UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL MATRONAS AFROPACÍFICAS: FLUXOS, TERRITÓRIOS E VIOLÊNCIAS. GÊNERO, ETNIA E RAÇA NA COLÔMBIA E NO EQUADOR Paula Balduino de Melo Brasília Agosto de 2015 1 PAULA BALDUINO DE MELO MATRONAS AFROPACÍFICAS: FLUXOS, TERRITÓRIOS E VIOLÊNCIAS. GÊNERO, ETNIA E RAÇA NA COLÔMBIA E NO EQUADOR Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Instituto de Ciências Sociais, Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Antropologia. ORIENTADORA Lia Zanotta Machado (UnB) COORIENTADORA Mara Viveros Vigoya (Universidad Nacional de Colombia) BANCA EXAMINADORA Lia Zanotta Machado (DAN/UnB) (Presidente) Antonádia Borges (DAN/UnB) Jurema Werneck (Criola) Alecsandro José Prudêncio Ratts (UFG) Silvia Monroy Alvarez (Centro Nacional de Memoria Histórica de Colombia) Andréa de Souza Lobo - Suplente (DAN/UnB) Brasília Agosto de 2015 2 À dona de minha cabeça, que me conduz por suas águas. E a todos os orixás por me acompanharem. Às Rosas. As que me antecederam e a que está por vir. À luta de meu pai pela vida. 3 AGRADECIMENTOS Comecei a escrever esta sessão do texto em junho de 2013, em Bogotá. Nos intervalos de leituras, emergiam palavras de gratidão que mereciam registro. Voltei a ela ao fim da escrita, relembrando que a trajetória de um doutorado é longa e diversa. Para além de uma experiência intelectual, foi, para mim, uma autoimersão analítica e um percurso afetivo. Espero que as palavras ora manifestas possam retribuir um pedacinho da generosidade regalada. À minha família. Mãe, Maria Mônica, e irmã, Mariana, por terem me formado como mulher e pelo apoio incondicional. Aos amados sobrinhos, Otto, Igor e Eric, pela compreensão de que a titia é uma pessoa que faz muitas coisas ao mesmo tempo. Gratidão pela amizade que me brindam. À prima doutora Jordana de Castro Balduino, pela inspiração e exemplo. Ao companheiro José Henrique Sampaio Pereira, que entendeu meu fluxo. Com sua serenidade e sapiência, acompanhou meus passos ao longo desse percurso, emprestou-me ouvidos, ajudando a fazer com que os caminhos fossem menos arriscados e mais deleitosos. À Ana Rosa, agradeço porque uma parte do que produzi é fruto de nossa interação. Gestar uma pessoa é uma experiência que pode ser produtiva para o fazer intelectual! Agradeço muito às minhas orientadoras. Tive a sorte de ter duas. Lia Zanotta Machado bem compreendeu meus anseios. Sua acurada leitura da tese e seus comentários foram centrais para que eles ganhassem concretude em palavras acertadas. Foi um rico processo de composição em diálogo. Agradeço especialmente o cuidado ao final do processo, quando me centrava ansiosamente no fim. Mara Viveros acompanhou de perto o trabalho de campo, que foi um momento borbulhante e delicado. Suas orientações para a etnografia foram valiosas. As palavras, afetuosas e reconfortantes. No fim do processo, quando bateu a insegurança, a leitura de Mara também foi chave, indicando referências bibliográficas que permitiram fazer ajustes e definir com melhor precisão minhas interpretações. Agradeço à Antonádia Borges, Silvia Monroy, Jurema Werneck e Alex Ratts pelas leituras generosas e pelas reflexões trazidas na defesa da tese. Agradeço às Pretas Candangas, com quem aprendi o sentido da irmandade. Agradeço à Juliana Cezár Nunes, cuja confiança me impulsionou; à Daniela Luciana por emprestar-me palavras; a Raíssa Gomes, pela partilha da percepção da negritude além da cor da pele e pela insistência na categoria „mulher negra‟; Cecília Bezerra, cujas sábias palavras ajudaram a conectar intelecto e emoção. A nossa convivência fez esse exercício menos solitário. 4 À Yalorixá Railda d‟Oxum, à Iji Funké e à comunidade do Axé Opô Afonjá – Ilê Oxum, agradeço pelos cuidados espirituais sem os quais não seria possível essa empreitada. Agradeço a Maria d‟Abadia Pereira Guimaraes (Dona Mariinha), Givânia Maria da Silva, Maria Rosalina dos Santos, Sandra Maria dos Santos, Maria Aparecida Mendes e Isabela Cruz. E assim estendo um salve a todas as mulheres quilombolas que, para mim, são ícones de resistência, sabedoria e luta. Agradeço à Jaqueline Fernandes pela parceria. Junto com Chaia Dechen, à frente da Griô Produções, essas mulheres realizam um festival de suma importância, o Festival da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha. O Latinidades para mim é como os manguezais para algumas de minhas interlocutoras afro-pacíficas; um berço no qual ideias e conexões são semeadas, germinam e crescem, para depois seguir oceano afora. À Uila Gabriela de Oliveira Cardoso, agradeço a oportunidade de refletir e compreender conjuntamente maneiras pelas quais o racismo e o sexismo conduzem vidas. Agradeço à Ana Flávia Magalhães Pinto, “consultora para assuntos acadêmicos”, que me acompanhou e apoiou desde a proposição da Bolsa Sanduíche à revisão da tese, compartilhando os frutos de sua trajetória acadêmica. Agradeço à Bárbara Oliveira Souza, companheira em muitas trincheiras. Ainda que à distância, seguimos trilhando caminhos que se acercam, compartilhados ainda com Daniel Brasil, a quem também sou grata. Parceria que fortalece. À Gleides Simone Figueiredo Formiga, agradeço pela ousadia de ocupar espaços que tradicionalmente não estão destinados a nós. E de fazer diferente. Aos meus colegas de turma Rafael Antunes e Fabíola Gomes, agradeço pela oportunidade de juntos construirmos caminhos de partilha da antropologia. A Júlia Otero, por me ajudar a pensar sobre a comida como elemento de constituição de pessoas e povos. À Anita Campos, amiga-irmã que tão bem me conhece, pela leitura da tese e pelos comentários no processo inicial da escrita. Ao Danilo Clímaco, também pela leitura e reflexões suscitadas, as quais abrem caminho a futuras produções conjuntas. É sempre bom reencontrar parceiros. À Silvia Monroy novamente agradeço. Em nossos vários encontros no Brasil e na Colômbia, as conexões intelectuais, espirituais e afetivas foram tantas e tão importantes. À Lara Nigro agradeço por ser uma entusiasta da antropologia que faço. À Aline Menke, pelos mapas. 5 Agradeço à Luciana Pontes, por me ajudar a ouvir meu corpo e compreender meus percursos em seus cruzamentos com percursos de outras mulheres. Com Eudes Rosaldo, hermanito, foi um encontro especial; por sua ligação com o Brasil, por nosso partilhar da negritude e do feminino. Gracias por apresentar-me a Guajira e mais um pouco do Atlântico colombiano. Os dias em Bogotá ao seu lado foram os melhores. À Sofí Garzón, pelos ricos momentos em Bogotá, pelas conversas que despertaram grandes questões para a tese. Agradeço ao Juan Pablo por compartilhar materiais etnográficos valiosos e pela interlocução frutífera. A partir da leitura de sua dissertação e de nossas conversas comecei a refletir sobre o binômio raça/etnia. Ao Leonardo Rúa, pela amizade e pelos patacones. Ao Pascal Blum, pelos diálogos em que trocamos percepções estrangeiras sobre a colombianidade e pelas indicações de leituras sobre a violência sociopolítica. À Marcela Vallejo, pelas frutíferas conversas, excelentes referências bibliográficas, agradáveis momentos na Colômbia e no Brasil, leitura cuidadosa e revisão dos textos em espanhol da tese. À Camila Rivera, pelo carinho, cuidado e acolhimento em Bogotá. Agradeço à Alicia Vega, pequena grande mulher quitenha, com quem tive conversas que descortinaram aspectos do meu ser que se colocavam no curso dessa empreitada. A Barbarita e Isabelita Lara, por me receberam em La Concepción e pela partilha. A Don Salomón e José Chalá Cruz, que conheci em Brasília, pela hospitalidade em Quito e no Vale do Chota, La Concepción e Salinas. A Priscila Padro Beltrán, quem encontrei pelos “Quilombos das Américas”, agradeço a acolhida em Ibarra, o apoio em momentos difíceis do trabalho de campo e a interlocução que perdura. Se transitar pelos terrenos incertos do Pacífico demandava a construção de uma rede de cuidado e orientação, posso dizer que a empreitada teve sucesso graças às pessoas que me acolheram desde o primeiro instante. Ao indicar-me a travessia entre Equador e Colômbia, Jhon Henry Arboleda direcionou meu percurso. Reconhecendo-me como família, trouxe sentidos de pertencimento e solidariedade a cada momento em que chegavam mensagens: “hola prima, como estás?”. Foi também um interlocutor importante para a escrita da tese. 6 Carlos Rúa foi companheiro em infindáveis momentos dessa trajetória. Yolanda Murgueitio e Carlos abriram as portas de sua casa e ofertaram-me toda uma rede de aliança. Carlito cumpre perfeitamente o obrigatório requisito de um líder em sua capacidade de ser produtor permanente de alegria e felicidade. Ademais, é um grande intelectual. Nossa interlocução permeia a reflexão e a escrita desta tese, que agora se apresenta em sua memória. A Hilda Nayibe Hurtado, Nelly, María del Mar, Daniela e todas as mulheres do Bairro Arboleda, agradeço a companhia, os cuidados e mimos que foram fundamentais para superar os problemas de saúde. Agradeço a confiança de compartilharem suas vidas comigo a todas as mulheres com quem dialoguei: Martha García, María Cecilia, Melania Ester Quiñones, Edith Rivas Klinger Palma, Mérice Benguera, Ruth Ainda Cabezas Ortiz, Lucrecia Borges, Sixta Tulia Londoña Ponce, Emilia Eneyda Valencia Murraín. Para Inés Morales, teria inúmeras palavras de agradecimento. Gostaria de registrar seu atributo de sempre encontrar maneiras de evitar dizer não quando a coisa vale a pena. Agradeço a toda família de Inés, a de sangue e a de coração: todos do Bairro Novo Horizonte, pelo carinho que sempre tiveram comigo. À Mailen Aurora Quiñones Mosquera, agradeço a disponibilidade para o convívio e os cuidados com minha enfermidade. A Eva Lucia Grueso, agradeço por haver me recebido no escritório de PCN e pela densidade de nosso diálogo. A Rosalba Quiñones e a sua filha Cira Martínez, agradeço o interesse pelo Brasil, a possibilidade de falar sobre meu país e sobre nossas formas de construção e compreensão da diferença. À Maria Olinda Orobio, agradeço pelas manhãs na praia e pelas cervecitas. À Marlene Tello, agradeço por poder compartilhar a fé nos orixás. À Ana Granja Castillo, agradeço a oportunidade de vivenciar a mariscagem. A ela e suas filhas, Ana Karina e Yulisa, agradeço por haverem me recebido em Salahonda. A Martina Granja Castillo e Nidia Quiñones Granja, agradeço as tardes de conversas. Os dias em Salahonda foram um belo presente de aniversário. A Yonny Nazareno e Amada Cortéz, assim como a todas as mulheres de MOMUNE, agradeço pelo nosso intercâmbio e rendo um tributo especial pela festa de despedida de San Lorenzo, momento em que me senti reconhecida e amada. 7 Vilma Estacio Abá recebeu-me em sua casa, em Ricauter, com suas botellas curadas e outros instrumentos usados na parturição. Cantou e tocou para que eu filmasse. Grata por tudo. À Ana Germania Loma Abá, agradeço por, mesmo doente, haver partilhado questões de sua intimidade, antes não partilhadas. A família Micolta, Targelia, Leo, Elvia e Eneida, agradeço pela hospitalidade em Palma Real. Os diálogos com Targelia foram incríveis. As tardes com Elvia, muito agradáveis. A generosidade da partilha de todas essas mulheres tornou possível a construção deste texto. Quanto aos contatos institucionais, registro aqui a alegria de encontrar nas universidades colombianas e equatorianas intelectuais muito abertos ao diálogo. Agradeço às professoras/es e pesquisadoras/es: Ochy Curiel, Jaime Arocha, Miriam Jimeno e Javier Saenz (Universidad Nacional de Colombia); Eduardo Restrepo (Universidad Javeriana); Catherine Walsh (Universidad Andina Símon Bolívar); Kattya Hernandez, Lisset Coba e Mercedes Pietro (FLACSO-Equador); Francia Jenny Moreno, Yasmin Guilchins, Nathalie Trejol e Olivia Cortez, todas pesquisadoras do Programa de Estudos de Gênero da FLACSO/Equador e Jhon Antón, pesquisador associado à FLACSO. Um agradecimento especial à Claudia Mosquera, da Universidad Nacional de Colombia, que me recebeu com carinho em Bogotá, compartilhou generosamente sua leitura sobre temas concernentes à pesquisa, além de me regalar valiosas publicações do grupo de pesquisa que ela encabeça (IDCARÁN/CES/UNAL). E à Betty Ruth Lozano Lerma, da Universidad del Valle – Colombia, com quem o diálogo, apesar de breve, foi bastante produtivo. Aos funcionários do departamento, Jorge Máximo e Rosa Cordeiro, agradeço a prontidão no atendimento de dúvidas e outras questões. Por fim, agradeço à CAPES e ao CNPQ pelo financiamento. 8 RESUMO Esta tese resulta de etnografia realizada com mulheres negras/afrodescendentes na região fronteiriça entre Equador e Colômbia, às margens do Oceano Pacífico. Categorias interseccionais como raça/etnia e gênero conduziram-me pelo universo afro-pacífico, o qual conheci por intermédio da escuta atenta às matronas: mulheres que constroem redes de irmandade política e afetiva, conectando doméstico e público. A partir de suas posições de parteiras, curandeiras, rezadeiras ou cantadoras, tornaram-se lideranças políticas em organizações afro/negras, em organizações de mulheres e de mulheres negras. Partindo de suas narrativas, propus uma análise da classificação étnico-racial, buscando compreender os matizes, as tensões e articulações da concepção colombo-equatoriana em torno do antirracismo e da luta pelos direitos territoriais das comunidades negras. A territorialidade afro-pacífica, por sua vez, consiste em uma construção política baseada na vivência do território-água, articulada a uma ideia de permeabilidade entre rural e urbano. A ação feminina dá-se em um contexto de violência nas relações interpessoais de gênero e, contemporaneamente, de violências sociopolíticas decorrentes da ação bélica organizada. Bandas criminais, grupos guerrilheiros e paramilitares, bem como os exércitos nacionais intervêm cotidianamente nos territórios coletivos ancestrais, atravessando as vivências da territorialidade. As matronas são peça-chave na resistência do povo afro-pacífico às violências. PALAVRAS-CHAVE: Matronas, Afro-Pacífico, Territorialidade, Etnicidade, Gênero, Violências. 9 ABSTRACT This thesis is the result of ethnography with black / afrodescendent women, in the border region between Ecuador and Colombia, along the Pacific Ocean. Intersectional categories such as race / ethnicity and gender led me by Afropacific universe, which I met through the attentive listening to the matrons: women that build networks of political and emotional sisterhood, connecting domestic and public. From their positions of midwives, healers, mourners or traditional singers have become political leaders in afrodescendent / black organizations, in women‟s organization and black women's organizations. Starting from their narratives, I proposed an analysis of ethno-racial classification, trying to understand the nuances, tensions and articulations of the Colombian-Ecuadorian conception around anti- racism and the struggle for land rights of black communities. The Afropacific territoriality, in turn, consists of a political construction, articulated with an idea of permeability between rural and urban. The women‟s action takes place in a context of violence in interpersonal relationships of gender and, simultaneously, of socio-political violence arising from organized warlike action. Criminal bands, guerrillas and paramilitary groups, as well as national armies, intervene daily in the ancestral collective territories, transforming the experiences of territoriality. The matrons are key pieces in Afropacific people‟s resistance to violence. KEY-WORDS: Matrons, Afro-Pacific, Territoriality, Ethnicity, Gender, Violence. 10
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