Oswaldo Cruz a construção de um mito na ciência brasileira Nara Britto SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros BRITTO, N. Oswaldo Cruz: a construção de um mito na ciência brasileira [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1995. 144 p. ISBN 978-85-7541-289-3. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. o t t i r B a imortalizado na figura do Jeca Tatu; havia r Este livro nos mostra que a N o grito de guerra de Miguel Pereira: Oswaldo Cruz foi uma dessas pessoas “O Brasil é um vasto hospital!”. Oswaldo em cuja biografia realidade e mito se Cruz mitificado virou bandeira desses misturam de maneira inextricável. cruzados dispostos até mesmo a redefinir A autora nos conduz ao momento em que, as bases da política e da nação. Todo o morto Oswaldo Cruz, teve início o poder aos higienistas!, quase gritava Publicado originalmente há mais de processo de sua mitificação, de sua Monteiro Lobato, entusiasta dos novos dez anos, este livro mantém sua aa ccoonnssttrruuççããoo ddee uumm mmiittoo nnaa cciiêênncciiaa bbrraassiilleeiirraa canonização, de sua transformação missionários. atualidade como notável contribuição em totem da tribo dos médicos. Nara Britto retoma com criatividade O pesquisador competente, o criador de para o estudo das relações entre o tema, recorrente, da vida social, da Manguinhos, o vencedor da febre amarela biografia e processos coletivos. construção ideológica do mito. Em o no Rio de Janeiro é transmutado, após a Com criatividade e acurada pesquisa, fazendo, ajuda-nos a entender os conflitos, morte, em condutor de homens, em Nara Britto demonstra de que modo as angústias e as utopias de uma época, apóstolo e mártir da ciência, em salvador se estabeleceu uma tradição tão projetados no esforço de fabricação de Z da pátria, em herói nacional. Sua biografia marcante nos movimentos sanitaristas U nosso primeiro e único herói da ciência. é saneada pelos sanitaristas para abrir no passado e no presente: a de unir R C espaço ao mito do herói acima de qualquer José Murilo de Carvalho ciência e política como vocação. imperfeição. Considerá-la permite que se entenda O D A construção do mito não foi gratuita melhor o protagonismo de L nem aleatória. Foi obra de discípulos e Oswaldo Cruz e o lugar de A seguidores, sobretudo sanitaristas. O mito W destaque da saúde pública na foi utilizado como instrumento de S história social do Brasil. O superação dos conflitos que dividiam sanitaristas, clínicos e pesquisadores, que Nísia Trindade Lima dividiam até mesmo a comunidade de Né hariast Borriitatdoo, raat,u dazolmuteonrZtae e Nma rSao Acizoelvoegdiao ,pelo PeEsdqiutoisraad coirean dtíafi cCaa dsaa dEed iOtoswraa Fldiooc rCurzuz z MCicpNedoloraeealulr oaníOlaztaicgi s naBpc musdoçrôiaio.onidtntusthoeio t norc naamsaorã.í in zaoosTetgg soassrette.sren e aHgqcmd-aonuaarinve o zoai saspa ft dti rouocoóo did ti,ame e oOlnrr sorados emvewo nvmi ma daoel ze dnteeiboonotmarã.tntoo eqo su ederos Instituto Universitário de Pesquisas do u nacionalista despertado pela guerra; havia r c Rio de Janeiro (Iuperj); bolsista de o a crença ingênua no poder da ciência; i NARA BRITTO produtividade em pesquisa do CNPq; a F havia o salvacionismo político de classe docente do Programa de Pós-Graduação or média; havia a ojeriza ao bacharel, ao t em História das Ciências da Casa de di Triatoma bacalaureatus de Monteiro E Oswaldo Cruz (COC)/Fiocruz; diretora da Lobato. E havia também a descoberta do COC/Fiocruz. Brasil interiorano, do caipira doente aa ccoonnssttrruuççããoo ddee uumm mmiittoo nnaa cciiêênncciiaa bbrraassiilleeiirraa 1 Fundação Oswaldo Cruz Presidente Paulo Marchiori Buss Vice-Presidente de Ensino, Informação e Comunicação Maria do Carmo Leal Editora Fiocruz Diretora Maria do Carmo Leal Editor Executivo João Carlos Canossa Mendes Editores Científicos Nísia Trindade Lima Ricardo Ventura Santos Conselho Editorial Carlos Everaldo Álvares Coimbra Junior Gerson Oliveira Penna Gilberto Hochman Ligia Vieira da Silva Maria Cecília de Souza Minayo Maria Elizabeth Lopes Moreira Pedro Lagerblad de Oliveira Ricardo Lourenço de Oliveira 2 aa ccoonnssttrruuççããoo ddee uumm mmiittoo nnaa cciiêênncciiaa bbrraassiilleeiirraa 1a Reimpressão NARA BRITTO 3 Copyright © 1995 Nara Britto Todos os direitos desta edição reservados à Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz ISBN: 85-85676-09-4 1a edição: 1995 1a reimpressão: 2006 1a edição Capa e projeto gráfico Angélica Mello Revisão Marcionílio Cavalcanti de Paiva 1a reimpressão Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica Fernando Vasconcelos Revisão Irene Ernest Dias Digitação Gislene Monteiro Coimbra Guimarães Revisão da digitação Walter Duarte B862o Britto, Nara Oswaldo Cruz: a construção de um mito na ciência brasileira / Nara Britto. – Rio de Janeiro : Fiocruz, 1995. 144p. Inclui bibliografia 1. Oswaldo Cruz – biografia. 2. Pessoas famosas. 3. Saúde pública – história. I. Título. CDD – 20 ed. – 926 2006 Editora Fiocruz Av. Brasil, 4036 – 1o andar – sala 112 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ Tels: (21) 3882-9039 e 3882-9041 Fax: (21) 3882-9007 e-mail: [email protected] http://www.fiocruz.br/editora 4 Sumário Introdução 7 1. A construção de uma força social: a organização do movimento sanitarista 21 2. O Brasil de luto pela morte de Oswaldo Cruz 41 3. Como prosseguir sem Oswaldo Cruz? 55 4. O culto à memória 69 Comentários finais 125 Fontes e bibliografia 131 5 6 Introdução Este livro trata de Oswaldo Cruz. Não é uma biografia, porém parte de biografias e de uma extensa bibliografia às quais pode-se impu- tar a construção de uma imagem pública de Oswaldo Cruz. Assim, im- porta menos o homem do que o lugar que ele ocupa no imaginário coletivo1. Esta literatura, a qual intitulei de hagiografia oswaldiana, tem ori- gem no círculo médico próximo de Oswaldo Cruz. Produzida após a sua morte, em 1917, constitui um conjunto significativo de testemu- nhos que, ao lado de festividades organizadas com o propósito de mar- car a sua presença e eternizá-la, contribuiu para cristalizar determina- das imagens às quais associa-se a figura mitificada de Oswaldo Cruz, conhecida até hoje. Oswaldo Cruz é um mito porque retratado não apenas como um herói da nacionalidade, o bandeirante que fincou os alicerces da Nação, mas em quem vislumbram-se qualidades divinas e sagradas, sendo re- conhecido entre outras metáforas como o salvador, o apóstolo da ciência. A heroificação de que Oswaldo Cruz foi objeto consiste num processo iniciado com a sua morte e imediatamente associado ao movimento 1 Este trabalho foi originalmente apresentado como dissertação de mestrado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas (IFCS) da Univer- sidade Federal do Rio de Janeiro, em março de 1992. Sua elaboração dependeu fundamental- mente de seu acolhimento por parte de Paulo Gadelha, diretor da Casa de Oswaldo Cruz, e da condução firme e benevolente de Luiz Antonio Machado, que fez de sua orientação não apenas um meio de troca intelectual, mas um espaço para a construção de uma amizade duradoura. 7 sanitarista representado pela criação da Liga Pró-Saneamento do Brasil em 1918, difundindo-se a partir de então de forma difusa, mas não menos significativa. De fato, o movimento sanitarista foi um veículo poderoso de que não se pode dissociar o mito. Médicos e higienistas – como eram deno- minados os sanitaristas na época – constituem desde então a base social de sustentação de um discurso cujo atributo principal é o de conferir legitimidade às suas ações e interesses científico-políticos. O tema da legitimidade científica foi obscurecido pela literatura que trata as relações entre medicina e sociedade no Brasil no século XIX e no início do XX. Predominou nestes trabalhos uma tendência a carac- terizar a medicina como poder disciplinar, e os médicos como formu- ladores de uma estratégia de medicalização destinada a preparar e orga- nizar as populações urbanas para as novas relações sociais decorrentes do sistema capitalista. Esta concepção, apresentada de forma pioneira pelo estudo de Roberto Machado (Machado et al., 1978) sobre o tema, ao lado de ou- tros trabalhos que seguem a mesma abordagem (Luz, 1979; Costa, 1979), instituiu um paradigma que marcou as análises posteriores a respeito da medicina social e das políticas de saúde no Brasil2. Por outro lado, no campo da história da ciência no Brasil, o tema da legitimidade aparece como uma questão subjacente às ações da comu- nidade científica que, ante as oscilações do ambiente social nem sem- pre favorável ao florescimento científico – característica dos países sub- desenvolvidos –, cumpre um papel essencial no processo de institu- cionalização de suas atividades3. 2 Pelo menos até meados dos anos 80, predominou esta concepção em diversos trabalhos sobre a organização da saúde pública nas três primeiras décadas republicanas. Associa-se a lógica restritiva da ação estatal sobre certas doenças em detrimento de outras, o modelo campanhista, à lógica capitalista de manutenção da força de trabalho e de expansão das atividades econômicas (Costa, 1986; Labra, 1985; Campos, 1986). Para uma revisão crítica de aspectos desenvolvidos nesta literatura, ver Carvalho & Lima, 1992). 3 Os trabalhos pioneiros de Schwartzman (1979) e Stepan (1976) constituem uma referên- cia importante desse tipo de interpretação e, de certo modo, instituem um paradigma de análise que predominou na maioria dos estudos sobre a institucionalização da ciência no Brasil. Nessa perspectiva, a origem e desenvolvimento da chamada medicina experimental – isto é, a pesquisa de laboratório na área biomédica – é interpretada como uma conseqüên- cia do ambiente social satisfatório à ciência no início do século. Diz-se que, sob a ameaça constante de surtos epidêmicos que incidiam sobre os principais centros do país, o Estado teria tomado iniciativas que vieram beneficiar a atividade científica e o desenvolvimento de instituições de pesquisa no país, como demonstra o caso de institucionalização bem- sucedida do Instituto Oswaldo Cruz. 8