................147 5. Finício 5.1 – O ouroboros................................................................................................149 Referências .....................................................................................................154 4 Resumo Estudo das relações dialógicas entre as traduções literárias feitas por Paulo Leminski (1944-1989) e os trabalhos teóricos e práticos de tradução do grupo Noigandres (Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari), em dois momentos: na seleção dos autores e textos a serem traduzidos (orientações teóricas), e nos procedimentos das traduções (estratégias e práticas). Abstract A study about the dialogical relations between the literary translations made by Paulo Leminski (1944-1989) and the theoretical and practical works in the field of translation studies by the group Noigandres (Augusto de Campos, Haroldo de Campos and Décio Pignatari), at two moments: the selection of authors and texts to be translated (Theoretical orientations), and the procedures employed while translating (strategies and practices). 5 1 – Entrando no território 1.1 - Considerações preliminares Os estudos que se pretendem científicos na área humanística enfrentam contradições básicas. O método científico estabelece de antemão que a matéria a ser estudada seja considerada objetivamente. Ao se referir a essa matéria é praxe se usar terminologias como “objeto de estudo”, ou mesmo “material de análise”. Coletando dados, experimentando hipóteses, por intermédio de induções e deduções, a ciência vai se estabelecendo cumulativamente, procurando construir conhecimento aproveitável a respeito de algo que deve ser previamente delimitado e objetivado. Contudo, quando entramos no campo das chamadas ciências humanas, a cada tentativa de delimitação o “algo” (o “objeto”, a “matéria”) parece estar sempre escapando, como um plasma, por entre os dedos do “cientista”. Credite-se essa metáfora (a arte como um “plasma” que não se encaixa nos modelos estruturalistas) a um professor de teoria da literatura da UFPR, Prof. Dr. Paulo Venturelli. Foi um colega de graduação, Jéferson Ferro, quem nos repassou a observação de Venturelli. Refletimos por nossa conta que sujeitos e textos possuem uma “resistência natural”. É característico de suas posições e situações um confronto com outros eventuais textos e sujeitos que procurem “objetificá-los”. 6 Um indício dessa resistência natural de sujeitos seria a resistência natural que se pode constatar em muitos ao uso do computador: é fato que alguns colegas pesquisadores e até mesmo professores se recusem a usar coisas hoje essenciais como um computador, e uma conta de endereço eletrônico. [Não temos medo de escrever o que pensamos ser a verdade: e isso pode, e provavelmente vai se voltar contra nós mesmos. Mas só para dar uma mostra dessa coragem: o biógrafo de Leminski também não teve pejo de contar que Leminski sofria duma quase proverbial resistência a tomar banho. Fatos da vida.] Então, íamos por outra: os sujeitos e os textos acabam por não sofrer passivamente quando submetidos à posição de objeto. No caso específico deste estudo, o que se procura compreender primordialmente são textos. Porém, quando esses textos são considerados como objetos, isolados em sua materialidade lingüística, perde-se seu caráter essencial. Quem nos coloca diante desse impasse é o pensador russo Mikhail Bakhtin (1895-1975). Ele propõe uma superação dessa perspectiva lingüística, a qual delimita na linguagem um sistema de elementos em oposição binária e assim corta muitas relações, especialmente aquelas entre os sujeitos e os contextos. Importante acrescentar aqui que procurar ampliar a perspectiva (pela contextualização) não significa necessariamente desprezar a crítica estruturalista sobre poética (em particular, gostamos muito de Jakobson1, apesar das dissecações a que submete os poemas promoverem algo semelhante a autópsias em corpos vivos). 1 Especialmente os ensaios recolhidos em JAKOBSON, 1990. 7 Bakhtin2 não rejeita o texto como o objeto principal de estudo das ciências humanas. Mas deve-se compreender certas especificidades desse objeto: A – é um objeto significante [tautologia no. 1: um signo significa, ou seja, quer dizer]; B – o significado surge a partir da criação ideológica [tautologia no. 2: toda idéia é ideológica]. Tal criação envolve [como um jogo]: 1: quem produz tal objeto-texto [a equipe “A” – os produtores], quem interpreta o texto [equipe “B” – os consumidores], e os contextos históricos, sociais, culturais pertinentes [espaços/ tempos “C”: Bakhtin usa do neologismo “cronotopo”, que pode ser aproveitado aqui]; C – assim, o texto é dialógico [tautologia no.3: um diálogo é dialógico], ou seja: o processo fundamental para um texto é o diálogo. Em consonância, o modelo fundamental de Bakhtin para entender a linguagem humana é o diálogo. A própria compreensão faz o papel de resposta, mesmo quando é o próprio enunciador quem compreende o texto que enunciou. O princípio metodológico adotado a partir dessa perspectiva dialógica (no âmbito da lingüística o dialogismo fundamenta os chamados “estudos enunciativos”) funda-se nessa idéia de compreensão responsiva. Definindo grosso modo a via que escolhemos: uma busca pelas relações dialógicas entre textos, sujeitos e contextos. 2 Apud BARROS, 1996. 8 1.2 - Estudos da tradução: situação e metodologia Ao iniciarmos nossa pesquisa (1998), dentro dos chamados estudos da tradução, nutríamos a ilusão de que essa área extraterritorial vinha ganhando e ganharia cada vez mais impulso no âmbito das ciências humanas. Associávamos essa ilusão de crescimento a uma evolução: a superação do preconceito histórico sobre os textos traduzidos, relegados a segundo plano (isso quando sequer mencionados) na maioria das obras fundamentais sobre história da literatura e crítica literária. Foi só bem recentemente que perdemos essa ilusão. Em The Scandals of Translation, livro do tradutor, teórico e historiador da tradução Lawrence Venuti (VENUTI, 1998 – mesmo ano de nosso início), há um balanço ainda negativo da situação dos “translation studies”: emergentes, tais estudos formam quando muito uma interdisciplina que pervaga vários campos (lingüística, línguas estrangeiras, literatura comparada, antropologia, entre outros) de acordo com cada cenário institucional em particular. Exemplificando com o da USP: há um Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia (o Citrat). Há também o Curso de Especialização em Tradução (o Cetrad, que tem status de Pós-Graduação Lato Sensu). Voltando ao texto de Venuti, este localiza sem muita rigidez duas correntes principais de abordagem nos estudos da tradução: a “orientação lingüística”, voltada para a construção de uma ciência empírica; e a “orientação estética”, que 9 enfatiza os valores culturais e políticos a informar a prática e a pesquisa da tradução. Combinaria com a primeira orientação um cotejo direto entre texto original e tradução, procurando julgar se o significado foi preservado na passagem de uma língua (sistema) a outra. Uma expansão de perspectiva a partir desse cotejo, necessária para descrever a posição dos textos traduzidos no “sistema da literatura brasileira”, caso filiássemos nosso estudo à teoria dos “polissistemas” de Itamar Even-Zohar, não deixaria de direcionar nossa pesquisa para a orientação lingüística. Estamos voltados para a segunda orientação. A perspectiva estética implica em contemplar e compreender a arte em sua totalidade. Conforme Bakhtin quando propõe que a poética seja desenvolvida a partir de uma estética sistemática e geral (BAKHTIN, 1998 : 14-19). Bourdieu supera o sistematismo estruturalista que Bakhtin finge: nesse baile de máscaras do nome do autor (do teórico), a verdade sobre estética nenhum dos lados conhece inteiramente: propomos que talvez seja uma arte de nosso tempo (o comercial de TV de 30 segundos) que molde todo nosso senso estético a ser aplicado às outras artes. No entanto, só o que podemos fazer (o mínimo que um cientista faria) é questionar por princípio as classificações e discriminações de nomenclatura e terminologia. E, por extensão, os textos acadêmicos que se fecham como ostras 10
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