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Patrice Schuch O título deste texto é inspirado no arti PDF

20 Pages·2013·0.24 MB·Portuguese
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(cid:36)(cid:3)(cid:57)(cid:76)(cid:71)(cid:68)(cid:3)(cid:54)(cid:82)(cid:70)(cid:76)(cid:68)(cid:79)(cid:3)(cid:36)(cid:87)(cid:76)(cid:89)(cid:68)(cid:3)(cid:71)(cid:68)(cid:3)(cid:101)(cid:87)(cid:76)(cid:70)(cid:68)(cid:3)(cid:81)(cid:68)(cid:3)(cid:36)(cid:81)(cid:87)(cid:85)(cid:82)(cid:83)(cid:82)(cid:79)(cid:82)(cid:74)(cid:76)(cid:68) Patrice Schuch (cid:44)(cid:81)(cid:87)(cid:85)(cid:82)(cid:71)(cid:88)(cid:111)(cid:109)(cid:82) porque a discussão sobre Ética, tal como o domínio dos Direitos Humanos, preza- O título deste texto é inspirado no arti- -se muito facilmente para uma espécie de go escrito por Lila Abu-Lughod, publicado normatização empobrecedora que reduz a no Journal of Middle East Women’s Studies, dimensão ética e os âmbitos diferenciados em 2010, chamado: “The active social life of de prática antropológica ao caráter de do- ‘Muslim women’s rights’”: a plea for ethno- mínios ontológicos e estáticos. Sabemos que graphy, not polemic, with cases from Egypt o ideário ético, enquanto uma condição de and Palestine”. Nesse texto, Abu-Lughod possibilidade para o trabalho antropológico, argumenta em favor de um deslocamento sempre esteve no horizonte epistemológico do debate – muito polêmico e, segundo ela, disciplinar da Antropologia; no entanto, pouco produtivo – sobre a existência ou não a própria diversificação das práticas antro- de direitos das mulheres muçulmanas para a pológicas (Ribeiro, 2004), conjugada com premissa de que esta questão tem hoje uma as crescentes demandas de regulamentação vida social ativa, que deve ser estudada et- dos procedimentos de pesquisa (Fleischer e nograficamente. Nessa etnografia, importam Schuch, 2010), dinamiza esse debate, expan- interrogações como: quais tipos de debates dindo-o em outras direções. Neste contexto e de instituições os “direitos das mulheres de discussões, talvez mais do que posições muçulmanas” partilham? Como eles são me- apressadas ou fáceis generalizações, importa diados? Que tipo de trabalho essa noção e compreender em quais domínios e debates as práticas organizadas nesses termos fazem a relação entre Ética e Antropologia está em em vários lugares, para diversos tipos de mu- jogo e como ela é configurada nos múltiplos lheres? Abu-Lughod opta por estudar alguns mundos sociais nos quais opera, isto é, com- desses espaços – ONGs de mulheres pales- preender a sua vida social ativa, nos termos tinas e egípcias e comunidades rurais onde de Abu-Lughod (2010). mulheres e crianças vivem sua vida na inter- Meu interesse neste artigo é exatamente seção com instituições locais e mídias nacio- arguir nessa direção e defender que qualquer nais – mostrando o quanto a questão sobre discussão sobre Ética em pesquisa antropo- “os direitos das mulheres muçulmanas” está lógica tem que levar em conta a multiplici- diferencialmente colocada nesses múltiplos dade de domínios em que a primeira existe âmbitos, o que requer atenção para suas me- na segunda, isto é, a complexidade de sua diações e transformações. vida social ativa. Refiro-me a esse termo em Acredito que a análise sugerida por Abu- sentido semelhante àquele empregado por -Lughod possa ser interessante para o debate Abu-Lughod (2010). A autora usa o termo da relação entre Ética e Antropologia. Isso “vida social” para sugerir que os direitos BIB, São Paulo, nº 71, 1º semestre de 2011, pp. 5-24. 5 das mulheres muçulmanas só podem ser À luz dessa inspiração, meu objetivo é compreendidos a partir do seu jogo social examinar alguns domínios em que a relação – o que é diferente de dizer que podem ser entre Ética e Antropologia ganha vida social achados na circulação social desse conceito, ativa, através da análise de certa bibliografia como em Appadurai (1986), para o caso da brasileira relativamente recente sobre esse as- circulação de mercadorias, ou nos contextos sunto. No Brasil, há uma produção crescen- sociais de sua reprodução, transplante ou te de artigos, capítulos de livros e coletâneas vernacularização, como na sugestão de Sally temáticas sobre Ética e pesquisa antropoló- Engle Merry (2006) para o estudo acerca dos gica1. No entanto, tomarei como ponto de enunciados de Direitos Humanos. Abu-Lu- partida os debates presentes em dois livros ghod (2010) refere-se à “vida social” dos di- sobre o assunto: Antropologia e ética: o debate reitos das mulheres muçulmanas como a sua atual no Brasil, organizado por Ceres Vícto- mediação diferencial através de várias redes ra, Ruben Oliven, Maria Eunice Maciel e Ari sociais e instrumentos técnicos, inspirando- Oro, publicado em 2004, a partir de uma sé- -se nas sugestões de Bruno Latour (1999) em rie de simpósios homônimos realizados pela seus estudos sobre a ciência. ABA em 2002 (Víctora et al., 2004), e Ética Destaco a importância desse tipo de aná- e regulamentação na pesquisa antropológica, lise porque ela rompe com a suposição de que publicado em 2010, organizado por mim e existe alguma espécie de “centro” de enuncia- por Soraya Fleischer, produto de um semi- ção ético-normativa ao qual outros domínios nário nacional realizado na Universidade de seriam subordinados, ao mesmo tempo que Brasília, com o apoio do Departamento de opta por uma definição performativa dos Antropologia (Fleischer e Schuch, 2010). domínios em questão. Em meu entender, to- Concentrei-me nessas publicações, em- mado como um todo e entendido a partir de bora fazendo associações com outras litera- sua parcialidade, o argumento em torno de turas, porque em ambas há uma espécie de uma vida social ativa da Ética na Antropo- preocupação em sistematizar certas discus- logia conduz não apenas ao combate de for- sões sobre o tema e reunir algumas das prin- mulações sobre as possibilidades de uma ética cipais problemáticas em torno do assunto, universal ou metadisciplinar, mas também à sem se circunscrever em algum âmbito espe- rejeição da noção de que se trata de procurar cializado da atuação antropológica. Por meio a adaptação de uma Ética geral a situações desse recorte, espero deixar evidente que não particulares; sob meu ponto de vista, não é é meu interesse generalizar os argumentos disso que se trata. Trata-se de investir na ideia aqui esboçados para o que seria uma “Antro- de que a ética é diferencialmente produzida pologia brasileira”, nem totalizar o “estado em múltiplos domínios da prática antropoló- da arte” atual das discussões sobre o assunto. gica – em sua vida social ativa –, o que requer Através da singularidade das produções em delicadeza na sua discussão e consideração, questão, procurarei explicitar alguns domí- assim como compreensão da diversidade e si- nios de problematização nos quais a Ética na tuacionalidade dos espaços de sua realização. Antropologia se configura. Dessa forma, os 1 Veja-se, por exemplo, Machado (2007), Schuch, Vieira e Peters (2010), Diniz, (2005) e Lagdon, Maluf e Torn- quist (2008). 6 textos analisados permitem pensar na relação formulários sobre a proteção dos sujeitos da entre certos domínios de fatos e práticas e pesquisa, para os quais os cientistas sociais, o que está sendo formulado como um pro- afirma ele, sempre tinham a mesma resposta: blema ético na Antropologia. Nesse sentido, “não se aplica”. Essa situação teria começado destacam-se três espaços de problematiza- a se modificar tanto pelas novas realidades ções: (1) o pesquisar/atuar: autorreflexão, da União Europeia, quanto pela pressão dos responsabilidade e prática política; (2) An- próprios países chamados do “terceiro mun- tropologia e multidisciplinaridade: ciência e do” sobre o assunto. sua inserção social; (3) a Ética como campo Já sua experiência na África do Sul con- de regulamentações: quando dizer “não” não trasta fortemente com o contexto francês: basta. A análise desses campos diversos colo- a partir da década de 2000, percebe-se um ca em evidência uma dimensão fundamen- incremento substantivo no conjunto de re- tal: o debate sobre ética é inescapável das gulações éticas, regras e constrangimentos reflexões sobre qual a tarefa ou vocação da severos delimitando o campo das possibili- própria Antropologia. dades de pesquisa; atrasos na implementação de programas produzidos pela demora das (cid:51)(cid:85)(cid:72)(cid:82)(cid:70)(cid:88)(cid:83)(cid:68)(cid:111)(cid:125)(cid:72)(cid:86)(cid:3)(cid:112)(cid:87)(cid:76)(cid:70)(cid:68)(cid:86)(cid:15)(cid:3)(cid:87)(cid:85)(cid:68)(cid:71)(cid:76)(cid:111)(cid:125)(cid:72)(cid:86)(cid:3) avaliações nos Comitês de Ética, obstáculos (cid:81)(cid:68)(cid:70)(cid:76)(cid:82)(cid:81)(cid:68)(cid:76)(cid:86)(cid:3)(cid:72)(cid:3)(cid:68)(cid:3)(cid:36)(cid:81)(cid:87)(cid:85)(cid:82)(cid:83)(cid:82)(cid:79)(cid:82)(cid:74)(cid:76)(cid:68)(cid:3)(cid:69)(cid:85)(cid:68)(cid:86)(cid:76)(cid:79)(cid:72)(cid:76)(cid:85)(cid:68) crescentes impostos à medida da progressão da pesquisa, mesmo após a permissão para Didier Fassin publicou um artigo provo- sua realização ter sido obtida. Fassin (2006) cador, intitulado: “The end of ethnography estranha as duas experiências: na França, as collateral damage of ethical regulation?”, onde diz se surpreender com o fato de qual- em 2006, na revista American Ethnologist, no quer pesquisador poder ser muito crítico em qual salienta sua própria experiência como relação aos procedimentos médicos, sem, no pesquisador, ao estudar políticas de inter- entanto, jamais ter apresentado suas próprias venção e instituições públicas nos contextos formulações de pesquisa para nenhum Co- francês e sul africano (Fassin, 2006). O au- mitê de Ética, e na África do Sul, onde, não tor contrasta tais espaços no que diz respeito obstante a forma precária de tratamento dos aos esforços de regulamentação dos procedi- pacientes, a exposição dos corpos e a negli- mentos de pesquisa. Afirma que, na França, gência da dor, a presença antropológica é é surpreendente o que chama de falta de pre- que parecia causar problemas éticos. ocupação com os assuntos da Ética nas Ciên- Esses dois extremos são representativos, cias Sociais: apenas no ano de 2005 é que a segundo ele, de culturas nacionais distintas Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais no que diz respeito à Ética nas Ciências So- começou a se engajar nessa problemática. ciais: enquanto os cientistas sociais france- Até recentemente, conta ele, as propostas de ses parecem se colocar acima ou dão pouca pesquisa não apresentavam nenhuma consi- atenção aos domínios éticos oficiais exterio- deração específica sobre Ética, a menos que res às suas disciplinas, considerando a Ética o pesquisador candidatasse seu projeto ao fi- – autodefinida, não escrita e não certificada nanciamento de alguma instituição médica, – como um atributo incorporado à figura tal como o Instituto Nacional de Saúde (In- do antropólogo ou sociólogo, na África do serm) ou a Agência Nacional de Pesquisa so- Sul, a preocupação com a soberania nacional bre Aids (ANRS). Nesse caso, a questão ética teria sido um grande incentivo para a pre- era reduzida ao preenchimento de alguns ocupação com a regulamentação ética (Fas- 7 sin, 2006). Para o autor, tais fatos também tora et al., 2004), vai além da construção de são relevantes para mostrar que não apenas conhecimentos e se vê enleada em demandas as intervenções provenientes da biomedici- da ação. “Qual de nós (pergunta o autor), es- na importam na definição das pressões para pecialmente os etnólogos, não se viu um dia regulamentação ética, mas também naciona- pressionado a agir simultaneamente ao seu lismos e geopolítica mundial. esforço de conhecer? (R. Cardoso de Oliveira, As sugestões de Fassin (2006) fazem 2004, p. 22). sentido e são interessantes porque associam as problematizações sobre Ética não apenas (cid:36)(cid:3)(cid:89)(cid:76)(cid:71)(cid:68)(cid:3)(cid:86)(cid:82)(cid:70)(cid:76)(cid:68)(cid:79)(cid:3)(cid:68)(cid:87)(cid:76)(cid:89)(cid:68)(cid:3)(cid:71)(cid:68)(cid:3)(cid:101)(cid:87)(cid:76)(cid:70)(cid:68)(cid:3) com os procedimentos regulamentadores (cid:68)(cid:81)(cid:87)(cid:85)(cid:82)(cid:83)(cid:82)(cid:79)(cid:121)(cid:74)(cid:76)(cid:70)(cid:68)(cid:29)(cid:3)(cid:87)(cid:85)(cid:114)(cid:86)(cid:3)(cid:72)(cid:86)(cid:83)(cid:68)(cid:111)(cid:82)(cid:86)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3) biomédicos, que podem funcionar às vezes (cid:83)(cid:85)(cid:82)(cid:69)(cid:79)(cid:72)(cid:80)(cid:68)(cid:87)(cid:76)(cid:93)(cid:68)(cid:111)(cid:109)(cid:82) como “bodes expiatórios” da própria discus- são sobre o assunto, mas também levantam O pesquisar/atuar: autorreflexão, questões sobre a própria relação entre Ética responsabilidade e prática política e os estilos antropológicos e as configurações socioculturais das quais emergem. Gostaria É exatamente em torno da complexida- de seguir essa direção, detendo-me nos seus de do pesquisar/atuar – dilema bem repre- efeitos para configuração do debate acerca da sentativo de nosso estilo disciplinar – que Ética na Antropologia brasileira e sua vida marca uma forte vertente em que a Ética an- social ativa. Como sabemos, a relação entre tropológica ganha vida social ativa nos tex- estilos antropológicos e os contextos culturais tos selecionados. Destaco que a Ética aparece nos quais emergem já foi trabalhada eficien- nessa configuração de interrogações em tor- temente por Roberto Cardoso de Oliveira no do binômio pesquisar/atuar como associa- (1998) e Mariza Peirano (1992), entre ou- da à definição de modos de relacionamento tros. No caso brasileiro, Peirano (1992) já do antropólogo com grupos em interlocução mostrou que incorporamos a Antropologia – no caso de Roberto Cardoso de Oliveira, como uma Ciência Social numa figuração na situação de “contato interétnico” – e na que une conhecimento e comprometimento reflexão sobre o que constitui a tarefa antro- político, estudando temas e grupos próprios pológica e suas responsabilidades. No artigo da sociedade brasileira e, de certa forma, pra- em questão, R. Cardoso de Oliveira (2004) ticando uma “antropologia endógena”. Essa conta a experiência de ter sido contratado realidade está em transformação, a partir dos pela Funai, no ano de 1975, para estudar a processos de internacionalização da pesquisa situação dos Ticuna diante do “Movimento antropológica brasileira realizada com fôlego da Cruz” e diz com clareza: a partir do ano 2000. No entanto, apesar dessas mudanças Meu problema ético de então era de como manter minha independência de pesquisador em relação à recentes, a leitura dos artigos dos livros sele- agência indigenista que me contratara, ainda que cionados como base para minha investigação jamais tenha recebido dela qualquer recomenda- mostra que um dos pontos mais recorrentes ção para intervir em seu nome na situação interét- dos debates é, justamente, qual a tarefa, fun- nica (R. Cardoso de Oliveira, 2004, p. 22). ção ou vocação de uma Antropologia que, Nessa experiência, o autor explica que nos termos de Roberto Cardoso de Oliveira não houve nenhum conflito evidente entre (2004) no artigo de abertura do livro Antro- os grupos estudados e, portanto, não teve pologia e Ética: o debate atual no Brasil (Víc- 8 que interceder por nenhuma das partes; no tir desse abandono, a conciliação entre Ética entanto, utiliza tal situação para evidenciar e Antropologia poderia ser realizada4. onde reside o que chama de “mal-estar éti- Na interseção do debate pesquisar/atuar, co” na antropologia prática, aquela envolvida colocam-se também as dimensões éticas no tra- com as dimensões morais da ação, mas não balho de formulação de laudos antropológicos, prescinde da autorreflexão, a qual, por sinal, o necessário diálogo com o campo jurídico e estaria crescentemente marcando a realidade as tensões desse diálogo. Ilka Boaventura Leite, dos antropólogos brasileiros2. Tal “mal-estar em artigo publicado no livro de 2004, salien- ético” residiria na condição antropológica ta que um dos principais dilemas vivenciados brasileira de mediar culturas e pessoas de car- nesse tipo de trabalho é a externalidade da de- ne e osso em confronto e na sua complexa manda pelo laudo e a atuação antropológica tarefa de traduzir sistemas culturais, dentro em situações que, de antemão, se apresentam da sociedade nacional3. Como uma sugestão como conflituosas.5 O que parece estar em jogo de superação de tal “mal-estar ético”, R. Car- aqui são questões que relacionam a Ética com doso de Oliveira (2004) evoca a capacidade autorreflexões sobre os domínios da autoridade crítica e reflexiva da Antropologia, a abertura e posicionalidade do antropólogo, num contex- à Ética discursiva e, para o que me interessa to em que suas responsabilidades sociais são aqui destacar, abandono do que chama de imensas, na medida em que seu trabalho pode um “relativismo absenteísta, responsável por ter muitos desdobramentos políticos e sociais uma neutralidade equívoca”. Somente a par- para a vida das comunidades em questão. Isso 2 Nota-se no texto de Roberto Cardoso de Oliveira (2004) uma preocupação em distinguir uma “antropologia apli- cada” de uma “antropologia da ação”: enquanto a primeira se caracterizaria pela vinculação com o colonialismo e praticismo inaceitáveis, a última estaria relacionada aos sentidos que Sol Tax deu ao termo em 1952, para evocar o caráter da atuação antropológica na prática social. No entanto, o autor prefere o termo “antropologia prática”, pois, segundo ele, a “antropologia da ação” também teria um déficit reflexivo importante, inaceitável para a Antropolo- gia contemporânea. Evidencia-se uma espécie de tensão em torno dos limites e responsabilidades do antropólogo, em suas diversas modalidades de atuação na vida pública, o que se mostra nos próprios debates em torno da no- minação das atividades antropológicas. Pode-se dizer que tais debates se renovaram na década de 2000, a partir da elaboração de laudos periciais antropológicos. O título do texto de Eliane Cantarino O’Dwyer (2005), publicado na parte “Ética e intervenção” de um livro sobre a produção de laudos antropológicos, intitulado “Laudos periciais antropológicos: pesquisa aplicada ou exercício profissional da disciplina?”, é muito representativo dessa tensão. A autora defende a posição de que os laudos antropológicos não são pesquisa aplicada, uma vez que não prescindem de dois aspectos fundamentais: a reflexão teórica e o trabalho de campo antropológico. 3 João Pacheco de Oliveira (2004), discutindo as possibilidades de uma “antropologia participativa”, também refere a existência de um “mal-estar” na Antropologia brasileira, ao qual o autor atribui uma espécie de cultural lag dado pelo fato de que as representações hegemônicas da disciplina estão em desacordo com sua prática cotidiana, na qual se problematiza, entre outros fatores, a externalidade do olhar antropológico, a participação dos “nativos” na for- mulação do problema de pesquisa e a apropriação do trabalho antropológico com possibilidades de luta política. 4 Nesse sentido, tal posição poderia ser aproximada da de Otávio Velho (1995), para quem o relativismo, já em 1995, era tomado como uma espécie de “arrombador de portas abertas”. Ver também Velho (2008), texto em que o autor incita ao desenvolvimento de outras formas de justificação do trabalho antropológico brasileiro, para além da posição de antropólogos como “mentores da democracia”. 5 Outra grande dificuldade nesse tipo de trabalho é, para Leite (2004), uma expectativa errônea que confunde o trabalho do antropólogo com o do próprio juiz – um juiz sobre a verdade do grupo pesquisado e demandante de direitos e não o colaborador na tradução de tal verdade dos grupos demandantes e suas concepções de direito. 9 requer, diz a autora, uma reflexão sobre esse lu- mado ainda estão para ser problematizadas, gar de responsabilidade social do antropólogo: mas, sem dúvida, sugerem a renovação das relações entre a antropologia e outros saberes. No momento em que depositei o laudo sobre a comunidade do Casca no Ministério Público, na Antropologia e multidisciplinaridade: ciência verdade o trabalho estava apenas começando. O procurador me disse: “Agora você vai começar a e sua inserção social ser chamada para responder pelo que está escrito no laudo”. Compreendi que só então o processo É exatamente essa expansão da prática estava começando porque novas questões seriam antropológica que marca outro conjunto de colocadas, todas as pessoas identificadas seriam chamadas a depor e a coisa tomaria o rumo de questões em que é possível compreender uma embate decisório. Estando aí, o antropólogo é par- vida social ativa da Ética na Antropologia, te envolvida porque escreveu o documento. Hoje, que são as interrogações acerca da multidisci- o tema de pesquisa e o campo não são mais aleató- plinaridade. Nesse domínio, a Ética aparece rios (Leite, 2004, p. 72). relacionada a uma tensão produtiva entre um Como se vê, tanto na posição de R. conjunto de comportamentos e procedimen- Cardoso de Oliveira (2004) quanto na de tos dirigidos à definição sobre o que é pesqui- Leite (2004), a questão da produção de um sa antropológica e suas particularidades e as conhecimento com responsabilidade, já que concepções em torno da ciência e sua inser- constituído em associação com problemáticas ção social. Isto é, o debate aqui se dirige às in- centrais na forma de existência de diferentes terrogações sobre como praticar uma Antro- grupos sociais e étnicos, parece ser o próprio pologia a partir de certos procedimentos de sentido da Ética nesse espaço ativo de sua pesquisa particulares e/ou seu englobamento vida social. Há aqui uma espécie de relação por demandas mais amplas de engajamento da atividade profissional do antropólogo com e responsabilidade social, as quais podem a sua condição de cidadão, numa esfera em colocar em suspenso éticas particularistas ou que se conciliam os interesses do Estado e de mesmo a dimensão da autonomia da ciência. diferentes grupos sociais e étnicos, seja para a Debates do campo de uma antropologia construção da nação (como tais textos mos- da saúde, tematizações sobre a produção de traram), seja mesmo para sua explosão, como laudos antropológicos e acerca de pesquisas sugere Otávio Velho num artigo de 2008, que sobre políticas diversas de intervenção social é retomado por mim, num artigo-comentário e relações do antropólogo com mediadores presente no livro: Ética e regulamentação da diversos – líderes comunitários, assistentes so- pesquisa antropológica (Fleischer e Schuch, ciais, enfermeiros, médicos, professores, etc. – 2010). Em meu comentário, saliento o quan- são, nesse caso, preponderantes nas discussões. to a proposta de Otávio Velho clama para o Há uma percepção, bem explícita nos escritos redirecionamento de uma Antropologia que de Maria Luiza Heilborn (2004) no livro An- não se defina como “mentora da democracia” tropologia e ética: o debate atual no Brasil, de – cujo foco seria a valorização e a tolerância à que a interdisciplinaridade veio redefinir a diversidade cultural –, mas que se faça a partir tradição de pesquisas antropológicas no país e de interlocuções negociadas e prática política, os estudos em equipe passaram a ser cada vez o que exige uma participação pública antro- mais frequentes. Para Heilborn (2004), antro- pológica para além, inclusive, dos limites de póloga com vasta experiência nos estudos so- nossa “corporação”, como a chama Otávio bre saúde, gênero e sexualidade, as condições Velho (2008). As implicações éticas desse cha- dessa passagem teriam que ser pensadas tam- 10 bém relativamente à questão ética: como con- projetos de educação e assistência à saúde, ciliar uma ética pessoal, disciplinar e multidis- lembra os desafios de tal disposição6: ciplinar? Nota-se que o enfrentamento dessa questão pode reformular outras dimensões do Se, por um lado, temos profícuas experiências com a aproximação com advogados, por exem- trabalho antropológico, como as dimensões plo, de outro, estamos recebendo demandas que da autoria e autoridade, também levantadas no não temos condições de responder satisfatoria- texto de Leite (2004) sobre a prática de laudos mente, especialmente porque essas demandas pretendem exigir respostas prontas e acabadas antropológicos em que se tem que lidar com (Santos, 2004, p. 99). equipes mais amplas de profissionais e engaja- mentos ativos dos próprios pesquisados. Mais uma vez, assim como no dilema Os relatos de Ceres Víctora (2004), Da- pesquisar/atuar que abordei anteriormente, niela Knauth (2004) e Perry Scott (2004), to- a problemática de como responder satisfato- dos pesquisadores que contam suas experiên- riamente a demandas sociais diversas aparece cias de pesquisas multidisciplinares no campo configurada como uma questão ética. O que da saúde, seguem a mesma preocupação em se põe em questão, nesse caso, são exatamen- relacionar a Ética a um conjunto de procedi- te os procedimentos para sua efetivação, o mentos válidos de pesquisa, em colaboração que por vezes implica considerar certo des- com outros saberes. Víctora (2004), a partir compasso entre as formas de pesquisa antro- de sua experiência de pesquisa sobre saúde e pológica e outras formas disciplinares. sexualidade em grupos populares, tematiza os Já na proposta de Russel Perry Scott perigos de usos de materiais produzidos em (2004), que escreve um texto contando suas contextos disciplinares específicos por outras vivências no trabalho de promoção da saúde disciplinas (como, por exemplo, o uso etno- em comunidades periféricas do Recife, vê-se gráfico de prontuários médicos sem o con- uma subordinação dessas problemáticas acerca sentimento do paciente), abordando também das particularidades da Antropologia ao que as altas expectativas dos outros profissionais ele chama de “objetivo ético maior”, comum para a resolução de problemas imediatos pela tanto aos antropólogos quanto a outros pro- indicação de caminhos objetivos para a ação. fissionais e agentes envolvidos com as políticas De modo semelhante, as expectativas em tor- de intervenção, que seria a própria promoção no de uma “urgência na ação”, as quais colo- da saúde. Nesse caso, a Ética ganha uma vida cam em discussão as diferentes temporalida- social ativa não apenas na sua associação com des de produção do trabalho antropológico, procedimentos disciplinares de pesquisa em aparecem como uma preocupação no texto contextos de práticas inter/multidisciplinares, escrito pelo etnólogo Silvio Coelho dos San- mas na configuração do próprio objetivo da tos (2004) que, ao falar da crescente inserção pesquisa. Para Scott (2004), a sensibilidade de antropólogos em ONGs, órgãos estatais, política necessária nesses tipos de empreendi- 6 (cid:36)(cid:3)(cid:84)(cid:88)(cid:72)(cid:86)(cid:87)(cid:109)(cid:82)(cid:3)(cid:71)(cid:82)(cid:3)(cid:179)(cid:87)(cid:72)(cid:80)(cid:83)(cid:82)(cid:180)(cid:3)(cid:72)(cid:3)(cid:68)(cid:3)(cid:86)(cid:88)(cid:68)(cid:3)(cid:76)(cid:80)(cid:83)(cid:82)(cid:85)(cid:87)(cid:68)(cid:81)(cid:87)(cid:72)(cid:3)(cid:83)(cid:85)(cid:82)(cid:69)(cid:79)(cid:72)(cid:80)(cid:68)(cid:87)(cid:76)(cid:93)(cid:68)(cid:111)(cid:109)(cid:82)(cid:3)(cid:81)(cid:88)(cid:80)(cid:3)(cid:70)(cid:82)(cid:81)(cid:87)(cid:72)(cid:91)(cid:87)(cid:82)(cid:3)(cid:72)(cid:80)(cid:3)(cid:84)(cid:88)(cid:72)(cid:3)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:81)(cid:82)(cid:86)(cid:86)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:72)(cid:87)(cid:81)(cid:82)(cid:74)(cid:85)(cid:68)(cid:191)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:86)(cid:109)(cid:82)(cid:3)(cid:73)(cid:72)(cid:76)(cid:87)(cid:68)(cid:86)(cid:3) em períodos temporais bem circunscritos e progressivamente menores – não apenas na prática de pesquisas realizadas por demandas externas de assessorias e consultorias, mas também na pesquisa acadêmica dos cursos de mestrado e doutorado – é um tema premente de maiores produções, uma vez que tal diminuição pode (cid:68)(cid:70)(cid:68)(cid:85)(cid:85)(cid:72)(cid:87)(cid:68)(cid:85)(cid:3)(cid:70)(cid:82)(cid:81)(cid:191)(cid:74)(cid:88)(cid:85)(cid:68)(cid:111)(cid:125)(cid:72)(cid:86)(cid:3)(cid:76)(cid:80)(cid:83)(cid:82)(cid:85)(cid:87)(cid:68)(cid:81)(cid:87)(cid:72)(cid:86)(cid:3)(cid:81)(cid:68)(cid:3)(cid:73)(cid:82)(cid:85)(cid:80)(cid:68)(cid:111)(cid:109)(cid:82)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3)(cid:70)(cid:82)(cid:81)(cid:75)(cid:72)(cid:70)(cid:76)(cid:80)(cid:72)(cid:81)(cid:87)(cid:82)(cid:3)(cid:72)(cid:80)(cid:3)(cid:36)(cid:81)(cid:87)(cid:85)(cid:82)(cid:83)(cid:82)(cid:79)(cid:82)(cid:74)(cid:76)(cid:68)(cid:3)(cid:72)(cid:15)(cid:3)(cid:70)(cid:82)(cid:81)(cid:86)(cid:72)(cid:84)(cid:88)(cid:72)(cid:81)(cid:87)(cid:72)(cid:80)(cid:72)(cid:81)(cid:87)(cid:72)(cid:15)(cid:3)(cid:81)(cid:68)(cid:86)(cid:3) (cid:71)(cid:76)(cid:80)(cid:72)(cid:81)(cid:86)(cid:125)(cid:72)(cid:86)(cid:3)(cid:112)(cid:87)(cid:76)(cid:70)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:71)(cid:82)(cid:3)(cid:87)(cid:85)(cid:68)(cid:69)(cid:68)(cid:79)(cid:75)(cid:82)(cid:3)(cid:68)(cid:81)(cid:87)(cid:85)(cid:82)(cid:83)(cid:82)(cid:79)(cid:121)(cid:74)(cid:76)(cid:70)(cid:82)(cid:17)(cid:3)(cid:54)(cid:82)(cid:69)(cid:85)(cid:72)(cid:3)(cid:76)(cid:86)(cid:86)(cid:82)(cid:15)(cid:3)(cid:86)(cid:88)(cid:74)(cid:76)(cid:85)(cid:82)(cid:3)(cid:89)(cid:72)(cid:85)(cid:29)(cid:3)(cid:54)(cid:70)(cid:75)(cid:88)(cid:70)(cid:75)(cid:15)(cid:3)(cid:57)(cid:76)(cid:72)(cid:76)(cid:85)(cid:68)(cid:3)(cid:72)(cid:3)(cid:51)(cid:72)(cid:87)(cid:72)(cid:85)(cid:86)(cid:3)(cid:11)(cid:21)(cid:19)(cid:20)(cid:19)(cid:12)(cid:17) 11 mentos de colaboração estaria justamente na nio político por excelência, se associa o mo- efetivação de linguagens e práticas de comu- vimento de incremento de procedimentos e nicação entre os envolvidos que possibilitem a recursos técnicos para sua regulamentação valorização dos múltiplos caminhos de buscar e controle, ou seja, a consideração da Ética a saúde, sem tentar isolar uma voz, privilegian- como tópico de regulamentação. Parece ha- do-a como mais ou menos correta em relação ver, portanto, dois movimentos correlatos: às demais: “Eticamente, este papel cabe ao de um lado, a crescente consideração da Éti- cientista tanto quanto a qualquer outro agente ca como um domínio político por excelência; social” (Scott, 2004, p. 151). de outro lado, uma espécie de seu encapsula- A perspectiva sobre ética trazida pela práti- mento prático em artefatos técnico-burocrá- ca de Scott (2004) assemelha-se àquela trazida ticos próprios de órgãos para sua regulamen- por Claudia Fonseca (2010a), no texto: “Que tação e controle, não raro forjados como um ética? Que ciência? Que sociedade?”, a qual re- domínio de “técnico-especialistas”. Como cupera uma pesquisa da etnógrafa da ciência expõem as antropólogas Marie-Andrée Ja- Sheila Jasanoff (2005). Esta autora, ao realizar cob e Annelise Riles (2007), em um texto uma análise antropológica comparativa dos co- de introdução a um dossiê da revista PoLAR mitês nacionais de bioética na Inglaterra, Ale- sobre o assunto, publicado em 2007 e provo- manha e Estados Unidos mostrou como, na cativamente chamado “The new bureaucra- prática, a Ética era entendida em tais domínios cies of virtue: an introduction”, um dos mais de ação. Seus resultados mostraram que havia evidentes produtos da ética moderna é que um reconhecimento crescente da Ética como esse domínio tem que ser constantemente um fórum de comunicação e de deliberação explicitado e burocraticamente evidencia- democrática, em oposição ao seu entendimen- do. Todo esse trabalho é apresentado como to como um ramo disciplinar, particularizado, um bem autoevidente, sempre carregado de dos “especialistas na análise da moral”. Noto sentido de tornar as coisas melhores (Jacob que tal construção sobre ética abre a participa- e Riles, 2007). A primeira questão suscitada ção de atores diversos – inclusive leigos – nas nessa configuração é, sem dúvida, melhores discussões acerca de princípios e procedimen- para quem, ao que se acompanha da interro- tos de pesquisa e traz para o centro do debate a gação sobre como, afinal de contas, produ- dimensão política, muito mais do que técnica, zir esse melhor e também de que forma esse envolvida na produção de conhecimento cien- bem autoevidente chega a ser burocratizado tífico. Nesse sentido, a dimensão da própria e institucionalizado nas rotinas das práticas autonomia da ciência coloca-se na berlinda. disciplinares. Daí o clamor por etnografias dos Comitês de Ética, dessas “burocracias da A Ética como campo de regulamentações: virtude”, como as autoras os chamam (Jacob quando dizer “não” não basta e Riles, 2007)7. Conscientes de tal cenário e dos múlti- No entanto, vale evidenciar que, à pro- plos planos em que a Ética aparece na pes- gressiva construção da Ética como um domí- quisa antropológica – em sua vida social ati- 7 (cid:49)(cid:82)(cid:3)(cid:37)(cid:85)(cid:68)(cid:86)(cid:76)(cid:79)(cid:15)(cid:3)(cid:68)(cid:76)(cid:81)(cid:71)(cid:68)(cid:3)(cid:87)(cid:72)(cid:80)(cid:82)(cid:86)(cid:3)(cid:83)(cid:82)(cid:88)(cid:70)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:72)(cid:87)(cid:81)(cid:82)(cid:74)(cid:85)(cid:68)(cid:191)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:71)(cid:82)(cid:86)(cid:3)(cid:38)(cid:82)(cid:80)(cid:76)(cid:87)(cid:114)(cid:86)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3)(cid:101)(cid:87)(cid:76)(cid:70)(cid:68)(cid:15)(cid:3)(cid:80)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:86)(cid:87)(cid:68)(cid:70)(cid:82)(cid:3)(cid:68)(cid:3)(cid:71)(cid:76)(cid:86)(cid:86)(cid:72)(cid:85)(cid:87)(cid:68)(cid:111)(cid:109)(cid:82)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3)(cid:80)(cid:72)(cid:86)(cid:87)(cid:85)(cid:68)(cid:71)(cid:82)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3) (cid:43)(cid:68)(cid:85)(cid:68)(cid:92)(cid:68)(cid:80)(cid:68)(cid:3)(cid:11)(cid:21)(cid:19)(cid:20)(cid:20)(cid:12)(cid:15)(cid:3)(cid:68)(cid:3)(cid:84)(cid:88)(cid:68)(cid:79)(cid:3)(cid:80)(cid:68)(cid:81)(cid:76)(cid:73)(cid:72)(cid:86)(cid:87)(cid:68)(cid:3)(cid:88)(cid:80)(cid:3)(cid:89)(cid:76)(cid:86)(cid:116)(cid:89)(cid:72)(cid:79)(cid:3)(cid:72)(cid:81)(cid:87)(cid:88)(cid:86)(cid:76)(cid:68)(cid:86)(cid:80)(cid:82)(cid:3)(cid:83)(cid:72)(cid:79)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:83)(cid:82)(cid:79)(cid:116)(cid:87)(cid:76)(cid:70)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3)(cid:85)(cid:72)(cid:74)(cid:88)(cid:79)(cid:68)(cid:80)(cid:72)(cid:81)(cid:87)(cid:68)(cid:111)(cid:109)(cid:82)(cid:15)(cid:3)(cid:72)(cid:80)(cid:69)(cid:82)(cid:85)(cid:68)(cid:3)(cid:87)(cid:68)(cid:80)(cid:69)(cid:112)(cid:80)(cid:3) (cid:86)(cid:82)(cid:73)(cid:85)(cid:68)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3)(cid:88)(cid:80)(cid:68)(cid:3)(cid:72)(cid:86)(cid:83)(cid:112)(cid:70)(cid:76)(cid:72)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3)(cid:79)(cid:68)(cid:70)(cid:88)(cid:81)(cid:68)(cid:3)(cid:72)(cid:87)(cid:81)(cid:82)(cid:74)(cid:85)(cid:105)(cid:191)(cid:70)(cid:68)(cid:3)(cid:68)(cid:71)(cid:89)(cid:76)(cid:81)(cid:71)(cid:68)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3)(cid:88)(cid:80)(cid:68)(cid:3)(cid:83)(cid:85)(cid:72)(cid:82)(cid:70)(cid:88)(cid:83)(cid:68)(cid:111)(cid:109)(cid:82)(cid:3)(cid:70)(cid:82)(cid:80)(cid:3)(cid:82)(cid:3)(cid:86)(cid:76)(cid:74)(cid:76)(cid:79)(cid:82)(cid:3)(cid:71)(cid:82)(cid:86)(cid:3)(cid:71)(cid:68)(cid:71)(cid:82)(cid:86)(cid:15)(cid:3)(cid:83)(cid:72)(cid:85)(cid:76)(cid:74)(cid:82)(cid:3)(cid:77)(cid:105)(cid:3) (cid:68)(cid:83)(cid:82)(cid:81)(cid:87)(cid:68)(cid:71)(cid:82)(cid:3)(cid:72)(cid:80)(cid:3)(cid:41)(cid:82)(cid:81)(cid:86)(cid:72)(cid:70)(cid:68)(cid:3)(cid:11)(cid:21)(cid:19)(cid:20)(cid:19)(cid:69)(cid:12)(cid:3)(cid:81)(cid:68)(cid:3)(cid:85)(cid:72)(cid:68)(cid:79)(cid:76)(cid:93)(cid:68)(cid:111)(cid:109)(cid:82)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3)(cid:72)(cid:87)(cid:81)(cid:82)(cid:74)(cid:85)(cid:68)(cid:191)(cid:68)(cid:86)(cid:3)(cid:71)(cid:72)(cid:3)(cid:76)(cid:81)(cid:86)(cid:87)(cid:76)(cid:87)(cid:88)(cid:76)(cid:111)(cid:125)(cid:72)(cid:86)(cid:3)(cid:179)(cid:80)(cid:82)(cid:71)(cid:72)(cid:85)(cid:81)(cid:68)(cid:86)(cid:180)(cid:17) 12 va, como eu prefiro chamar – antropólogos lógica (Fleischer e Schuch, 2010), mas que que fazem pesquisa no Brasil têm visto com foram constatados por outros pesquisadores suspeita o incremento dos procedimentos de brasileiros, principalmente concentrados no regulamentação ética. Sobretudo, em razão campo da saúde (Luna, 2007 e Nascimen- de uma crítica ao modo como tais regula- to, 2010, entre outros). Tais experiências mentações foram introduzidas no Brasil, não revelam as dificuldades de compreensão das tão diferente do cenário internacional, isto técnicas de pesquisa da Antropologia, como é, com forte influência disciplinar biomédica a observação participante, o privilégio do (Diniz, 2005). Como fica evidente na leitura qualitativo, as complexidades de aplicação dos artigos dos dois livros analisados aqui, na de um consentimento livre e esclarecido sua construção como política de regulamen- em pesquisas em que o trabalho de campo tação, a Ética na Antropologia é um campo é uma modalidade de interação social que aberto de debates, não obstante a consensual não está dada a priori, sobretudo em po- rejeição da generalização do modelo biomé- pulações de tradição oral (Ferreira, 2010 e dico, motivada por justificativas diversas, Heilborn, 2004). No caso relatado por Dora nesse caso nem tão consensuais, entre os ar- Porto (2010), que apresentou seu projeto de tigos estudados. Tais justificativas diferencia- pesquisa a um Comitê de Ética da Faculda- riam as pesquisas antropológicas dos estudos de de Ciências da Saúde da UnB e teve seu biomédicos segundo alguns fatores: as dife- projeto recusado em função de inúmeros fa- rentes formas contextuais e situacionais de tores – uma das objeções foi, inusitadamen- produção da verdade (Kant de Lima, 2004); te, o título do projeto: “Qualidade de vida, as particularidades das pesquisas in situ e qualidade da saúde e qualidade de atenção à pesquisas ex situ (Ramos, 2004); as dificul- saúde: as bases da pirâmide social no coração dades de conciliação entre uma ética univer- do Brasil”. Segundo o Comitê, as mulheres sal, fundada na representação da pessoa livre, negras – grupo de seu interesse – não esta- igual e autônoma, intrínseca à ideologia in- vam na base da pirâmide social e o Distrito dividualista ocidental com o acesso a formas Federal – local de seu estudo – não era o co- outras de ser pessoa, próprias da investigação ração do país, mas, sim, São Paulo, estado antropológica (Duarte, 2004); e a diferença mais rico da federação (!). proposta por Luís Roberto Cardoso de Oli- Em vista desses fatores e não obstante veira (2004), que especifica as pesquisas com o reconhecimento de alguns textos presentes seres humanos, nas quais o chamado obje- nas coletâneas analisadas de que pesquisas to de pesquisa é um interlocutor ativo, e as antropológicas não podem menosprezar o pesquisas em seres humanos, que envolvem alto “poder simbólico” envolvido nas suas situações em que os seres humanos são obje- produções (Caroso, 2004) e da sugestão de tos de intervenção à semelhança de cobaias. que seus efeitos não seriam incólumes para Somam-se a isso os relatos de confrontos as populações-alvo das pesquisas (Fonseca, concretos de pesquisadores com os Comitês 2010a), são claros os argumentos de que de Ética em Pesquisa, como aqueles apre- existem profundas diferenças entre os modos sentados por Dora Porto (2010), Fernanda de produção de pesquisa nas áreas sociais e Bittencourt Vieira (2010), Luciane Ouri- biomédicas, o que expõe a extrema dificul- ques Ferreira (2010) e Raquel Lima (2010), dade em normatizar procedimentos a partir presentes num dos livros aqui analisado: de uma única tradição disciplinar. Como em Ética e regulamentação da pesquisa antropo- meu próprio comentário presente no livro 13 Ética e regulamentação na pesquisa antropo- existentes às especificidades próprias das Ci- lógica (Fleischer e Schuch, 2010), as orien- ências Sociais (Diniz, 2010; Fleischer, 2010; tações biomédicas, ao focarem na noção de Heilborn, 2004; Víctora, 2004), assim como risco e vulnerabilidade dos sujeitos pesqui- uma luta para ampliação dos termos legais sados, ainda produzem estruturalmente dois para abarcar especificidades da pesquisa nas tipos de agência: a de um pesquisador ativo humanidades; de outro lado, há o esforço e todo poderoso e a de um pesquisado pas- para uma “recusa reflexiva”, como incitou sivo e vulnerável, que necessita ser protegido Duarte (2004), que se propõe a combater (Schuch, 2010a). orientações metadisciplinares, debatendo ao Noto que essa agência dos pesquisados mesmo tempo seriamente as principais ten- sendo configurada com base na noção de sões em torno do assunto. vulnerabilidade é tão ou mais paradoxal num Do ponto de vista de pesquisadores que contexto em que a própria percepção da po- se engajam praticamente nas atividades rela- litização do campo de trabalho antropológico cionadas aos Comitês de Ética, é visível uma (Velho, 2008) associa-se à politização dos gru- espécie de “aposta” de que tais artefatos ético- pos por nós pesquisados, tornando difícil a -políticos possam ser usados como oportuni- sua estrutural subordinação à posição de “ob- dades para ensejar novos relacionamentos em jeto” de pesquisa. As “autoetnografias” descri- pesquisa, aproximando-se da noção de uma tas por Alcida Ramos (2007) são realidades “ética incorporada”, não exterior aos procedi- inescapáveis de reflexão. O quadro de crescen- mentos de pesquisa, defendida na introdução te expansão do ensino superior brasileiro, que da coletânea norte-americana organizada por vem trazendo perfis renovados de estudantes Meskell e Pels (2005). A partir desse ponto de Antropologia, também apresenta um cená- de vista, Soraya Fleischer (2010) salienta a rio de grande complexidade no que se refere importância da nossa própria autotradução à produção de conhecimentos (por exemplo, e autorrepresentação para públicos mais am- Freitas e Harder, 2011). Cabem perguntas plos, em consonância ao já escrito por Perry aqui sobre a própria agência de regulamen- Scott (2004) sobre pesquisas multidisciplina- tações éticas que trabalham estruturalmente res. Esse trabalho se torna mais importante com uma noção de “vulnerabilidade” e os se considerarmos as observações de Dora possíveis efeitos dessa estruturação das rela- Porto (2010) que, refletindo sobre a referida ções de pesquisa entre pesquisador-pesquisa- solicitação de modificação do título de seu do nos estudos antropológicos. projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética de Nesse contexto, o desconforto frente ao sua universidade, também sugere que houve quadro de hegemonia disciplinar biomédica um extremo desconhecimento, por parte dos vem produzindo uma série de outras inquie- membros desse comitê, dos termos e modos tações, num domínio em que cada vez mais de pesquisa em Ciências Sociais. A autora su- chegamos à conclusão de que simplesmente gere que essa situação pode não ter sido cau- dizer “não” não basta. A julgar pela produ- sada apenas pela postura de tal comitê, mas ção antropológica sobre o assunto que aqui por uma dificuldade dos antropólogos em estou analisando, pode-se dizer que há um comunicar claramente as formas de pesquisa esforço duplo: de um lado, o investimento específicas dessa área disciplinar. na participação de antropólogos e cientistas Pode-se dizer que a criação de Comitês sociais em Comitês de Ética em Pesquisa e a de Ética em Pesquisa dedicados à avaliação de tentativa de adaptação das orientações legais estudos da área de “pesquisa social”, em clara 14

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A Vida Social Ativa da Ética na Antropologia vida social ativa, que deve ser estudada et- .. niela Knauth (2004) e Perry Scott (2004), to-.
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