XXXVIII HENRI BERGSON CARTAS, CONFERÊNCIAS E OUTROS ESCRITOS GASTON BACHELARD - A FILOSOFIA DO NAO * ,,,,,,,. ,,,,,,,. O NOVO ESPIRITO CIENTIFICO * CutT'tfr~t EDITOR: VICTOR CIVIT A Títulos originais: Os textos de Henri Bergson que se encontram neste volume são, na sua quase totalidade, extraídos de L'énergie spirituelle (O cérebro e o pensamento, A consciência e a vida, A alma e o corpo) e de La pensée et le. mouvant (Introdução, A intuição filosófica, Introdução à metafísica). As Cartas a William James encontram-se em Écrits et paroles, 1 e II. Textos de Gaston Bachelard: La philosophie du non - Le nouvel esprit scientifique - La poétique de )'espace. l.ª edição - fevereiro 1974 ç, - Copyright desta edição, 1974, Abril S.A. Cultural e Industrial, São Paulo. Traduções publicadas sob licença de: Editorial Presença Ltda., Lisboa, e Presses Universitaires de France, Paris (A filosofia do não); Livraria Eldorado Tijuca Ltda., Rio de Janeiro, e Presses Universitaites de France, Paris (A poética do espaço); Presses Universitaires de France, Paris (Cartas a William James, Introdução à metafísica, O cérebro e o pensamento, A intuição filosófica, A consciência e a vida, A alma e o corpo, O pensamento e o movente, O novo espírito científico). SUMÁRIO CARTAS A WILLIAM JAMES ...................... ·. ....................... : ........ 7 INTRODUÇÃO À METAFÍSICA ... ....... .. .... .... ......................... ... ... . 17 O CÉREBRO E O PENSAMENTO .................. .......... ... ...... .. ............ .47 CONFERÊNCIAS ............... ... ....... .. .. .............. ..... .. ... ... ... ..... 59 A INTUIÇÃO FILOSÓFICA ..... ..... ............. ....... .... .. ........ ....... .. . 61 A CONSCIÊNCIA E A VIDA ...... ..... ........ ....... ... ......................... 75 A ALMA E O CORPO .. ... ....... ................. .... .... ........ .. ........... . 89 O PENSAMENTO E O MOVENTE .... .......................... .................... 105 A FILOSOFIA DO NÃO .... .. ....... ............ .. ... ... ......................... 159 O NOVO ESPÍRITO CIENTÍFICO .................................................. 24 7 A POÉTICA DO ESPAÇO ......................................................· ... 339 HENRI BERGSON CARTAS A WILLIAM JAMES* Tradução de Franklin Leopoldo e Silva * Traduzido do original francês Écrits et Paroles, 1-II. P.U.F., 1957, textos reunidos por Rose-Marie Mossé Bastide. Carta de Bergson a William James, de 6 de janeiro de 1903 Caro Confrade Acabo de ler o livro que tivestes a bondade de me enviar - The Varieties of Religious Experience - e quero dizer-vos da profunda impressão que esta leitura me causou. Eu a comecei há uma dezena de dias e, desde então, não posso pensar em outra coisa, tão cativante é o livro e, permiti-me dizer-vos, apaixonante de ponta a ponta. Lograstes, creio, extrair a própria quintessência da emoção religio sa. Sem dúvida sentíamos já que esta emoção é ao mesmo tempo uma alegria sui generis e a consciência de uma união com uma potência superior; mas qual é a natureza desta alegria e o que é esta união, é o que não parecia nem analisável nem exprimível, e é entretanto o que vós soubestes analisar e exprimir, graças a um procedimento novo que consiste em fornecer ao leitor, pouco a pouco, uma série de impressões de conjunto que interferem e ao mesmo tempo se fundem entre si, no espírito. Acabais de abrir um caminho no qual sereis certamente seguido por muitos outros, mas onde já fostes imediatamente tão longe, que se terá bastante dificuldade para vos ultrapassar e mesmo para vos alcançar. Se tivestes ocasião, nestes dez ou doze últimos anos, de conversar com estu dantes franceses de passagem por Cambridge, eles certamente vos terão dito que eu fui um de vossos primeiros admiradores e que jamais perdi ocasião de exprimir diante de meu auditório a grande simpatia que tenho por vossas idéias. Quando escrevi meu Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência só conhecia o vosso artigo sobre o Esforço, mas tinha sido conduzido, através da análise da idéia de tempo e de uma reflexão acerca da função desta idéia na mecânica, a uma certa concepção da vida psicológica que é bastante conciliável com a de vossa psicologia (exceto, todavia, pelo fato de que vejo nas próprias resting places os places of flight aos quais o olhar fixo da consciência confere uma imobilidade aparente). Isto significa dizer que nenhuma aprovação me poderia ser tão preciosa quanto a que tivestes a bondade de dar às conclusões de meu livro Matéria e Memória. Tentei neste livro - sem sacrificar nenhum dos resultados da fisiologia cerebral - mostrar como a relação de consciência com a atividade cerebral é coisa bem diferente do que supõem os fisiólogos e os filósofos: e vejo que, ainda neste ponto, seguimos caminhos bem próximos e provavelmente convergentes. Ao menos é o que se me depreende da leitura da interessantíssima conferência sobre Human Immortality que tivestes a bondade de me enviar. Quanto mais 10 BERGSON reflito sobre a questão, mais convencido fico de que a vida é, de ponta a ponta, um fenômeno de atenção. O cérebro é a própria direção desta atenção, ele marca, delimita e mede a tensão psicológica que é necessária à ação; enfim, ele não é nem a duplicata nem o instrumento da vida consciente, ele é o ponto extremo dela, a parte que se insere nos eventos - algo como a proa na qual o navio se estreita para cortar o oceano. Mas, como tão justamente o dizeis, esta concepção da relação entre cérebro e espírito exige que mantenhamos a distinção entre alma e corpo, transcendendo, ao mesmo tempo, o antigo dualismo, e, conseqüente mente, que quebremos muitos quadros nos quais estamos habituados a pensar. Desejo vivamente que se apresente uma ocasião para conversar convosco acerca de tudo isto. Posso vos pedir, no caso de que venhais à França, que me aviseis, a fim de que nos possamos encontrar?