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Para uma ontologia do ser social PDF

629 Pages·2013·4.475 MB·Portuguese
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Sobre Para uma ontologia do ser social II Ricardo Antunes Com a publicação deste segundo volume de Para uma ontologiado ser social, conclui-se o excepcional empreendimento intelectual de maturidade de György Lukács. Depois de elaborar, no primeiro volume, a sua crítica lógico-ontológica ao neopositivismo, ao existencialismo e a Hartmann e Hegel, além de apresentar sua autêntica (re)descoberta da ontologia materialista de Marx, Lukács realizou uma decisiva inversão no processo de conhecimento, cuja regência deve ser encontrada na lógica fundante do objeto. Neste volume, a crítica ontológica se debruça para desvendar os complexos categoriais decisivos do ser social: o trabalho, a reprodução, o momento ideal (e a ideologia) e o estranhamento. Sendo impossível desenhar aqui a riqueza e a complexidade desse movimento – verdadeiro marco na filosofia marxista do século XX –, basta indicar que Lukács foi o primeiro a recuperar a profunda dialética presente no trabalho humano, contra unilateralizações, dualismos e simplificações que banalizaram a temática por um longo período. Pelo papel central na gênese do ser social, no seu ir-sendo e no vir-a-ser, Lukács pode, na primorosa linhagem aberta por Marx, mostrar que o trabalho, mesmo quando se conforma como um trabalho estranhado, não elimina definitivamente sua dimensão de atividade vital. Em termos marxianos, o trabalho abstrato subordina o trabalho concreto ao mesmo tempo que o preserva. Assim, Lukács supera não só toda uma escola desconstrutora do trabalho – conhecida pelas teses do “fim do trabalho” – como também aqueles que, ao recusarem justamente as várias modalidades de alienação e estranhamento, fazem-no através do desencanto do trabalho, do advento do reino das melancolias e, last but not least, do sepultamento das potencialidades emancipadoras das forças sociais do trabalho. Em sua Ontologia, Lukács foi, é preciso enfatizar, excepcionalmente único em seu labor intelectual. Em um patamar muito superior ao já belíssimo História e consciência de classe, o que parecia uno se torna múltiplo; o que se apresentava como estático se converte em movimento; o que carregava ainda alguma herança ideal típica passa a ser contraditório e dialético. Mas, como não há trabalho sem reprodução da vida social, o passo seguinte dos complexos sociais do ser foi desvendar o tema da reprodução societal, sem o qual a socialidade humana estaria obstada. A divisão social, a educação, a fala, a alimentação, a sexualidade e o direito, dentre tantos outros elementos vitais para a efetividade do ser social, são tratados aqui a partir de uma ontologia singularmente social e humana. Trabalho e reprodução tornam-se intrinsecamente inter- relacionais, recusando-se qualquer dualismo. Indicadas essas duas categorias sociais determinantes do ser, Lukács oferece a efetiva compreensão da ontologia do momento ideal – e, dentro desta, do problema crucial da ideologia. Aqui, bastaria dizer que, contraditando a quase totalidade do marxismo que reduziu o problema da ideologia a sinônimo de falsa consciência (concebida equivocamente, de modo hiperdimensionado e isolado), Lukács recuperou o autêntico sentido humano positivo dado pelo momento ideal, que não apenas desempenha como é responsável por atitudes, ações e mudanças humanas decisivas, das quais as revoluções são exemplares. Para Lukács, a falsa consciência é, portanto, um momento do complexo ideal e da ideologia, e não sinônimo desta. Assim, o quarto complexo categorial volta-se para compreender o intrincado fenômeno social do estranhamento que desefetiva o ser social. Com a vigência do mundo da mercadoria em sua espectral objetividade, o estranhamento, que nada tem de “natural”, torna-se um fenômeno social decisivo para a modernidade e sua superação. Aqui, as indicações são tão seminais que bastaria lembrar que devemos ao filósofo húngaro, esse verdadeiro Galileu do século XX, as refinadas diferenciações entre as coisificações inocentes e as coisificações estranhadas: as primeiras emergem antes da vigência dominante da forma-mercadoria, ao passo que as segundas são típicas da fase de predominância do fetichismo da mercadoria. Trata-se, portanto, de uma pista excepcional para avançarmos na compreensão dos estranhamentos e das alienações que povoam a socialidade contemporânea. Sobre Para uma ontologia do ser social II A contribuição de Lukács com Para uma ontologia do ser social não foi ainda suficientemente analisada. Certamente que ela não passa sem problemas, nem é, também certamente, a solução para um renascimento do marxismo. Mas em relação a esta obra se pode afirmar, com inteira segurança, que abre um novo horizonte teórico-filosófico para o desenvolvimento do marxismo e que não haverá nenhum renascimento do marxismo se ela for ignorada. – José Paulo Netto A Ontologia tem como objetivo elaborar uma teoria da completa emancipação humana, da superação da mera singularidade particular (o individualismo burguês) em direção àquilo que, para o homem, é a sua essência, o realmente humano. – Guido Oldrini A Ontologia de Lukács é a mais ambiciosa e a mais importante reconstrução filosófica do pensamento de Marx que foi possível registrar nos últimos decênios. – Nicolas Tertulian Ninguém pode contestar o fato de que a Ontologia representa uma virada no marxismo. – Frank Benseler Sumário Nota da editora Em busca das raízes da ontologia (marxista) de Lukács - Guido Oldrini Segunda Parte: Os complexos de problemas mais importantes I. O trabalho 1. O trabalho como pôr teleológico 2. O trabalho como modelo da práxis social 3. A relação “sujeito-objeto” no trabalho e suas consequências II. A reprodução 1. Problemas gerais da reprodução 2. Complexo de complexos 3. Problemas da prioridade ontológica 4. A reprodução do homem na sociedade 5. A reprodução da sociedade enquanto totalidade III. O ideal e a ideologia 1. O ideal na economia 2. Sobre a ontologia do momento ideal 3. O problema da ideologia IV. O estranhamento I. Os traços ontológicos gerais do estranhamento 2. Os aspectos ideológicos do estranhamento 3. A base objetiva do estranhamento e da sua superação Índice onomástico Referências bibliográficas Sobre o autor E-books da Boitempo Editorial Nota da editora Em 2010, a Boitempo lançou-se a uma empreitada editorial de fôlego: a tradução e publicação das obras do filósofo húngaro György Lukács. Nesse ano, lançou Prolegômenos para uma ontologia do ser social, em 2011 deu continuidade ao trabalho com O romance histórico e em 2012 editou mais duas obras: Lenin: um estudo sobre a unidade de seu pensamento e o primeiro volume de Para uma ontologia do ser social, cujo segundo tomo o leitor tem agora em mãos. O trabalho editorial deste volume volta a contar com a dedicação de dois profissionais competentes: o tradutor Nélio Schneider e o revisor técnico Ronaldo Vielmi Fortes. Nessas funções, eles foram responsáveis pelos capítulos II, III e IV, traduzidos diretamente da edição alemã (Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins, segunda parte, “Die wichtigsten Problemkomplexe”, Darmstadt, Luchterhand, 1986, Werke, v. 14). O capítulo I tem por base uma tradução já existente e bastante conhecida, feita por Ivo Tonet, da edição italiana (Per l’ontologia dell’essere sociale, segunda parte, Roma, Riuniti, 1981), com revisão de Pablo Polese. Para esta edição, ele teve uma revisão da tradução de Nélio Schneider e foi parcialmente retraduzido por Ronaldo Vielmi Fortes, com base na edição alemã. Da mesma forma que nas publicações alemã e italiana, a edição brasileira de Para uma ontologia do ser social – conhecida também como Grande ontologia – foi editada em mais de um volume, seguindo a ordem das partes em que se divide o livro original. Por isso, toda vez que Lukács mencionar “a primeira parte do livro”, o leitor deve entender que se trata, aqui, do primeiro volume. Para fins de registro: os Prolegômenos para uma ontologia do ser social – conhecidos, por sua vez, como Pequena ontologia –, que acompanham a primeira parte da Grande ontologia em alemão, foram em português publicados em volume autônomo, como em italiano. Por se tratar da edição de um manuscrito, as notas de rodapé foram mantidas, com poucas alterações, da mesma forma que no original alemão, motivo pelo qual muitas vezes as referências bibliográficas encontram-se resumidas. Entre as poucas alterações feitas, destaca-se a inclusão, entre colchetes, do nome do autor e do título do livro, quando não havia, para evitar dúvidas e a fim de que as referências completas possam ser buscadas na bibliografia localizada ao final do livro, elaborada após cuidadosa pesquisa – por tratar-se de obras às vezes muito antigas, contudo, algumas vezes foi inviável indicar seus dados completos. Sempre que possível foram mencionadas edições brasileiras: inclusive, no caso de citações, suas páginas correspondentes também foram indicadas. Indicações de obras com data de publicação posterior à morte de Lukács foram incluídas pelo editor alemão, a fim de indicar referências mais atuais ao leitor da época. Eventuais interferências da equipe técnica ou da editora no texto de Lukács foram sinalizadas pelo uso de colchetes. Inserções do próprio Lukács em citações de outros autores também vêm entre colchetes, mas acompanhadas da sigla “G. L.”. As notas de tradução “(N. T.)”, de revisão técnica “(N. R. T.)”, da edição brasileira “(N. E.)” e da edição alemã “(N. E. A.)” vêm sempre precedidas de asteriscos; as notas do autor seguem a numeração da edição original alemã. Por fim, um esclarecimento de natureza conceitual: os tradutores mantiveram a opção de traduzir, neste segundo volume, os termos alemães Entfremdung, entfremden etc. por “estranhamento”, “estranhar” etc., reservando os termos “alienação”, “alienar” etc. para Entäusserung, entäussern etc. Mais uma vez, a Boitempo expressa seu reconhecimento aos profissionais diretamente envolvidos, sem os quais não teria sido possível concluir este trabalho, e aos acadêmicos lukacsianos Ricardo Antunes, autor do texto de capa, e Guido Oldrini, autor da Apresentação. A editora agradece também aos presidentes das fundações Maurício Grabois e Perseu Abramo, respectivamente Adalberto Monteiro e Marcio Pochmann, cujo apoio foi indispensável para tornar pública esta obra que, segundo o filósofo romeno Nicolas Tertulian, é a mais ambiciosa reconstrução filosófica do pensamento marxiano registrada na segunda metade do século XX. Em busca das raízes da ontologia (marxista) de Lukács[a] Guido Oldrini Quem pretende estudar as grandes obras finais de Lukács depara, antes de tudo, com uma arraigada (e, sob certos aspectos, relativamente justificada) desconfiança dos estudiosos para com aquele que é seu eixo central: o conceito de “ontologia”. Digo relativamente justificada porque a ontologia, como parte da velha metafísica, carrega consigo uma desqualificação que pesa sobre ela há pelo menos dois séculos, após a condenação inapelável de Kant. Somente com o seu “renascimento” no século XIX, ao longo da linha que vai de Husserl até Hartmann, passando pelo primeiro Heidegger, é que ela toma um novo caminho, abandonando qualquer pretensão de deduzir a priori as categorias do real, referindo-se criticamente, desse modo, ao seu próprio passado (ontologia “crítica” versus ontologia dogmática). Lukács parte daí, mas vai além: não só critica a ontologia “crítica” de tipo hartmanniano (sem falar de Husserl e Heidegger), como também desloca o centro gravitacional para aquele plano que ele define como “ontologia do ser social”. Surge, desse modo, uma ontologia crítica marxista, acolhida de imediato com a suspeita e a desconfiança de que falei por representantes de todas as orientações da literatura crítica, filósofos analíticos, neopositivistas, fenomenólogos, leigos como Jürgen Habermas, espiritualistas como Ernst Joós, mas também, na primeira linha, por marxistas ortodoxos (desde o velho W. R. Bayer, que já em 1969, antes mesmo que fosse publicada, se desembaraçava dela sem muitos incômodos, como de uma “criação idealista em voga”, até os muitos ataques dos expoentes da ortodoxia burocrática da República Democrática Alemã, como Ruben e Warnke, Kiel, Rauh, La Wrona etc., que se estenderam até os anos 1980). A Ontologia, apesar dos chamamentos e comentários dos intérpretes mais atentos (penso especialmente nos trabalhos de Nicolas Tertulian), teve bastante dificuldade para se impor e somente há pouco tempo começou a obter o lugar que lhe é devido, além de seu justo reconhecimento historiográfico. Hoje vale tranquilamente o que afirmou seu editor, Frank Benseler, no volume publicado em 1995 na Alemanha, na ocasião de seu próprio aniversário de 65 anos, com o título de Objektive Möglichkeit [Possibilidade objetiva]: “Ninguém pode contestar o fato de que ela representa uma virada no marxismo”[1]. As acolhidas negativas e as reservas antes apontadas são uma prova a contrario. A Ontologia constitui uma “virada” para o próprio Lukács, quando confrontada com suas posições marxistas juvenis, como as que podemos encontrar em História e consciência de classe; no entanto, não no sentido de que seria fruto de uma brusca e inesperada inversão de rota, de uma reviravolta que se teria verificado de improviso, sem preparo, na última década da vida do filósofo. Pelo contrário, por trás dela há uma longa história, que merece atenção, e cujas premissas pretendo rastrear com grande cautela, já que, até agora, a crítica praticamente não tratou desse assunto[2]. Com efeito, os intérpretes se concentraram muito mais sobre o antes e o depois da “virada” ontológica de Lukács. Os que estudaram as fases intermediárias de desenvolvimento, por exemplo os escritos berlinenses ou moscovitas, ou aqueles da volta à Hungria no pós-guerra, fizeram-no, no mais das vezes, isolando-os do seu contexto mais amplo,

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