Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Departamento de História Os Povos Indígenas e os Sertões das Minas do Ouro no Século XVIII Núbia Braga Ribeiro Orientador: Professor Dr. Fernando A. Novais São Paulo 2008 2 NÚBIA BRAGA RIBEIRO Os Povos Indígenas e os Sertões das Minas do Ouro no Século XVIII Tese apresentada à Pós-Graduação do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do Título de Doutora. Área de Concentração: História Social Orientador: Professor Dr. Fernando Antonio Novais Universidade de São Paulo – USP São Paulo 2008 3 Folha de Aprovação Núbia Braga Ribeiro Os Povos Indígenas e os Sertões das Minas do Ouro no Século XVIII Tese apresentada à Pós-Graduação do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do Título de Doutora. Área de Concentração: História Social Aprovado em: _______________________________ Banca Examinadora Prof. Dr. ____________________________________________________________ Instituição:___________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Prof. Dr. ____________________________________________________________ Instituição:___________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Prof. Dr. ____________________________________________________________ Instituição:___________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Prof. Dr._____________________________________________________________ Instituição:___________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Prof. Dr. ____________________________________________________________ Instituição:___________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Prof. Dr. ____________________________________________________________ Instituição ___________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Prof. Dr. ____________________________________________________________ Instituição:___________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ 4 Dedicatória À minha filha Débora, sempre, e ao meu netinho que vai chegar. 5 Agradecimentos Algumas linhas merecem ser preenchidas referentes a esta pesquisa. Quando terminei, em junho de 1996, a dissertação de mestrado, Cotidiano e Liberdade: um estudo sobre os alforriados em Minas no século XVIII, sob a orientação do Professor Dr. Eduardo D’ Oliveira França, não pensava naquele momento encaminhar o doutorado, pois a sobrevivência e a necessidade de trabalhar num ritmo intenso falaram mais alto. Somente em 2002 tive condições de levar adiante o projeto, o qual foi entregue ao Professor França, mas logo após algum tempo, com o agravamento do estado de saúde do Professor, ele marcou um horário e me atendeu em sua casa. Nesse encontro me aconselhou a procurar, no nome dele, o Professor Fernando Novais para a continuidade da orientação e enfatizou que com ele contaria com a leitura criteriosa e a crítica atenta ao desafio do tema proposto. As palavras do Professor França evidenciavam a admiração, a confiança pessoal e profissional no Professor Novais. Ao se despedir de mim, o Professor França, disse: O grande inimigo da nossa história é o preconceito. A história do Brasil é racista. Procure o Fernando (referindo-se, de forma familiar, a ele, como se trata um amigo íntimo). Ele vai compreender. Ouvir o Professor França, para mim, era sempre vasculhar a profundidade das palavras e decifrá-las com seus desdobramentos. O tempo não permitiu que o Professor França acompanhasse este estudo. Entretanto, o tempo é matéria-prima da memória e alimenta a lembrança permanente dele em minha vida. O Professor, naquele dia do nosso encontro, me concedeu o privilégio de conhecer o estimado Professor Fernando Novais. A partir de então, fui adiante e o procurei. Para minha surpresa, após alguns meses, encontrava-se lecionando no curso de Pós-Graduação, da PUC Minas. O Professor Novais prontamente me recebeu e, mais que isso, acolheu o projeto. Depois da minha aprovação na seleção para a pós-graduação iniciamos a convivência aluna-orientanda e professor-orientador. Durante a convivência, percebi nele a sabedoria e a erudição, a integridade nas decisões e nas escolhas, a coerência com os ideais e atitudes, as questões provocadoras ao abordar um assunto que inquietam e brotam de um ensinamento instigante que são atributos de poucos. Ao se conviver com um mestre, descobre-se 6 que ser mestre não é uma conseqüência da obtenção de um título, tampouco garantia para se tornar um, por isso os mestres são raros. Devo minha gratidão à generosidade da vida por me proporcionar a oportunidade única de aprendizados que somente os mestres podem oferecer e sou grata duas vezes por ter dois mestres: Professor Fernando Novais e Professor França. Complexo é o cultivo do conhecimento, principalmente quando se trabalha o dia todo e, ao mesmo tempo, se dedica à elaboração de uma tese com intempéries e problemas impostos pela vida cotidiana. Nesse processo, primeiramente, agradeço com afeição respeitosa ao Professor Doutor Fernando Novais, meu orientador, que além de acompanhar passo a passo este estudo com a leitura criteriosa como havia me dito o Professor França, com compreensão e motivação fundamentais para chegar até a concretização deste estudo, acreditou em mim para a superação dos obstáculos imprevisíveis surgidos no meu percurso. Agradeço ao inesquecível Professor Doutor Eduardo D’Oliveira França (in memoriam), pela honra de ser a “sua filha das alterosas” como carinhosamente sempre me chamava. À Professora Doutora Vera Ferlini, mesmo com tantos compromissos cedeu sua atenção com sensibilidade e à Cátedra Jaime Cortesão, por possibilitar o acesso às pesquisas nos acervos portugueses. Ao Professor Doutor Caio Boschi, presença expressiva na minha trajetória desde aluna da graduação. Ao Professor Doutor Pedro Puntoni, pelos valiosos comentários críticos. À Doutora Ângela Domingues, co-orientadora em Lisboa, pela receptividade, pelos preciosos comentários ao estudo e as indicações de materiais imprescindíveis que não conseguiria de outra forma. Aos professores e pesquisadores do CHAM, por disponibilizarem certos recursos necessários a pesquisa. À Joely Pinheiro, amiga adorável com seu dom de compartilhar. À Lina Gorenstein e ao Aurélio Delgado, meu terno reconhecimento pelo apoio aconchegante, pela solidariedade e amizade de muitos aniversários. Ao Thiago Bastos, meu afeto pleno, cujo apoio me trouxe fôlego para que eu não desistisse e fez com que me lembrasse de mim mesma dia a dia, nos tempos difíceis que atravessei. Aos amigos e amigas, pela solidariedade e incentivo com palavras de esperança: Cristina Soares, Claudia Coimbra, Lídice e Valdir, Madu, Tânia e Alencar, Kanan, Tatá, Pablo Flokim, Huarlei. Ao Rafael pai do meu netinho e à ternura dos meus pais, irmã, irmãos e sobrinhos (as). 7 Resumo RIBEIRO, Núbia Braga.1 Os Povos Indígenas e os Sertões das Minas do Ouro no Século XVIII. 2008. 405 p. Tese (Doutorado) – Departamento de História. Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Este estudo aborda as políticas de ocupação e exploração das minas dos sertões concomitante as reações indígenas, no século XVIII, principalmente, a partir da década de 1730. Ao analisar as fontes, contempladas nas correspondências entre autoridades, instruções, planos de catequese e civilização, se constatou que a violência, como resultado da prática consuetudinária, prevaleceu sobre as leis de integração social dos gentios. Avaliou-se as investidas dos índios, ao impedirem o êxito dos propósitos do Antigo Sistema Colonial, tornaram objetos da política de Estado incluindo o destino desses povos na pauta de diretrizes, donde derivou a série de planos de catequese. Entretanto, nada mais foram que alternativas dissimuladas de cooptação, articuladas numa seqüência estratégica de anulação das resistências indígenas, como a invenção dos aldeamentos foi um meio de confiná-los em redutos projetados para infligir os hábitos da vida sedentária e a extinção da vida nômade. Pretendia-se adaptá-los ao modelo de civilização européia, promover a convivência com os não índios e viabilizar o acesso às minas. Nesta perspectiva a colonização, inevitavelmente, esteve associada à apropriação das riquezas, condição determinante do sentido à conquista e a razão à catequese. Em contrapartida, originou uma situação permanente de tensões diretamente vinculada à desapropriação das terras indígenas, conjuntamente revelou a maior incidência das disputas nas áreas dos principais focos de lutas indígenas e identificou-se, exatamente, nelas a concentração da política indigenista. Embora aparentemente as estratégias ressoassem o intuito de apaziguar os índios mediante os instrumentos de sujeição, tutela, liberdade restrita, a guerra ofensiva foi um recurso condicionado aos agravos das reações indígenas. Contudo, a guerra, fenômeno histórico-cultural tanto indígena quanto europeu, se efetivou nos combates armados de ambos os lados. Assim, sob o artifício da fé e civilização se enunciou o dever cristão de conduzir o “bárbaro selvagem” à salvação. No entanto, o cumprimento do dever esteve conexo à recompensa de administrar a vida dos índios, por conseguinte, de administrar a opulência do patrimônio abrigado nas sesmarias e datas minerais localizadas nos sertões. Em função disso, foi indispensável à pesquisa apreender a concepção de sertões e reconhecer a significância do nomadismo, comum aos índios, que forneceu a imagem de espaços em movimentos, compreendendo fronteiras imprecisas que se interagiam nas dimensões étnicas, sociais e econômicas. A itinerância dos índios conferiu atributos à identidade dos ambientes naturais, à medida que se deslocavam se constituía a referência de fluidez dos espaços, mas para dominá-los dependia de fixá-los em limites. Portanto, a correlação entre mobilidade dos sertões e inconstância dos gentios configurou uma geopolítica específica do interior da América portuguesa interligado pelos caminhos trilhados das minas do ouro entre Minas-Goiases-Cuiabá, Minas e Espírito-Santo, Minas-Bahia e assim por diante. As Minas Gerais setecentista, respeitadas as peculiaridades do contexto e das diversas etnias dos povos indígenas, guardavam os metais preciosos e delas se partia para outras minas. Os sertões dos índios eram os sertões das Minas do ouro, espalhadas ao longo dos rios, distantes do litoral, se apresentaram nos focos de reações indígenas que se interpunham como desafio para atingi-las. Palavras-chave: Índios, terra, sertão, catequese, colônia. 1 E-mail para contato [email protected] telefone 031 34627847 8 Abstract2 RIBEIRO, Núbia Braga. Indian Peoples And The "Sertões" of The Gold Mines In The 18th Century. 2008. 405 p. Tese (Doutorado) – Departamento de História. Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. This study focuses in the politics of settlement and exploitation of the mines of the hinterlands (“sertões”) and the Indians reactions in the 17th Century Brazil, mostly in the 1730´s. In analyzing the sources – the correspondence between authorities, instructions, catechism plans, we were able to verify that the violence, as a result of the consuetudinary practice, prevailed over the social integration laws of the gentiles. We evaluated that the Indians attacks - that were successful in stopping the Ancient Colonial System purposes - were subject to State policy, including the fate of these peoples in the State agenda, generating the catechism plans. However, these were dissimulated alternatives of cooptation, articulated in a strategic sequence of annulment of the Indian resistance, such as the creation of the settlements (“aldeamentos”), that was a means to confine them in planned locals that were able to cause the habits of a sedentary life and the end of the nomad life. The purpose was to adapt the Indians to the European civilization model, to promote the familiarity with others and to enable the access to the mines. In this perspective, the colonization was associated to the appropriation of the riches, that was an important condition to give sense to the conquest and justify the catechism. On the other hand, it originated a scenery with permanent tensions, directly linked to the expropriation of the Indian land, that appeared in the greater incidence of the dispute in the areas where the major Indian struggles developed, that were the same areas where were concentrated the policies regarding the Indians. Although apparently these strategies showed the intention of pacifying the Indians, by subjugation, tutorship and confinement, the war was a resource that was subject to the intensification of the Indians reactions. But the war, a historical and cultural phenomena both Indian and European, was accomplished in the battles. Thus the Christian duty of bringing the “salvage barbarian” to salvation was implanted under the artifice of faith and civilization. Nevertheless, the fulfillment of duty was connected to the rewards of governing the Indians, and of governing the riches of the estate that was located in the “sesmarias” and mines of the hinterland. Thus, it was important to the research the understanding of the concept of “sertão”, and to recognize the significance of nomadism, that supplied the image of spaces in movement, with imprecise borders that interacted in the ethnic, social and economic levels. The Indians dislocations gave identity features to the natural environment, and demanded the research to apprehend these dimensions. To be able to dominate them it was necessary to settle them in determined limits. The correlation between the mobility of the “sertões” and the inconstancy of the gentiles, shaped a specific geopolitics in the Portuguese America hinterland, connected by the paths of the gold mines (Minas- Goiases – Cuiabá, Minas and Espírito Santo, Minas-Bahia and so forth). The Minas Gerais of the 18th Century, respected the peculiarities of the context and the various ethnics of the Indians peoples, kept the precious metals and from there they went to other mines. The Indians “sertões” were the “sertões” of the gold mines, scattered by the rivers, faraway from the coast, and they presented themselves in the reactions of the Indians that were an obstacle to attain it. Key words: Indians, land, hinterland, catechism, colony. 2 Tradução para o inglês Lina Gorenstein. 9 Lista de Abreviaturas ABN – Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro AMP – Anais do Museu Paulista – São Paulo RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro – Belo Horizonte RIHGB – Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro – Rio de Janeiro RIHGMG – Revista do Instituto Histórico Geográfico de Minas – Belo Horizonte DHRJ – Documentos Históricos do Rio de Janeiro APM – Arquivo Público Mineiro – Belo Horizonte ANRJ – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro BNL – Biblioteca Nacional de Lisboa ATT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo – Lisboa BA – Biblioteca do Palácio da Ajuda ou Biblioteca da Ajuda – Lisboa MF – Microfilme ou F – Filme SC – Seção Colonial do APM SG – Secretaria de Governo do APM Cód. – Códice PBA – Coleção Pombalina da BNL FR – Fundos Reservados da BNL 10 Sumário I Introdução 12 Capítulo I Os Ameríndios e a Política de Terras na Capitania das Minas Coloniais 36 1 As Minas Coloniais 36 2 Os Povos Indígenas dos Sertões 44 a) Etnias 44 b) Costumes 54 3 As Estratégias Políticas dos Governos 70 3.1 A Política de Terras 98 a) Sesmarias e Datas Minerais 98 3.2 Povoamento 118 Capítulo II Os Sertões do Século XVIII 133 2 As Imagens dos Sertões 133 2.1 Limites e Fronteiras 148 2.2 As Riquezas da Terra e os Gêneros dos “Certões” 153 2.2.1 Os Recursos Naturais 153 a) A Mineração 153 b) A Exploração do Solo e das Matas 168 c) Os Caminhos e os Rios 184 2.3 Dos Usos dos Indígenas e das Terras dos “Certões” 193 a) Violência e Escravidão dos Índios 193 b) Tutela e Exploração do Trabalho Indígena 216 Capítulo III Catequese e Civilização 229 3 Domínio das Terras e dos Povos 229 a) Conflitos Políticos nas Fronteiras e nos Sertões 235 Estado e Igreja, Colonos e Indígenas 235
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